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Entendemos que não há unanimidade junto à categoria de profissionais em relação às concepções sobre “intervenção profissional”,
“exercício profissional” ou “prática profissional”. Compreendendo a polêmica em torno dessas expressões, optamos neste trabalho utilizá-
-las como sinônimo, sem entrar no debate das mesmas já que não é isto que se propõe no presente artigo.
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Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora do Departamento de Serviço Social e do
Programa de Pós Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Florianópolis,
Santa Catarina, Brasil. E-mail: tkleba@gmail.com
**
Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Professora do Departamento de Serviço So-
cial da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. E-mail: edalearibeiro@gmail.com
Serviço Social; planejar, organizar e administrar político, jurídico, religioso; definem prioridades
programas e projetos em Unidade de Serviço e expressam correlação de forças; por esse
Social; prestar assessoria e consultoria a órgãos motivo, são acima de tudo, entidades políticas
da administração pública direta e indireta, em- (WEISSAUPHT, 1988).
presas privadas e outras entidades, em matéria É comum vermos análises que transfor-
de Serviço Social; realizar vistorias, perícias técni- mam as instituições em inimigas das transfor-
cas, laudos periciais, informações e pareceres mações sociais, que ressaltam o seu papel de
sobre matéria de Serviço Social; treinar, avaliar e controle e guardiã das normas e valores, crista-
supervisionar diretamente estagiários de Serviço lizando seus papéis e incitando ao preconceito,
Social; coordenar seminários, encontros, con- numa visão althusseriana que marcou a profissão
gressos e eventos assemelhados sobre assuntos em tempos idos. São os espaços privilegiados
de Serviço Social; dirigir serviços técnicos de Ser- do cotidiano de intervenção, junto as Instituições,
viço Social em entidades públicas ou privadas. que devem ser valorizados como bem aponta
a análise de Heller, (1991, citada por SAWAIA,
O espaço institucional como locus de 1998, p. 103):
possibilidades o cotidiano é o lugar do espontâneo, do há-
Toda prática profissional é desenvolvida bito, do desempenho automático dos papéis,
da rotina, mas é ao mesmo tempo um lugar
junto a uma Instituição, que por sua vez está
onde a pessoa humana participa por inteiro,
inserida em uma dada realidade, cuja dinâmica onde coloca em funcionamento todos os seus
é orientada por normas, regras, valores, princí- sentimentos, paixões, ideias e ideais. É onde
pios morais, disputas políticas e ideológicas que apreende o mundo e nele se objetiva de for-
repercutem e consolidam a estrutura dessas ma única, dentro das possibilidades ofereci-
instituições. das por esse mundo. Portanto, é o lugar onde
Esta estrutura envolve um conjunto de su- a pessoa humana vive a sua particularidade,
jeitos concretos, submetidos a uma determinada mas também é onde pode superá-lo em dire-
hierarquia (organograma), que também seguem ção a humanidade.
essas regras, normas e parâmetros de atuação. Na maioria das instituições, o atendimento
Este formato estrutural evidencia que o cotidiano dos usuários e a execução das políticas sociais
das instituições é permeado pela correlação de estão sob a responsabilidade direta e imediata
forças que envolvem, de um lado, a direção da dos assistentes sociais que operam na prática.
instituição: gestores, executivos, administra- Se, de um lado, os profissionais contratados de-
dores, os que delegam as funções e exercem vem seguir normas contratuais, regulamentações
poderes; e de outro, os trabalhadores, empre- específicas que por vezes limitam suas funções,
gados que tanto podem ser os profissionais, por outro, aqui se configuram as oportunidades
funcionários qualificados ou não, contratados e possibilidades para que os mesmos materiali-
para a execução e prestação dos serviços, bem zem o projeto ético-político da nossa profissão,
como os usuários que recorrem à mesma em considerando a realidade posta que de acordo
busca dos serviços oferecidos. com Bravo “ressalta a construção de uma nova
Ao ser contratada (o) por uma Instituição, a ordem social, com igualdade, justiça social, uni-
(o) assistente social deverá inteirar-se de todos versalização do acesso à políticas sociais [...]”
esses aspectos que envolverão o seu cotidiano (2009, p. 401).
profissional compreendendo que a sua prática Apesar de nos confrontarmos, frequen-
será marcada por interesses distintos, muitas ve- temente, com a nossa “autonomia relativa” no
zes antagônicos, face aos objetivos da Instituição espaço profissional, é exatamente nele que se
e os objetivos dos usuários que a ela recorrem. configuram as possibilidades de sermos proposi-
A ampla maioria das Instituições que con- tivos e criativos, planejando, discutindo, analisan-
tratam assistentes sociais integra processos do e executando programas e projetos. É neste
de organização e legitimação social e, para “espaço do possível” que podemos efetivar uma
além do processo produtivo exercem “poderes” intervenção crítica sustentada pelas particulari-
dades teórico-metodológicas da nossa profissão.
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É importante destacar que os objetivos da Instituição geralmente
são distintos dos objetivos da profissão. Daí a necessidade de
clareza na identificação tanto do objetivo como do objeto.
Para Leis (2006, p. 106) a interdisciplina- Temos constatado que no Serviço Social
ridade “deve ser entendida como o conjunto de contemporâneo, há uma dificuldade estrutural
princípios facilitadores do diálogo entre as disci- em relação à diferentes formas de abordar o real,
plinas, de forma a permitir restabelecer um visão ou seja, ainda encontramos forte resistência no
do todo e revelar a complexidade deste todo e meio acadêmico, a uma abertura para interdisci-
das inúmeras teias de relações presentes”. plinaridade, que por sua vez, requer um diálogo
Apesar da dimensão e da especificidade de com teorias contemporâneas.
sua proposta profissional, o serviço social é uma Entre os principais obstáculos para a prá-
profissão que ao produzir conhecimento insere- tica interdisciplinar, Vasconcelos (2007), aponta
-se no contexto das “ciências sociais aplicadas” a confusão entre pluralismo e ecletismo teórico.
e a originalidade do conhecimento construído, Para o autor, ecletismo é
necessariamente articula-se com as disciplinas
que integram as Ciências Humanas. a conciliação, e o uso simultâneo, linear e
Neste sentido, afirma Vasconcelos: “o indiscriminado de teorias e pontos de vista
teóricos e éticos diversos sem considerar as
serviço social constitui um campo aplicado de
diferenças e incompatibilidades na origem
conhecimento tipicamente interdisciplinar, com
histórica, na base conceitual e epistemoló-
fortes contribuições da sociologia, economia, gica, e nas implicações éticas, ideológica
ciência política, filosofia, antropologia, psicologia e políticas de cada um dos pontos de vista
entre outros” (VASCONCELOS, 2007, p. 16). (VASCONCELOS, 2007, p. 108).
As múltiplas expressões da questão social
que se apresentam no cotidiano de intervenção Para explicar o pluralismo, Vasconcelos
profissional requerem, portanto, um conhecimen- (2007) retoma de Coutinho (1991) o postulado
to critico que que “não há ciência que esgote o real, pois ela
é sempre aproximativa”. Pluralismo, para Cou-
seja capaz de considerar e fazer interagir es- tinho, é a abertura para o diferente, de respeito
tas diversas epistemologias, campos de sa-
pela posição alheia. Coutinho ainda nos chama a
ber e paradigmas particulares, sem cair nas
conhecidas estratégias de julgar e reduzir as
atenção pelo fato de que “a produção de verdade
diversas perspectivas por meio de uma me- nas ciências sociais é sempre atravessada por
tateoria ou narrativa onipotente o suficiente valores e concepções de mundo, que são obje-
para imperializar todos os demais campos, tivados ao serem compartilhados intersubjetiva-
que chamamos de ´imperialismo epistemoló- mente por conjuntos substantivos de pessoas”
gico´ (VASCONCELOS, 2007, p. 13). (Coutinho, 1991, citado por VASCONCELOS,
2007, p. 109).
O imperialismo epistemológico, para Vas-
É importante, pois, sabermos distinguir
concelos (2007) é quando uma teoria considera-
entre ecletismo e pluralismo contribuindo para
-se onipotente a tal ponto de capturar a essência
novos parâmetros na construção de conhecimen-
de todos os sentidos implícitos na história e dos
to nos abrindo para o diálogo com os diferentes
fenômenos culturais e subjetivos, reduzindo
modos de pensar e respeitando as diferentes
toda a complexidade da vida social e humana à
verdades sem achar que uma única é a verda-
dinâmica da esfera da produção, acumulação e
deira e onipotente.
das classes sociais.
Se concordarmos com a premissa de que
As constantes mudanças que afetam a rea-
nenhuma profissão é absoluta, assim como não
lidade contemporânea exigem do Serviço Social
o é nenhum conhecimento, concordamos com
uma postura de abertura para as interfaces com
a epistemologia do saber social e político. Neste Rodrigues (1998, p. 156) quando afirma que:
sentido, pensamos a interdisciplinaridade, acima sob o prisma da interdisciplinaridade pode-se
de tudo como uma postura profissional que, con- revelar uma alternativa para transpor as fron-
forme Rodrigues (1998, p. 156), “permite se pôr teiras instituídas pelas profissões, superar en-
a transitar o ‘espaço da diferença’ com sentido dogenias, deixar de falar só com os mesmos,
de busca, de desvelamento da pluralidade de e, quem sabe, diluir as vaidades pessoais que
ângulos que um determinado objeto investigado o exercício acadêmico insiste em fomentar.
é capaz de proporcionar (...)”.
Nesse sentido, optamos em apresentar dialogar com distintas construções teóricas que
esse artigo com uma linguagem de fácil acesso acompanham, refletem e analisam as transfor-
com intuito de contribuir para possíveis reflexões mações da realidade social, como afirma Baptista
no âmbito acadêmico, desconstruindo a rigidez (1998, p. 119):
dos parâmetros científicos adotados para publi-
A construção do saber do profissional de ser-
cações, com base na metáfora dos pescadores,
viço social, tendo como horizonte a interven-
de Rubem Alves (2009). Dialogando com os ção, realiza um tríplice movimento: de crítica,
“que moram nos templos da ciência”, este autor de construção de um conhecimento novo e de
nos convida a refletir sobre “o que é científico”. uma nova síntese no plano do conhecimento
Narra que um colega aposentado com todas as e da ação, em um movimento que vai do par-
credenciais e titulações decepcionou-se, porque ticular para o universal e retoma ao particular
apresentou uma compilação sobre o que apren- em outro patamar, desenhando um movimen-
deu durante toda a sua vida para ser publicado, to em espiral de relação ação/conhecimento,
mas uma “confraria” de cientistas alegou que de pontos de situação/pontos de lançamento.
aquilo não era científico. Para estes, só seria Para ilustrar esse movimento dialético em
reconhecido como ciência se fosse “pego com as forma de espiral refletimos com as (os) estu-
redes dos pescadores da confraria”, se falasse dantes sobre as diferentes etapas da trajetória
na mesma linguagem, se utilizasse os mesmos profissional iniciando com o surgimento da pro-
regulamentos, se seguisse a mesma linha de fissão no Brasil, nos anos de 1930, inserida na
pensamento e aceitasse como única verdade, a sociedade capitalista nascente e as respostas
verdade da confraria. teórico-metodológicas construídas para a inter-
Portanto, deixamos claro, neste ensaio venção profissional daquela época.
que, no cotidiano de nossas práticas profissio- Temos um contexto social, econômico e
nais, além dos peixes destinados às redes de político de mudança: é o capital industrial nas-
uma determinada confraria, encontramos sabiás, cente que domina a política brasileira, um país
flores, convivemos com pessoas, vivenciamos ainda eminentemente rural. O Estado de Bem
conflitos, relações e afetos e entendemos que Estar Social estrutura-se vagarosamente com o
junto ao espaço das Instituições, os profissionais surgimento das primeiras políticas sociais volta-
de serviço social se inserem em uma realidade das, principalmente, para as nascentes classes
que, para ser analisada, requer uma perspectiva trabalhadoras urbanas. A compreensão da pro-
interdisciplinar. fissão neste período era de que os “problemas”
sociais eram fruto do desajuste dos sujeitos, ou
A teoria e a prática intercalando-se num seja, das disfunções que a sociedade vivia. As
movimento dialético respostas da profissão eram a de adaptação dos
Ao explicarmos os procedimentos teórico- sujeitos ao novo contexto social.
-metodológicos da nossa profissão para os Avançando na espiral do tempo, a década
acadêmicos de Serviço Social, costumamos de 1960 traz um novo contexto social, econômico
representá-los com uma figura de linguagem, e político: grande efervescência política; movi-
ou seja, através do desenho de uma espiral, que mentos sociais no campo e na cidade; o povo
segue uma linha horizontal e intercala na parte exigindo respostas à grave situação social; cres-
superior de cada curva (da espiral) a palavra cente industrialização e urbanização. Problemas
teoria (reflexão), e na parte inferior de cada de moradia, infra-estrutura urbana, condições de
curva a palavra ação (intervenção). Com essa trabalho, e outros.
forma de representação queremos demonstrar Seguindo a ideia de movimento em espiral,
que teoria e prática intercalam-se, articulam-se e o serviço social procura, enquanto profissão, dar
imbricam-se em um constante movimento dialéti- respostas a esta nova realidade; vivemos o movi-
co, no acompanhamento das transformações da mento de reconceituação, que resultou em uma
realidade, no desenvolvimento socioeconômico, nova compreensão da profissão acerca desta
histórico, político e cultural de cada sociedade. realidade. Surge um serviço social engajado e
Por conseguinte, a profissão é desafiada a militante, comprometido com as lutas políticas
do povo. Complexifica-se o contexto social e a é exatamente isto – novo contexto, que exige
profissão exige respostas a este novo contexto. novas leituras que vão implicar em novas res-
Já na década de 1990 surge uma nova postas, mais complexas, mais abrangentes,
realidade, o processo de globalização a partir mais amplas. Portanto, não há como estagnar
do ideário neoliberal, o desmonte do Estado de no tempo, agarrar-se a verdades como se estas
Bem Estar Social, novos sujeitos sociais em cena fossem imutáveis, porque a realidade social
demandando questões ligadas a movimentos tampouco o é.
específicos (socioculturais) trazendo para o bojo A nossa intenção neste ensaio, em trazer
as lutas contra a discriminação, opressão e vio- para a reflexão a metáfora do movimento em es-
lência como é o caso da situação dos negros, dos piral é sobretudo marcar a importância da indis-
indígenas, dos homossexuais, as questões de sociabilidade entre teoria e prática no processo
gênero que envolvem os direitos reprodutivos, a de intervenção em serviço social, concordando
violência contra mulheres, o abuso sexual contra com Odária Battini (1994) quando afirma que é
crianças e adolescentes, homofobia entre outras. necessário superar a “falsa dicotomia” entre a
As “velhas” desigualdades se intensificam: atitude investigativa e a formação profissional.
o inchaço das grandes cidades repercutindo Para corroborar essa perspectiva, Battini traz
em falta de moradia, desemprego em grande uma citação de Nobuco Kameyama, que já se
escala decorrente da reestruturação no mundo manifestava em 1985, sobre a impossibilidade
do trabalho. São exigidas da profissão novas dessa separação:
leituras acerca desta realidade já multifacetada e
A teoria e a prática constituem, portanto as-
complexa. Uma delas, ainda polêmica no serviço
pectos inseparáveis do conhecimento e devem
social é a necessidade de compreender que para ser consideradas na sua unidade levando em
além das desigualdades de classe, também se conta que toda a teoria não só se nutre da prá-
articulam no cotidiano de atendimento profissio- tica social e histórica como também representa
nal, desigualdades de gênero, de raça/etnia, de uma força transformadora que indica à prática
gerações entre outras. os caminhos da transformação (KAMEYAMA,
Chegamos ao ano de 2012 com uma rea- 1985, citado por BATTINI, 1994, p. 143).
lidade bem diferente daquela do início de nossa
Abrir-se para um diálogo plural com as
profissão (demarcada no inicio da espiral), que
diferentes perspectivas teóricas que também
por sua vez exige um profissional atento às cons-
trazem uma analise sobre as mudanças que a
tantes transformações, que possa acompanhar
realidade contemporânea vem apontando é o
o desenvolvimento tecnológico incorporando
que sugerimos para os colegas de profissão.
novos instrumentos de ação como as tecnolo-
Lançar diferentes olhares sobre a construção do
gias da informação; que possa inteirar-se da
conhecimento em serviço social e abrir-se para
problemática dos desastres ambientais exigindo
as teorias contemporâneas rompendo com as
da profissão a aproximação com esta discussão;
fronteiras interdisciplinares possibilitando enten-
que possa abrir-se para a compreensão do que
der a complexidade dos fenômenos sociais, que
seja interculturalidade, conflitos religiosos, étni-
tem se apresentado de forma multidimensional
cos, entre outros.
nas diferentes formas contemporâneas de opres-
Este contexto exige respostas de uma
são e lutas sociais engendradas e discutidas, por
profissão marcadamente interventiva e requer
exemplo, nos últimos Fóruns Sociais Mundiais.
aprofundamento e consolidação de referen-
Fredric Jameson (1988), importante teóri-
cias teóricas para o embasamento da prática.
co crítico contemporâneo, coloca como desafio
Concordamos que atualmente, o compromisso
epistemológico para a construção do conheci-
ético-político com as classes empobrecidas (ex-
mento:
cluídas dos direitos mínimos) se materializa no
Código de Ética, e as exigências de uma sólida Fazer um inventário de diversas estruturas de
formação profissional é condição sine qua non limitação vividas pelos vários grupos sociais
para um exercício competente. marginalizados, oprimidos e dominados (...)
Entretanto, lacunas ainda persistem e o tão plenamente como as classes trabalha-
movimento dialético representado pela espiral doras – com a diferença que cada forma de