Вы находитесь на странице: 1из 7

Rev. do Museu de A rqu eologia e Etnologia, São Paulo, Suplem ento 3: 339-345, 1999.

MUSEU, EDUCAÇÃO E ARQUEOLOGIA.


PROSPECÇÕES ENTRE TEORIA E PRÁTICA

Elizabete Tamanini**

“Quando o português chegou


Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.
(O. de Andrade)

As questões que apresentaremos para re­ cimento humano. Estas questões, gestoras da “in­
flexões integram ações desenvolvidas junto a pro­ teligibilidade” do homo sapiens, problematizam,
jetos e programas de educação realizados no Mu­ em tese, a história e a herança cultural dessa es­
seu Arqueológico de Sambaqui de Joinville, las- pécie tão recente, e que, para o pensador Michel
treados em dez anos de estudo, bem como resul­ Foucault (1982), “o homem ainda é um ser muito
tados de pesquisas desta temática. prematuro, pois entre sua sapiência e animali­
Constatamos de perto que Arqueologia, Mu­ dade decorrem apenas 300 mil anos”
seu e preservação são temas absolutamente dis­ Desse modo, poderíamos conceber que a Edu­
tantes do cotidiano escolar brasileiro. Todavia, tais cação trataria o conhecimento stricto sensu e latu
questões deveriam compor o grande cenário cur­ senso dentro dos paradigmas da herança cultural
ricular, pois historicamente estão intimamente re­ acumulada. E que os conteúdos abordados em seus
lacionadas ao processo de humanização. Isto nos famosos e ordenados currículos e programas
conduz a concordar com G. Kubler, quando diz fossem além da ‘ciência morta’ “E através do mun­
que as únicas provas da história disponíveis em do material que a criança, na escola, e os adultos,
todo momento aos nossos sentidos são as coisas em geral, tomam contato com a ordenação social
feitas pelo homem (Balllart 1996: 29). Assim, a (...) Não lemos regras e nos tomamos membros do
partir da análise da cultura material pode-se dis­ rebanho de alunos, na escola; são as estruturas
cutir e estudar os processos de apreensão do conhe­ materiais de controle, no edifício “Escola”, que nos
transformam em rebanhos” (Funari 1995: 5). Por
outro lado, Molyneaux (1994: 2) analisa esta pro­
(*) Este Artigo integra reflexões pertinentes à pesquisa blemática pontuando que, “apesar do que se pode
de doutorado em andamento: “História Revisitada: A Imi­ ser conhecido empiricamente sobre um objeto, lugar,
gração no Sul do Brasil sob o olhar da Cultura material sociedade ou a pré-história, o passado material e o
- (O Caso Museu Nacional de Imigração e Colonização/ passado ideológico podem estar em conflito. A
J o in v ille)”
(**) Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade
Educação convencional é particularmente vulnerá­
Estadual de Campinas-Unicamp. Pós-Graduação, doutorado. vel a disputas relativas à interpretação do passado
Coordenadora do Programa de Comunicação M useológica em virtude de sua importância como ferramenta
do MASJ/Joinville-SC. ideológica na sociedade” O ponto básico é que

339
TAMANINI, E. Museu, Educação e Arqueologia: prospecções entre teoria e prática. Rev. do Museu de Arqueologia
e Etnologia, São Paulo, Suplem ento 3: 339-345, 1999.

toda a argumentação da Educação pressupõe a exis­ tão identificados quase que unanimemente nas
tência de um passado. Isto é, a questão da herança estruturas escolares brasileiras.
cultural é aqui situada nas diferentes formas e Todavia, hoje, com o avanço teórico-metodo-
proposições, pensamento e linguagem. Paulo Freire lógico das Ciências Humanas, rompendo-se para
(apud Schelling 1991: 28) salienta que: tanto com limites disciplinares, questões desta
“...a possibilidade humana de existir - forma natureza vêm sendo pesquisadas com mais inten­
acrescida de ser - mais do que viver, faz do homem sidade. Para Nadai:
um ser eminentemente relacionai. Estando nele,
pode também, sair dele. Projetar-se. Discernir. Co­ Ao longo dos tempos, as construções
nhecer. É um ser aberto. Distingue o ontem do hoje. de “currículos de História no Brasil, centra­
O aqui do ali. Essa transitividade do homem faz ram-se na idéia de nação resultante da cola­
dele um ser diferente. Um ser histórico. Faz dele um boração de europeus, africanos e nativos iden­
criador de cultura. A posição que ocupa na sua tificada às similares européias. A dominação
“circunstância” é uma posição dinâmica. Trava re­ social (interna) do branco colonizador sobre
lações com ambas as faces de seu mundo - a natu­ africanos e indígenas bem como a sujeição (ex-
ral, para o aparecimento de cujos entes o homem tema) do país-colonia à metrópole não foram
não contribui mas a que confere uma significação explicitadas” (1992/93:149).
que varia ao longo da história e a cultural, cujos O resultante deste tipo de discurso reprodu­
objetos são criação sua” zido linearmente há décadas foi o estabelecimento
Assim, a memória social ou coletiva, evidenciada de um Brasil abstrato e irreal. Neste sentido, apon-
a partir dos registros, vestígios e fragmentos, ta-se a influência dos livros didáticos para a legi­
considerados conceitualmente como bens culturais timação de tais conceitos. Não cabe, aqui, analisar
de uma dada sociedade, constitui-se em referencial o que contêm os livros didáticos, uma das fontes
da identidade cultural e instrumento mediador entre mais utilizadas pela Escola na América Latina.1
sujeito histórico e a cidadania.
Contudo, vale salientar que estes apresentam la­
No Brasil, país de pouca tradição democrática,
cunas conceituais irreparáveis quanto à diversi­
a discussão acerca da Arqueologia relacionada à
dade cultural. Pouco se discute a respeito da con­
Educação e a preservação são temas bastante re­
tribuição de outras ciências para o estudo da etni-
centes entre nós. Além de os mais elementares di­
cidade. Tais livros contribuem para veicular repre­
reitos à cidadania serem relegados, neste caso, tais
sentações ideológicas que acabam por reforçar o
questões são às vezes encaradas como algo supér­
preconceito e a desinformação.
fluo e desnecessário frente às outras demandas
Conforme Geraldi (1997: 4), durante alguns
da sociedade. No entanto, entendemos que o ho­
anos absorvemos e consumimos, de forma cons-
mem “produz cultura” (Chauí 1990) e, por conse­
trangedoramente aerifica, as formulações america­
guinte, tem o “direito de ter direitos nas mais diver­
nas, mas presunçosamente ignoramos os desen­
sas esferas da vida humana (Arendt 1997).
volvimentos posteriores. Desse modo, ressaltamos
Entretanto, vários são os fatores que têm con­
o vanguardismo de Mário de Andrade para a cul­
tribuído para essa desintegração e desapropriação
tura e Paulo Freire para a Educação, quando busca­
da herança cultural, tanto na área da ação dos mu­
vam a criação de políticas para a Educação e o patri­
seus como na área educacional e da ciência arqueo­
mônio nacional, cuja reflexão partia da organização
lógica. No campo institucional brasileiro, a Escola,
originada do modelo ocidental, centrada na depen­ em sistema do que era plural, contigente disperso,
dência econômica e cultural do Brasil, pautou sua alienado, excluído e fragmentário.
atuação pela necessidade imperiosa de “passar con­
teúdo”
Assim, em detrimento de fornecer à sociedade (1) Sobre reflexões acerca da Pré-história no Ensino de
os instrumentos com que pudesse se apropriar de seu I o grau, ver Vasconcellos C. de M ello Sem inário para
meio natural e cultural, “interagindo com a realidade” im plantação da tem ática P ré-h istória B rasileira. M u­
seu Nacional, 1994. Para um estudo regionalizado desta
o sistema educacional brasileiro, ao ensinar o aluno
problemática, ver projeto de Iniciação Científica de Sou­
a decorar acriticamente fatos abstratos e a assimilar za, Flávio, C.A. “O livro didático e a questão da ocupa­
passivamente a cultura como símbolo de status, alie- ção pré-colonial no litoral norte catarinense” Joinville:
na-o da sua realidade. Exemplos desta ideologia es­ U NIVILLE/M A SJ, 1997-1999.

340
TAMANINI, E. Museu, Educação e Arqueologia: prospecções entre teoria e prática. Rev. do Museu de Arqueologia
e E tn ologia, São Paulo, Suplem ento 3: 339-345, 1999.

Entretanto, esta Instituição que há muitas e Ciência para a preservação. “A necessidade de pen­
muitas décadas cuida do conteúdo, das normas e sar sobre os avanços em termos sociais e históricos,
do funcional, polariza contradições análogas. Con­ levando em consideração meios culturalmente
tudo, sabemos, também, que a mesma está longe de específicos de olhar e conduta, tem transformado
problematizar estes universos, pois a diferenciação dramaticamente a concepção arqueológica do pas­
existente entre o estudo e a aplicação daquilo que é sado, tomando esta ciência mais relevante às rela­
significativo para a construção da identidade e ou ções contemporâneas” (ibid.).
referencial do ser humano fica restrito à lógica do Por outro lado, temos nos últimos tempos,
poder do conteúdo dogmático do ensino. Desse testemunhado alguns trabalhos de pesquisa em
entendimento, a construção e a reformulação de tais universidades e museus, buscando problematizar
questões têm se reduzido a um conjunto de decisões estas questões (Funari 1998). Funari (1994) teori­
técnicas supostamente “neutras” O grande risco za, afirmando que esses fatores ligados à compre­
que se corre, segundo Ortiz (1985: 125) é que: ensão da Arqueologia no Brasil são decorrentes
do desenvolvimento histórico no país e da disci­
“...a direção para a qual aponta o desen­
plina, e, também, devido ao establishment arqueo­
volvimento do capitalismo brasileiro nos leva
lógico que controla, largamente, a matéria no país.
a pensar que ação estatal e privada caminha­
Na complexa relação museu e sociedade, o
riam no sentido da instauração de uma hege­
museu tem sido visto enquanto guardião dos ob­
monia cultural. As telenovelas, assim como
jetos produzidos por diferentes povos, em dis­
o consumo de produtos distribuídos e finan­
tintos períodos históricos. É também a idéia do
ciados pelo Estado (incluindo a educação)
museu como banco de dados, como um dos supor­
contribuem para que as relações de poder se
tes da memória, como instituição científica, do
reproduzam no interior da própria cultura”
museu como palco de ações educativas, do museu
(grifo da autora).
cenário-exposição. Todavia, todo o museu, estan­
Porém, assim como a Educação tem sido efe­ do aberto ao público, transmite uma mensagem,
tivada a partir da seleção autoritária burocrática ina­ educa através do objeto a qualquer pessoa que
dequada e imposta dos saberes, os museus de nele entrar, seja qual for a sua classe social, sexo,
Arqueologia no Brasil ainda não incorporaram de idade, raça ou escolaridade (Tamanini 1994). Esta
forma transdisciplinar a inserção de outras análises característica coloca os museus dentro das insti­
do conhecimento humano. Em geral, os arqueólo­ tuições de educação permanente.
gos desconhecem o potencial que possuem a Mu- Em contrapartida, os museus, como herdeiros
seologia e a Educação no sentido de democratizar o do elitismo cultural do século passado, do intelec-
conhecimento construído e de obter, através de dife­ tualismo ocidental que o definiu e elegeu como
rentes sujeitos que a estes têm acesso, indicadores templos do saber burguês e herdeiros de corren­
importantes não só para avahar o produto elaborado tes escola novistas, fazem de seus objetivos aca­
como para encontrar novos problemas a serem in­ dêmicos a sua razão de ser. Afora esta visão elitis­
vestigados. Assim, a discussão da preservação nos ta, a preservação tem sido realizada de forma sau­
museus (em nossa reflexão, os de Arqueologia), até dosista, romântica, narrativa e exótica. Expõe, pre­
o presente momento, tem se dado de forma imposta. serva algo que está relacionado a um passado dis­
A seleção dos bens preservados tem sido efetivada tante e não à nossa realidade próxima, sendo o ci­
dando-se ênfase aos bens culturais produzidos dadão excluído do processo da preservação.
pelas elites. Por outra parte, as contribuições advin­ Na maioria das vezes, os museus atuam como
das da ciência arqueológica, no caso do Brasil até inibidores das respostas colocadas através da di­
aproximadamente a década de oitenta, foram de­ nâmica cultural, mantêm o status-quo, mitificam o
masiadamente restritas ao mundo dos arqueólogos, passado. Teoricamente, o museu apresenta para os
e com raras exceções se teorizou a respeito. “Sabe- seus distintos usuários, conhecimentos, conceitos,
se portanto, que a Arqueologia é muito mais do que idéias, artefatos cronologicamente narrados (Shanks
aquilo que os arqueólogos fazem, manipular objetos, & Tilley 1987) segundo uma aparente neutralidade,
artefatos, depositá-los em museus e manipular o pas­ não importando se essa relação é puramente estética.
sado” (Molyneaux 1994) passou a ser algo arbitrário Há, no entanto, reflexões conceituais signifi­
ao processo de discussão da função social desta cativas no campo das Ciências Humanas, tentando

341
TAMANINI, E. Museu, Educação e Arqueologia: prospecções entre teoria e prática. Rev. do Museu de Arqueologia
e E tnologia, São Paulo, Suplem ento 3: 339-345, 1999.

não cair nas armadilhas dos discursos e aparên­ mos por destacar a experiência de um museu local
cias, em muitos casos tão exóticas, quanto nossas no tratamento das questões acima colocadas.
heranças museológicas. E, quando falamos de No Brasil, e em Joinville em particular, as clas­
novas perspectivas, não se entenda apenas o forma­ ses dominantes decidem o que deve ser lembrado
lismo de mudanças administrativas e burocráticas. e esquecido de acordo com seus desejos e interes­
Apesar dos descaminhos que circundam a ses e não de acordo com a realidade histórica de
trajetória dos museus brasileiros, há nesse processo cada grupo que constitui a sociedade. A questão
iniciativas de origem e situações distintas. Insti­ da criação de um museu passa quase sempre pela
tuições que têm levado a cabo problemáticas de pre­ definição do que é patrimônio e qual a utilidade
servação ambiental e cultural, assumindo, em muitos dele. Desnecessário comentar que a preservação
casos, projetos de desenvolvimento sustentável. utiliza o mesmo paradigma.
Recentemente, a incorporação de objetivos Alguns dos antecedentes do Museu Arqueo­
que visam à participação comunitária nas insti­ lógico de Sambaqui de Joinville encontram-se
tuições educativas e culturais tem sido uma cons­ relacionados à Coleção Arqueológica “Guilherme
tante. Por outro lado, para que a cultura e os an­ Tiburtius” e na participação de um grupo de pes­
seios das grandes maiorias estejam devidamente soas identificado como grupo étnico alemão, mais
incorporados nessas instituições, necessitamos conhecido na cidade como a comissão do Museu
de uma nova postura do poder público. Ações Nacional de Imigração e Colonização de Joinville.
em preservação, pesquisa e Educação Patrimonial Esta comissão, sui generis, vem desde o final dos
envolvendo currículos escolares, formação de anos 50 atuando na defesa do Patrimônio. Basea­
educadores e a comunidade em geral serão impres­ do em critérios étnicos e dentro de pressupostos
cindíveis para a criação de uma cidadania plena. elitistas este grupo contribuiu e contribui para a
Todavia, isto não constitui tarefa fácil. definição da legitimidade da preservação. E, den­
Vale ressaltar que a valorização e estimulo à tre os museus e monumentos eleitos, a coleção ar­
participação da sociedade na discussão sobre a queológica do imigrante alemão Guilherme Tibur­
preservação da herança cultural não exime a res­ tius serviu de suporte para que esta comissão tam­
ponsabilidade do Estado. Não deixar se trair pelos bém intercedesse junto ao poder público munici­
ventos do neoliberalismo, à luz do discurso da pal na criação de um museu para abrigá-la (adqui­
modernidade e das novas tecnologias, significa rida pela Prefeitura Municipal de Joinville), em
rever constantemente o complexo processo histó­ 1963, através da lei Municipal n° 620) e, em 1969,
rico e econômico em que o Brasil está inserido. ele foi criado oficialmente.
Está na hora de o Brasil deixar de ser um país do O prédio foi construído com fins especifica­
futuro para ser um país do presente. mente museológicos, e segundo alguns profissio­
Essa cidade que não se elimina da cabeça nais do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico
é como uma armadura ou um retículo em cujos Nacional (IPHAN-MEC) 1969/1972, responsáveis
espaços cada um pode colocar as coisas que dese­ por esta obra, o projeto contemplava a tendência
ja recordar (...) entre cada noção e cada ponto do da nova museologia americana.
itinerário pode-se estabelecer uma relação de afi­ Nasceu com a incumbência de fugir dos mo­
nidades ou de contrastes que sirva de evocação da delos até então existentes no Brasil. Incorporou
memória” (Calvino 1998:19). o discurso de instituição dinâmica com base nas
diretrizes da política cultural do regime militar. Para
Chauí (1990: 10), o discurso competente é uma
A experiência: reflexões forma de estabelecer uma crença na realidade em
sobre os caminhos e descaminhos si, e para si, da sociedade. Este traço marcará prati­
da Arqueologia em um museu local camente todas as atividades desse periodo (1964/
1985) em inúmeros órgãos culturais no Brasil.
Realizar, pois, uma análise sobre a função da Observou-se que essa tendência científica im­
Arqueologia, Educação e preservação nos mu­ plantada nos discursos do MASJ, a partir de sua
seus brasileiros, é tatear, é buscar informações, criação, existe mas não se sedimentou suficiente­
juntando pedaços de um quebra-cabeças em pro­ mente na prática, especialmente no que diz respeito
cesso de construção. No presente tópico, opta­ à ciência arqueológica. Prova-se isso pelo fato que

342
TAMANINI, E. Museu, Educação e Arqueologia: prospecções entre teoria e prática. Rev. do Museu de A rqueologia
e E tnologia, São Paulo, Suplem ento 3: 339-345, 1999.

somente em meados da década de noventa (após A vinda deste pesquisador para o Museu e
20 anos) é que este Museu terá, em seu quadro posteriormente a participação da museóloga Maria
técnico-científico-profissional, um arqueó-logo. Cristina Bruno, foi indispensável, delimitando um
Essas evidências, em parte, estão profundamente novo momento para esta Instituição. Foram esses
relacionadas ao modo de como a Arqueologia pesquisadores que instituíram a pesquisa no pró­
interage com as instituições museológicas e o prio acervo, dando inicio à sistematização e à orga­
patrimônio público em si. nização da pesquisa científica na área de Antropo­
Por outro lado, a principal novidade introdu­ logia Física e da Museologia. Além da publicação
zida por esse Museu, na década de setenta, foi o das pesquisas realizadas e a criação de exposições,
atendimento educativo, vindo a ser uma das ativi­ Neves e Bruno contribuíram inicialmente para
dades suportes para esta Instituição. Experiên­ prover essa Instituição de pessoal treinado no tra­
cias educativas pioneiras foram e estão sendo tamento do material ósseo e, em segundo lugar,
realizadas com uma certa regularidade, compro- introduziram discussões sobre a necessidade de
metendo-se especialmente com informações acer­ sistematização de projetos educativos, mediante
ca da ocupação pré-colonial na região e com a pre­ a criação de exposições que considerassem a rela­
servação. Coloca-se como um dos museus no ção Homem e objeto, transformando o visitante
Brasil que conseguiu qualificar o processo edu­ em público potencial de museu.
cativo. O que possibilita reflexões a respeito da Segundo Bruno (1991:38), o MASJ destaca-
utilidade de um museu na atualidade. Pontua-se, se no panorama de museu arqueológico no Brasil,
também, que o despontar para as atividades edu­ pois teve um papel pioneiro desde sua criação, e
cativas foi uma maneira de este Museu compensar tem conseguido manter, evidentemente com muito
a falta de profissionais e pesquisas em outras áreas. esforço, o difícil equilíbrio entre o aprimoramento
Outro fator importante, para avaliarmos a do conhecimento de seu objeto de estudo e a con­
ausência de pesquisas sistemáticas, deve-se ao fato quista do público a partir de sua atuação, ou seja:
de ser um museu público municipal, com isso, o exercício teórico e prático da Museologia.
afastado dos grandes centros de produção acadê­ Todavia, a ausência de pesquisas (especial­
mica, muito embora um dos idealizadores desta Ins­ mente com o acervo já existente no Museu, fruto de
tituição, o museólogo do IPHAN-MEC, Alfredo coleção e também de pesquisas de profissionais da
Teodoro Russins (1972), tenha afirmado que este Arqueologia que não priorizam a socialização de
Museu estaria livre para crescer, pois não teria que seus resultados, juntamente com o acervo imóvel,
vivenciar a burocracia das academias, visto que era sítios arqueológicos, considerando as discussões
o grande problema do marasmo em que se encontra­ pertinentes ao significado social da preservação),
vam os museus. tem dificultado a elaboração de novas exposições,
O antropólogo físico Walter Neves (USP), ao projetos que transcendam as vitrines e apoio ao
iniciar pesquisas no acervo deste Museu na dé­ ensino formal. Estes fatores também acarretam des-
cada de oitenta, destacou a preciosa estrutura do continuidade nas propostas entre os demais pro­
mesmo, colocando a importância desses aspectos
gramas do Museu. Contudo, deixando de acontecer,
como ponto significativo na estruturação de
o que é prioritário em uma instituição científica, a
instituições museológicas e arqueológicas no Bra­
divulgação e a socialização do saber como um pa­
sil. Por outro lado, observando o acervo existente
trimônio coletivo. Segundo Bruno (1997:50): “Refle­
e o resultado das pesquisas na Arqueologia e áreas
tir sobre os museus e suas distintas inserções so­
afins, até então realizadas no sul do Brasil, percebeu
ciais significa, também, tocar nas questões que são
a fragilidade do Museu.
esquecidas, no imenso universo dos valores que
Ao terminar sua tese de doutorado, em 1984,
são excluídos, na partilha dos sentidos e significados
Neves propõe um programa amplo de restauração,
e na eficácia da amnésia cultural”.
cura e organização das coleções antropológicas e
arqueológicas no sul do país. Segundo Neves, isto
se deve, primeiramente, ao próprio compromisso
Reconstruindo o discurso
das instituições com a manutenção do acervo ar­
queológico nacional e, em segundo, por ser um tra­
balho de base, pré-requisito para qualquer análise “A cultura pública no Brasil sofre de uma
futura. esquizofrenia museológica. Enquanto se investe

343
TAMANINI, E. Museu, Educação e Arqueologia: prospecções entre teoria e prática. Rev. do Museu de Arqueologia
e E tnologia, São Paulo, Suplemento 3: 339-345, 1999.

em obras novas e se injetam recursos em institui­ Desse modo, podemos refletir, segundo Russio
ções privadas, perde-se o contato com a própria (1979: 2) que: “... o sujeito e o objeto do museu são
realidade: deixam-se museus em estado precário sempre o homem e seu ambiente, o homem e sua
e estáticos” (Jornal Folha de São Paulo, 05/09/94). história, o homem e suas idéias e esperanças. Em
Com todos os percalços de uma instituição públi­ efeito, o homem e sua vida são sempre as bases do
ca brasileira, contemplando o texto acima citado, museu, o que significa que os métodos usados em
aos poucos, o MASJ, está se constituindo em mar­ museologia são essencialmente interdisciplinares,
co gerador de experiências sistematizadas. Infor­ pois o estudo do homem, da natureza e da vida
matização, programas de pesquisa, incluindo a depende de uma variedade de conhecimento e do­
preservação como um dos temas geradores, bem mínios científicos”. A partir de reflexões e produções
como programas de Educação Patrimonial, fazem regionalizadas, coloca-se o Museu e suas distintas
parte das inúmeras ações em andamento. interfaces (Arqueologia, Educação), frente a dramas
Mais recentemente, o Programa de Comu­ e problemas que correspondem a sua responsa­
nicação Museológica definiu critérios teóricos bilidade oficial frente ao patrimônio arqueológico
que congregam ações voltadas a promover o de­ brasileiro. E ainda, vale resgatar a antiga reflexão
senvolvimento de projetos educativo-culturais que talvez para muitos já tenha saído de moda. Como
interdisciplinares, sistemáticos, com metodologia se aproximar efetivamente da sociedade, das di­
da Educação Patrimonial para o tratamento do ferentes culturas e realidades, intercalando a pro­
patrimônio arqueológico e cultural. Aliado a estas dução, divulgação e socialização das experiências
premissas, objetiva-se também discutir e apresen­ humanas?
tar questões relacionadas ao modo de se utilizar No entanto, ainda criamos e sonhamos à luz
o Museu enquanto espaço de educação e produ­ de experiências em saídas estratégicas, conforme
ção de conhecimento científico. apontamos no texto, e resta-nos analisar sob a óti­
As propostas metodológicas de intervenção ca desses novos olhares se a construção ainda é
patrimonial estão privilegiando a relação para a possível. Como diz Hannah Arendt (1997), “a Edu­
apropriação do patrimônio arqueológico pela co­ cação é o ponto em que decidimos se amamos o
munidade próxima a estes espaços. A partir de ava­ mundo o bastante para assumirmos a responsa­
liações dos processos educativos já desenvolvi­ bilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína
dos neste Museu e em especial, através de refle­ que seria inevitável, não fosse a renovação e a vin­
xões pertinentes à utilização da metodologia da da dos novos e dos jovens. A Educação é, tam­
Educação Patrimonial, a atuação está se voltando bém, onde decidimos se amamos nossas crianças
para a identificação das expectativas da sociedade o bastante para expulsá-las de nosso mundo e aban­
em relação à preservação. Procura-se compreen­ doná-las a seus próprios recursos e tampouco
der quais são os signos urbanos construídos pela arrancar das suas mãos a oportunidade de compre­
mesma e quais são as relações simbólicas (praças, ender alguma coisa nova e imprevista para nós;
monumentos, festas populares, igrejas, escolas, ele­ preparando-as, em vez disso, com antecedência
mentos naturais etc.) presentes nestes contextos para a tarefa de renovar um mundo comum”
(Oliveira &Tamanini 1997). Aliando-se, nesta cons­
trução filosófica, a outras instituições, escolas, igre­ Agradecimentos
jas, associação de moradores e outros.
Pode-se avaliar que à medida que o Museu, Agradeço aos colegas e profissionais do MASJ,
com todas as contradições resultantes do proces­ que trocaram idéias e ajudaram-me de diversas ma­
so institucional, sistematizou programas e me­ neiras. Ao Prof. Pedro Paulo A. Funari, pelas refle­
todologias, ele caminha com maior densidade em xões e orientação acadêmica ao longo desses anos;
relação às avaliações acerca do envolvimento da à Profa Maria Cristina Bruno pela insistência na
sociedade com o patrimônio. Por outro lado, nota- qualificação dos museus públicos; à Universidade
se que a problemática teórico-metodológica nos Estadual de Campinas/Faculdade de Educação/
museus de Arqueologia tem preocupado muito UNICAMP. As idéias expressas são minhas e eu
raramente os arqueólogos. sou a única responsável por elas.

344
TAMANINI, E. Museu, Educação e Arqueologia: prospecções entre teoria e prática. Rev. do Museu de Arqueologia
e E tnologia, São Paulo, Suplemento 3: 339-345, 1999.

Referências bibliográficas

ARENDT, H. du al de H istória: h istoriografia em M inas


1997 A condição humana. Rio de Janeiro: Forense G erais. B elo Horizonte: ANPUH.
Universitária. M O LIN EA U X , B.L.
19 7 2 Entre o passado e o futuro. São Paulo: Pers­ 1 99 4 The p resen ted pa st: heritage, museums and
p ectiva. edu cation . One World Archaeology.
BACHELARD, G. NEVES, W.A.
1 9 8 6 O direito de sonhar. 2. ed. São Paulo: Difel. 1 98 4 P aleogenética dos grupos pré-h istóricos do
BALLART, J. lito r a l su l do B r a s il (P a r a n á e S a n ta
19 9 7 El patrim ônio histórico y arqueológico: va­ Catarina). São Paulo, Instituto de B iologia/
lor y uso. Barcelona/Espanha: Ariel Patrimô­ USP. Tese de Doutorado.
nio H istórico. OLIVEIRA, M.S.C. de; TAM ANINI, E.
BRUNO, M.C.O. 1 9 9 7 A Cidade e o patrimônio: reflexões sobre a
1991 O MASJ, e o futuro da museologia. Joinvil­ preservação de sítios arqueológicos em Join­
le: Boletim MASJ, n.4. ville. Conferência apresentada no Sem iná­
CALVINO, I. rio Internacional Caminhos da P reservação
1998 As cidades invisíveis. São Paulo: Companhia II: U sos do P a trim ô n io , prom ovido p elo
das Letras. ICOM OS/BRASIL, em São Paulo, julho de
CHAUI, M. 1997.
1 9 9 0 Cultura e dem ocracia. São Paulo: Cortez. ORTIZ, R.
FERNANDES, J.R.O. 1 9 8 6 C ultura b ra sileira & iden tidade .n acion al.
1992/ Educação patrimonial e cidadania: uma propos- São Paulo: Brasiliense.
1993 ta alternativa para o ensino de história. Memó­ PROGRAMA DE EDUCAÇÃO MASJ
ria, história, historiografia. D ossiê ensino da 1993 (Projetos: I, II, III, IV e IV).
história Revista Brasileira de História, 25/26, RUSSIO, W.
Marco Zero, ANPUN, Vol. 13. 92/ ago. 93. 1 9 7 9 M useologia e museu. São Paulo. O E stado
FOLHA DE SÃO PAULO. de São Paulo, Supl. Cultural n.139.
1 9 9 4 Poder prefere criar a conservar museus. Fo­ SHANKS, M.; TILLEY, C.
lha de São Paulo, São Paulo, 05/09/94. 1987 R e-C onstru ctin g A rch aeology, Theory an d
FOUCAULT, M. P ractice. Cambridge: Cambridge University
19 8 2 C iência e saber. A tra jetó ria da arqu eolo­ Press.
gia de Foucault. Rio de Janeiro: Graal. SHELLING, V.
FUN AR I, P.P.A. 1991 A pre sen ça do p o vo na cultura b ra sileira .
1991 Education through archaeology in Brazil: A Campinas: Unicam p.
bumpy but exciting road. Ciência e Cultura, TAM ANINI. E.
43. SBPC, jan/fev. 1 9 9 4 Museu arqu eológico de sam baqui de Join ­
1 9 9 2 / Memória histórica e cultura material. Memó- ville: Um olhar necessário. UNICAMP, D is­
1993 ria, história, historiografia. Dossiê ensino da sertação de Mestrado.
história. Revista Brasileira de História 25/26, 1997 O MASJ e o com plexo processo de institucio­
Marco Zero, ANPUN, Vol. 13, 92/ ago. 93. nalização do patrimônio arqueológico: ba­
1995 A H erm enêutica das C iências Humanas: a lanços e perspectivas. Rio de Janeiro: XI Reu­
história e a teoria e práxis arqueológicas. Re­ nião Científica da Sociedade Brasileira de Ar­
vista da SBPH, Curitiba, 10: 3-9. queologia/S AB, 1997.
19 9 3 Resgatando a cultura popular. R evista Pós- VASCONCELLOS, C.M.
H istória, A ssis, São Paulo. 19 9 4 A pré-história brasileira no livro didático de
1 9 9 4 Paulo Duarte e o Instituto de pré-história: do­ I o grau. Seminário para implantação do Te­
cum entos inéditos. R evista Idéias, Cam pi­ m ático P ré-história brasileira no Ensino de
nas, São Paulo, jan/fev. 1°, 2° e 3° graus. Rio de Janeiro: UFRJ/Mu-
GODOY, M. do C. seu Nacional.
1 9 8 5 Patrimônio cultural: conceituação e subsídios
para uma política. Anais do V Encontro E sta­

345

Вам также может понравиться