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direito.
Nota motivada pela leitura de Juros, Moeda e Ortodoxia, de André Lara Resende.1
I – Direito e Economia
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RESENDE, André Lara. Juros, Moeda e Ortodoxia. São Paulo : Portfólio-Penguin, 2017. Nota
originalmente preparada para os alunos de Teoria das Obrigações e dos Contratos I, Turma
2HA, período 2017.2, da graduação em Direito da PUC-Rio, ajustada para corrigir erros de
digitação e incluir uma referência extraída da obra de FRANCO, Gustavo H.B., A moeda e a
lei: uma história monetária brasileira (1933-2013), 1a ed., Rio de Janeiro : Zahar, 2017.
equivocado dizer que os economistas veem naqueles estudos uma espécie de
capitulação, pelo direito, quanto à superioridade da abordagem econômica
dos fenômenos sociais, enquanto os advogados, ao menos nos países de civil
law, têm dificuldade até mesmo de reconhecer naqueles trabalhos a natureza
de estudos jurídicos, dada a abordagem fortemente influenciada por análises
econômicas e estatísticas, quase sempre ignorando aspectos dogmáticos e
sociológicos.
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tipo de ativo pode ser usado como meio de pagamento, desde que se pague
o preço de sua falta de liquidez”7 – isto é, que seja atribuído um desconto ao
seu preço de face ou nominal.
Por tudo isso, ALR afirma que “[s]e a propriedade essencial da moeda é ser a
unidade de conta, moeda é tudo aquilo que serve como referência para a
cotação de preços nominais. Ela não precisa ter curso forçado nem existência
física”.9
Antes de fazê-lo, contudo, é importante destacar que esta nota não pretende
debater a possibilidade de que uma moeda, no sentido de uma convenção
que sirva como unidade de conta, possa prescindir de existência física como
papel moeda ou de curso legal forçado. Até porque já tivemos uma moeda
assim entre nós, qual seja, a Unidade Real de Valor – URV, que antecedeu à
criação do real.10
7
RESENDE, André Lara, ob. e loc. cit.
8
RESENDE, André Lara, ob. e loc. cit.
9
RESENDE, André Lara, ob. cit., p. 75.
10
Gustavo Franco esclarece que “a URV era apenas unidade conta, e com isso se evitavam os
riscos de desestabilização decorrentes da presença de duas moedas de pagamento
competindo entre si” (FRANCO, Gustavo H.B, A moeda e a lei, cit., p. 65.). O ineditismo do
uso da URV como unidade de contra residia, como destaca o mesmo autor, em que a Medida
Provisória 434/94, que a criou, estabeleceu, em seu art. 1º, ser ela “dotada de curso legal para
servir exclusivamente como padrão de valor monetário”. Ou seja: tratava-se de uma moeda
sem poder liberatório, mas reconhecida pela lei. Sem curso forçado (físico ou eletrônico), mas
com “curso legal”. Para uma descrição detalhada da elaboração desse modelo, de seus
fundamentos e diferenças históricas, e das discussões em torno dele, ver FRANCO, Gustavo
H.B, A moeda e a lei, cit., pp. 567/589.
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O que se pretende, aqui, é examinar a possibilidade da inexistência de ao
menos uma moeda estatal, com existência física (ou fiduciária, em um cenário
ideal de completa bancarização da sociedade) e curso legal forçado, em um
dado país, como o Brasil (e provavelmente qualquer outro), no atual estágio
de desenvolvimento das relações humanas.
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problema. O equilíbrio contratual depende de diversos elementos, como a
paridade de forças entre os contratantes no momento da negociação, o
interesse desses mesmos contratantes em dispenderem tempo em tais
negociações e a detenção e compreensão de informações suficientes sobre o
tema em discussão.
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formatos fossem oferecidos, sem a completa eliminação das práticas anteriores
ou com sua substituição por outras, igualmente abusivas.
Por esses motivos, parece-me que a existência de uma moeda estatal, seja em
sua forma física ou fiduciária (eletrônica) – mas neste caso desde que
assegurada a transferência sem custos ou descontos – é não apenas ainda
necessária, como provavelmente o mais eficiente mecanismo disponível para
assegurar o equilíbrio entre credores e devedores nas relações de massa.
Aqui talvez valha a pena uma breve digressão sobre o conceito jurídico de
curso legal forçado. Ele normalmente é visto como a obrigação dos
particulares, salvo em situações excepcionais admitidas expressamente pela
lei, de contratar utilizando a moeda estatal.11
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sempre que haja a obrigação de restituir a alguém, em dinheiro, o valor de um
bem.
Em outras palavras, sem o curso legal forçado a moeda estatal deixaria de ter
poder liberatório das obrigações que nela não fossem estabelecidas –
exatamente como já acontece com obrigações em moeda estrangeira, quando
admitidas, e que por isso devem ser pagas nessa moeda. Seria lícito às partes
estabelecerem obrigações em qualquer moeda, ou em moedas estatais
estrangeiras (como hoje autorizado em certos casos) e até mesmo em ativos
que não são moedas, mas que poderiam ser convencionados como aqueles
utilizados para o cumprimento das obrigações, como títulos de dívida de
terceiros, ações de emissão de companhias e até mesmo, e porque não,
bitcoins.
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voltar ao tempo do pagamento aos empregados em “vales”, a serem
utilizados para compras nas mercearias do Coronel – com toda a sofisticação
eletrônica que se possa acrescentar a este esquema rudimentar hoje em dia,
inclusive quanto à obtenção de vantagens indiretas para uma das partes,
pagas pelo emissor da moeda alternativa.
Mas não é só. Há um segundo problema causado pela ausência do curso legal
forçado de uma moeda nacional, e ele diz respeito ao papel que esta
desempenha nas obrigações não decorrentes da vontade das partes, isto é,
naquelas que tem origem na prática de atos ilícitos ou no dever de reversão
do enriquecimento sem causa.
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contratuais (isto é, decorrerem da vontade das partes de a eles se
submeterem).12
Tais obrigações pecuniárias ficariam órfãs de uma moeda para serem medidas
e liquidadas, caso faltasse a moeda estatal com curso legal forçado. Após o
evento danoso, o acordo entre as partes, em torno da moeda a ser utilizada
para o cálculo da indenização e a liquidação da obrigação, seria altamente
improvável, aumentando em proporções inimagináveis o número de conflitos a
dirimir.
Esta nota teve por objeto lançar um olhar do direito sobre o vaticínio de ALR,
nos instigantes textos incluídos no seu Juros, Moeda e Ortodoxia, quanto à
irrelevância do papel moeda e do curso legal forçado da moeda. O resultado
da análise a que se procedeu nesta nota, dada a sua superficialidade, não é
propriamente uma conclusão, mas a exposição de algumas dúvidas.
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Essa nomenclatura, embora dominante, é criticada, por dar a impressão de que todas as
obrigações oriundas da manifestação de vontade decorrem de contratos – isto é, de negócios
jurídicos bilaterais destinados a criar obrigações – quando elas também podem surgir de
negócio unilaterais, em que apenas uma parte manifesta vontade, como uma promessa de
recompensa, por exemplo. Além disso, nem todas as obrigações decorrentes de vontade
bilateral podem ser classificadas como contratos no direito brasileiro. Assim, por exemplo, um
acordo de leniência ou um termo de ajustamento de conduta celebrado com o Ministério
Público são negócios jurídicos bilaterais mas não são, tecnicamente, contratos, porque regidos
por normas de direito público, e não privado.
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transferência, que permita aos devedores desobrigarem-se por sua entrega,
ainda será a maneira mais eficiente de evitar custos excessivos e abusos pelos
operadores de meios de pagamento.
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