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Papel Moeda e Curso Legal Forçado da Moeda: um olhar do

direito.
Nota motivada pela leitura de Juros, Moeda e Ortodoxia, de André Lara Resende.1

I – Direito e Economia

Economia e direito não se bicam.

Para a maior parte dos economistas o direito é, na melhor das hipóteses, um


instrumento de regulação de condutas, destinado à realização de alguma
finalidade ditada pela economia. Nas avaliações mais críticas, as leis são
lembradas como um entrave às medidas econômicas necessárias ao
desenvolvimento e à estabilidade – para não falar em temas como segurança
pública e direitos essenciais, que causam ainda maior polêmica.

Já para os advogados, ou ao menos para muitos deles, as normas jurídicas,


dada a sua base social e constitucional, são superiores e devem se impor ao
planejamento econômico tecnocrático e aos interesses ditos “meramente”
econômicos.

É verdade que, especialmente nos Estados Unidos da América, mas também


em outros países de common law, direito e economia passaram a caminhar
lado a lado nos estudos de law and economics. Isso se explica, em parte,
porque naqueles países a abordagem jurídica é extremamente pragmática e
utilitária, enquanto em países de tradição romano-germânica, como o Brasil, a
doutrina do direito é bem mais dogmática – mesmo quando sustenta não ser.
Some-se a isso a prevalência, nas escolas de direito por aqui, de uma visão
política de esquerda, e já se vê a dificuldade de interlocução entre as duas
ciências sociais em nosso país.

De todo modo, nem mesmo as investigações de law and economics servem


como evidência de um diálogo franco entre economia e direito. Não parece

                                                                                                           
1
RESENDE, André Lara. Juros, Moeda e Ortodoxia. São Paulo : Portfólio-Penguin, 2017. Nota
originalmente preparada para os alunos de Teoria das Obrigações e dos Contratos I, Turma
2HA, período 2017.2, da graduação em Direito da PUC-Rio, ajustada para corrigir erros de
digitação e incluir uma referência extraída da obra de FRANCO, Gustavo H.B., A moeda e a
lei: uma história monetária brasileira (1933-2013), 1a ed., Rio de Janeiro : Zahar, 2017.
equivocado dizer que os economistas veem naqueles estudos uma espécie de
capitulação, pelo direito, quanto à superioridade da abordagem econômica
dos fenômenos sociais, enquanto os advogados, ao menos nos países de civil
law, têm dificuldade até mesmo de reconhecer naqueles trabalhos a natureza
de estudos jurídicos, dada a abordagem fortemente influenciada por análises
econômicas e estatísticas, quase sempre ignorando aspectos dogmáticos e
sociológicos.

Por isso, animei-me a comentar certos aspectos jurídicos que me ocorreram


durante a leitura do novo livro de André Lara Resende – Juros, Moeda e
Ortodoxia. Um dos temais mais debatidos no livro de ALR é o da moeda, e
como essa é uma evidente área de contato entre o direito e a economia,
decidi me aventurar a discutir algumas afirmações por ele feitas, à luz dos
aspectos jurídicos que suscitam.

II – A irrelevância do papel moeda e do curso legal forçado da moeda.

No artigo “A Teoria Monetária: reflexões de um percurso inconclusivo”,2 ALR


afirma que “[a] característica essencial da moeda é servir como unidade de
conta, a referência na qual os preços nominais são cotados”3, ou “padrão
universal de valor”4. Para ALR, as outras tradicionais funções da moeda não
são essenciais, pois, por um lado, há “uma infinidade de ativos bem mais
eficazes que a moeda como reserva de valor, sobretudo num cenário
inflacionário”,5 e por outro lado, “a moeda como meio de pagamento é um
anacronismo completo”.6

Para demonstrar esta última afirmação, quanto ao anacronismo da moeda


como meio de pagamento, ALR sustenta, em primeiro lugar, que “qualquer
                                                                                                           
2
RESENDE, André Lara. A teoria monetária A teoria monetária: reflexões sobre um percurso
inconclusivo. In Juros, Moeda e Ortodoxia, cit, pp. 49/83.
3
RESENDE, André Lara. A teoria monetária ..., cit. p. 81. Ainda que sob a forma de “moeda
fiduciária”, e não necessariamente de papel moeda (ob. cit., p. 70);
4
É como ALR a ela se refere, por vezes, no artigo A caminho da Economia Desmonetizada, in
Juros, Moeda e Ortodoxia, cit., pp. 85/109. Do ponto de vista jurídico, como se verá, essa
denominação é preferível, pois captura a característica da moeda para além de seu valor
nominal, o que é especialmente importante no direito.
5
RESENDE, André Lara. A teoria monetária ..., cit. p. 71.
6
RESENDE, André Lara, ob. e loc. cit.

  2
tipo de ativo pode ser usado como meio de pagamento, desde que se pague
o preço de sua falta de liquidez”7 – isto é, que seja atribuído um desconto ao
seu preço de face ou nominal.

Ademais, ALR sustenta que o papel moeda é desnecessário em um “sistema


centralizado de compensação e custódia, como no sistema bancário
contemporâneo, que pode ser acessado em qualquer lugar, por meio de
cartões e dispositivos moveis...”.8

Por tudo isso, ALR afirma que “[s]e a propriedade essencial da moeda é ser a
unidade de conta, moeda é tudo aquilo que serve como referência para a
cotação de preços nominais. Ela não precisa ter curso forçado nem existência
física”.9

São essas duas afirmações, quanto à desnecessidade da existência física do


papel moeda, e do curso forçado da moeda – nessa ordem – que esta nota
pretende comentar.

Antes de fazê-lo, contudo, é importante destacar que esta nota não pretende
debater a possibilidade de que uma moeda, no sentido de uma convenção
que sirva como unidade de conta, possa prescindir de existência física como
papel moeda ou de curso legal forçado. Até porque já tivemos uma moeda
assim entre nós, qual seja, a Unidade Real de Valor – URV, que antecedeu à
criação do real.10

                                                                                                           
7
RESENDE, André Lara, ob. e loc. cit.
8
RESENDE, André Lara, ob. e loc. cit.
9
RESENDE, André Lara, ob. cit., p. 75.
10
Gustavo Franco esclarece que “a URV era apenas unidade conta, e com isso se evitavam os
riscos de desestabilização decorrentes da presença de duas moedas de pagamento
competindo entre si” (FRANCO, Gustavo H.B, A moeda e a lei, cit., p. 65.). O ineditismo do
uso da URV como unidade de contra residia, como destaca o mesmo autor, em que a Medida
Provisória 434/94, que a criou, estabeleceu, em seu art. 1º, ser ela “dotada de curso legal para
servir exclusivamente como padrão de valor monetário”. Ou seja: tratava-se de uma moeda
sem poder liberatório, mas reconhecida pela lei. Sem curso forçado (físico ou eletrônico), mas
com “curso legal”. Para uma descrição detalhada da elaboração desse modelo, de seus
fundamentos e diferenças históricas, e das discussões em torno dele, ver FRANCO, Gustavo
H.B, A moeda e a lei, cit., pp. 567/589.

  3
O que se pretende, aqui, é examinar a possibilidade da inexistência de ao
menos uma moeda estatal, com existência física (ou fiduciária, em um cenário
ideal de completa bancarização da sociedade) e curso legal forçado, em um
dado país, como o Brasil (e provavelmente qualquer outro), no atual estágio
de desenvolvimento das relações humanas.

III – O papel moeda

A conclusão de ALR quanto à desnecessidade da existência física da moeda


nos dias atuais é feita no pressuposto do completo acesso de toda a
população a meios de pagamento eletrônico, o que depende não apenas do
acesso a smart phones ou equipamentos equivalentes, mas também a contas
bancárias ou de depósitos ou créditos de outra natureza – o que ainda parece
um cenário distante, ao menos no Brasil.

Talvez naquele cenário ideal de completas bancarização e acesso da


população fosse possível afirmar a desnecessidade do papel moeda. Mas em
qualquer caso ela não pode ser confundida, a meu ver, com a possibilidade de
extinção de uma moeda estatal, ainda que fiduciária (eletrônica).

É que mesmo naquele cenário ideal, a ausência de uma moeda estatal


atribuiria aos bancos e aos outros agentes prestadores de serviços de
liquidação um poder excessivo, resultante do poder de fixar os custos das
transações eletrônicas de pagamento.

Em outras palavras: a presença do papel moeda como alternativa de


pagamento disponível para os devedores funciona, hoje, como um competidor
permanente, cumprindo a relevante função de manter os preços dos serviços
de liquidação e compensação em um padrão aceitável – e reduzindo
dramaticamente, por tabela, a necessidade de atuação estatal na fiscalização e
repressão de abusos. E mesmo no cenário teórico da ausência de papel
moeda, uma moeda fiduciária estatal, transferível sem custo ou desconto, seria
necessária para cumprir esse papel.

Veja-se que a possibilidade de as próprias partes estipularem, nos contratos


com os provedores de meios de pagamento, os custos pela utilização dos
serviços, exatamente como fazem hoje, não seria capaz de resolver o

  4
problema. O equilíbrio contratual depende de diversos elementos, como a
paridade de forças entre os contratantes no momento da negociação, o
interesse desses mesmos contratantes em dispenderem tempo em tais
negociações e a detenção e compreensão de informações suficientes sobre o
tema em discussão.

Na sociedade de massas, a maior parte (em quantidade) dos contratos é


celebrada sem que haja sequer a possibilidade de negociação de suas
cláusulas, ou da maior parte delas. Tudo se dá por mera adesão aos termos
pré-determinados por um dos contratantes – o ofertante de produtos ou
serviços.

Nesse cenário, na ausência de uma moeda estatal física ou fiduciária


(eletrônica), ou haveria suficiente competição entre os prestadores de serviços
de meios de pagamento, fazendo com que os seus preços fossem razoáveis,
ou seria necessário impedir, pela imposição de regras que evitassem os
abusos, e de medidas de supervisão e de enforcement de tais regras, que
custos excessivos fossem impostos aos contratantes por aqueles agentes,
quando da transferência de titularidade.

Ocorre que a competição entre os prestadores de serviços de liquidação é


sempre limitada – ou ao menos fortemente influenciada – pela (correta)
exigência estatal de que eles detenham capital e capacidade operacional
compatíveis com a relevância sistêmica dos serviços prestados. Da
concentração daí decorrente resulta o natural aumento de preços, inclusive em
remuneração aos recursos investidos pelos agentes, cuja repressão pelo
estado é extremamente difícil, até mesmo pela natural (e outra vez correta)
resistência dos supervisores estatais de arbitrarem preços e margens de lucro.

Já a supervisão e o enforcement de regras que proíbam os abusos seria (na


verdade já é) custosa e ineficiente. Ações judiciais, mesmo coletivas,
demandam tempo, e juízes têm grande dificuldade com temas financeiros e
econômicos – como mencionado no início desta nota. Além disso, a
capacidade de adaptação dos agentes econômicos a determinações judiciais
pouco aprofundadas faria (como já faz) com que novos produtos e novos

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formatos fossem oferecidos, sem a completa eliminação das práticas anteriores
ou com sua substituição por outras, igualmente abusivas.

Por esses motivos, parece-me que a existência de uma moeda estatal, seja em
sua forma física ou fiduciária (eletrônica) – mas neste caso desde que
assegurada a transferência sem custos ou descontos – é não apenas ainda
necessária, como provavelmente o mais eficiente mecanismo disponível para
assegurar o equilíbrio entre credores e devedores nas relações de massa.

IV – Curso legal forçado (poder liberatório)

À dúvida sobre a afirmação de ALR quanto à desnecessidade da existência


física de papel moeda (ou de um papel moeda estatal), soma-se outra, já
mencionada, quanto à conclusão do autor pela desnecessidade do curso
forçado da moeda.

Aqui talvez valha a pena uma breve digressão sobre o conceito jurídico de
curso legal forçado. Ele normalmente é visto como a obrigação dos
particulares, salvo em situações excepcionais admitidas expressamente pela
lei, de contratar utilizando a moeda estatal.11

Mas a função do curso legal forçado não se limita às obrigações resultantes de


ajuste entre as partes. É também em moeda nacional que devem ser medidos
e indenizados os danos causados pelo descumprimento de qualquer dever de
conduta, decorra da convenção ou da lei. E esse mesmo padrão se aplica
                                                                                                           
11
É o que diz o art. 318 do Código Civil: “Art. 318. São nulas as convenções de pagamento
em ouro ou em moeda estrangeira, bem como para compensar a diferença entre o valor desta
e o da moeda nacional, excetuados os casos previstos na legislação especial”. E antes dele
dizia o art. 1º do Decreto-Lei 857/69: “Art 1º. São nulos de pleno direito os contratos, títulos e
quaisquer documentos, bem como as obrigações que exequíveis no Brasil, estipulem
pagamento em ouro, em moeda estrangeira, ou, por alguma forma, restrinjam ou recusem,
nos seus efeitos, o curso legal do cruzeiro”. Também no Decreto-Lei 857/69 é que se encontra
a maior parte das exceções à obrigação de contratar em moeda nacional. Além disso, o art. 6º
da Lei 8.880/94 estabelece: “Art. 6º - É nula de pleno direito a contratação de reajuste
vinculado à variação cambial, exceto quando expressamente autorizado por lei federal e nos
contratos de arrendamento mercantil celebrados entre pessoas residentes e domiciliadas no
País, com base em captação de recursos provenientes do exterior.” Apesar de todas essas
disposições legais, o Superior Tribunal de Justiça tem se manifestado no sentido da “validade
da contratação em moeda estrangeira, desde que o pagamento possa ser efetivado em
moeda nacional” (Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 17099/PR, Relator
Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 17 de setembro de 2013).

  6
sempre que haja a obrigação de restituir a alguém, em dinheiro, o valor de um
bem.

Assim, o curso legal forçado, por um lado, assegura aos devedores de


obrigações contratuais o direito de pagar suas obrigações pelo valor nominal,
isto é, por sua expressão em moeda nacional. De fato, nada impediria, na
ausência do curso legal forçado, que outras moedas (isto é, unidades de conta)
fossem utilizadas nos contratos e demais obrigações, estabelecidas por
vontade das partes. E que o pagamento dessas obrigações ocorresse pela
transferência de títulos, ou registros, representativos da propriedade daquelas
moedas.

Em outras palavras, sem o curso legal forçado a moeda estatal deixaria de ter
poder liberatório das obrigações que nela não fossem estabelecidas –
exatamente como já acontece com obrigações em moeda estrangeira, quando
admitidas, e que por isso devem ser pagas nessa moeda. Seria lícito às partes
estabelecerem obrigações em qualquer moeda, ou em moedas estatais
estrangeiras (como hoje autorizado em certos casos) e até mesmo em ativos
que não são moedas, mas que poderiam ser convencionados como aqueles
utilizados para o cumprimento das obrigações, como títulos de dívida de
terceiros, ações de emissão de companhias e até mesmo, e porque não,
bitcoins.

O problema daí decorrente está em que esses meios de pagamento


livremente ajustados poderiam impor um custo adicional para sua aquisição,
ou poderiam ter sua disponibilidade restringida, impossibilitando o
cumprimento. E isso para não falar em potenciais abusos, como por exemplo o
uso, como meio de pagamento, de “milhas” a serem utilizados exclusivamente
nas lojas de determinadas empresas, ou títulos para aplicação exclusivamente
em um determinado banco.

Assim, se é verdade que sem o curso forçado os contratantes poderiam


estabelecer que o pagamento se daria em qualquer moeda, também parece
inegável que o acesso, a utilidade ou a cotação dessa moeda poderia ser, em
tese, estabelecida ou influenciada por uma das partes. Poderíamos, no limite,

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voltar ao tempo do pagamento aos empregados em “vales”, a serem
utilizados para compras nas mercearias do Coronel – com toda a sofisticação
eletrônica que se possa acrescentar a este esquema rudimentar hoje em dia,
inclusive quanto à obtenção de vantagens indiretas para uma das partes,
pagas pelo emissor da moeda alternativa.

Em resposta a essa preocupação poder-se-ia objetar com o argumento de que


as partes seriam capazes, elas próprias, de se proteger daqueles abusos, não
aceitando moedas sem credibilidade, facilmente manipuláveis, com uso
restrito ou com custos excessivos. Mas, como já dito no tópico anterior desta
nota, a realidade da contratação nas sociedades de massa é bem diversa, e
aquela defesa somente estaria disponível aos agentes econômicos que
pudessem impor sua vontade negocial, o que não ocorre na enorme maioria
das contratações, nas quais uma das partes apenas adere aos termos
contratuais estabelecidos pela outra.

Dir-se-ia, então, que os abusos poderiam ser combatidos, criando-se normas


para evitar os excessos. Mas esse cenário permite cogitar de que os altos
custos de supervisão e os expressivos riscos causados por essas contratações
livres provavelmente não compensariam o abandono do curso legal forçado
de uma moeda nacional.

Mas não é só. Há um segundo problema causado pela ausência do curso legal
forçado de uma moeda nacional, e ele diz respeito ao papel que esta
desempenha nas obrigações não decorrentes da vontade das partes, isto é,
naquelas que tem origem na prática de atos ilícitos ou no dever de reversão
do enriquecimento sem causa.

De fato, há muitas obrigações pecuniárias que decorrem da violação de


deveres de conduta impostos pelo direito. Esses deveres descumpridos
podem ter origem na lei ou na vontade das partes, isto é, podem ser
extracontratuais (aplicáveis a todas as pessoas submetidas à hipótese legal) ou

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contratuais (isto é, decorrerem da vontade das partes de a eles se
submeterem).12

É fato que os contratos podem estabelecer, e muitas vezes o fazem, as


consequências de seu próprio descumprimento. Mas quando isso não ocorre,
ou quando se trata do descumprimento de deveres extracontratuais, há
necessidade de assegurar à vítima do ato ilícito uma indenização, a qual, por
sua vez, será paga em dinheiro.

Tais obrigações pecuniárias ficariam órfãs de uma moeda para serem medidas
e liquidadas, caso faltasse a moeda estatal com curso legal forçado. Após o
evento danoso, o acordo entre as partes, em torno da moeda a ser utilizada
para o cálculo da indenização e a liquidação da obrigação, seria altamente
improvável, aumentando em proporções inimagináveis o número de conflitos a
dirimir.

V – Dúvidas à guisa de conclusão

Esta nota teve por objeto lançar um olhar do direito sobre o vaticínio de ALR,
nos instigantes textos incluídos no seu Juros, Moeda e Ortodoxia, quanto à
irrelevância do papel moeda e do curso legal forçado da moeda. O resultado
da análise a que se procedeu nesta nota, dada a sua superficialidade, não é
propriamente uma conclusão, mas a exposição de algumas dúvidas.

Quanto à primeira daquelas afirmações, no sentido de que o papel moeda não


tem utilidade, parece razoável imaginar que, do ponto de vista do equilíbrio
das relações contratuais de massa, e mesmo supondo uma sociedade ideal em
que todas as pessoas tenham acesso a uma conta bancária ou a outros
sistemas de pagamento, a concorrência de uma moeda estatal sem custo de

                                                                                                           
12
Essa nomenclatura, embora dominante, é criticada, por dar a impressão de que todas as
obrigações oriundas da manifestação de vontade decorrem de contratos – isto é, de negócios
jurídicos bilaterais destinados a criar obrigações – quando elas também podem surgir de
negócio unilaterais, em que apenas uma parte manifesta vontade, como uma promessa de
recompensa, por exemplo. Além disso, nem todas as obrigações decorrentes de vontade
bilateral podem ser classificadas como contratos no direito brasileiro. Assim, por exemplo, um
acordo de leniência ou um termo de ajustamento de conduta celebrado com o Ministério
Público são negócios jurídicos bilaterais mas não são, tecnicamente, contratos, porque regidos
por normas de direito público, e não privado.

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transferência, que permita aos devedores desobrigarem-se por sua entrega,
ainda será a maneira mais eficiente de evitar custos excessivos e abusos pelos
operadores de meios de pagamento.

Já quanto à irrelevância do curso forçado da moeda, em primeiro lugar parece


razoável supor que, ao menos em contratos de massa, a estipulação de
pagamento em moedas não estatais criaria o risco acentuado da obtenção de
vantagens indevidas para uma das partes, pelo imposição, na prática, de
moedas que a favorecessem, fosse diretamente, fosse pela obtenção de
benefícios indiretos assegurados pelo emissor da moeda.

Ainda quanto ao curso forçado, e em segundo lugar, parece razoável supor


que uma moeda estatal com curso forçado é necessária para servir de medida
de valor e meio de pagamento tanto para a fixação de indenizações pelo
descumprimento de obrigações, nos casos em que as partes não as prefixam,
quanto para o cálculo e o pagamento do equivalente em dinheiro, em
hipóteses de enriquecimento sem causa.

Em resumo, pode haver moedas que não sejam emitidas em papel ou


fiduciariamente (eletronicamente), não sirvam como meio de pagamento e não
tenham curso forçado – e entre nós a URV foi um bom exemplo. Mas não
parece ser possível antever um mundo sem moedas estatais, destinadas à
extinção de certas obrigações, isto é, moedas que o devedor possa obrigar o
credor a receber, e que o credor possa exigir do devedor, sem custos
adicionais ou descontos sobre seu valor nominal.

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