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Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP)

Faculdade de Ciências e Letras, Departamento de História – Câmpus de Assis


Curso de Graduação em História (Licenciatura) - Diurno
Disciplina: Didática
Docente: Alonso Bezerra de Carvalho
Discente: João Pedro Geraldi de Melo – Diurno

O Império da razão e suas hereditariedades na contemporaneidade


A teoria do conhecimento de Platão e suas implicações ao processo educativo

“A história seria talvez a ciência dos homens, ou melhor dos homens em seu tempo”
(BLOCH, 2001, p.7). A frase anterior remete a Marc Bloch, historiador que defende a
necessidade de se sitiar no tempo estudado para poder compreende-lo, considerando
fundamental, seguir tal alicerce investigatório independentemente do objeto analisado.
Assim sendo, entender a formação do pensamento platônico, é considerar tal filósofo
como filho de seu tempo, isto é, atentar-se á uma gama de fatores sociais, políticos,
culturais e religiosos dos quais estão submetidos todos os agentes históricos em sua
vivência.

De grande influência durante o transcorrer do pensamento filosófico ao longo de


inúmeros séculos da história humana, a filosofia platônica se desenvolve no período
clássico da história grega (séculos V-IV a. C.). Uma época marcada pelo esplendor da
sociedade ateniense. Em âmbito econômico, ocorre um forte desenvolvimento comercial
que modifica as estruturas socias, inserindo uma elite mercantil no poder político.
Ademais, na esfera política há a instauração da democracia ateniense e suas assembleias
entre os cidadãos, o que diminui o poder de uma oligarquia agrária e religiosa. No campo
intelectual, desenvolve-se o teatro trágico grego, a história, a astronomia, a medicina, as
artes da oratória e da retórica, além da filosofia. Assim, pode-se dizer perante a tal
conjectura, que há uma quebra com a visão de mundo mítico-religioso, em favor de um
debate cientifico e filosófico acerca das coisas.

Inserido no final desse período clássico, Platão nasce meses depois da morte
de Péricles, um dos principais líderes democráticos de Atenas e morre três anos antes da
conquista do mundo grego por Felipe da Macedônia. Consequentemente, Platão não só
vive a era de ouro de Atenas, mas também é conterrâneo da decadência dessa mesma era.
Por essa razão, Platão escreve sua obra voltando-se em grande medida a correntes
filosóficas de tempos anteriores, cuja visão de mundo defendida era mais abstrata do que
física. Como é o caso dos Pitagóricos, que viam as relações numéricas como o elemento
mais básico da realidade. Assim como os filósofos da escola eleática, que defendiam a
separação entre alma e o copo, cuja dualidade corresponderia respectivamente ao que é
real e ao que é apenas aparente. Por defenderem que o verdadeiro conhecimento só
poderia ser alcançado através do logos, situado para além da realidade física, os eleáticos
negam a existência do movimento, considerando-o como apenas uma ilusão empírica.
Em função disso, precedem Platão, inaugurando uma visão metafisica da realidade,
concebida como perfeita e imutável.

Todavia, deve-se considerar que o maior influenciador de Platão foi seu mestre,
Sócrates. Sobre este filósofo sabe-se muito pouco, visto que este nada escreveu, e as
fontes mais confiáveis que descrevem sua filosofia, são oriundas de seus discípulos,
dentre os quais Xenofonte e sobretudo Platão são os mais relevantes. Não obstante, apesar
da obscuridade quanto a sua figura, sabe-se que este personagem teve um papel
fundamental para a filosofia Ocidental, visto que a partir de Sócrates, o principal interesse
filosófico deixa de ser cosmológico para se tornar antropológico, inserindo o homem no
centro da discussão intelectual.

O desenvolvimento de um sistema filosófico ágrafo por parte de Sócrates, pode


se justificar pela valorização atribuída pelo filosofo a prática discursiva. Por prática
discursiva, entenda-se um método de debate que obedece aos moldes dialéticos, no qual
Sócrates visa provar ao seu interlocutor, o quanto suas reflexões são incompletas e rasas
a partir de suas próprias respostas.

Tal método de discurso, baseia-se na procura de uma definição que perpasse


qualquer tipo de juízo de valor, opinião ou experiência sensível. Para tanto, Sócrates
utiliza-se dos “porquês” para fazer os indivíduos interrogados perceberem o quanto seus
raciocínios são incompletos, fazendo com que os mesmos percebam sua ignorância
perante aquilo que acreditam que sabem. Por consequência, o método socrático não
procura oferecer respostas concisas aos indivíduos interrogadas, mas evidenciar a
ignorância desses mesmos e assim direciona-los ao primeiro passo na direção de um
conhecimento verdadeiro (Episteme), que seja realmente conciso e imutável. Daí decorre
sua famosa frase “só sei que nada sei”.
Considerando a admissão da ignorância como o fundamento para alcançar o
verdadeiro conhecimento, e que por conhecimento, deve-se compreender aquilo que é
invariável e definitivo, tal natureza epistemológica só pode ser alcançada através de um
processo auto reflexivo que independe do que é empírico e sentimental, um processo cuja
contemplação racional tem por último fim, atingir a instância inteligível que contem a
verdade acerca de todas as coisas. Desse processo que se origina sua segunda máxima:
“conhece-te a ti mesmo.” Conhecer a si mesmo, é buscar a natureza racional do ser
humano, o logos, ou seja, sua própria existência verdadeira.

Esse método chamado por Sócrates de maiêutica, cujo significado é: “dar luz ao
conhecimento”, tem esse nome baseado na profissão da mãe do filósofo, que era parteira.
Ocorre que semelhante à sua mãe, Sócrates considerava função da filosofia, direcionar o
indivíduo ao conhecimento mais completo e perfeito. Cabendo ao filósofo, o papel de
orientador, auxiliando o indivíduo por meio de sua própria reflexão a dar à luz a suas
próprias ideias.

Mas afinal, por que atentar-se especialmente a Sócrates? Primeiramente, porque


o livro escrito por Platão, denominado A república, objeto de análise desse ensaio, traz
consigo o referido método discursivo da maiêutica socrática, visto que se baseia
exclusivamente nos diálogos em primeira pessoa entre Sócrates e seus interlocutores.
Tratam-se de longas prosas filosóficas em torno do conceito de justiça, felicidade,
conhecimento, educação; ademais, sobre as diferentes formas de governo, sobre a índole
e a virtude dos governantes e etc. De uma forma geral, trata-se de uma tentativa de refletir
acerca da essência das coisas.

Dentre esses inúmeros textos, o foco da análise se pauta especificamente em um


recorte do Livro VII, cuja temática é a alegoria da caverna. O referido trecho traz um
diálogo entre Sócrates e Glauco, irmão mais novo de Platão. O presente ensaio, buscará
agora realizar uma breve descrição em torno de tal alegoria, relacionando-a a teoria do
conhecimento de Platão por meio de uma análise reflexiva, e posteriormente á isso,
situando a relação existente entre a epistemologia platônica, e as maneiras pelas quais
esta teoria se reflete no conceito de educação ocidental ao longo do tempo, chegando a se
alastrar inclusive, até a contemporaneidade.

A primazia Sócrates pede a Glauco que imagine um cenário descrito da seguinte


forma:
“Pense em homens encerrados numa caverna, dotada de uma
abertura que permite a entrada de luz em toda a extensão da parede maior.
Encerrados nela desde a infância, acorrentados por grilhões nas pernas e no
pescoço que os obrigam a ficar imóveis, podem olhar para a frente,
porquanto as correntes no pescoço os impedem de virar a cabeça. Atrás e por
sobre eles, brilha a certa distância uma chama. Entre esta e os prisioneiros
delineia-se uma estrada em aclive, ao longo do qual existe um pequeno muro,
parecendo com os tabiques que os saltimbancos utilizam para mostrar o
público suas artes.

Suponha ainda ao longo daquele pequeno muro homens que


carregam todo tipo de objetos que aparecem por sobre o muro, figuras de
animais e de homens de pedra, de madeira, de todos os tipos de formas.
Alguns dentre os homens que as carregam, como é natural, falam, enquanto
outros ficam calados”. (PLATÃO, 2017, p. 237)

A parir de tal descrição, pode-se chegar a algumas conclusões. Primeiro, a visão


desses prisioneiros, não abrange mais do que as simples sombras dos indivíduos e das
coisas situadas fora da caverna, que em razão da chama localizada atrás desses
prisioneiros, são refletidas no muro para o qual os mesmos voltam sua visão. Segundo,
por estarem submetidos a tal situação desde a infância e fadados a permanecer na mesma
condição por toda a vida, estado no qual não podem nem minimamente se locomover,
esses indivíduos haverão de considerar as sombras das figuras projetadas no muro da
caverna como sendo reais. Terceiro, complementarmente, haverão de atribuir as vozes e
aos sons oriundos do mundo externo e ecoantes na caverna, como sendo originários das
próprias sombras refletidas à sua frente. Assim, concluí Sócrates perante a anterior
conjuntura: “para esses homens a realidade consistiria somente nas sombras dos objetos”.
(PLATÃO, 2017, p.238)

Prosseguindo em sua descrição, Sócrates pede a Glauco para imaginar uma


situação hipotética na qual um prisioneiro consegue se libertar dos grilhões e do cativeiro,
indo em direção à saída da caverna. Ao sair da escuridão da caverna e deparar-se com
uma realidade tão diferente e tão luminosa em relação á qual estava habituado, esse
indivíduo necessitaria de um certo tempo para habituar sua visão dolorida e ofuscada pela
forte luz, afim de então contemplar este novo mundo em sua totalidade.

Posteriormente ao processo de adaptação, o indivíduo acabaria por concluir que o


sol, responsável por iluminar toda essa realidade, é igualmente o causador das sombras
que no passado, tanto ele quanto os demais prisioneiros enxergavam projetadas na
caverna. Ao lembrar-se de seus antigos companheiros, o antigo prisioneiro agora liberto,
sentiria a necessidade de contar aos que ainda se encentravam cativos o que havia
descoberto. Mas para isso, teria de voltar para dentro da caverna, e estando acostumado
com a luz, teria de enfrentar novamente a escuridão, que agora machucaria seus olhos
Após ter chegado ao seu destino, ele informaria aos seus companheiros sobre a existência
de um outro mundo para além da caverna, que céticos quanto á novidade, dizem que o
mesmo havia se enganado e o tacham de ignorante. Por estarem tão veementes de que
vivem na mais plena realidade, os prisioneiros condenam o companheiro liberto à morte,
bem como os demais que por algum acaso, tentassem se libertar da realidade da qual
estavam submetidos.

Descrita tal alegoria, cabe agora situa-la ao pensamento platônico. Inicialmente,


precisamos interpretar os elementos alegóricos descritos com a teoria do conhecimento
segundo Platão. Nesse sentido, a caverna representa o Mundo das Sobras, hábito pelos
homens, logo, os prisioneiros são os próprios seres humanos. O ambiente externo à
caverna, simboliza, o Mundo das Ideias, habitado pelas coisas perfeitas. Tem-se assim, a
partir dessa alegoria, a alusão feita a perspectiva dualista da qual Platão concebe a
realidade, dividida em Mundo Sensível, que corresponde às sombras, e no Mundo
Inteligível, que alude a instância das ideias.

Tendo isso em mente, pode-se interpretar a libertação do prisioneiro como a


elevação da alma para contemplar aquilo que é verdadeiro, a realidade Inteligível. Sendo
que para tanto, foi necessário ao indivíduo, como demostra a narrativa, passar por uma
dura adaptação, primeiro livrar-se dos grilhões que lhe prendiam e depois, quando já havia
saído da caverna, precisou acostumar-se com os fortes raios de Sol que deixavam seus
olhos doloridos. Esse processo de adaptação, faz uma clara alusão a necessidade de se
livrar dos preconceitos, hábitos, costumes, ideias e conceitos oriundos do Mundo Sensível,
ou seja, da realidade humana, cuja aplicação pode se dar inclusive á filosofia socrática,
visto que a admissão da própria ignorância, representada pela negação da realidade das
sombras, leva o indivíduo a um longo e complicado processo de reflexão pessoal, que por
sua vez, o induz ao verdadeiro conhecimento. Logo, o prisioneiro não é liberto por
nenhuma força externa, mas simplesmente por sua própria vontade e curiosidade de
conhecer as coisas tal como realmente são.
O estágio máximo de seu aprendizado é alcançado quando o prisioneiro consegue
contemplar o sol em sua máxima plenitude. Como aponta a fala de Sócrates: “Por fim,
haveria de comtemplar o sol, não sua imagem refletida na água ou em qualquer outra
superfície, mas em sua realidade, assim como realmente é em seu próprio lugar”.
(PLATÃO, 2017, p.239) Ao comtemplar o Sol em sua magnitude, o indivíduo supera
totalmente a realidade sensível, uma mera reprodução imperfeita de uma existência maior.
Em virtude disso, o Sol nada mais do que uma alegoria ao Mundo Inteligível ou ao logos,
que é perfeito e imutável, cuja abrangência é a totalidade. Sendo assim, até mesmo as
sombras projetadas na caverna dependem da luz, já que sem a luz não haveriam sombras.

Por isso, a parte em que o indivíduo liberto se recorda de seus companheiros, cuja
condição estava privada do verdadeiro conhecimento, e decide então voltar para a caverna
e realizaar o caminho inverso ao qual havia feito anteriormente, pode-se interpretada
como uma clara referência ao que Platão convenientemente chamou de “dialética
descendente”(MARCONDEZ, 2002, p.67). O empenho em ajudar seus antigos
companheiros, pode ser interpretado como o papel do filósofo segundo a maiêutica
socrática, quer dizer, a função de dar luz ao conhecimento, auxiliando os demais a
também alcançarem a instância inteligível.

No entanto, como já referido anteriormente, alcançar o conhecimento verdadeiro


é algo que só pode ser feito a partir de uma longa e penosa autorreflexão da qual nem
todos estão preparados a se empenhar. Prova disso, é justamente a atitude dos prisioneiros
em matar aquele que havia se libertado, fazendo uma alusão clara a concepção platônica
da alma, dividida em duas naturezas: a força do impulso, da curiosidade, que leva a busca
daquilo que está além; que se contrapõem a força do habito e da acomodação. Perante
ao desfecho da alegoria, percebe-se claramente que o comportamento dos prisioneiros
obedece à uma foça de segunda ordem, visto que consideraram preferível matar seu
companheiro a enfrentar um caminho tão difícil, doloroso e sofrido.

Em função de sua filosofia essencialista, cuja busca é atingir a verdade a partir do


cultivo a capacidade racional dos indivíduos, Platão enxerga a educação como uma
ferramenta que torna possível a contemplação do Ser essencial, ou seja, do bem, da
virtude e do conhecimento. Para tanto, Platão defende que a educação deve alinhar-se a
tais preceitos essenciais, defendendo um sistema educacional que forme um indivíduo por
meio de conceitos éticos e políticos que visem em maior proporção o bem-comum.
Buscando alcançar tal objetivo, Platão considera a educação um dever do Estado,
defendendo que o ensino particular, restrito a elite e que era oferecida pelos sofistas,
acabava por corromper o caráter do ser humana, pois os sofistas não buscavam em seu
método discursivo e retórico alcançar a verdade absoluta, como ocorria na maiêutica
socrática, mas sim, convencer e persuadir através da argumentação, que uma determinada
opinião (doxa), configura-se como o ponto de vista mais racional. Em função disso, os
sofistas se opunham a existência de uma realidade imutável, defendendo um
conhecimento de ordem sensorial e relativo que varia de acordo com as circunstâncias
das quais os indivíduos estão submetidos. Essa ideia é explicitada no raciocínio de
Protágoras, importante sofista para quem o conhecimento é de natureza humana e relativa:
“o homem é a medida de todas as coisas, das que são como são e das que não são como
não são”. (MARCONDES, 2002, p.43)

Levando em conta que o ensino sofístico visava preparar os indivíduos da elite a


participar da vida pública nas assembleias atenienses, Platão se opôs firmemente ao
sistema democrático em voga, argumentando que tal sistema era responsável por
fomentar a corrupção entre os seus dirigentes, que deixavam se levar por suas paixões e
interesses pessoais ao invés da racionalidade e da humildade como compete á um
governante. Perante a isso, Platão defendia que o poder estatal deveria ser dirigido por
uma aristocracia, mas não econômica ou militar, e sim uma aristocracia do conhecimento,
composta pelos mais inteligentes e virtuosos da sociedade, os chamados “reis-filósofos”.
Contudo, para selecionar os mais aptos a esses cargos, era necessário um longo processo
pedagógico que contava com inúmeras etapas e era organizado pelo Estado, como
descreve Sócrates:

Haverão de mandar para o campo todos os cidadãos acima de dez


anos, haverão de manter seus filhos distantes dos atuais costumes dos pais,
haverão de educa-los segundos seus costumes e suas leis que propusemos
acima. Por este processo nosso Estado se tornará próspero de modo rápido e
fácil e o povo que o viu nascer tirará o máximo proveito disso. (PLATÃO,
2017, p.269)

Igualmente importante segundo a filosofia platônica, é excluir o ensinamento


coercitivo, já que como aponta o método socrático, é impossível transmitir o saber, o
máximo que se pode fazer é induzir o aluno ao aprendizado. Assim evidência a afirmação
de Sócrates: “o que se faz penetrar a força na alma não há de ficar nela por muito tempo.”
(PLATÃO, 2017, p.264) Por isso, durante a infância, a educação deveria pautar-se em
brincadeiras e esportes que visassem o fortalecimento da saúde física. Após esse período,
o ensino abarcaria conteúdos como a música e poesia, responsáveis por criar as condições
necessárias aos aprendizados mais elaborados que envolvem uma reflexão dialética, tais
como a aritmética e a geometria, disciplinas que segundo Platão, estimulam a reflexão,
quer dizer, que suscitam nos sentidos impressões impostas, visando atingir um resultado
exato e invariável.

Chegado aos vinte anos, depois de uma visão conjunta dos maios variados
conhecimentos, tanto mentais quanto físicos, estes indivíduos passariam a focar nos
estudos que possuiriam mais aptidões. Chegado aos trinta anos, os estudantes seriam
selecionados a seguir uma carreira, os que mais se destacavam nas atividades físicas
seguiam a carreira militar, já aqueles que se destacavam no campo intelectual, seriam
submetidos a mais cinco anos estudos dialéticos, afim de averiguar se seriam capazes de
chegar a verdade e a contemplação do ser.

Aos trinta e cinco anos, donos de uma base realmente filosófica concisa, estes
indivíduos teriam de descer novamente para a caverna, onde passaram a treinar seus
conhecimentos entre os homens-comuns, desempenhando as mais variadas funções e
trabalhando para se sustentarem. Enfim, passados quinze anos desempenhando essas
funções, ao chegarem aos cinquenta anos, seriam selecionados aqueles que mais se
destacaram em todas as atividades, cabendo a estes a função de guias tanto do Estado,
dos cidadãos privados, das futuras gerações de governantes, e ainda de si mesmos,
vivendo em um constante processo de adaptação e aperfeiçoamento em direção a verdade.

Assim constrói-se a república platônica, um processo marcado pela renúncia do


indivíduo a favor da comunidade. Um Estado no qual cada um tem uma função específica,
que visa adequar de forma recíproca por meio da tutela do Estado, a afinidade da
disciplina em relação a natureza de cada sujeito. Acima de tudo, tal Estado busca se basear
em um sistema educacional que de plenas condições aos indivíduos, sejam homens ou
mulheres, de ascenderem na sociedade a partir de critérios que jugam suas aptidões e
conhecimentos. Por tais critérios, deve-se entender mediações e direcionamentos que se
configuram como o inverso das práticas pedagógicas totalitárias e impositivas, tendo em
mente que a função do filósofo nessa sociedade, é de ordem política e pedagógica, não
cabendo ao mesmo somente governar a pólis, mas corroborar para que os demais
indivíduos busquem também a realidade superior, nem que para isso, este sábio tenha de
descer a caverna e colocar sua vida em risco. Logo, mais do que contemplar o
conhecimento, o filósofo é acompanhado por um papel prático, caracterizado por sua
função política.

De fato, o modelo pedagógico proposto por Sócrates é deveras revolucionário para


a sua época. Primeiramente, a defesa da educação como uma garantia obrigatória pelo
Estado, apresenta-se como um valor tão autêntico que a julgar pelo Ocidente, tal ideia
somente ganhará força na Contemporaneidade. Até então, o acesso á educação era
extremamente limitado em todos os países, já que os únicos que detinham a oportunidade
de estudar eram aqueles cujas famílias tinham condições de arcar com os custos dos
estudos.

Considerando as limitações em torno do acesso ao ensino, a crítica de Platão aos


dirigentes da sociedade é fundamentada, uma vez que é justamente esse grupo social
delimitado, que por detém o poder e o capital, monopoliza também o acesso à educação
em benefício próprio. Assim sendo, a noção de um processo educativo universal que
forme os indivíduos a partir dos interesses da coletividade, como propõem o método
pedagógico platônico, é atualmente, um objetivo a ser alcançado pelas democracias
modernas.

Ademais, ainda sobre a questão da inclusão, é importante evidenciar a maneira


pela qual as mulheres são vistas como parte desse processo educativo, tendo a
possibilidade de até mesmo acender ao grau de governantes e filósofas, como demonstra
a fala de Sócrates: “Não pense que minhas palavras se referiam mais aos homens que às
mulheres, pelo menos a todas aquelas que possuem os predicados indispensáveis.”
(PLATÃO, 2017, p. 268) Novamente, tem-se aqui um raciocínio muito afrente de seu
tempo, já que em Atenas eram somente considerados cidadãos, homens atenienses que
detinham uma boa situação financeira, excluindo do direito á cidadania escravos,
estrangeiros e mulheres. Paradoxalmente, se vê que apesar de Platão se opor firmemente
a democracia, muitos de seus conceitos pedagógicos fazem parte das pautas valorativas
dos Estados democráticos atuais.

Há de se destacar também, a forma como Platão concebe esse processo educativo.


O filósofo baseando-se na maiêutica socrática, cuja busca é dar luz ao conhecimento,
defende a impossibilidade de ensinar por meio da coerção, pesando em um ensino voltado
as singularidades de cada um. A seguinte fala de Sócrates à Glauco, demonstra bem essa
ideia: “Portanto, meu caro, nada de educar à força os meninos nos estudos, mas procure
educá-los por meio de brinquedos e assim você poderá discernir ainda melhor as
inclinações de cada um deles.”. (PLATÃO, 2017, p. 264) Portanto, Platão estabelece um
processo educativo que tem origem desde a primeira infância e que se desabrocha já no
transcorrer da fase adulta. Por sua vez, tal processo demanda tempo, investimento e
empenho, já que o conhecimento não pode ser transmitido, mas sim mediado. Sendo
justamente o cumprimento desta última prerrogativa, um dos principais desafios dos
Estados contemporâneos, incluindo os países cujo sistema educacional é considerado
mais justo e inclusive. Consequentemente, grande parte dos ideais difundidos hoje não só
à nível ocidental, mas também mundial, fazem parte de discussões tão antigas que se
alastraram como um debate histórico ao longo do tempo.

Como já foi anteriormente dito, a concepção platônica de educação representou


uma quebra com a educação sofistica, pois os sofistas enxergavam a opinião como a única
instância existente. E por consequência, concebiam um processo educativo voltado para
a arte debate e da retórica. A teoria do conhecimento platônico, ao contrário, compreendia
a educação como uma ferramenta pela qual se quebravam as amarras da ignorância,
libertando o espirito humano de uma enganosa realidade sensível e lhe dando a
oportunidade de alcançar o conhecimento inteligível. Tal oposição, pode ser sintetizada
na seguinte faça de Sócrates: “a opinião se refere ao devir e o pensamento se refere a
essência”. (PLATÃO, 2017, p. 260)

Em um processo educativo cujo propósito é aproximar o máximo possível os


indivíduos da perfeição, da bondade e da virtuosidade, afim de que os mesmos possam
alcançar a essência das coisas, necessita, por conseguinte, o controle das emoções,
opiniões, imperfeições e paixões do ser humano. Como resultado, a natureza emocional
do ser humano passa a ser suprimida pela natureza racional.

Decorre dessa tentativa de purificar racionalmente o ser humano, a


impossibilidade de compreende-lo em sua magnitude. Ao contrário da percepção
platônica em que o corpo (experiência empírica e emocional) é visto como separado da
alma (experiência racional), na verdade, ambas as instâncias, racional e sentimental, se
relacionam e se modificam. Igualmente, a concepção de ética segundo Aristóteles,
presente em seu livro Ética a Nicômaco, compreende o ser humano como um ser
constituído por uma natureza ambígua pathos (emoção) e logos (racionalidade), sendo
justamente o processo de interação entre ambas as partes, o responsável por formar de
acordo com cada indivíduo, um caráter ético subjetivo e autêntico.

Sabe-se que para Platão, a caminhada pedagógica é cheia de etapas, obstáculos e


direcionamentos, cabendo ao próprio indivíduo chegar ao verdadeiro conhecimento. Para
tanto, o método educativo a ser aplicado à aqueles que mais se destacam dentro do campo
intelectual deve ser a dialética, uma ciência cujo conceito pode ser compreendido como:
uma espécie de “pedagogia científica do diálogo graças ao qual o aprendiz de filósofo,
tendo conseguido dominar suas pulsões corporais e vencer a crença nos dados do mundo
sensível, utiliza sistematicamente o discurso para chegar à percepção das essências, isto
é, à ordem da verdade”. (MARCONDES, JAPIASSÚ, 2002, p.2001)

Nesse sentido, são consideradas ciências dialéticas aquelas que elevam a alma do
devir ao ser, isto é, que exigem pelo abstracionismo, a contribuição do pensamento, não
se prendendo a concepções de ordem empírica. Alicerceadas com esses princípios, tem-
se a aritmética e a geometria, disciplinas que segundo a visão platônica, são responsáveis
por transmitir ao espirito: “um grande impulso para o alto, que o obriga a refletir sobre a
natureza dos números em si mesmos, sem jamais aceitar que se fale de números com
referências a coisas visíveis e palpáveis”. (PLATÃO, 2017, p.251)

Em vista dessa conjectura, pode-se dizer que o pensamento platônico marca


historicamente a institucionalização da razão como um valor ideal para a existência
humana. Consequentemente, é nesse tempo que também se institucionaliza a ideia de que
as emoções são estigmas das imperfeições individuais. Um conceito que acabará por se
alastrar ao longo do tempo por inúmeras correntes filosóficas, seja através dos
neoplatônicos ou dos estoicos do período greco-romano, cuja filosofia visava em última
instância, atingir a “ataraxia,” alma que nada consegue perturbar. (MARCONDES,
JAPIASSÚ, 2002, p.19) Uma espécie de estado em que o espirito encontra-se em
tranquilidade absoluta. Porém, para atingir tal estado, é exigido que o indivíduo renuncie
de seus sentimentos e prazeres mundanos, afim de adequar a vontade individual à vontade
do próprio logos que comanda o universo.

Por sua vez, o platonismo católico buscará inspiração no pensamento platônico e


em suas demais variações filosóficas, adequando o cerne da teoria do conhecimento
platônico em consonância com a ortodoxia cristã, desenvolvendo-se como corrente
filosófica a partir dos filósofos da patrística, e acabando por se perpetuar ao longo grande
parte da Idade Média. Para a escola patrística, o Mundo Inteligível representa o próprio
Deus, perfeito, imutável e bom; enquanto o Mundo Sensível nada mais é o do que o
mundo habitado pelos homens e por suas imperfeições, um reflexo deformado de uma
realidade superior. No intuito de buscar a contemplação do Mundo Inteligível, cabe ao
ser humano, aproximar-se de Deus, renunciado a seus prazeres carnais e aceitando os
preceitos cristãos como a única forma de atingir a salvação da alma. Esta última nada
mais seria do que um receptáculo no qual se depositaria a graça divina, responsável por
levar o indivíduo a comtemplar a verdade, o caminho e a vida, ou seja, o próprio Deus,
que corresponde ao logos da teoria platônica.

Seguindo pelo tempo, a teoria platônica se alastra pela filosofia moderna por meio
dos filósofos racionalistas, cujo maior nome foi o francês René Descartes. Buscando
chegar à verdade acerca das coisas, Descartes colocou em dúvida a existência de tudo a
sua volta, chegando até mesmo a cogitar sua própria não existência. Após perceber que a
única certeza que lhe restava era a certeza da dúvida e ao observar que para duvidar era
necessário pensar, o filósofo elencou-a como a expressão mais abstrata do pensamento, e
este último como a única certeza de sua existência. É dessa reflexão que se origina a sua
máxima: “penso, logo existo”. Mais do que isso, Descartes inspirando-se nas ciências
exatas, procurou criar um método para se chegar ao verdadeiro conhecimento, e assim
como Platão, via as relações numéricas e geométricas como saberes puramente perfeitos
e imutáveis, isto é, cuja solução não variava de acordo com as percepções empíricas, mas
na exigência de uma prova concreta e exata.

Por fim, a razão se tornará o centro das discussões durante o século XVIII, conhecido
como também como “Século das Luzes” em função do movimento que transcorre ao
longo desse tempo, denominado de Iluminismo. Em uma época marcada por grandes
mudanças sociais, políticas, econômicas e cientificas; os intelectuais iluministas buscam
retomar os valores de origem greco-romana, com o intuito de quebrar as amarras com as
tradições do Antigo Regime e com as remanências da Idade Média, impulsionados pela
precoce ascensão de uma classe burguesa que clama por novos direitos de natureza social
e econômica.

Em virtude disso, as mudanças sociais inserem o homem no centro das discussões


em detrimento de uma visão teológica que sustentava o poderio da Igreja e das
monarquias. Por isso, o conceito de educação passa a se desvincular de um sentido
essencialmente religioso, e a educação passa a ser concebida como uma ferramenta
responsável por garantir a emancipação e a civilidade. Partindo dessa premissa, os
iluministas construíam a visão de um ser humano ideal, que se orientava diferentemente
dos demais animais, por meio da razão ao invés do instinto. Inserido nesse tempo, o
filósofo prussiano Immanuel Kant, defendia que devido a sua faculdade racional, o
homem é a única criatura capaz de ser educada, cabendo ao processo educativo despertar
gradualmente o potencial racional do ser humano.

Assim sendo, para os intelectuais iluministas o ser humano é um ser racionalista,


excluindo-lhe sua natureza sentimental e emocional, consideradas simplesmente como
falhas e desvios de caráter. Tal ideia fica mais clara ao considerar-se o conceito de ética
para Kant, de cunho universalista e imperativa, denominada por Imperativo Categórico.
Segundo esse conceito ético, o homem como um ser dotado de razão, deve sempre
adequar suas ações individuais em última instância ao bem-comum. Trata-se de uma visão
impositiva, que excluí as diversidades e particulares de cada indivíduo, ou seja, suas
necessidades e vontades singulares.

Ao se debruçar sobre o método pedagógico atual, é claro o quão solidificado está


esse método. Herdeiro da tradição iluminista, o processo educativo pouco se modernizou
ao longo dos últimos séculos. Mesmo na contemporaneidade, as instituições escolares
tendem a relegar a obscuridade, o fator emocional e sua influência na educação, tanto no
processo de aprendizagem quanto de convivência social. O resultado dessa supressão é
desastroso, ocasionando diversos efeitos: violência escolar, autoritarismo em sala de aula,
bullying, matérias desinteressantes e desestimulantes. Prova disso, é que o aluno ideal,
continua sendo aquele que se adequa as normas imperativas, que realiza as atividades em
silêncio e que possuí um bom desempenho segundo os critérios previstos no currículo
escolar. Acontece que esta classificação genérica, não abarca as singularidades de cada
indivíduo. É necessário humanizar o aluno, quer dizer, enxerga-lo como um humano. Em
outros termos, ver um indivíduo como racional e emocional, consciente e inconsciente, é
entende-lo justamente como fruto da interação de ambas as instâncias, que acabam por
formar o caráter de cada indivíduo.

No entanto, para superar uma visão que perdura ao longo dos milênios, necessita-
se de tempo, já que tal mudança só pode ser realizada gradualmente. Ademais, não basta
compreender a escola como um ambiente isolado, mas sim, como uma construção social,
da qual fazem parte inúmeros agentes: o Estado, a família, os alunos, os professores e
demais funcionários escolares. Sendo somente através da interação entre esses inúmeros
agentes que ocorre a formação das instituições de ensino. Logo, se o ambiente escolar se
forma a partir de diferentes indivíduos, com diversas ideias, opiniões, vontades e
vivências, são por sua vez, instituições que se constroem a partir de processos variados,
e que lhe configuram uma natureza única. Consequentemente, tratar de educação, não é
compreender a escola como um local de conhecimento perfeito, categórico e universal, é
reconhece-la como um ambiente cuja construção do conhecimento se forma de maneira
autônoma, assim como é autônoma, a natureza dos indivíduos que a constituem.

Referências
PLATÃO. A república. Tradução Ciro Mioranza, São Paulo, Lafonte, 2017.
BLOCH, Marc. Apologia da história, ou, O ofício de historiador/Marc Bloch;
prefácio, Jacques Le Goff; apresentação à edição brasileira, Lilia Moritz Schwarcz;
tradução, André Telles – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
MARCOMDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a
Wittgenstein. –7 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia.
Disponível em:
<http://raycydio.yolasite.com/resources/dicionario_de_filosofia_japiassu.pdf>. Acesso
em: 14 de setembro de 2019.
FERRARI, Márcio. Platão, o primeiro pedagogo. Por Nova Escola, 01 de outubro de
2008. Disponível em: <https://novaescola.org.br/conteudo/1850/platao-o-primeiro-
pedagogo>. Acesso em: 14 de setembro de 2019.

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