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ESCOLA DE COMUNICAÇÃO
JORNALISMO
PRÉ-PROJETO
Rio de Janeiro
2017
TEMA – A ressignificação das tranças africanas sob o olhar das trancistas de
Madureira: uma reportagem digital.
DESCRIÇÃO DO OBJETO
Vestir uma roupa, fazer tatuagens, utilizar acessórios como um turbante. Raspar a
cabeça, alisar os cachos, assumir o cabelo crespo, usar tranças. O corpo é um transmissor
inerente de informações e diz muito sobre as subjetividades e valores de um indivíduo. No
vértice de uma sociedade imagética1 em que símbolos e atitudes carregam tantos
significados, assumir a própria natureza e compreender cada parte do corpo humano como
forma de expressão cultural e artística sugere esquecer a concepção antropológica física e
assimilar o corpo como um objeto de construção social, cultural e identitária2.
Todo corpo contém inúmeros outros corpos virtuais que o indivíduo pode
atualizar por meio da manipulação de sua aparência e de seus estados
afetivos. (...) Roupas, cosméticos, atividades físicas formam uma
constelação de produtos cobiçados, destinados a ser o camarim onde o
ator social cuida daquela parte de si mesmo que em seguida vai exibir
como se fosse um cartão de visitas de carne e osso. (BRETON apud
MALYSSE, 2002, p. 2)
1
Para saber mais sobre a sociedade da imagem e seus discursos visuais, consultar BAUDRILLARD, Jean.
Simulacros e Simulação. Tradução de Maria João da Costa Pereira. Lisboa: Relógio d´água, 1991.
2
Na vanguarda da Escola de Psicologia de Paris, Marcel Mauss, antropólogo francês, considerou que ao
invés de produto do próprio corpo, o homem é na realidade produtor da sua matéria corporal uma vez que se
encontra mergulhado em uma sociedade repleta de símbolos e cultura. A partir dessa concepção, totalmente
oposta à Antropologia Física, o pensador promove a “antropologia do corpo”, que compreende a matéria
humana como projetora de concepções particulares do indivíduo.
país. A prática, compreendida como “branqueamento”3, consiste na camuflagem de traços
negros (como pele escura, cabelo crespo, nariz largo e lábios grossos) para menor
discriminação e provável aceitação na sociedade branca.
Entre os constituintes do corpo negro sujeitos à marginalização está o cabelo
crespo, fundamental na composição da identidade negra4.
No regime escravista a “lida” do escravo implicava em trabalhos forçados
no eito, na casa-grande, na mineração. Implicava, também, a violência e os
açoites impingidos sobre o corpo negro. Dentre as muitas formas de
violência impostas ao escravo e à escrava estava a raspagem do cabelo.
Para o africano escravizado esse ato tinha um significado singular. Ele
correspondia a uma mutilação, uma vez que o cabelo, para muitas etnias
africanas, era considerado uma marca de identidade e dignidade. Esse
significado social do cabelo do negro atravessou o tempo, adquiriu novos
contornos e continua com muita força entre os negros e as negras da
atualidade. (ROCHA, 2016, p. 7)
3
A este respeito, ver MEMMI, Albert. Retrato do colonizado precedido pelo retrato do colonizador. Trad.
Roland Corbisier e Mariza Pinto Coelho. 3ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.
4
ROCHA, Neli Gomes. Crespos: cabelo como ícone da identidade negra. Memória e estética, a circulação
de ideias e valores na realidade brasileira. Curitiba: Revista NEP, 2016.
O cabelo crespo, por consequência, é cercado de conotações preconceituosas
reforçadas pela mídia popular brasileira através de estereótipos. Não raro, estigmas e
outros mecanismos de supressão de identidade são usados como estratégias ideológicas
tendo como finalidade a opressão, a segregação, a dominância e o fortalecimento do
padrão eurocêntrico (no caso, o cabelo liso), como referência de higiene e beleza.
A partir da diáspora africana, povos de diferentes regiões do continente migraram
forçosamente para as Américas e a Europa passando por um processo de reconstrução
cultural a partir dos padrões da nova realidade em que foram inseridos. Por essa razão,
muitas mulheres de tez escura e cabelo afro utilizavam pastas nocivas e ferro quente nos
cabelos, nas primeiras décadas do século XX (técnica reformulada nos dias de hoje e
facilmente encontrada em salões de beleza com o nome de “escova progressiva” e suas
variações).
Os sacrifícios do negro não foram reconhecidos pelas elites brancas e os insultos
raciais e as humilhações não chegaram ao fim; pelo contrário: "Ao seu esforço em vencer o
desprezo, em vestir-se como o colonizador, em falar a sua língua e comportar-se como ele,
o colonizador opõe a zombaria”5. Assim, mesmo no período pós-abolicionista, a inserção
do negro na sociedade englobou, entre outros tópicos, escassos cargos subalternos e feridas
raciais perpetuadas até os dias de hoje. Segundo Fanon (2008), "o evoluído de repente se
descobre rejeitado por uma civilização que ele no entanto assimilou”6.
É desse modo que, no início dos anos 1930 uma contraproposta ao padrão cultural
branco chegou à França e começou a se fortalecer: era o movimento da negritude, que
tinha como proposta negar a política de assimilação à cultura europeia. Conforme observou
Jean Paul Sartre (1968): “trata-se de morrer para a cultura branca a fim de renascer para a
alma negra”7. Assim, símbolos e valores culturais da cultura africana passaram a ser
resgatados e enaltecidos em uma constante busca pela consciência racial outrora ocultada.
As ideias do movimento francês chegaram ao Brasil apenas na década de 1940,
quando o coletivo Teatro Experimental Negro (TEN) passou a desenvolver a dramaturgia
5
Para mais informações, ver DOMINGUES, Petrônio. Movimento da negritude: uma breve reconstrução
histórica. Londrina: Revista de Ciências Sociais, 2005.
6
sobre o assunto, consultar FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Trad. Renato da Silveira.
Salvador: EDUFBA, 2008.
7
A este respeito, ver SARTRE, Jean-Paul. Reflexões sobre racismo. Trad. J. Guinsburg. 5ª edição. São
Paulo: Difel, 1968. p. 104
afro no país e imprimiu um viés político em suas apresentações. Assim como na França, a
negritude aqui floresceu e foi acolhida pela pequena elite intelectual negra do país
(composta por artistas, escritores, poetas, acadêmicos, entre outros), consolidando a luta
pelo orgulho racial em solo brasileiro. Dessa maneira, a causa francesa abriu caminhos
para a perpetuação de posteriores movimentos raciais no Brasil, que utilizaram a estética
afro como uma de suas principais forças de contestação.
Quando o “Black is Beautiful”8 prosperou nos Estados Unidos nos anos 1960, as
cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, dois centros altamente influenciados pela cultura
norte-americana, já estavam consideravelmente propensas à aderência ao movimento.
Assim, a partir do final da década de 1970, ressurgiu o corte black power (cabelo redondo
e cheio, ao natural), que sinalizava a tomada de consciência racial entre os negros
brasileiros. Em sequência, vieram os penteados afro, a valorização dos cortes em cabelos
naturalmente crespos (com repúdio do alisamento) e os trançados.
Essa nova estética entre os negros refletiu o retorno às origens diaspóricas e a
resposta à exclusão social à qual essa população foi sujeita não só durante o período
escravocrata, como também no pós-abolição. Contraposto ao padrão de beleza branco, o
cabelo crespo natural passou a ser utilizado como símbolo de uma nova consciência racial
e elevação da auto-estima. Assumir a estética, reconhecer a própria origem africana e
explorar toda a política por trás da naturalidade do cabelo e suas formas de uso tornou os
penteados uma espécie de mediadores entre o discurso da negritude e a sociedade, como
um todo. Sobre as estratégias negro-brasileiras de ressignificação de práticas culturais,
Sodré (1983) afirma:
É preciso deixar bem claro que não se tratou jamais de uma cultura negra
fundadora ou originária que aqui se tenha instalado para, funcionalmente,
servir de campo de resistência. Para cá vieram dispositivos culturais
correspondentes às várias nações ou etnias dos escravos arrebatados à
África entre séculos os séculos XVI e XIX. Tais culturas já conheciam
mudanças no próprio continente africano em função das reorganizações
territoriais e das transformações civilizatórias (substituições de antigos
reinos e impérios por dispositivos políticos de natureza estatal),
precipitadas pelas estruturas de escravo montadas pelos europeus.
No Brasil, as mudanças são evidentemente radicais. Desde o início, os
senhores (proprietários) evitavam reunir grande número de escravos de
8
Movimento cultural e comportamental norte-americano dos anos 1960, lançado a partir de lutas civis nos
Estados Unidos que se difundiu pelo mundo, atuando na elevação da auto-estima negra e fazendo política
através desse orgulho.
uma mesma etnia, estimulavam as rivalidades étnicas e desfavoreciam a
constituição de famílias. Os folguedos, as danças, os batuques — a
“brincadeira” negra — eram permitidos (e até mesmo aconselhados por
jesuítas), tanto por implicarem em válvulas de escape com por acentuarem
as diferenças entre diversas nações.
Entretanto, nesse espaço permitido, porque inofensivo dentro da
perspectiva branca, os negros reviviam clandestinamente os ritos,
cultuavam deuses e retomavam a linha de relacionamento comunitário. Já
se evidencia aí a estratégia africana de jogar com as ambiguidades do
sistema, de agir nos interstícios da coerência ideológica. A cultura
negro-brasileira emergia tanto de formas originárias quanto dos vazios
suscitados pelos limites da ordem ideológica (SODRÉ 1983, p.123-124)
O ato de trançar cabelos na cidade do Rio de Janeiro tem como principal cenário
de realização o subúrbio carioca, no qual destaca-se o bairro de Madureira por suas
diversas manifestações artísticas de origem africana. Na década de 1970, durante o fervor
9
A este respeito, ver LODY, Raul. Cabeças de Axé: identidade e resistência. Rio de Janeiro: Ed. SENAC
Nacional. 2004.
dos movimentos raciais estrangeiros, as ideias de valorização cultural e estética da
negritude correspondiam diretamente aos hábitos dos moradores dessa região. Madureira,
que conta atualmente com 50.106 habitantes10, teve sua população formada, sobretudo, por
ex-escravos e seus descendentes oriundos da região do Vale do Paraíba, no interior de
Minas Gerais e de fazendas dos subúrbios do estado fluminense. “A vida, naquela época,
era marcadamente rural, organizada em torno das festas religiosas, da música e da dança de
origem africana, ainda que com alguma influência portuguesa” (FRAIHA & LOBO, 1998,
p. 44-45). Décadas depois, Madureira foi tomada por moradores de outras regiões do Rio
de Janeiro (principalmente os habitantes mais pobres vindos do Centro remodelado pelo
prefeito Pereira Passos), culminando em uma mesclagem única de hábitos religiosos,
festas, ritmos e artes.
A “capital do subúrbio”11 atualmente apresenta uma numerosa quantidade de
trançadeiras e é onde se concentra a maior parte dos salões étnicos especializados em
cabelos afro do município. Referência comercial e cultural da zona norte carioca,
Madureira destaca-se, também, no comércio de apliques e extensões para mega hairs,
dreadlocks, entrelaçamento, crochet braids e boxbraids12.
Produzidas por trancistas de diferentes idades que trabalham em salões afro ou
vão até a casa das clientes, as tranças compõe uma espécie de apropriação política. Esse
tipo de penteado se diferencia não apenas do padrão estético branco difundido
exaustivamente pela mídia brasileira, como também do arquétipo de beleza negra
idealizado pelos meios de comunicação nos últimos anos.
Criar e reproduzir penteados transmitidos oralmente por cada geração da família é
uma forma de inserir-se em sua própria história ancestral e compreender de que maneira o
sagrado e o cotidiano se mesclam13. Analisar as subjetividades das mulheres que trançam
suas próprias naturezas com as mãos e tratam o cabelo como uma continuação do corpo é
10
Segundo censo demográfico realizado pela prefeitura do Rio de Janeiro em 2010, o bairro de Madureira
possui uma população de 50.106 habitantes, dos quais 27.162 são mulheres. Informação disponível em:
http://portalgeo.rio.rj.gov.br/bairroscariocas/index_bairro.htm. Acesso em: 20 jun de 2017.
11
Ver mais em FRAIHA & LOBO. Madureira e Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro: Fraiha, 1998.
12
Técnicas capilares que consistem em apliques, mechas emaranhadas, implantes de cabelo humano e
artificial por meio de tranças de raiz costuradas à base do cabelo e extensões em forma de tranças,
respectivamente.
13
Sobre o assunto, ver CLEMENTE, Aline. Trança Afro: a cultura do subalterno. São Paulo, Ed. U SP,
2010.
essencial para assimilar de que forma essas profissionais absorvem o próprio trabalho e
influenciam na construção identitária da mulher negra.
Ao manusear os fios crespos, as trançadeiras atuam como transmissoras da
‘memória ancestral’ no exercício de repensar o mundo, dinâmico e
diferenciado daquele descrito pelos valores culturais e estéticos do
ocidente, herdado pelo mundo moderno. As ‘guardiãs das memórias’ de
matrizes africanas, as “trançadeiras” tecem comportamentos sociais e
trançam ideias, possibilitando repensar o mundo de modo diferenciado do
qual o ocidente colonialista nos legou. (ROCHA, 2016, p.87-88)
14
Ver THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna. São Paulo, Ed. Vozes, 2001.
METODOLOGIA
PRÉ-SUMÁRIO
1. Introdução
Apresentação do tema e proposta de imersão etnográfica a fim de compreender as
subjetividades do cotidiano das trancistas de Madureira e elaborar uma reportagem.
Com base na simbologia das tranças nas sociedades africanas (sobretudo Nigéria e
Angola), será abordada a influência do penteado na valorização da cultura afro e
construção identitária negra pós-diáspora. Também serão identificadas as compreensões
das trancistas da cidade do Rio de Janeiro sobre o papel cultural das tranças na
atualidade.
5. A reportagem digital
5.1 Entrevistas
5.2 Pós-produção
5.3 Reportagem multimídia
6. Considerações Finais
Síntese do material estudado e uma possível conclusão.
7. Anexos
7.1 Entrevistas
7.2 Imagens
8. Referências bibliográficas
BIBLIOGRAFIA
CARNEIRO, Sueli. “Identidade feminina”: IN: Cadernos Geledés: Mulher negra. São
Paulo: Caderno IV, Geledés, 1993.
GOMES, Nilma Lino. Sem perder a raiz: corpo e cabelo como símbolo da identidade
negra. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
GOMES, Nilma Lino. Trajetórias escolares, corpo negro e cabelo crespo: reprodução de
estereótipos ou ressignificação cultural? Revista Brasileira de Educação, Campinas, n. 21,
p.40-51, set/out/nov./dez. 2002.
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LEAL, Odina Fachel. “Corpo e significado”. Ensaios de antropologia social. Porto Alegre:
ED. da Universidade FRS, 2001.
LODY, Raul. Cabelos de axé: identidade e resistência. Rio de Janeiro: Ed. SENAC
Nacional, 2004.
MUNANGA, Kabengle. Introdução. In: Negritude - Usos e sentidos. 2ª ed. São Paulo:
Ática, 1986.
OLIVEIRA, Josiane Silva de; VIEIRA, Francisco Giovanni David. Os bens de consumo
como mecanismo de mediação da reprodução cultural das mulheres negras. Revista
Comunicação, Mídia e Consumo. São Paulo, Vol. 6, n. 17, p. 73-99, 2009.
PAIXÃO, Marli Madalena Estrela. Uma rosa para meus cabelos crespos: experiências
estéticas e políticas da imagem. Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, UFMA,
2008.
ROCHA, Neli Gomes da. Crespos: o cabelo como ícone da identidade negra. Memória e
estética, a circulação de ideias e valores na realidade brasileira. REVISTA NEP (Núcleo de
Estudos Paranaenses) Curitiba, Vol.2, n.1, p. 86-92, 2016
SANSONE, Lívio. Negritude sem etnicidade: o local e o global nas relações raciais e na
produção cultural negra do Brasil, trad. de Vera Ribeiro. Salvador/Rio de Janeiro:
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SANTOS, Jocélio Teles dos. O negro no espelho: imagens e discursos nos salões de beleza
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SOUSA, Neusa dos Santos. Tornar-se negro: ou as vicissitudes das identidades do negro
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