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Resumo
Resumo
1 Essa apresentação, coordenada por Ingrid Dormien Koudela, se inspirou na publicação de textos de Büchner “Na Pena
e na Cena”, Ed. Perspectiva, 2004.
2 Professora aposentada da ECA/USP e tradutora, com inúmeros trabalhos teóricos e práticos sobre a Pedagogia Teatral,
a partir das propostas de Viola Spolin e principalmente de Bertolt Brecht.
O
Teatro de Figuras Alegóricas, de- modo de estruturá-la, no sentido em que as direções, e por Novalis como projeto, descente para a capacidade de exercitar o
senvolvidas na UNISO, propõe a Brecht (Brecht, BBGW vol.18, p.10; tra- conotando a idéia de espontaneidade e convívio e construir significados através de
possibilidade de criar encenações dução minha) colocou a questão: não acabamento, o fragmento é potencial- experimentos de caráter lúdicos e estéticos
que rompam com a forma line- mente uma semente literária, estimulando de teatro.
ar de contar histórias. A história É permitido perguntar se o esboço também o leitor a refazer ou levar adiante Os eixos de aprendizagem do jogo
é apresentada de maneira fragmentada, de uma peça deve ser representado o ato de reflexão. A estética do fragmentá- teatral como foco, instrução e avaliação for-
alinhando quadros de cenas que buscam quando ela existe em forma mais rio está, por sua vez, ligada a critica do oti- maram a base metodológica do processo.
completa. É permitido responder
romper o limite entre o palco e a platéia. mismo do progresso, e se processa dentro A instrução, que é um comando dado pelo
que por si só a grande importância
Na encenação de A Figura Woyzeck a opção dos horizontes do materialismo histórico, coordenador enquanto o jogo está em mo-
do complexo textual, no caso do
pedagógica e estética dialoga com cantigas Fausto justifica a encenação do Ur- nas obras de Bloch, Adorno, Horkheimer vimento, possibilitou o direcionamento do
de roda dançadas, criando uma inusitada Faust (Primeiro Fausto). Mas existe e Benjamin. A montagem moderna de processo em função do texto a ser experi-
relação entre o texto de Büchner e a cultu- ainda uma outra justificativa. O Ur- fragmentos é vista como reflexo da desor- mentado pelo grupo. A avaliação, realizada
ra popular brasileira. Trata-se de um teatro Faust tem vida própria. Pertence, dem real, permitindo uma visão critica da sistematicamente após o término do jogo
no qual a coreografia, a pantomima, o can- juntamente com o Robert Guiskard, totalidade. às vezes era feita com os jogadores na pla-
to e o texto são articulados na estruturação de Kleist e o Woyzeck de Büchner a De acordo com Röhl (Röhl, 2006) o téia e outras, quando o grupo todo estava
das cenas. A encenação de A Ferida Woyzeck um gênero muito especial de frag- trabalho com o fragmento tem para Mul- envolvido na cena, simplesmente em roda
utiliza o coro, alegorizando assim os per- mentos. Eles não são incompletos, ler, várias funções. Uma delas, de gran- através de perguntas colocadas pelo coor-
porém obras de arte feitas na forma
sonagens. Através do gesto e da palavra de importância, é a de impedir a indife- denador.
de esboços.
estendidos, o coletivo constrói o Gestus da renciação das partes numa totalidade e O acento do foco do jogo teatral foi a
experiência da coisificação, na qual o corpo ativar a participação do espectador. Na construção de uma atitude neutra em cena.
é visto em seu presente de dissolução. A influencia de Heiner Müller se fez verdade, trata-se de uma continuação ra- Os Jogos de Espelho e Siga o Seguidor (Spolin,
De acordo com Sábato Magaldi (Ma- presente na encenação de A Ferida Woyze- dicalizada do teatro praticado por Brecht, 2008) permearam todos os ensaios instau-
galdi, 1963, p. 23): ck, através das provocações radicais de visando igualmente a uma abertura para rando o processo colaborativo no grupo.
seu universo reflexivo e poético que figura efeitos, de forma a evitar que a história Neste sentido, as cantigas de roda auxilia-
como referencia do teatro pós-dramatico. se reduza ao palco. O fragmento torna- ram na construção das relações de parceria
Admiramos muitas peças e muitos
personagens. Reconhecemos inte- No programa anunciamos um comen- se produtor de conteúdos, abrindo-se à entre os atuantes e foram elaborados como
lectualmente a genialidade de mui- tário sobre o Woyzeck que deu o titulo à subjetividade do receptor, corresponden- material cênico para a construção do pro-
tas obras. A Woyzeck, ama-se, como encenação. Nas palavras de Heiner Müller do ao que Muller chama de espaços livres duto apresentado para a platéia.
a um semelhante. Sem ser profeta, (Müller, 1990 p. 114, tradução minha): para a fantasia, em sua opinião uma tarefa Outro foco enfatizado na experimenta-
pode-se imaginar que, no futuro, ele primariamente política, uma vez que age ção com o grupo foi o espaço (Onde) com
encarnará uma nova mitologia – a Woyzeck é a ferida aberta. Woyzeck contra clichês pré-fabricados e padrões suas inúmeras variantes. A apresentação
mitologia de nosso tempo. vive onde o cachorro está enterra- produzidos pela mídia. se deu em um espaço de arena. A cenogra-
do, o cachorro chama-se Woyzeck. O trabalho com o fragmento provoca a fia da encenação era constituída através do
O drama de farrapos, na feliz expressão Esperamos a sua ressurreição com
colisão instantânea de tempos heterogêne- objeto no espaço (Spolin, 2008), sendo que
cunhada por Anatol Rosenfeld é uma obra medo e/ou esperança. Que ele vol-
te como lobo. O lobo vem do sul. os, possibilitando a revisão critica do pre- atitude corporal e linguagem gestual eram
que se oferece ao encenador e aos atuan- sente à luz do passado. configuradas pelos atuantes que criavam
Quando o sol está no zênite, quando
tes desfazendo as perspectivas de tempo Os Jogos Teatrais de Viola Spolin tive- o espaço imaginário da tenda, do quarto,
se torna uno com a nossa sombra,
e espaço. As cenas podem ser deslocadas inicia a hora da incandescência, a ram neste contexto de formação de pro- do pântano etc. Também os personagens
e rearranjadas em novo continuo. Cada história. Somente quando a história fessores um papel fundamental para o de- foram construídos através de jogos teatrais
cena representa um momento substancial acontece vale a pena a decadência senvolvimento de habilidades de processo. que tinham o quem como foco. Jogos como
que encerra variados aspectos do mesmo coletiva na geada da entropia ou, A partir da experimentação com os jogos Quem sou eu? (Spolin, 2008) que mantém
tema – o desamparo de Woyzeck que se abreviado politicamente, no raio teatrais e do confronto com o texto buscou- embutido o principio da charada foram
agita e contorce enredado no labirinto do atômico que é o fim das utopias e
se construir a autonomia do grupo e a sua fundamentais para a criação dos coros de
mundo, balbuciando toscamente em seu será o inicio de uma realidade para
além do homem. leitura do fragmento de Büchner. Woyzeck e Marie. Nascidos destas relações
desespero mudo. de jogo foi possível realizar com o grupo
A capacidade imaginativa desenvol-
Mais do que buscar uma solução pré- de vinte e oito atuantes uma encenação que
vida no jogo oferece um número muito
via para o arranjo das cenas, com vistas à A tradição do fragmento remonta, na classificamos como singela, mas que guar-
maior de hipóteses do que aquelas que a
leitura e representação nos termos comu- literatura alemã, a Schlegel e Novalis. Vis- dava a pulsão do jogo na qual teve origem.
realidade física nos permite experimentar.
mente realizados pelos diferentes edito- to por Schlegel como uma pequena obra A encenação de A Ferida Woyzeck par-
Característica antropológica mais mar-
res da obra, a escritura buchneriana tal- de arte a estender, qual um ouriço, seus tiu de uma busca nas pistas de linguagem
cante do homem, o jogo é o núcleo incan-
vez devesse ser considerada, quanto ao espinhos críticos e provocadores em todas oferecidas pelo próprio texto. O confronto
de Woyzeck com seus superiores, repre- do o Gestus da dominação do pobre e coita- engloba a palavra, o canto e a dança. No do parte de textos literários como quando
sentantes dos estratos sociais dominantes, do Woyzeck, submetido aos experimentos mimos grego existiam formas de teatro im- se trata de repetições de falas que nascem
é indicado pelos vários padrões de lingua- medicinais e à exploração. O ventríloquo, provisacional que utilizavam a fala cotidia- do teatro improvisacional. Estes atalhos
gem utilizados por Büchner. Enquanto o sugerido por Büchner, foi expandido atra- na. A partir destas tradições deriva a fala podem partir de modelos de ação (Handlun-
Capitão, o Médico e o Professor empregam vés da construção de um boneco (Jaime Pi- em versos do teatro clássico de Büchner a gsmuster, Koudela, 1991) prefigurados no
com moderação o dialeto de Darmstadt, nheiro, também responsável pelo figurino Brecht e Heiner Müller que devem ser cre- teatro dramático, narrativo e/ou poético,
as personagens populares falam o dialeto da encenação) que recebeu o apelido de Sir ditados à forte ligação do teatro europeu mas retornam para o espaço do sentir, do
puro: Woyzeck, Marie, Margareth, Karl, Woyzeck e acompanhava a encenação do com a literatura teatral, mas também com pensar e principalmente da fisicalização
avó crianças. Woyzeck, soldado e barbeiro, coro de quatorze Maries e onze Woyzecks a fala cotidiana até ao extremo das várias que incorpora as motivações e impulsos de
faz a barba do Capitão tagarela e bitolado. sentado em poltronas destinadas à platéia formas de teatro improvisacional na his- ação. É somente a partir destes muitos ata-
O Médico, o Tambor-mor e o Capitão po- do teatro, ao lado do Pregoeiro, do Char- tória do teatro até a década de setenta. A lhos de experimentação no jogo que o mo-
dem dar ordens a Woyzeck, enquanto a latão (e do Bobo), anunciados pelo nosso Peça Didática de Brecht e o jogo teatral delo literário assume a dimensão de uma
este só é dado cumpri-las sem manifestar autor na cena Tendas, Luzes, Povo (3). Essa desenvolvido a partir desta dramaturgia ação, de uma atitude, de um gesto – a cor-
vontades. cena, em nossa releitura do texto, recebeu mostram uma relação dialética entre a fala porificação de uma intenção.
Surpreende a inserção de versos e can- o titulo de Prólogo. O coro de Maries e gestual (Gestische Sprache) dos originais
tigas populares inseridas por Büchner nas Woyzecks foi a forma encontrada para a brechtianos e as inserções de variantes de
várias versões do fragmento. Foi com o alegorização das personagens. Através do invenção própria criados pelos coletivos de
intuito de expandir esse gesto presente no gesto, do canto e da palavra estendidos, o atuantes em oficinas de criação.
texto que trabalhamos inicialmente com coletivo dos atuantes construiu o Gestus A primeira frase do Evangelho de João
cantigas de roda no processo da encena- da experiência da coisificação. Na nossa reza (...) no inicio era a palavra. No Fausto
ção. Essas cantigas viriam a substituir os cena final, o Epilogo, o Charlatão, o Pre- de Goethe encontramos (...) no inicio era o
versos alemães por referencias populares goeiro, o Bobo e Sir Woyzeck levantavam ato. Ou seja, no processo da fala o ato ad-
brasileiras sendo que o canto, os versos e a das poltronas para fazer o comentário das quire primazia. A fala se baseia, portan-
dança introduziam e faziam o comentário cenas mostradas pelo coro: to em ações em determinadas situações e
das cenas. contextos de significados ao mesmo tem-
Woyzeck sucumbe sob o peso de um BOBO: Um bom assassinato, um po em que por si só possui a qualidade de
universo cujos mistérios não consegue autêntico assassinato, um belo as- ser ação. Este aspecto actancial da fala é de
apreender nem articular e em relação ao sassinato, mais belo como não se grande importância em todo evento cênico
poderia desejar, faz tempo que não
qual sua ação nada pode, estando à mercê e em especial quando a teatralidade recorre
tínhamos nada igual.
de forças que o manipulam como os fios a a textos literários. Pois a fala em cena não
um títere. Esta visão do ser humano, que PREGOEIRO: No mundo não há é de forma alguma a enunciação correta ou
o converte em fantoche e automatiza a sua permanência, todo devemos morrer, bem sucedida de um texto literário. As pa-
atuação, imprime-lhe, pela perda das mo- disso sabemos muito bem. Pobre lavras necessitam ser antes de faladas, pen-
dulações e mecanização de suas ações, uma homem, velhinho! Pobre criança! sadas e percebidas de novo para serem an-
feição grotesca. Mas neste viés, Woyzeck Criancinha! Preocupações e festas! coradas novamente na ação. Elas precisam
é acompanhado tanto pelo Capitão como ser novamente vividas.
pelo Doutor e pelo Tambor-mor, perso- CHARLATÃO: Um homem precisa Este caminho é indicado pelas teorias
nagens construídas com perfis esquemáti- ser também tolo por entender, para de interpretação, através de diferentes
que possa dizer: mundo tolo, mundo
cos e que vivem, cada qual, em função de abordagens. Stanislavski introduz o con-
bonito!
suas idéias fixas. Woyzeck atravessa a peça ceito de sub-texto através do qual nasce
em agitação desesperada, contorcendo- o sentido da obra. Brecht vê a fala como
se como um boneco suspenso nas cordas. O Bobo, um personagem do fragmento instrumento da ação. Através do concei-
Corre pelo mundo como uma navalha aber- que tem algumas falas esporádicas, tam- to de linguagem gestual (Gestische Spra-
ta. Vendo-o chispar pela rua, seguido aos bém foi expandido, sendo que a atriz (Fer- che) Brecht acentua que toda fala é uma
pulinhos pelo Doutor, o magro pelo gordo, nanda Brito) que fazia o papel pesquisou ação dos homens entre os homens. Uma
o Capitão exclama às gargalhadas: Grotes- falas de Bobos em Shakespeare as quais fo- questão fundamental para todo enuncia-
co! Grotesco! ram inseridas em algumas cenas. O resul- do através da fala é, portanto o que move
O elemento grotesco, tão presente no tado era um comentário caustico dos acon- aquele que atua e de que forma interage
texto, foi explorado de variadas formas. Os tecimentos como o assassinato de Marie. com o outro.
personagens do Doutor e do Capitão foram Nas culturas teatrais ancestrais a fala A fala caminha por atalhos tanto quan-
encenados através de máscaras, acentuan- é parte indissolúvel de uma expressão que
ReferÊncias bibliográficas: