Вы находитесь на странице: 1из 159

DANIEL ATTIANESI DE LIMA

‘SÓ QUEM SENTIU O FRIO DAS GRADES, SABE O CALOR DA


LIBERDADE’: DISCURSOS DE MASCULINIDADES E VIOLÊNCIA NO
INSTITUTO PENAL DE CAMPO GRANDE (IPCG)

Campo Grande
2019
DANIEL ATTIANESI DE LIMA

‘Só quem sentiu o frio das grades, sabe o calor da liberdade’: discursos de
masculinidades e violência no Instituto Penal de Campo Grande (IPCG)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Antropologia Social da Faculdade
de Ciências Humanas da Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul como parte dos requisitos
para a obtenção do título de mestre em
Antropologia Social.
Orientador: Prof. Dr. Guilherme R. Passamani

Campo Grande
2019

Página 2 de 159
Daniel Attianesi de Lima

‘SÓ QUEM SENTIU O FRIO DAS GRADES, SABE O CALOR DA LIBERDADE’: DISCURSOS DE
MASCULINIDADES E VIOLÊNCIA NO INSTITUTO PENAL DE CAMPO GRANDE (IPCG)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


Antropologia Social do Departamento de Antropologia da
Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Federal
do Mato Grosso do Sul, para obtenção do título de Mestre
em Antropologia Social.
Orientador: Prof. Dr. Guilherme Rodrigues Passamani

Aprovado em: 27/05/2019

Banca examinadora

Prof. Dr. Guilherme Rodrigues Passamani (Presidente)

Instituição: UFMS Assinatura:

Profa. Dra. Maria Filomena Gregori (Integrante Externa)

Instituição: Unicamp Assinatura:

Prof. Dr. Esmael Alves de Oliveira (Integrante Interno)

Instituição: UFGD Assinatura:

Página 3 de 159
Para toda a minha Família
(Isabel, Paulo, Thiago e Isabelle)
E também a meu falecido Pai, Rogerio Jorge Torres (1959-2007)

Página 4 de 159
AGRADECIMENTOS

A três amores, Ana, por despretensiosamente ter me encaminhado para o tema


da dissertação com um presente de aniversário, Tay pelas provocações e carinho que me
trouxe em tão pouco tempo e Brenda, B, pelo seu suporte, apoio e amor quando mais
precisava na produção deste texto. Vocês me ensinaram e me ensinam sobre as relações
igualitárias que todos deveriam ter a chance de experimentar, cada qual no seu tempo
me formaram o homem que sou hoje em dia.
À minha família por todo apoio das mais diversas formas, seja ele financeiro ou
emocional. Pela paciência que tiveram com um filho e irmão como eu. À minha mãe e
amiga, Isabel, por descontruir as feminilidades e masculinidades antes mesmo de eu
entender o que eram, no seu papel de pai e mãe. Ao meu irmão Thiago, que mesmo com
a distância durante a produção do texto, esteve tão presente em minha formação, que
não estaria aqui sem ele. À Isabelle e ao Paulo, pelo carinho em suas formas particulares
de demonstrarem.
Ao meu orientador, Guilherme Passamani, ou Passa para os próximos. Obrigado
pela insistência e persistência em me ter como orientando. Sem seu apoio, críticas,
discussões e broncas, nada disso estaria pronto como aqui está. Com seu jeito peculiar, e
claramente sulista, na sua forma de opinar que muitas vezes batia diretamente contra o
meu orgulho. Talvez não saiba, mas você trouxe para mim a vontade de continuar a
trilhar esse caminho acadêmico, com suas cobranças e rigor, me fez querer novamente
realizar o sonho de infância de virar um cientista social. Assim como agradeço ao grupo
de orientados do Passa, que nas nossas discussões de nossos próprios textos, sempre
abriu a oportunidade para conhecermos a produção um do outro e por que não criticar a
produção de cada um de nós? Particularmente agradeço ao Vladimir, Rapha e à Tati
pelas ideias e ajuda na construção da dissertação.
Aos professores que foram fundamentais para minhas perspectivas atuais, sejam
os da graduação na Universidade Federal do Ceará, Fabio Gentile, Danyelle Nilin,
Jakson Aquino, Valmir Lopes, Irapuan Peixoto, Luiz Fábio Paiva, Mariana
Mont’Alverne e Romain Bragard, os traços da formação em sociologia e ciência política
se mostram evidentes depois de tantos anos, ainda em meu fazer antropológico.
Também aos amigos que fiz na UFC e permanecem, Paula Bessa, Iago Rodrigues e
Mariana Moraes.

Página 5 de 159
Também agradeço aos professores da breve graduação e do mestrado que tive na
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Esmael Oliveira, Álvaro Banducci,
Antônio Hilário, Cleverson Rodrigues, Daniel Estevão, Erickson dos Santos, Lucas
Cordova e especialmente ao professor Tiago Duque, que me fez ter esperanças
novamente no poder docência.
Brevemente gostaria de agradecer também a Alexandra Elbakyan, cazaque
criadora do site Sci-Hub em 2011. Essa plataforma já possui milhares de artigos e livros
científicos disponíveis gratuitamente para pesquisadores do mundo todo, contra o
movimento americano de restrição do conhecimento acadêmico utilizando da
mercantilização dos mesmo. Ela foi fundamental em boa parte da bibliografia
estrangeira que utilizo na dissertação.
Preciso agradecer aos professores que compuseram a banca de qualificação, que
com seus apontamentos e sugestões, agregaram qualidade e deram uma nova vida a
dissertação como um todo. Sou muito grato a professora Maria Filomeno Gregori, pelas
mudanças sugeridas na estrutura e até mesmo na concepção dos capítulos da
dissertação, e ao professor Tiago Duque que trouxe um novo olhar de questões do
campo.
Há todos professores e alunos que “aguentaram” a minha presença durante as
aulas nas discussões calorosas, que no geral eram minha culpa, mas que muito me
ensinaram. Aos colegas e amigos da primeira turma do PPGAS da UFMS,
principalmente Paulo Lucca, Andrey Monteiro e Carla Souza, que acompanharam e
viveram as frustações, cansaços, peso assim como os bons momentos, os eventos, as
aprendizagens e as oportunidades que o mestrado traz para nós (faço aqui uma menção
honrosa de outro programa de mestrado, a linda da Naty Po). Aos amigos que fiz nos
diversos cursos de graduação, sejam os meninos da psicologia (Fialho, Hígor, Christian,
João, Pietra), o povo da filosofia (particularmente o Allison Vicente, o filósofo mais
divertido da uf) ou à turma da letras por me deixarem “invadir” suas disciplinas com
minhas dúvidas e anseios. Especialmente gostaria de agradecer ao Júnior Flores,
Alberto Warmling, à Karol Hanario e ao Salim Santos, obrigado pelas discussões,
debates, eventos, brincadeiras, cervejas, beijos, rolês, saídas, textos e autores, que muito
compartilhamos durante esse tempo desde minha chegada em Campo Grande.
Não poderia esquecer os meus amigos que fiz nos treze anos que morei em
Fortaleza, que não tive a oportunidade de agradecer em meu TCC. Cidade essa que me
formou muito mais que a suposta naturalidade do meu carioquês, e me deu a

Página 6 de 159
oportunidade de absorver um pouco do espírito e do bom humor cearense. Guardo com
carinho o tempo passado. Esses amigos e colegas que apesar da distância de mais de
3000 km e 3 anos se manterão próximos das mais diversas formas. Agradeço pelo
contato e carinho, principalmente, ao Lucas Bmr, à Victoria Leite, à Ellen Feitosa, à
Ainne Barboza, à Camila Medeiros, e à turma do DAV (Caioq, Lila, Gilberto, Ricaz,
Bozo, Cássio, Léo e Walmz), aos meninos do ITA (Lucas Garcia, Gustavo Aracena e
Leonardo Linhares vulgo Nirvs), e ao trio de amigas mais incríveis que conheci
(Stephanie Torres de Melo, Laís Brasileiro e Carol Vasconcelos, vocês são umas lindas
<3). Espero ainda ter muitas oportunidades de ir à Fortaleza, ou pelo mundo afora,
encontrar vocês para compartilharmos mais um pouco de nossas vidas.
E por último, mas não menos importante, gostaria de agradecer aos
interlocutores. Primeiramente aos funcionários da AGEPEN sede que me receberam,
ofereceram auxilio e permitiram minha pesquisa em um dos presídios que administram.
Aos agentes penitenciários que me receberam em seus locais de trabalho, especialmente
Maria. Eles enriqueceram minha dissertação com um outro olhar sobre as prisões
brasileiras a partir de suas visões cotidianas da prisão. E principalmente aos presos pelas
entrevistas e conversas que tivemos durante a pesquisa. Alguns desses homens que
apesar de estarem em um dos momentos mais difíceis de suas vidas, ainda assim
abriram elas, junto de suas histórias e percursos com o pesquisador que vos fala.
Encerro agradecendo a Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino,
Ciência e Tecnologia (FUNDECT) do Mato Grosso do Sul, pela assistência por meio
das bolsas que tornam a realização e a dedicação exclusiva a essa pesquisa. Em tempos
como os atuais, fundações de amparo se tornam fundamentais para a produção
universitária de qualidade de nosso país.

Página 7 de 159
— Pai, eu acho que não sou homem...
Decepcionado, o pai chorou.
Aliviado, o filho sorriu, vendo que o pai
também não era.
(“Homens não choraram” de Gabriel
Aguiar, IV Prêmio de Microcontos, 2016).

Não existem amores feios nem prisões


belas.
(Pierre Gringore, 1527).

Página 8 de 159
RESUMO

A pesquisa se propõe a compreender as elaborações, produzidas por agentes


penitenciários e presos, que buscam conectar as relações entre masculinidades, violência
e prisão. O presente trabalho apresenta, a partir da visão de um antropólogo, como o
campo prisional se constitui enquanto um local possível ao fazer antropológico. Busca-
se pensar a partir das experiências dos agentes e presos dentro do Instituto Penal de
Campo Grande (IPCG) e as intersecções entre as categorias sociais de diferenciação
(classe, escolaridade, geração). Utilizando gênero como um marcador central para
compreender o posicionamento desses homens e mulheres ao estabelecer expectativas e
performances específicas. As articulações entre os marcadores sociais são aludidas ao
longo do trabalho diante dos discursos que os interlocutores produzem sobre violência,
masculinidades e feminilidades. Tais formulações ajudam a situá-las no mundo da
prisão e vincular a experiência do cárcere à vida na rua, tanto em relação ao período
anterior à privação de liberdade como em relação às suas perspectivas de futuro,
possibilitando assim as constituições das masculinidades criminosa, trabalhadora e
religiosa.

Palavras-chave: Gênero; Prisão; Masculinidades; Violência; Agentes Penitenciários.

Página 9 de 159
ABSTRACT

The research proposes to understand the elaborations, produced by penitentiary agents


and prisoners, that seek to connect the relations between masculinities, violence and
prison. The present work presents, from the view of an anthropologist, how the prison
field is constituted as a possible place when doing anthropological research. It seeks to
think from the experiences of agents and prisoners within the Instituto Penal de Campo
Grande (IPCG) the intersections between the social categories of differentiation (class,
schooling, generation). Using gender as a central marker to understand the positioning
of these men and women in setting expectations and specific performances. The
articulations between the social markers are alluded throughout the work in front of the
discourses that the interlocutors produce on violence, masculinities and femininities.
Such formulations help to place them in the prison world and link the prison experience
to street life, both in relation to the period before deprivation of liberty and in relation to
their future prospects, thus enabling the constitutions of the criminal, hard-working and
religious masculinities.

Keywords: Gender; Prison; Masculinities; Violence; Prison Agents.

Página 10 de 159
Lista de Quadros

Quadro I: Detentos e os critérios de escolha ...................................................................18


Quadro II: Hierarquia do Sistema Penitenciário Brasileiro até o IPCG ..........................28

Lista de Figuras

Figura 1: Complexo Prisional de Campo Grande............................................................45


Figura 2: Logo marca da Agencia Estadual de Administração do Sistema Penitenciário
(AGEPEN) do Mato Grosso do Sul...............................................................................157
Figura 3: Modelo dos Uniformes da Agepen.........................................................157-159

Página 11 de 159
Lista de Abreviaturas e Siglas

AGEPEN - Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário do Estado


APLA - Association for Political and Legal Anthropology
CNPCP - Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária
CRAS - Centros de Referência de Assistência Social
CT - Centro de Triagem
CV - Comando Vermelho
DAP - Diretoria de Assistência do Presídio
DEPEN - Departamento Penitenciário Nacional
DSPMS - Departamento do Sistema Penitenciário de Mato Grosso do Sul
DTP - Departamento de Tratamento Penal
FBSP - Fórum Brasileiro de Segurança Pública
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INFOPEN - Sistema Integrado de Informações Penitenciarias
INPE - Instituto Nacional Penitenciário
INSS - Instituto Nacional do Seguro Social
IPCG - Instituto Penal de Campo Grande
LEP - Lei de Execução Penal
MP - Ministério Publico
MS - Mato Grosso do Sul
ONU - Organização das Nações Unidas
PCC - Primeiro Comando da Capital
PED - Penitenciária Estadual de Dourados
PM - Polícia Militar
PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
RDD - Regime Disciplina Diferenciado
UFMS - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul

Página 12 de 159
SUMÁRIO

Considerações Iniciais................................................................................................................14

Entrando na prisão: definição do tema e construção do objeto da pesquisa................................14

Pensando com autores e a busca por discursos............................................................................20

A prisão sendo pensada: sistema penitenciário, Agepen e teorias do campo


prisional........................................................................................................................................26

Os limites da etnografia prisional................................................................................................36

Organização da Dissertação.........................................................................................................42

Capítulo I - O antropólogo vai à prisão....................................................................................44

1.1 Apenas um presídio no Complexo.........................................................................................45

1.2 “PARE DE CORRER! Quem é você?! Para onde está indo?!”: acesso, corpo e risco no
IPCG.............................................................................................................................................52

1.3 Punindo desde sempre: Percursos antropológicos.................................................................64

Capítulo II – Os/As Agentes: constituindo-se no Penal..........................................................75

2.1 O Penal em si........................................................................................................................80

- Mundos opostos: Penal e Máxima.............................................................................................82

- O espaço do poder nunca está vazio: disciplina ou punição......................................................87

2.2 Gêneros se produzem no Penal..............................................................................................95

- Performando Mulheres no Penal...............................................................................................98

- Resistência generificada – Agenciando feminilidades e masculinidades................................105

Capítulo III – ‘Eu estou preso, mas sou homem, você me respeita’: masculinidades, crimes
e violência .................................................................................................................................111

3.1 Os presos enquanto interlocutores........................................................................................114

3.2 Presos em relações de masculinidades.................................................................................117

3.3 Entre trabalhadores e bandidos: violência criminosa...........................................................126

Considerações Finais................................................................................................................137

Referências Bibliográficas.......................................................................................................141

Anexos........................................................................................................................................152

Página 13 de 159
CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O texto dessa dissertação versa sobre a relação entre as masculinidades e a


violência. Ele é resultado de uma pesquisa qualitativa com viés etnográfico realizada
entre novembro de 2017 e abril de 2018 na cidade de Campo Grande, no Instituto Penal
de Campo Grande (IPCG). O texto se organiza a partir de observações, conversas e
entrevistas com detentos e funcionários do IPCG. Ao privilegiar os discursos dos
agentes penitenciários e dos detentos em processo ou já processados, problematizo a
naturalização de certo imaginário que associa uma identidade masculina à violência e à
virilidade. Em vista disso, interrogo sobre as possíveis diferentes formas através das
quais os homens agenciam suas identidades próximas ou distantes da noção de
violência.

Entrando na prisão: definição do tema e construção do objeto de pesquisa

As perguntas que me levaram a esta dissertação surgiram de um conjunto de


acontecimentos bem próximos no tempo e de um conjunto de coincidências, ou talvez,
de forma mais crítica, surgiram como um alerta para o problema no estado das coisas
atuais, por uma proximidade de temas, que poderíamos chamar de um Zeitgeist1 de
nossos dias. Meus questionamentos sempre surgiam ao observar alguma pesquisa nos
meios de comunicação em que se abordava temas que relacionava violência e gênero.
Era comum nesses programas, a vulnerabilidade feminina ser posta em foco com
inúmeros estudos pautando a questão. Sem contar também, a presença de diversos
órgãos e campanhas pelo fim da violência contra as mulheres, como a Campanha UNA-
SE Pelo Fim da Violência contra as Mulheres, lançada pelo secretário-geral das Nações
Unidas, que proclamou o dia 25 de cada mês como um Dia Laranja, dia em que, em
todo o mundo, agências das Nações Unidas e organizações da sociedade civil
promoveriam atividades para dar mais visibilidade às questões que envolvem a
prevenção e a eliminação da violência contra mulheres e meninas.

1
Zeitgeist é um termo alemão cuja tradução significa espírito da época. O Zeitgeist significa, em suma, o
conjunto do clima intelectual e cultural do mundo, numa certa época, ou as características genéricas de
um determinado período de tempo.

Página 14 de 159
Com três volumes específicos para a questão da mulher em um dos maiores
conjuntos de estudos e pesquisas de violência do país, o Mapa da Violência2 foi
organizado por Júlio Jacobo Waiselfisz. Todo esse conjunto de dados me despertou a
seguinte dúvida: há uma percepção de vulnerabilidade da mulher3 oposta a uma negação
da vulnerabilidade dos homens? A quase compulsória vulnerabilidade da mulher é
sempre vista como sujeita a sofrer algo? Isso leva a uma conclusão quase imediata de
que os homens são percebidos não como categoria específica, mas sempre como o
“natural” para tais acontecimentos. Masculinidade e feminilidade, força e fragilidade,
ativo e passiva, os binômios em oposição.
Dessa forma, quando busquei os dados sobre violência no campo das
masculinidades, encontrei índices alarmantes. Tais números dizem respeito a diversas
esferas de violência, em um universo em que os homens representam 49,35%4 da
população brasileira (50,11% no estado do Mato Grosso do Sul), eles apresentam 94,4%
da média nacional de homicídios por arma de fogo (Mapa da Violência Homicídio por
armas de fogo no Brasil, 2016), 93% dos homicídios nos adolescentes de 16 e 17 anos
(Mapa da Violência Adolescentes de 16 e 17 anos no Brasil, 2015), e 82,3% dos óbitos
no trânsito (Mapa da Violência Acidentes de Trânsito e Motocicletas no Brasil, 2013).
Em todos os estados da federação e em diversos tipos de violência (arma de fogo,
trânsito e na juventude), a predominância do gênero masculino é exacerbada, sobretudo
ao aproximar este dado do percentual da população masculina do país.
O que chama atenção, ao observar os estudos sobre a violência no país, é o fato
de que entre os diferentes marcadores socais da diferença (idade, raça/cor, gênero,
classe e escolarização) a questão dos gênero masculino das vítimas é sempre abordada
como um fato dado, mas pouco se vê algum tipo de problematização, apenas no caso da
violência contra a mulher5, como já mostrado. A primeira impressão é a de uma

2
Conjunto de pesquisas realizadas desde o ano de 1998 até os dias de hoje que buscam estudar a
violência pelo país, contando atualmente com 27 Volumes produzidos.
3
As categorias de “mulher” e “homem” nesse trabalho partem da concepção performática de Judith
Butler (2018). Os “homens” e “mulheres” são reiterados à partir de atos performativos constantes que
buscam dar um consistência de naturalidade e identidade a generificação entre masculinos e femininos
dos corpos.
4
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) 2017, População do Brasil e das Unidades da
Federação.
5
Nos estudos dessa temática já se tem uma crítica ao movimento que aos pesquisadores fazem ao
constituir a mulher enquanto vitima perpétua. Maria Filomeno Gregori (1993), demonstra isso ao afirmar
que “[...]paradoxalmente, é ela que vai se aprisionando ao criar sua própria vitimização. [...]. Isto é, ela
ajuda a criar aquele lugar no qual o prazer, a proteção ou o amparo se realizam desde que se ponha como

Página 15 de 159
normalização da violência contra homens em suas diversas esferas. Não me parece que
o fato de os homens serem as vítimas majoritárias dessas violências, apresentadas pelos
dados acima, gerasse qualquer inquietação ou estranhamento em pesquisadores do
gênero.
Em vista disso, procuro me afastar um pouco da ideia do homem como vítima.
Quero me aproximar do homem enquanto “criminoso” e causador da violência. A partir
das estatísticas do sistema penal brasileiro (a última disponível em junho de 2016),
podemos observar que o Brasil possui 726.712 detentos 91,5% desse são do “sexo
masculino” e os 8,5% restantes do “sexo feminino”. Com relação aos dados de Mato
Grosso do Sul, a mesma pesquisa mostra que o número de detentos é de 18.688. Desses,
91,9% são do “sexo masculino” e 8,1% do “sexo feminino”. Ao observar esses dados,
comecei a perceber a possível existência de algumas relações entre o homem como
vítima e o homem como “criminoso”. Com base na inferência estatística, percebe-se que
a maior parte dos crimes ocorre entre sujeitos pertencentes ao mesmo gênero. Pretendo
utilizar essas inferências para pensar, de forma mais ampla, a relação entre violência e
gênero.
Gostaria de apontar que as minhas inquietações sobre a questão da violência
associada às masculinidades não buscam apagar – ou deixar em segundo plano – a
importância das questões de violência entre os gêneros (especialmente a violência
doméstica), como, por exemplo, aquele tipo de violência que se materializa no
feminicídio (Bonatti, 2008), tão em voga atualmente. Com isso esclarecido, enfatizo que
o recorte desse trabalho pretende se afastar da vasta gama de estudos que destacam o
caráter exógeno da violência de gênero. Em outra direção, minha pesquisa busca lançar
luz sobre a perspectiva homossocial6 da violência de gênero, sobretudo a partir dos
discursos sobre masculinidades no do Instituto Penal de Campo Grande.
A escolha por trabalhar com detentos de um estabelecimento penal encontra uma
série de dificuldades no campo de questões éticas, de segurança e a própria viabilidade
para a realização da pesquisa. Devido ao caráter sensível de se trabalhar com violência e
gênero na prisão, busquei um campo onde fosse possível ter acesso ao tipo de sujeito
causador de violência, mas que ao mesmo tempo possibilitasse a realização da pesquisa

vítima. Esse é o "buraco negro" da violência contra a mulher: são situações em que a mulher se produz -
não é apenas produzida – como não-sujeito.” (1993, p.184)
6
Termo utilizado pela antropóloga Eve Sedgwick (1985) para nomear e articular as práticas sociais
intragênero que ocorrem em espaços eminentemente masculinos, como os da amizade, por um lado, e da
rivalidade, pelo o outro.

Página 16 de 159
no sentido prático e não me colocasse em perigo. Para tanto, foram realizados diversos
contatos com diferentes instâncias da burocracia pertencentes à Agência Estadual de
Administração do Sistema Penitenciário do Estado (AGEPEN) que, por meio dos
primeiros encontros, indicou o IPCG como um possível local para a realização da
pesquisa, bem como indicou uma espécie de protocolo que deveria ser seguido,
inclusive, tendo em vista o resguardo da minha segurança.
Logo, essas escolhas se mostraram definidoras do tipo de campo e sujeitos que
eu estaria interagindo nas idas ao IPCG. É importante ressaltar que, apesar dessa
escolha ter tornado a pesquisa possível, ela não vem sem diversas outras questões que
surgem ao se escolher trabalhar dentro de uma instituição estatal total como um presídio
de regime fechado. Entre essas questões, pode-se suscitar as questões do aparato estatal
de segurança pública e seus interesses específicos, a imensa desigualdade de diversos
grupos sociais em nossa sociedade, as questões sobre a realidade diária dos detentos no
presídio em relação aos homens violentos, a eleição do que pode ser considerado como
“violento” para a seleção de detentos, a distância temporal dos atos cometidos, a
possibilidade de injustiças dentro do sistema penal, as expectativas que os detentos
possuem de sua saída do cárcere, entre diversas outras que buscarei demonstrar,
justificar, e tentar solucionar no decorrer desta dissertação.
Uma etapa importante da construção do campo foi o estabelecimento de um
quantitativo de internos possíveis para a colaboração com a pesquisa, bem como dentre
aqueles que seriam possíveis de aproximação e houvesse interesse por parte deles com a
minha pesquisa. A quantidade de internos a serem entrevistados foi definida a partir de
inúmeras conversas em campo, seja em reuniões com a administração, ou com a equipe
de agentes penitenciários e concluída nas reuniões de orientação. Após a etapa de
conversação, que envolveu uma série de ponderações, especialmente no que tange à
segurança do pesquisador, bem como o atendimento de uma diversidade de internos no
que diz respeito a alguns marcadores sociais da diferença, foi estabelecido o número de
9 (nove) detentos do IPCG.
A partir desses oitos internos, foi realizada uma regra de três7 com as
porcentagens presentes no levantamento nacional de informações penitenciárias do

7
Partindo dos perfis presentes no Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) 2016,
se buscou utilizar as porcentagens para se fazer uma proporção dos oito internos escolhidos. Por exemplo,
no critério de faixa etária 55% dos brasileiros privados de liberdade estão entre 18 e 29 anos, com isso se

Página 17 de 159
Infopen8 2016. Os perfis da população prisional brasileira, a partir do que fora
apresentado no Infopen, observados foram geração, raça/cor, escolarização, estado civil
e paternidade. O critério do crime pelo qual o interno foi condenado (aqui entendido
como o artigo pelo qual o interno está no IPCG) foi destacado como o mais importante,
devido ao que já foi dito na explicação acima: pensar violência e masculinidade a partir
de homens que cometeram crimes violentos contra outros homens.
No entanto, como dito por alguns interlocutores “quem vê artigo não vê
coração”. Isso fez com que durante as entrevistas a violência fosse pensada e
conversada de maneira mais geral e não apenas restrita a uma formulação identificada
ao artigo da condenação. O artigo foi a ponto de partida, o elemento disparador, não o
fim do diálogo.
É oportuno ressaltar que dois dos marcadores sociais da diferença,
preliminarmente, selecionados como importantes, foram descartados do quadro I. O
primeiro foi classe social que foi retirado por não haver a possibilidade de acessar essa
informação no banco de dados a que foi permitido o acesso. No entanto, como no caso
do artigo, a classe social foi uma questão considerada durante as entrevistas com os
internos, a partir de suas narrativas. A outra característica pensada foi a questão do
trabalho/estudo por parte dos internos. Esse ponto foi descartado depois das conversas e
entrevistas realizadas com os funcionários do estabelecimento penal que explicaram
como funcionava o processo de seleção9 para se ter uma vaga para trabalho ou estudo,
bem como em razão de que os horários e os locais onde os internos
trabalhavam/estudavam entrariam em choque com os horários permitidos para
realização do campo pela direção da unidade. No quadro10 abaixo, há uma
sistematização dos internos que foram sujeitos da pesquisa:
Quadro I – Detentos e os critérios de escolha

Detentos Raça Escolaridade Idade Crime

buscou que dentre os oito internos, metade deles deveriam estar nessa mesma faixa etária para que se
tenha uma compreensão de uma realidade mais macro do perfil dos presos brasileiros.
8
Criado em 2004, o Infopen busca compilar as informações estatísticas do sistema penitenciário
brasileiro, por meio de um “formulário de coleta estruturado preenchido pelos gestores de todos os
estabelecimentos prisionais do país”, ele é feito em busca de se valorizar a cultura de análise de dados
como uma das ferramentas estratégicas da gestão prisional no país.
9
Processo esse que é composto de critérios como “bom comportamento” algo que não achamos
interessante ser utilizado na pesquisa. Logo, nenhum dos internos entrevistados trabalhava ou estudava
durante a pesquisa, mesmo que no passado já tenha estado em alguma dessas posições.
10
Os nomes presentes no quadro são fictícios.

Página 18 de 159
Ensino
Artigos.
Fundamental
João Branco 18-24 121,129,137,147,158
Incompleto
Ensino
Artigos.
Negro ou Médio
Gabriel 18-24 121,129,137,147,158
Pardo Completo
Ensino
Artigos.
Fundamental
Lucas Branco 25-29 121,129,137,147,158
Incompleto

Ensino Artigos.
Negro ou
Pedro Médio 25-29 121,129,137,147,158
Pardo
Completo

Ensino Artigos.
Negro ou
Mateus Fundamental 30-34 121,129,137,147,158
Pardo
Incompleto

Ensino Artigos.
Marcelo Branco Médio 30-34 121,129,137,147,158
Incompleto

Ensino Artigos.
Vitor Branco Médio 30-34 121,129,137,147,158
Incompleto

Ensino Artigos.
Negro ou
Gustavo Médio 35-45 121,129,137,147,158
Pardo
Incompleto

Ensino Artigos.
Negro ou
Guilherme Fundamental 46-60 121,129,137,147,158
Pardo
Incompleto
Fonte: elaboração própria.

A tabela apresenta os nove interlocutores que são internos, bem como as


categorias que levamos em consideração para a seleção dos mesmos. Partindo do mapa
carcerário de fevereiro de 2018, ao qual tive acesso por meio de diálogos com
interlocutores, tive a liberdade de escolher entre todos (condenados e processados) os
internos. Com isso, utilizei as informações contidas11 no mapa para escolher três
internos de cada um dos oito acima devido à possibilidade de não ser aceita a entrevista
por parte dos funcionários ou do próprio interno. Dessa forma, apresentava os três
nomes para uma das interlocutoras que então chamava um interno que trabalha, para
perguntar se algum dos três gostaria12 de participar da pesquisa.

11
Nas informações disponíveis no mapa carcerário utilizado, onde havia 1.367 internos, constavam:
Nome do Interno, Natural, Estado Civil, Dia do Nascimento, Dia da Entrada na prisão, Benefício, Prazo
para Saída, Término Pena, Artigo, Pena, Observações, Filiação, Idade, Cor, Grau de Instrução, Número
do Processo e Número de Registro Interno.
12
Ao todo 5 internos se negaram a participar dos 24 perguntados, 2 não puderam participar por estar em
cela de segurança. E no caso do Interno 6, dois acabaram sendo entrevistados, ao invés de apenas 1.

Página 19 de 159
Logo, na prática, não foi possível realizar a pesquisa com todos os perfis, tal
como eu tinha pensado. Pode-se observar no Quadro I, acima, que aqueles marcados em
vermelho e preto são os que não foram atingidos e os em verde são os que foram
atingidos em relação ao que o pesquisador procurava. As prioridades de marcadores
foram selecionadas a partir de crime, raça, geração e escolaridade. Essas prioridades
foram traçadas a partir de como a violência será abordada no trabalho, bem como das
maiores recorrências de sujeitos presentes como internos no sistema penal brasileiro,
segundo os dados do Infopen.
A questão dos nomes, tanto dos internos quanto dos funcionários da Agepen
entrevistados, foi pensada de forma que se afaste qualquer possibilidade de identificação
dos sujeitos de pesquisa. Todos os outros agentes interlocutores que não foram
entrevistados, serão chamados por suas funções. Com isso, optei por selecionar nomes a
partir da plataforma13 “Nomes no Brasil” do Instituto de Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). Tendo isso em vista, todos os nomes foram trocados na dissertação,
até mesmo os apresentados durante as conversações, de maneira a garantir o sigilo dos
interlocutores.

Pensando com autores e a busca por discursos

Este trabalho desenvolve-se no âmbito dos estudos de gênero na antropologia


social. Tal perspectiva foi a que me pareceu mais potente para otimizar uma reflexão
sobre a construção social da masculinidade, bem como destacar os discursos14 de si,
para si e em si, assim como as experiências dos sujeitos. No campo dos estudos de
gênero, essa proposta ganha relevância a partir do deslocamento do foco tradicional de
estudo do gênero feminino para uma abordagem de gênero focada nas masculinidades, a
qual pretende uma ampliação no escopo de investigação sobre a temática da área. A
proposta desta dissertação acompanha a progressiva contraposição a teorias
essencialistas, as quais procuram no sujeito biológico as “marcas” que buscam definir
seu gênero, através do desenvolvimento de teorias que pensam o gênero enquanto uma

13
Essa plataforma utiliza os dados do censo de 2010 do IBGE como forma de se registrar os números de
pessoas com determinados nomes (“Masculino” ou “Feminino”) que nasceram no Brasil a partir da
década de 30 ou um pouco anterior, https://censo2010.ibge.gov.br/nomes/#/search Acessado em: 06 de
junho de 2018.
14
Estou pensando discurso a partir de uma perspectiva foucaultiana. Isso ficará mais claro quando
apresentar as questões metodológicas do trabalho.

Página 20 de 159
construção social performática. Essa forma de pensar vem dos trabalhos de antropólogas
que, a partir dos estudos do gênero, começaram a questionar uma naturalização tanto da
sexualidade quanto do gênero. Interessa-me aqui, especialmente, os trabalhos de Carol
Vance (1995) e Gayle Rubin (1993; 2003).
O cerne da análise é orientado por três eixos conceituais principais que
perpassam toda a dissertação: masculinidades, prisão e violência. Desenvolvo-os à
medida que me ajudam a problematizar sobre os dados produzidos, bem como a tecer
algumas interpretações acerca da constituição da relação entre masculinidade e
violência e das especificidades do campo prisional que os participantes da pesquisa se
encontram imersos em suas relações cotidianas.
Esses três eixos principais se mostraram significativos depois de conhecer a
análise realizada por Marcelo Campos e Marcos Alvarez (2017) dos “estudos no âmbito
da punição e as prisões”. Busco dialogar com autores cujas obras já se tornaram leituras
clássicas para aqueles que pretendem se debruçar sobre a temática das prisões. Um deles
é Michel Foucault, em Vigiar e Punir (2012 [1975]). Outro, é Erving Goffman, em
Manicômios, Prisões e Conventos (2015 [1961]). Mas aqui, elas serão vistas com um
olhar crítico, que busca os limites dos contextos em que foram produzidas com o
contexto de meu campo. A referência a essa literatura ajudará na compreensão da
instituição penitenciária como um todo, bem como nas suas estratégias de disciplina e
“controle” dos sujeitos.
No entanto, tendo em vista as especificidades histórico-culturais das obras
desses dois autores, pensamos na utilização de suas obras com viés crítico de forma a
não buscar no campo uma cópia fiel do que a teoria desses clássicos nos apresenta.
Nesse sentido, procuro utilizar também obras que já ganharam bastante visibilidade no
contexto brasileiro sobre o tema, é o caso do trabalho de Sérgio Adorno (1991), assim
como as questões em voga sobre o aumento das taxas de encarceramento no Brasil a
partir dos anos 2000, me aproximarei da obra de Laurindo Minhoto et al (2002). Dessa
forma, será possível observar o campo desde uma teoria sobre prisões, tanto no sentido
mais macro de formulações teóricas, quanto no sentido mais micro de estudos de caso
da realidade das prisões brasileiras.
No segundo eixo, será relevante para a pesquisa o debate realizado por Isadora
Lins França e Regina Facchini (2017) sobre o movimento atual no âmbito dos estudos
de gênero no Brasil. Elas destacam o aprofundamento das pesquisas sobre gênero a
partir da intersecção com diversos marcadores sociais da diferença como uma questão

Página 21 de 159
em ascensão dentro da área de estudo como um todo. A partir dessa perspectiva
interseccional, consigo pensar na articulação entre os marcadores sociais da diferença
(raça, classe, geração e educação) e a categoria de gênero (entre os espectros masculinos
e femininos) no meu campo, o IPCG.
Para fins desta dissertação, trabalharei o conceito de gênero como ferramenta
para a análise das práticas sociais relacionadas ao cotidiano no estabelecimento penal
masculino e significados que possuem para os interlocutores da pesquisa. Aqui se pensa
nesse conceito a partir de elaborações críticas realizadas no âmbito da antropologia na
década de noventa. Estes trabalhos privilegiavam a problematização da oposição entre
masculino e feminino. Uma problematização não prevê apenas a consideração desta
oposição como discurso construído culturalmente, mas também uma discussão sobre a
forma como ela é constituída em homologia à outra, por oposições binárias tais como
público/privado e natureza/cultura.
Tendo isso em mente, utilizarei como base algumas formulações presentes na
obra Problemas de Gênero – Feminismo e subversão da identidade (2018 [1990]), de
Judith Butler. Butler busca “observar o modo como as fábulas de gênero estabelecem e
fazem circular sua denominação errônea de fatos naturais”, algo que buscamos pensar
nas masculinidades e discursos sobre a mesma em campo. Butler já se tornou clássica
nos estudos de gênero a partir da perspectiva demonstrada acima e com o pouco tempo
de sua obra que se encontra como uma percepção bastante comum para a terceira onda15
do movimento feminista de sua época.
Farei uso da obra Masculinities (2005 [1995]), de Raewyn Connel para
fundamentar a compreensão das masculinidades e as relações entre as mesmas. Connel
já é um autor fundamental para os estudos de masculinidades tanto no Brasil, quanto no
exterior. Utilizarei sua obra e suas críticas como fundamentação dos conceitos utilizados
para pensar os múltiplos masculinos constituídos historicamente.
No terceiro eixo das violências, temos as áreas de sociologia da violência e
antropologia da violência, que estudam esses fenômenos das mais diversas formas a
partir das ciências sociais. Entendemos aqui que essa temática pode ser abordada em
diversos níveis e em diferentes perspectivas, desde o espectro da violência explícita,
como em um assassinato ou agressão, até as formas mais discretas e silenciosas, mas

15
As ondas feministas são entendidas como as gerações dos projetos feministas, muitas vezes
controversas nos níveis teórico e prático. Parar aprofundar o debate sobre o desenvolvimento das ondas e
suas categorias, ver Adriana Piscitelli (2002).

Página 22 de 159
que ainda assim não são menos presentes e destrutivas, tais como a violência sistêmica e
simbólica. Uma segunda questão diz respeito aos métodos que busco utilizar nessa
dissertação e a capacidade de os mesmos serem ferramentas suficientes para a
observação e análise dos processos e situações ditas “violentas”.
Dessa forma, a violência se torna uma temática, ou objeto de estudo de difícil
acesso para o pesquisador. A violência parece se transmutar no campo, aparecendo de
uma forma que não seria a “violência em si”, mas a violência enquanto um discurso
particular sobre ela mesma, que está presente tanto nas entrevistas quanto nas conversas
informais.
Nesse sentido, e nos contextos em que trabalhei, é estranho pensar a violência
enquanto um cenário específico, como se fosse possível capturá-la em um lugar
determinado. Ela me pareceu, nesse campo, tanto em seu sentido abstrato quanto
concreto, como o próprio contexto em que o IPCG está inserido. Tendo isso em mente,
busca-se tratar da violência enquanto forma de um discurso, no sentido foucaultiano,
que reitera as práticas tidas como violentas por determinados grupos, seja ele o dos
funcionários ou dos internos. O foco se dá então na violência física e ameaça da mesma
que discursivamente se associam a ideias de virilidade e masculinidades na formação de
uma identidade generificada do homem.
Como apoio para pensar a violência da maneira retratada acima, utilizarei os
trabalhos de Alba Zaluar, A máquina e a revolta (1994), com sua busca por separar o
crime da violência, em que ela apresenta uma análise dos dois fenômenos que podem ou
não se relacionar. Também será fundamental, a obra Violência e estilos de
masculinidade (2004), de Fátima Cecchetto, em que ela mostra o processo pelo qual a
violência surge em três grupos de homens diferentes na cidade do Rio de Janeiro.
Também estarei pensando a respeito do processo pela qual nossa sociedade passou com
as mudanças na agressividade e o surgimento do controle social por parte da
“civilização” com os dois volumes de O Processo Civilizador (1990,1994), de Norbert
Elias e A busca da excitação (1992) de Norbert Elias e Eric Dunning.
Durante a revisão da literatura sobre o tema, constatou-se, especialmente em
língua inglesa, uma série de trabalhos (Newton, 1994; Steele and Wilcox, 2003;
Connell, 2016; Gooch 2017) que guardam proximidade com o que estou investigando.
Minha pesquisa se aproxima dessa vasta gama, sobretudo aquela que se desenvolve a
partir dos anos 2000, em termos de temática, de dilemas, de perspectivas e de interesses.
Um rápido exemplo é a obra New Perspectives on Prison Masculinities (2018), de

Página 23 de 159
Mathew Maycock e Kate Hunt. Esse compilado analisa de forma completa e global
questões sobre masculinidades em um contexto carcerário. Ele trata de temas como
trabalho e intimidade, passando por corporalidade, negritude e esporte, até paternidade
nesses contextos.16
Os dados dessa pesquisa foram produzidos por meio de observação participante,
conversas informais e entrevistas despadronizadas17, que ocorreram entre o segundo
semestre de 2017 e o primeiro semestre de 2018 em visitas programadas18 semanais no
IPCG. A observação participante foi realizada no início do trabalho de campo como
forma de conhecer a rotina dos funcionários e o ambiente da instituição. Em um
segundo momento, foram realizadas conversas informais com alguns interlocutores da
administração do IPCG. Quase no final da pesquisa, foram realizadas as entrevistas,
primeiramente, em vias de se conhecer melhor o próprio instituto penal e a realidade
diária da instituição, com os cinco agentes penitenciários (sendo quatro que se
identificam como mulheres e um como homem). Depois, foram realizadas as entrevistas
com oito detentos selecionados19 para a pesquisa. Todas as entrevistas ocorreram nos
turnos diurno, matutino e vespertino. No caso dos agentes, elas ocorreram nos seus
horários de trabalho, dentro de suas salas, onde cumpriam suas funções. No caso dos
internos, as entrevistas foram realizadas numa sala separada20. Todas as entrevistas
foram feitas de forma individual21, com gravação consentida por todos os participantes.
Além das técnicas clássicas do fazer antropológico, acima mencionadas, a
importância da metodologia reside em se desenvolver uma sistematicidade com os

16
Aqui é importante pontuar o caráter específico na questão da determinação do campo em si para
produção de dados. Com isso não se tem a intenção, nessa dissertação, de fazer mais do mesmo sobre as
questões de masculinidade e prisão, mas buscar uma produção genuína da realidade sul-mato-grossense, e
por que não, brasileira. Torna-se interessante questionar um sistema penal particular, masculinidades
específicas e contradições que se dão na construção geopolítica e histórica de um país ex-colônia como o
Brasil.
17
As entrevistas despadronizadas de acordo com Lakatos e Marconi (2003), consistem em “uma forma de
poder explorar mais amplamente uma questão. Em geral as perguntas são abertas e podem ser
respondidas dentro de uma conversação informal” (2003, p.197). Aqui a modalidade que escolhi foi a de
uma entrevista focalizada em que “há um roteiro de tópicos relativos ao problema que se vai estudar e o
entrevistador tem liberdade de fazer as perguntas que quiser: sonda razões e motivos, dá esclarecimentos,
não obedecendo, a rigor, a uma estrutura formal. ” (Lakatos e Marconi, 2003, p.197 apud Ander-egg, 178,
p.110).
18
As visitas foram programadas a partir da reunião com o diretor, que será descrita no primeiro capítulo
dessa dissertação, e também com o apoio de uma interlocutora, que será identificada no segundo capítulo.
19
Foram selecionados 8 detentos do IPCG. Como visto no Quadro I, em que expliquei os procedimentos
realizados para a escolha de cada sujeito e os motivos da quantidade, que foram discutidos na reunião
com o diretor também.
20
Sala de um funcionário que estava em férias e foi cedida por um dos interlocutores.
21
Apenas nas entrevistas com os funcionários ocorreram momentos de interrupção, porque foram
realizadas durante o expediente, conforme acordado com a direção do IPCG.

Página 24 de 159
conceitos utilizados para que possamos compreender que tipo de objeto a dissertação
tem em mente, quando for utilizada, por exemplo, a palavra discurso. Aqui, então, é
relevante pensar a partir da obra A arqueologia do Saber (2017 [1969]), de Michel
Foucault. Ao utilizar a palavra discursos no título da dissertação, busca-se enfatizar a
importância que ele terá na construção de um saber acerca tanto da masculinidade
quanto da violência. Entendemos discurso, nesta dissertação, nos termos de Foucault,
no sentido em que todo ele

[...] repousaria secretamente sobre um já-dito; e que este já-dito não já


escrito, mas um “jamais-dito”, um discurso sem corpo, uma voz tão
silenciosa quanto um sopro, uma escrita que não é senão o vazio de
seu próprio rastro. [...] O discurso manifesto não passaria afinal de
contas, da presença repressiva do que ele diz (FOUCAULT, 2017,
p. 30, grifo meu).

Nesse sentido, é preciso aproximar essa compreensão de uma outra formulação


do mesmo autor, as relações discursivas:

[...] As relações discursivas [...] Elas estão, de alguma maneira, no


limite dos discursos: oferecem-lhe objetos de que ele pode falar, ou
antes (pois essa imagem da oferta supõe que os objetos sejam
formados de um lado e o discurso, do outro), determinam o feixe de
relações que o discurso deve efetuar para poder falar de tais ou tais
objetos, para poder abordá-los, nomeá-los, analisá-los, classificá-
los e etc. Essas relações caracterizam não a língua que o discurso
utiliza, não as circunstâncias em que ele se desenvolve, mas o
próprio discurso enquanto prática (FOUCAULT, 2017, p. 56, grifo
meu).

Dessa forma, busco analisar os discursos generificados numa sociedade


sexualizada22 que se relacionam com os discursos da construção de violência. Nesse
sentido, estaria a masculinidade violenta, enquanto uma relação discursiva que busca
no mesmo sentido do apresentando acima, habilitada a criar uma norma, nomear e
classificar, diversas ideias a respeito da masculinidade e da violência enquanto
identidades e práticas?

22
Foucault, na História da Sexualidade, em nenhum momento utiliza a categoria de gênero ou entra na
discussão a respeito da construção a partir das “diferenças sexuais” presentes nos corpos. Para uma
discussão crítica a respeito da categoria sexo utilizada por Foucault, ver Martha Narvaz e Henrique Nardi
(2007) e também a discussão de Butler na parte Foucault, Herculine e a política da descontinuidade
sexual, em Problemas de Gênero (2018).

Página 25 de 159
A prisão sendo pensada: sistema penitenciário, Agepen e teorias do campo
prisional

Em primeiro lugar, deve-se deixar claro que esta dissertação partilha da


perspectiva do abolicionismo penal (Zambiasi, Klee, Souza, 2016). Partindo dessa
vertente, pensa-se em uma diminuição das instâncias penais repressivas e a criação de
alternativas jurídicas baseadas em tribunais de pequenas causas, em tribunais especiais
criminais e mediação de conflitos, principalmente, para os crimes considerados não
hediondos, como o tráfico de drogas. Essa posição atualmente se encontra em um
confronto, perdendo no discurso político para a vertente mais punitiva como solução
para o combate ao crime na realidade brasileira, representada pela já tradicional ideia de
“bandido bom é bandido morto”.
A partir dos dados do último Levantamento Nacional de Informações
Penitenciárias (Infopen), de junho de 2016, apresento um panorama atualizado do
sistema penitenciário brasileiro. No ano de 2016, a população carcerária brasileira
chegou em 726.712 detentos, tendo um número de vagas de apenas 368.049. A
superlotação, portanto, não é a exceção, mas a regra nas instituições penais brasileiras.
Há uma taxa de ocupação de quase 200%23 do total de vagas. Seria preciso o dobro de
instituições penais para poder preencher as vagas de maneira adequada. A população
carcerária brasileira, em números absolutos24, é a terceira maior do mundo.
O sistema penitenciário brasileiro é entendido como o conjunto de unidades de
regime aberto, fechado e semiaberto, masculinos e femininos, incluindo também os
estabelecimentos penais em que o interno ainda não foi condenado, sendo eles
chamados de estabelecimentos penais. É nesse sentido que o Departamento
Penitenciário Nacional (DEPEN) faz o levantamento que resulta no Infopen.
O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), do
Ministério da Justiça, tem a responsabilidade pela formulação da política carcerária.
Entre suas funções, buscamos ressaltar a de “propor diretrizes da política criminal
quanto à prevenção do delito, administração da Justiça Criminal e execução das penas e

23
Segundo os dados do Infopen, a taxação de ocupação das penitenciárias no Brasil é de 197,4%.
24
Em primeiro e segundo lugares, teríamos respectivamente, Estados Unidos e China.
<Https://istoe.com.br/populacao-carceraria-no-brasil-ja-e-terceira-maior-do-mundo/>. Acessado em
03/06/2018

Página 26 de 159
das medidas de segurança” e o de “contribuir na elaboração de planos nacionais de
desenvolvimento, sugerindo as metas e prioridades da política criminal e penitenciária”,
tudo isso de acordo com Lei de Execução Penal nº 7.210, de 11 de julho de 1984.
De quatro em quatro anos, o CNPCP elabora o Plano Nacional de Política
Criminal, como colocado na segunda de suas atribuições acima. O atual está em vigor
desde 2015. Nesse documento, estão diversas medidas que deverão influenciar as
políticas dos estados da federação a respeito da situação do sistema penitenciário. Entre
as diversas medidas progressivas que podemos citar, está a busca por medidas a
alternativas penais, uma prisão provisória sem abusos, implementação dos direitos das
pessoas com transtornos mentais em situação prisional, a redução do encarceramento
feminino e o reconhecimento do racismo como elemento estrutural do sistema punitivo.
Abaixo do CNPCP, há três instâncias25: o Juízo da Execução, responsável pela
execução da pena ao infrator e sua cabível punição; o Ministério Público (Estadual e
Federal), que tem o dever de fiscalizar a pena e a medida de segurança, assim como é
responsável por cuidar das condições dos internos no estabelecimento penal26, por
último há o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), o órgão executivo do
CNPCP, responsável pelo acompanhamento da aplicação das normas de execução penal
em todo o território nacional, assim como administrar os presídios federais pelo país.
Do ponto de vista de uma sequência hierárquica, é preciso destacar as instâncias
estaduais. Um órgão importante é o Conselho Penitenciário Estadual, responsável pela
emissão de indultos e comutação de penas e a inspeção dos estabelecimentos e serviços
penais. É preciso ressaltar que existem especificidades de cada estado. Em Mato Grosso
do Sul, há a Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (AGEPEN),
responsável pela administração e organização de todos os presídios do estado. Através
da agência é que foi requerido e realizado o processo burocrático para o
desenvolvimento da pesquisa. Por fim, nessa estrutura toda, temos a direção do Instituto
Penal de Campo Grande, que, como veremos a seguir, possui suas formas específicas de

25
Para mais informações sobre as atribuições de cada um desses órgãos, ver na Lei de Execução Penal em
Título III Dos Órgãos da Execução Penal. Http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l7210.htm
Acessado em 20/06/2018
26
Uma das interlocutoras explica assim o papel do MP: Promotor vem. Esse mês por exemplo, ela veio
mais de uma vez, ela vem normalmente uma vez por mês [...]. Aí ela vai passa o dedo e escolhe um nome,
na maioria das vezes é aleatório, mas as vezes ela já vem com uma denunciazinha, para chamar o
interno que fez (Pesquisador: Mas o próprio interno faz? Ou é a Agepen). Às vezes simm, outras é a
família. Não é a Agepen, tanto que o diretor fica puto. Ai tá chama, aí faz as perguntas para ele.

Página 27 de 159
atuação e cumprimento das regras dos demais órgãos. A seguir, segue a tabela II que
mostra como a legislação vigente hierarquiza cada órgão até a chegada ao IPCG.

Quadro II – Hierarquia do Sistema Penitenciário Brasileiro até o IPCG

Juízo da
Execução
Ministério da Ministério Conselho IPCG
Justiça CNPCP Penitenciário
AGEPEN
Público

DEPEN

Fonte: elaboração própria.

No que diz respeito, especificamente, ao estado de Mato Grosso do Sul, segundo


os dados do Infopen, são 18.688 pessoas27 encarceradas. Estes mesmos números contam
que 16.614 são homens e 1.465 são mulheres. A partir dessas informações, é possível
ter uma noção da disparidade de gênero nas prisões do Mato Grosso do Sul28. Para cada
mulher presa, existem onze homens atrás das grades. E desse total de presos temos
32,4% de internos dentro do sistema penitenciário que ainda não foram condenados
pelas instâncias legais.
Um dos possíveis motivos para que o estado possua tamanha taxa de
aprisionamento, e ser parte central nos debates sobre Segurança Pública, é o tráfico de
drogas e armas que se dá em razão de Mato Grosso do Sul fazer fronteira com o
Paraguai e a Bolívia, países que compõem a chamada “Rota Caipira” (ABREU, 2017)
do tráfico de drogas. Mato Grosso do Sul faria parte como meio do caminho até as
capitais do Sudeste. Os internos presos pela função do tráfico de drogas representam
quase um quarto dos artigos penalizados no IPCG, de acordo com Art. 12 da Lei de
Drogas de 1976, Lei 6368/76 e, mais recentemente, a Lei nº 11.34329 de agosto de 2006.

27
Apesar de ser o décimo estado com maior quantidade de população prisional, Mato Grosso do Sul é o
estado que possui a maior taxa de aprisionamento por unidade da federação (presos por população) de
todo o país, com o número de 696,7 para cada 100 mil habitantes (Infopen, 2016).
28
Esse índice de Mato Grosso do Sul é menor em relação à disparidade de gênero nacional, em que para
cada uma mulher são quinze homens presos (Infopen, 2016).
29
Conhecida como a “Nova lei antidrogas”, apesar de a nova lei criar a distinção entre usuário e
traficante, o que é visto como um marco no combate ao encarceramento em massa por causa das questões
das drogas. Pesquisadores apontam para o fato de ocorrer um “deslocamento da administração

Página 28 de 159
Para pensar a relação com os internos que foram entrevistados, considerados violentos a
partir do Artigo 12130 do Código Penal, eles representariam apenas 10% da população
carcerária do IPCG.
Atualmente o estado do Mato Grosso do Sul conta com 47 unidades penais, que
se encontram em 19 cidades, sendo a cidade de Campo Grande a que mais possui
unidades, totalizando 10. Entre elas, estão os estabelecimentos de regime fechado
femininos e masculinos, assim como os de regimes mais brandos como o Centro Penal
Agroindustrial da Gameleira. Sendo todas essas unidades penais de responsabilidade da
Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário, a Agepen.
A Agepen é uma autarquia que se vincula à Secretaria de Estado de Justiça e
Segurança Pública. Sua fundação ocorreu no dia 1 de janeiro de 1979, dia em que o
estado foi oficialmente criado na federação, sob a primeira denominação de
Departamento do Sistema Penitenciário de Mato Grosso Sul (DSPMS). Em outubro de
2000 adotaria a atual designação.
Em uma tentativa de aproximar algumas observações de campo, busco refletir a
partir da contribuição de alguns autores. Faço isso a partir do que fora problematizado
por Erving Goffman e Michel Foucault. Entendo que os dois me ajudam nas leituras
possíveis sobre o campo prisional, apesar de datações e limitações, próprias do contexto
em que foram produzidos,31 que serão apresentadas dos trabalhos de ambos, algo
bastante plausível em se tratando de ciências humanas.
Dentro dos cinco agrupamentos definidos pelo ao autor para separar as
instituições totais, o IPCG se encontraria no terceiro tipo, classificado como
“organizado para proteger a comunidade contra perigos intencionais, e o bem-estar das
pessoas assim não constitui o problema imediato: cadeias, penitenciárias” (GOFFMAN,
2015, p. 17). Nesses locais, todos os aspectos da vida seriam realizados em um só lugar
e sob uma única autoridade, representada pelos funcionários da Agepen.

institucional do uso de drogas da esfera oficial judicial para a esfera extraoficial policial” que possibilita
novas formas de ilegalismos, de acordo com Frederico Filho (2008).
30
Decreto de Lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940, em que fica estabelecido o Art. 121. Matar alguém
com pena de reclusão de seis a vinte anos.
31
Agradeço a leitura e as contribuições preciosas dos professores Tiago Duque e Maria Filomena
Gregori, que no exame de qualificação me fizeram perceber como as limitações desses autores, já
clássicos, seriam uma peça fundamental para minha dissertação e compreensão de meu campo no
Instituto Penal.

Página 29 de 159
Para Goffman, a base de todas as instituições totais seria o caráter de controle de
muitas necessidades humanas por meio de uma organização burocrática dos internos e
que disso recorreram várias consequências. Teríamos a questão da vigilância, algo que
também aparece no trabalho de Foucault, mais à frente, que busca fazer com que todos
os internos “façam o que foi claramente indicado como exigido, sob condições que a
infração de uma pessoa tende a salientar-se diante da obediência visível e
constantemente examinada dos outros” (GOFFMAN, 2015, p. 18). Aqui, temos um
pequeno32 contingente de funcionários da Agepen que estaria controlando um número
muito maior, a chamada massa carcerária. A segunda questão seria a divisão básica,
quase que antagônica, entre a posição dos agentes e dos internos. Goffman diz que até
mesmo a edificação e seu nome seriam, devido essa divisão, entendidos como algo que
pertence à equipe dirigente (2015, p.20).
Torna-se importante demarcar as limitações do conceito de instituição total de
Goffman que vem sendo demonstradas em pesquisas no ambiente prisional brasileiro e
português (Cunha, 2003; Biondi, 2009; Godoi, 2010; Lago, 2014;). A questão principal
que essas pesquisas novas trazem para o debate centra-se no quanto uma instituição
total seria fechada ou isolada do resto da sociedade, por exemplo, Cunha (2003) a partir
da prisão de Tires, em Portugal, demonstra dois pontos bem relevantes para se pensar a
prisão contemporânea.
O primeiro diz respeito às relações familiares que os internos possuem com
outros internos e como isso tem ficado cada vez mais comum nas prisões, Cunha nos
fala que “as parentelas que aqui se desenham, por exemplo, podem envolver mais de
uma dezena de pessoas e podem envolver quatro gerações” (2003, p.3). O mesmo foi
percebido na minha pesquisa de campo no IPCG. Entre os internos entrevistados, mais
da metade deles possuía familiares presos em outros presídios, ou no próprio IPCG,
além de um que possuía o pai em sua mesma cela. As relações familiares claramente
ultrapassavam as ideias de uma instituição total fechada e isolada, onde o indivíduo
passava por um corte de suas relações familiares.

32
De acordo com o Infopen, há uma defasagem de agentes penitenciários (apenas considerando os de
Segurança e Custódia, segundo a separação da Agepen) no estado de Mato Grosso do Sul, apresentando
uma proporção de 1 agente para 18,6 internos. Número alarmante, segundo resolução de 2009 do CNPCP,
que indica que a proporção deveria ser de “1 para cada 5 pessoas presas como padrão razoável para a
garantia da segurança física e patrimonial nas unidades prisionais, a partir de parâmetro oferecido pela
Estatística Penal Anual do Conselho da Europa, data-base 2006” (Infopen, 2016).

Página 30 de 159
Um segundo ponto destacado por Cunha diz respeito não às famílias em si, mas
aos bairros de onde os internos são provenientes, algo que se repetiu também no IPCG.

Mas se o bairro incorporou a prisão, pode dizer-se que, de certo modo,


a prisão incorporou o bairro. Por vezes sucede que o encarceramento
abrange um leque de tal modo vasto de parentes, amigos e vizinhos
que a prisão acaba por absorver quase integralmente o círculo dos
próximos de uma reclusa [...]. Tal estreita a relação do quotidiano
prisional com o bairro, na medida em que os eventos, incidentes e
conflitos que se produzem num repercutem-se de imediato no outro.
Os dois quotidianos afectam-se assim mutuamente de maneira
permanente. É assim que a vida interna deixa de ser configurada pela
fronteira prisional e é neste sentido que se poderá falar de uma erosão
dessa fronteira (Cunha, 2003, p.8-9).

Dessa forma, vemos limites claros na forma de se conceber a prisão como


instituição total no sentido goffmaniano, a partir de como a prisão aparece em nossos
campos. E não apenas nesses dois pontos, apresentados acima, que a sociedade e as
relações sociais do indivíduo se mostram na prisão. Apesar de não se constatar o
controle do IPCG pelo Primeiro Comando da Capital (PCC)33, como é visto em
presídios paulistas e como Biondi (2010) descreve em sua dissertação, ainda assim, de
acordo com os interlocutores tanto agentes, como internos do meu campo, existem
irmãos34 no IPCG, mas sem o controle que possuem na Máxima35. Mesmo não
controlando o presídio, o PCC ainda estaria influenciando a organização da massa
carcerária como um todo e sua relação com os agentes penitenciários, ele se mostraria
enquanto uma organização racional, mas uma das formas em que as prisões atuais
possuem constante relações com o “mundo externo”.

Um segundo ponto que podemos destacar na obra tanto de Goffman, quanto no


Vigiar e Punir de Foucault, diz respeito aos avanços tecnológicos na comunicação e à

33
O PCC seria uma “organização criminosa” que apesar de não ser “[...] possível afirmar com precisão a
data e as circunstâncias do surgimento do PCC. No decorrer da minha pesquisa, coletei diferentes versões
sobre sua fundação: que teria sido em 1989, na Casa de Detenção do Carandiru; em 1991, em Araraquara;
que se originou de outros grupos prisionais chamados Serpente Negra ou Guerreiros de David; ou que sua
origem se deu em uma partida de futebol” (BIONDI, 2010, p.47), ele atualmente é visto pelos presos
como uma coletivo que busca trazer “ordem e ética” para dentro dos presídios brasileiros, com isso “A
proposta do PCC, que envolvia uma mudança na ética dentro das prisões, era sedutora, motivo pelo qual
rapidamente conquistou adesões dentro e fora das prisões.” (BIONDI, 2010, p.50).
34
São os nomes dados pelos internos dos membros que fazem parte do PCC.
35
É o Estabelecimento Penal Jair Ferreira de Carvalho ao lado do IPCG, para uma breve descrição, é a
localização da prisão.Ver o ponto 1.1 no primeiro capítulo da dissertação.

Página 31 de 159
capacidade de acesso aos mesmos pelos internos nos presídios. A questão36 dos
celulares dentro dos presídios é um problema que se mostra presente pelo mundo37 e na
realidade brasileira38 não seria diferente. No próprio IPCG, o fato de que existem
celulares, televisões e rádios dentro das salas é um fato para todos os agentes
penitenciários que trabalham por lá. Até mesmo durante as entrevistas com os internos
fui informado por um dos entrevistados a respeito dos celulares nas celas. Uma questão
como essa necessita de maior aprofundamento por parte de pesquisas que busquem
entender como os internos utilizam essas ferramentas para se comunicar, manter
contatos por meio das redes sociais e até mesmo para cometer novos delitos39 com seu
uso. Apesar de reconhecer essas limitações na obra de Goffman, acredito que ainda
assim sua análise das instituições totais possui pontos que ajudaram na compreensão de
meu campo. Esses pontos serão utilizados aqui para uma maior compreensão da prisão
e, no decorrer dos próximos capítulos, da análise dos dados.
Alguns pontos importantes para a dissertação estão na análise do “mundo dos
internados”, em que Goffman apresenta uma série de classificações para sujeitos que
passam a integrar a prisão. Para pensar o IPCG, e aqueles que ali estão, a partir de uma
internação compulsória, àqueles que já estavam em outro estabelecimento penal há
algum tempo e foram transferidos ao IPCG, ou àqueles que tinham um histórico de
infrações que resultou em privação de liberdade desde a menoridade, interessa-me o que
o autor chama de processo40. No processo, os agentes obtêm:

36
A advogada Maria da Conceição Damasceno Cinti traz para debate na plataforma do Jusbrasil (Site aberto para
população geral, mas focado em questões jurídicas brasileiras) a utilização da lei 11.466/07 de execução penal que
trata “prever como falta disciplinar grave do preso e crime do agente público a utilização de telefone celular”
como uma forma de se impor a todos os presos o regime da incomunicabilidade. Para ler o artigo completo:
https://conceicaocinti.jusbrasil.com.br/artigos/130918470/celular-versus-presos-presidiarios-tem-direito-
a-usar-celular-na-cadeia. Acessado em: 10/10/2018.
37
Notícias internacionais a respeito: https://www.bbc.com/news/uk-england-43869560,
https://www.bbc.com/news/uk-england-tyne-35411297, http://www.correctionsforum.net/article/the-war-on-cell-
phones-42459, https://www.nbcnews.com/news/corrections/southern-prisons-have-smuggled-cellphone-problem-
n790251 . Acessados em: 10/10/2018
38
Notícias nacionais a respeito: https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/251664452/o-velho-
novo-problema-dos-telefones-celulares-na-prisao e http://www.justificando.com/2018/09/10/uso-dos-
celulares-na-prisao-da-serie-como-fomentar-aquilo-que-se-quer-coibir/. Acessados em 10/10/2018.
39
Segundo a tribuna do Ceará, os golpes mais comuns são: ligação premiada, sequestro virtual, “Bença, Tia”,
Envelope vazio e o Anúncio de Veículo Roubado. Todos se incluem no crime de Estelionato, artigo 171, do
código penal brasileiro. Para mais informações: http://tribunadoceara.uol.com.br/noticias/segurancapublica/5-
golpes-de-telefone-mais-comuns-aplicados-por-criminosos-de-dentro-dos-presidios/. Acessado em: 10/10/2018.
40
Processo esse realizado pelas psicólogas no momento de entrada. Aqui, vale novamente pontuar, o que
Foucault considera como o exame, que seria uma das tecnologias trazidas pelas ciências humanas ao
aparato disciplinador do estado.

Página 32 de 159
a história de vida, tiram fotografia, pesar, tirar impressões digitais,
atribuir números, procurar e enumerar bens pessoais para que sejam
guardados, despir, dar banho, desinfetar, cortar os cabelos, distribuir
roupas da instituição, dar instruções quanto as regras, designar um
local para o internado41 (GOFFMAN, 2015, p. 25-26).

Com isso, o interno será colocado no Sistema Integrado de Administração do


Sistema Penitenciário (SIAPEN). Ele se transforma de sujeito em um número. Mais um
número na máquina administrativa e no aparato de segurança pública do Estado. O
interno, já estando na unidade, passará a receber diversas ordens nas formas de como
deve se portar. Para Goffman, algumas dessas posturas e poses passam uma imagem de
inferioridade do interno em relação aos agentes, sendo um grande número dessas
“indignidades físicas” (2015, p. 30).
No IPCG, algumas dessas posturas são as de manter as mãos sempre para trás
enquanto estão andando fora dos solários, assim como de não olhar nos olhos dos
agentes (apenas quando for demandado). Notei também isso no que diz respeito à forma
respeitosa e reverente na linguagem, em que os internos devem tratar os agentes como
“senhor” ou “senhora” e também como “doutor” ou “doutora”. Caso seja ordenado a
um interno, ele deve virar o rosto para a parede quando um funcionário passar. Esses
“atos verbais de deferência” foram percebidos ao longo de todo o trabalho de campo no
IPCG.
Diferentemente da proposta goffminiana de uma análise do presente das
instituições totais, Foucault busca em seu livro traçar uma genealogia e história da
prisão no ocidente, desde sua concepção até a prisão de seu tempo42.
Nesse sentido, Foucault nos diz que a “forma-prisão preexiste à sua utilização
sistemática nas leis penais” (2012, p. 217). A própria prisão existiria antes mesmo de
sua formalização nos códigos penais enquanto uma modalidade de punição adequada,
então “a forma geral de uma aparelhagem para tornar os indivíduos dóceis e úteis, por

41
No IPCG, os atos de “tirar fotografia, pesar, impressões digitais” são realizadas nas delegacias pela
Polícia Civil, enquanto os de “despir, dar banho, desinfetar, cortar os cabelos” não são realizados e por
último o ato de “distribuir roupas da instituição” só ocorre depois que o interno irá trabalhar, apenas eles
usam um uniforme laranja, dado pela instituição.
42
No caso de Foucault, sua pesquisa foi publicada em formato de livro na França em 1975. Baseado nos
estudos e debates produzidos pelo Groupe d’information sur les prisons (GIP) criado em 8 de fevereiro de
1971. De acordo com seu manifesto “Little information is published on prisons. It is one of the hidden regions
of our social system, one of the dark zones of our life. We have the right to know; we want to know. This is
why, with magistrates, lawyers, journalists, doctors, psychologists, we have formed a Groupe d’Information sur
les Prisons.” Retirado de: https://www.viewpointmag.com/2016/02/16/manifesto-of-the-groupe-dinformation-
sur-les-prisons-1971/. Acessado em: 11/10/2018.

Página 33 de 159
meio de um trabalho preciso sobre seu corpo, criou a instituição-prisão” (FOUCAULT,
2012, p. 217). Ainda assim, o autor reconhece que a prisão no conjunto de punições
possíveis, marcaria um momento central na história da justiça penal no ocidente como
um todo. O que marcaria a prisão nesse sentido seria seu duplo fundamento que consiste
do aparato “jurídico-econômico”, por um lado, e “técnico-disciplinar”, por outro. Para o
autor, esse primeiro aparato seria jurídico e constituído por meio do processo legal de
punição. Ele buscaria punir os indivíduos. A prisão, em si, seria o aparato técnico-
disciplinar dos corpos dos internos.
Para Foucault, a prisão é um “aparelho disciplinar exaustivo”. Ela deve “tomar a
seu cargo todos os aspectos do indivíduo, seu treinamento físico, sua aptidão para o
trabalho, seu comportamento cotidiano, sua atitude moral, suas disposições” (2012,
p.222). O autor percebe o exercício do poder disciplinar43, especialmente a partir da
ação dos dirigentes no que diz respeito à repressão e ao castigo dos internos. De acordo
com Foucault, a prisão busca o “isolamento do condenado em relação ao mundo
exterior, a tudo o que motivou a infração, às cumplicidades que a facilitaram” (2012, p.
222). Quando o autor fala que a pena deveria ser individualizante, logo lembro do
trabalho de campo, pois isso é parte do processo de admissão do interno ao IPCG e
também parte do trabalho dos profissionais de psicologia do Instituto Penal.
Assim como os limites que apontei na obra de Goffman, a partir do meu trabalho
de campo, acredito ser importante apontar os limites também presentes na obra Vigiar e
Punir, que apesar de se mostrar como um clássico nos estudos de prisão, também possui
suas limitações.
Luciano Oliveira (2011) faz uma leitura crítica da obra Vigiar e Punir de
Foucault, que busca demonstrar suas “dúvidas acerca da aplicabilidade dos esquemas
analíticos de Vigiar e punir a nossa realidade” (OLIVEIRA, 2011, p.322). Apesar de
existir críticas mais extensas44 a essa obra e à metodologia adota por Foucault, o foco
aqui é pensar a partir das diferenças a respeito da realidade histórica e atual das prisões
brasileiras com o fenômeno europeu estudado pelo o autor, penso aqui então a partir da

43
Apesar de ser um poder total sempre existe resistência por partes dos internos, tanto que Foucault
afirma que “onde há poder há resistência, e, no entanto, essa nunca se encontra em posição de
exterioridade em relação ao poder” (2017, p.10). Goffman, a seu turno, diz que “as instituições totais não
deixarão de enfrentar resistências” (2015, p. 22).
44
Para essas críticas ver Didier Eribon (1989), José Merquior (1985) e Raymond Boudon (1989).

Página 34 de 159
[...] tese de que a substituição das penas corporais por meios menos
sanguinários não constitui senão um subproduto da emergência de
um novo tipo de sociedade, por ele chamada de “disciplinar”, que
seria correlata ao modo de produção capitalista [...] a verdadeira
finalidade da reforma era dotar a lei penal de uma racionalidade
que ela não tinha, visando torná-la mais eficaz (OLIVEIRA, 2011,
p.311).

Por conseguinte, buscaremos a aplicabilidade dessa tese foucaultiana à realidade


brasileira e, sobretudo, no contexto do meu próprio campo no IPCG. Devido ao caráter
histórico da formação do Brasil enquanto uma ex-colônia, que possui controles sociais
que costumam funcionar à base de uma combinação bem típica de “proteção
benevolente [com] violência” (KOERNER, 2006, p.220), a realidade brasileira se
apresenta bem diferente da sociedade burguesa europeia em que o “panoptismo chega a
ser um luxo de que não se necessita e a que, [...] não se poderia recorrer, por falta dos
dispositivos essenciais a seu funcionamento” (OLIVEIRA, 2011, p.321).
Por motivos tanto políticos, no sentido estrito de uma política prisional e do
caráter claramente punitivista da sociedade brasileira, quanto por motivos econômicos
dos custos da construção de um presídio, a construção de uma prisão nos moldes
foucaultianos e panoptistas do Bentham se mostra irreal. No próprio IPCG, a construção
e a arquitetura se mostram de caráter extremante desinteressado nessa proposta, onde o
foco está no impedimento dos internos de fugirem e nas construções de estilo
“puxadinho” dos agregados que apenas buscam aumentar a quantidade de celas para
diminuir a superlotação comum do sistema.
Analisando o trabalho de Luís Ferla (2009) a respeito da influência positivista
sobre a medicina legal e a criminologia praticadas no Brasil da primeira metade do
século XX, Luciano Oliveira nos diz que “o ‘custo material e institucional bastante
grande’ implicado nesse tipo de projeto – a crer que ele fosse viável nunca permitiu sua
efetiva implantação no país” (2011, p.323 apud FERLA, 2009, p.64). Dessa forma, a
atual prisão brasileira parece contrariar duas premissas fundamentais à sociedade
disciplinar e à instituição panóptica foucaultianas, na medida em que ao invés:

[...] do adestramento das almas, o “espancamento na rua ou no


posto policial” como regra (HOLLOWAY, 2009, p. 253); e em vez
do “princípio da inversão da masmorra” (FOUCAULT, 1977, p.
177), a masmorra como princípio, pois a endêmica insuficiência de
vagas leva à solução mais óbvia, imediata e barata, qual seja

Página 35 de 159
entulhar os exíguos espaços com o maior número possível de
presos (OLIVEIRA, 2011, p.323).

Vale ressaltar que além de uma tradição política e da própria (falta de) estrutura
física das prisões brasileiras, temos também não apenas uma falta da tese do
vigilantismo45, como quase sua inversão no sistema penitenciário brasileiro. Assim,
soma-se a isso a questão do crime organizado e sua prevalência nas prisões nacionais,
como o caso do PCC mencionado acima, e a falta de agentes penitenciários em relação
ao quantitativo de presos46.
Ao pensarmos esses dois fatores em conjunto com os dados produzidos em
campo, que serão aprofundados no capítulo II sobre os agentes, compreendemos que os
profissionais que ali trabalham se sentem “vigiados” durante o seu trabalho e com medo
de retaliação, tanto dentro quanto fora da prisão, em vista de suas ações com a massa
carcerária. Citando o trabalho de César Caldeira (2003), Luciano Oliveira reconhece a
situação enquanto “cúmulo de tudo: os agentes penitenciários exercem seu ofício com
medo de serem alvos de atentados [...]” (2011, p.325). O resultado disso se vê como
uma subversão quase completa do princípio que fundamenta as ideias do panóptico
foucaultiano, onde vemos uma “relação de poder [que] parece invertida: quem vigia os
agentes de autoridade são os custodiados do estado” (OLIVEIRA, 2011, p.325).
Apesar dos limites da obra de Foucault quando se trata da realidade prisional
brasileira, acredito que ela é importante como guia para formação dos discursos e do
modelo ideal47 tanto dos agentes penitenciários que formam a equipe dirigente do
Instituto Penal, principalmente do setor técnico, das psicólogas e assistentes sociais,
como das leis penais que regem a legislação brasileira.

Os limites da etnografia prisional

Acredito que seja importante trazer o debate a respeito da etnografia em


contexto prisional como uma forma de se compreender melhor os entraves de uma

45
Essa tese está presente no Vigiar e Punir, no capítulo 2 da obra, no subcapítulo intitulado “A Vigilância
hierárquica”, a questão da constante vigilância seria uma das características da “sociedade disciplinar”.
46
Na realidade prisional brasileira apenas os estados do Amapá, Minas Gerais, Roraima e Tocantins
conseguem cumprir o quantitativo de 1 agente penitenciário por 5 internos.
47
Modelo ideal de acordo com códigos legais do estado brasileiro, esse modelo será pensando no capitulo
II da dissertação enquanto um de disputa entre os agentes penitenciários e função da prisão no país.

Página 36 de 159
pesquisa como a realizada nesta dissertação. Proponho um diálogo com o debate
internacional que vem sendo realizado sobre o tema48. Trata-se de uma reflexão,
relativamente recente. Refiro-me às contribuições de Lorna A. Rhodes (2001), Toward
an Anthropology of Prisons; Loic Wacquant (2002), The curious eclipse of prison
ethnography in the age of mass incarceration; e, por fim, Manuela Cunha (2014), The
Ethnography of prisons and penal confinement.
Rhodes problematiza os últimos 20 anos de expansão do sistema penitenciário
americano. A partir de uma análise dessa produção, ela dividiu os estudos produzidos
sobre prisão em quatro categorias. Na primeira categoria, os estudos contemporâneos
que criticam os efeitos entorpecentes da situação prisional atual. Em segundo, os
esforços que buscam seguir o trabalho de Foucault, de maneira a revisitá-lo e revisar as
compreensões da história das prisões. Em terceiro, os trabalhos de sociologia e
antropologia que buscam entrar em um envolvimento direto na vida no interior das
prisões. E a última categoria seriam os trabalhos que abordam as mulheres enquanto
prisioneiras e problematiza a predominância de perspectivas masculinas na e sobre a
prisão (2001, p. 66).
A autora faz uma revisão histórica da produção sociológica a respeito das
prisões. Iniciando nos anos 1930 e 1940 do século passado, quando a prisão era
entendida como uma “pequena sociedade” ou como uma “sociedade de cativos” sendo
melhor entendida em termos como papéis e hierarquias (2001, p. 71)49. A partir da
década de 1970, começa um movimento, nos estudos sociológicos de prisão, que busca
demonstrar como elas estão em um “estado de fluxo, e mais às ‘margens’ do que as
primeiras análises sugestionariam” (2001, p. 71, tradução pessoal). Rhodes explica que
boa parte dessas mudanças ocorreu depois das diversas reformas empreendidas nos
Estados Unidos, que se ligam por fora, particularmente por meio dos movimentos
sociais (RHODES 2001, p. 71-72 apud CUMMINS, 1994). Outro ponto interessante diz
respeito à produção sociológica dos anos 1980, que estudou a socialização e o papel de

48
Debate esse que ocorreu majoritariamente nos EUA, país conhecido, no seu hino, como “The land of
the free”, mas que já era o país com a maior quantidade de pessoas encarceradas no mundo. O debate
surge devido ao aumento de pesquisadores interessados sobre as questões prisionais e do encarceramento
em massa norte-americano, na segunda metade do século XX, e que é reintroduzido por Manuela Cunha
em 2014.
49
Nessa parte, a autora aponta duas obras norte-americanas pioneiras sobre as prisões. De acordo com
Donald Clemmer (1958), a prisão poderia ser entendida como uma “pequena sociedade” a parte da
sociedade maior como um todo, e a obra “A sociedade de Cativos”, de Gresha M. Sykes (2007 [1958])
que entendia a prisão também como um grupo isolado e relativamente homogêneo, visões essas que
foram deixadas para trás de acordo com a autora.

Página 37 de 159
adaptação que os “correctional officers” passam dentro da prisão, lembrando que a
prisão não seria composta apenas por internos.
Rhodes também foca na produção antropológica sobre e nas prisões, o que, na
opinião da autora, teria um caráter mais “autoconsciente do que as perspectivas
sociológicas [...] e revelaria contradições talvez menos óbvias em contextos
etnográficos mais acessíveis” (2001, p. 72, tradução pessoal). A primeira questão
apontada pela autora é a dificuldade de fazer uma observação nos moldes etnográficos
tradicionais do campo da antropologia em um ambiente como o prisional, demonstrando
que dentro de uma “cultura de vigilância, a observação participante é... uma forma de
cumplicidade com os que estão de fora vigiando” (RHODES, 2001, p. 73 apud
FELDMAN, 1991, p.12, tradução pessoal), algo observado também em meu campo que
discutirei no terceiro capítulo.
Observando duas etnografias dos anos 1980, Rhodes demonstra como o
ambiente prisional teria um efeito sugestivo nos antropólogos, os trazendo para sua
própria dinâmica. Na primeira, de Fleischer, a autora mostra como esse autor, após
contato e suporte do sistema prisional, conseguiu acesso para se tornar um agente
penitenciário dentro da prisão Lompoc na Califórnia. Ela mostra que ele “começa a
pensar em mim como um guarda... eu estava me perdendo... o que os hacks [gíria para
guardas] fizeram estava certo, o que os presos faziam estava errado” (2001, p. 73 apud
FLEISHER, 1989, p.112, tradução pessoal). Na segunda etnografia, há um caso do
pesquisador, que em sua observação participante, começa a se aproximar dos internos e
acaba por chegar muito perto de uma identificação com os mesmos, sendo ele puxado
para direção oposta do primeiro, dizendo que “em dez anos de pesquisa, muitos
informantes se tornaram amigos íntimos... havia o perigo de eu começar a romantizar
[suas narrativas]” (RHODES, 2001, p. 73 apud THOMAS, 1993, p.46, tradução
pessoal). Como a autora mostra, os dois etnógrafos estavam bastante atentos a como os
seus interlocutores estavam posicionados e como a formação do eu e dos outros se dava
de muitas formas em uma estrutura hierárquica como a prisão (2001, p. 73).
É interessante como Rhodes apresenta um olhar crítico à produção sobre prisão
nas diversas áreas. Ela destaca como as questões de gênero são ignoradas nesse campo.
Além disso, diz que as escritoras feministas apontam para uma dupla invisibilidade. A
primeira seria a da invisibilidade da prisão feminina e das mulheres no ambiente
prisional, algo que no Brasil, atualmente, já começa a sedimentar uma produção

Página 38 de 159
acadêmica a respeito (Braunstein, 2007; Padovani, 2010; Angotti, 2011). Já a segunda
invisibilidade:

[...] diz respeito ao fato de que a masculinidade das prisões é tomada


como um pressuposto na história e na criminologia contemporânea.
Isto sugere que "em vez de olhar para os homens como
prisioneiros, podemos encarar os prisioneiros como homens"
[Sim, 1994, p. 101; cf. Howe, 1994; Naffine, 1996]. Tal perspectiva,
até agora pouco visível na extensa literatura da prisão, abre questões
sobre as manifestações do poder masculino na prisão, homens como
vítimas da violência na prisão, a influência das representações
populares de gênero no crime e nas prisões e a exploração de
pressupostos de gênero inconscientes na criminologia e na penologia
[Naffine 1994] (RHODES, 2001, p. 74, grifo meu, tradução pessoal).

Lorna Rhodes argumenta ainda que o impacto do crescimento das prisões em


número de pessoas já seria uma razão suficiente para a atenção da antropologia para
estas instituições (2001, p. 74). A autora entende que, apesar de o processo etnográfico
nesse campo ter trazido conhecimento para área, o observador de fora não poderá
“participar” da situação de um prisioneiro, apesar de os etnógrafos conseguirem passar
pela fachada de demonstração, ainda assim a prisão se mostra como um local de
opacidade interpessoal que frustra até mesmo os que a governam, a administram e
vivem nela (2001, p. 76).
É possível aproximar o trabalho de Rhodes com o de Loïc Wacquant (2002). Em
The curious eclipse of prison ethnography in the age of mass incarceration, o autor
busca entender o que teria eclipsado as etnografias numa época de encarceramento em
massa. Com isso, ele procura compreender quais seriam os obstáculos da pesquisa
etnográfica nesse campo, incluindo as questões de acesso e financiamento. Sua
etnografia foi realizada em uma das maiores prisões do mundo, no condado penal de
Los Angeles. O presídio estudado por Wacquant possui cinco vezes o número de
internos que o IPCG possui atualmente.
Partindo da análise das produções acadêmicas, Wacquant mostra como houve
uma diminuição da produção acadêmica sobre as prisões a partir de seu interior dizendo
que “as portas das penitenciárias foram gradualmente fechadas aos pesquisadores
sociais e severas restrições foram impostas à difusão dos escritos dos presos” (2002, p.
384, tradução pessoal). A partir de uma política que se afastava da ideia de
“reabilitação” nos presídios americanos, indo para uma ideia focada mais na punição,
houve uma redução dos estudos sociais dentro desses ambientes. Dessa forma, a

Página 39 de 159
“etnografia da prisão, portanto, entrou em eclipse no exato momento em que era mais
urgente, tanto em termos científicos quanto políticos” (WACQUANT, 2002, p. 385,
tradução pessoal) tal conjuntura irá demonstrar a particularidade norte-americana, pois
não parece recorrente na Europa onde a sociologia da prisão expressa um crescimento
no mesmo período. Wacquant diz que ele busca

ajudar, ainda que modestamente, a revigorar os estudos de campo do


mundo carcerário, fornecendo-lhes uma saída transdisciplinar;
sugerir que o último pode e deve ser investigado tanto como um
microcosmo dotado de um tropismo simbólico e material distintivo e
como um modelo ou vetor de forças sociais mais amplas, nexos
políticos e processos culturais que atravessam seus muros; e
internacionalizar a discussão etnográfica sobre a prisão, em vez de
consigná-la como de costume a uma ou outra tradição nacional,
correndo o risco de falsamente universalizar as preocupações e
padrões peculiares de um determinado país (WACQUANT, 2002, p.
286, grifos do autor, tradução pessoal).

Wacquant traz uma das questões que está sempre sendo pensada ao se realizar a
pesquisa na prisão, o acesso. Ele mostra que essa é uma das grandes dificuldades que
podem ter reverberado no declínio das etnografias dentro das prisões. Nos Estados
Unidos, assim como no Brasil, isso resulta da falta de abertura das prisões que não se
deixam ser questionadas ou buscam limitar sua cooperação (2002, p. 387).
Algo que Wacquant irá demonstrar é que essas dificuldades não viriam apenas
das instituições penais, mas das próprias universidades onde são desenvolvidas essas
pesquisas. Ele diz que “geralmente negligenciado, o fator limitante é a organização
social e profissional da própria vida acadêmica” (2002, p. 387, grifo do autor,
tradução pessoal) sendo a resposta dos comitês de trabalhos com humanos nas
universidades sempre na escolha da não permissão desses trabalhos. O autor enfatiza
como a prisão é uma instituição que

[...] envolve insumos contínuos e coordenação complexa com


outras organizações, desde a família, mercado de trabalho e a
vizinhança até os centros nervosos burocráticos e políticos do
estado. Também presume que a prisão é uma instituição externa ao
espaço social, por assim dizer, na qual ela se intromete
seletivamente de fora, quando na verdade [ela] está entrelaçada no
tecido e no curso de vida das classes mais baixas através das
gerações (WACQUANT, 2002, p. 388, tradução pessoal).

Página 40 de 159
Destaco ainda o artigo de Manuela Cunha (2014), no qual ela propõe um
panorama mais comparativo das produções sobre prisão que vão além da instituição
física em si, mas se debruça sobre suas articulações com o “mundo externo”. Tendo isso
em mente, as relações do mundo de “fora” e de “dentro” da prisão geram diversas novas
questões metodológicas a respeito dos limites que a prisão teria como um campo de
pesquisa (2014, p. 225). Apesar dessas mudanças, Cunha mostra que as questões acerca
da acessibilidade se mostram presentes ainda nesses tipos de pesquisas. Dessa forma,
realizar uma pesquisa que tenha como método uma “pesquisa etnográfica de longo
prazo, que, por definição, inclui não apenas entrevistas e narrativas ‘diretivas’, mas
também dados aleatórios, não-elicitados, fornecidos por observação não estruturada
frente a frente e em conversas informais.” (2014, p. 225, tradução pessoal).
O trabalho de Cunha questiona a possibilidade de fazer uma etnografia em um
campo como esse. Em vista disso, ela utiliza a expressão que compreende o trabalho
desenvolvido nesses lugares como “quasi-ethnography”50, devido às demandas do
próprio campo. Cunha ainda traz outras questões metodológicas sobre como pensar o
presídio:

Além de uma exploração específica de caminhos etnográficos e


técnicas qualitativas em contextos carcerários, tais como
entrevistas (por exemplo, Davies 2000, Jenness 2010, Sutton
2011), histórias de vida, auto-narrativas e auto-etnografia (Crewe
e Maruna 2006, Jewkes 2012), a pesquisa de campo prisional
também abordou, de maneira reflexiva, sua própria “situação”. Os
etnógrafos da prisão têm problematizado sua própria
localização social em termos de etnia, gênero, classe e idade
(Phillips e Earle, 2010); seu papel evidente ou encoberto como
pesquisador (Cohen e Taylor, 1972); a posição real ou imputada
como prisioneira (Kaminski 2004, Spedding 1999), guarda
(Fleisher 1989, Marquart 1986), visitante (Biondi 2010), estudante,
assistente social (Le Caisne 2000) e outras formas de gestão de
identidade (King e Wincup 2000). Essa conscientização explícita
também diz respeito ao relacionamento dos pesquisadores de
campo com seus interlocutores, envolvimento emocional e
intelectual, intimidade e distanciamento, e navegar pelas
relações entre diferentes grupos e estruturas de poder (Liebling
2001, Nielson 2010, […] (CUNHA, 2014, p. 225-226, grifo meu,
tradução pessoal).

50
Apesar de entender a argumentação da autora e ter passado, no campo, por dificuldades que impediram
uma etnografia mais prolongada, discordo da autora e acredito que nesta dissertação já ficou,
demasiadamente, claro que é possível a realização de etnografias totais no campo prisional, bastando as
condições do campo serem favoráveis a isso.

Página 41 de 159
Essa citação mostra quão diversas são as formas e dificuldades que os
pesquisadores passam na realização da pesquisa tendo a prisão como um de seus
campos. Cunha ressalta outra questão bastante importante para a minha dissertação, que
diz respeito aos contextos culturais outros que a produção anglo-americana costuma ter,
local onde existe uma tradição dos estudos prisionais desde os anos 40, que nos
apresentam como as diferentes culturas e locais configuram formas variadas de
encarceramento (2014, p. 226). Aqui, problematizamos as formas como a categoria
gênero é pensada em uma prisão, o que pode abarcar diferenças com relação a outros
contextos, assim como “categorias de raça/etnia, para citar um exemplo, são construções
culturais altamente variáveis que não podem ser importadas sem precaução de, digamos,
contextos norte-americanos para os latino-americanos ibéricos ou pós-coloniais”
(CUNHA, 2014, p. 226, tradução pessoal).

Organização da Dissertação

O trabalho está dividido em três capítulos. No primeiro capítulo, apresentarei o


campo de estudo e o contextualizarei no sentido em que ele produz os sujeitos-foco
desta dissertação. O primeiro momento deste capítulo constitui-se de uma análise da
entrada no IPCG e de como eram minhas idas semanais ao presídio, assim como as
primeiras observações do campo em que estava adentrando. Destacarei suas
particularidades, o dia a dia dentro da instituição, as regras formais e informais que
puderam ser percebidas. Nessa parte do capítulo, haverá uma atenção maior para a
descrição etnográfica, momento no qual o contato com alguns dos sujeitos da pesquisa
já permitiu fazer algumas ligações com questões mais amplas de masculinidades e
violência. Em um segundo momento, procuro demonstrar as negociações sobre a
realização da pesquisa com o diretor, assim como as alterações na forma em que o
campo se deu durante a pesquisa e também penso as tensões envolvidas na realização da
pesquisa antropológica em um contexto prisional. No momento final desse primeiro
capítulo, desenvolvo um breve histórico da antropologia da punição e sua presença na
etnologia clássica. Após, busco a produção nacional comparando com a realidade no
IPCG e termino tratando das questões, detalhes e sentimentos enquanto forças
produtoras da pesquisa.
No segundo capítulo da dissertação, apresento os cinco agentes penitenciários
entrevistados em campo, iremos pensar as particularidades do Penal, segundo os

Página 42 de 159
agentes. Inicio esse capítulo com uma breve apresentação dos interlocutores, assim
como os setores divididos pela Agepen. Já no segundo momento do capítulo, volto
minha atenção para as entrevistas realizadas com os cinco agentes penitenciários
(Maria, Juliana, Patrícia, José e Adriana), no qual busco apresentar para o leitor as
diferenças entre o IPCG e o presídio vizinho, a Máxima, assim como demonstro
questões mais profundas dos estudos de prisão a partir da divisão burocrática entre áreas
criadas pela Agepen. Penso as produções de feminilidades e masculinidades no Penal
partindo das percepções dos agentes, principalmente das mulheres agentes que ali estão
diariamente.
Por fim, no terceiro capítulo da dissertação, me dedicarei à exposição das
narrativas dos presos (João, Gabriel, Lucas, Pedro, Mateus, Marcelo, Gustavo e
Guilherme) e seus crimes. Início pensando a respeito dos estudos de masculinidades
internacionais e as contribuições que irei utilizar no capítulo. Logo após, faço uma
breve apresentação dos presos com os quais fiz campo. Procuro colocá-los em relação
aos dados do IPCG como um todo, buscando as relações que instituem determinadas
masculinidades a partir da intersecção de alguns marcadores sociais da diferença. No
segundo momento, me dedicarei a esmiuçar os crimes dos presos e suas motivações, no
sentido de traçar relações possíveis entre eles e as formas de produção das
masculinidades como um todo. Por fim, apresento as masculinidades criminosa e
trabalhadora, e como as mesmas junto da masculinidade religiosa, disputam o espaço
do Penal na tentativa de adquirir hegemonia sobre os homens que lá estão.

Página 43 de 159
CAPÍTULO I
O ANTROPÓLOGO VAI À PRISÃO

A disciplina “fabrica” indivíduos; ela é a


técnica específica de um poder que toma os
indivíduos ao mesmo tempo como objetos e
como instrumentos de seu exercício. Não é
um poder triunfante que, a partir de seu
próprio excesso, pode-se fiar em seu
superpoderio; é um poder modesto,
desconfiado, que funciona a modo de uma
economia calculada, mas permanente.
(Michel Foucault, 2012, p. 164).

O barulho dos portões se fechando atrás de mim é a minha primeira lembrança


sobre o começo do campo no “instituto”. Ao olhar à frente, para trás e para os lados,
acabei por me ver rodeado por uma fileira de grades. Era o primeiro passo ao adentrar o
Instituto Penal de Campo Grande (IPCG). O IPCG é reconhecido51 como uma unidade
penal de excelência em Mato Grosso do Sul. Através do nome, podemos notar certo tom
higienizante, depois confirmado pela pesquisa de campo, e pela pouca utilização das
palavras prisão ou presídio se referindo a ele. No instituto, raramente, ouvi as palavras
penitenciária, prisão ou presídio para referir-se à instituição. Apesar dessa
particularidade, para o recém-chegado, não importa essa valoração. Ao chegar ali, me
senti, claramente, preso.
Nesse espaço que, diferentemente, da frieza com que Goffman (2015) trata as
instituições totais, o IPCG não se mostra como as prisões do autor, frias e rígidas. O
universo institucional presente naquele espaço se mostra em constante mudança com
variações quase que diárias de temperamento e ambientação, com as idas e as vindas
dos internos e a movimentação no cotidiano prisional. Os sujeitos se encontram
emaranhados em diversas relações de poder, que tencionam práticas e agenciamentos
internos. A partir do trabalho com viés etnográfico, com idas semanais ao
estabelecimento penal, busquei, por meio da observação participante, com foco nos
detalhes do cotidiano dessas vidas que por ali passam, as tessituras que constituem a

51
Ideia percebida durante o trabalho de campo tanto com os funcionários da AGEPEN sede, assim como
entre os funcionários da AGEPEN no IPCG e, curiosamente, por parte dos detentos do estabelecimento
penal.

Página 44 de 159
identidade de gênero dos homens que ali estão, bem como seus agenciamentos em torno
das diversas formas de construções das masculinidades.

1.1 Apenas um presídio no Complexo

O Instituto Penal de Campo Grande (IPCG) se encontra em um complexo


penitenciário na Rua Indianápolis, número 2732, no bairro Jardim Noroeste. O
complexo prisional é composto pelo IPCG, o Centro de Triagem Anízio Lima52
(conhecido como o CT), o Estabelecimento Penal Jair Ferreira de Carvalho53 (conhecido
como a Máxima) e o Presídio de Trânsito (PTran)54. Abaixo, segue a foto55 do
complexo inteiro.
Figura1– Complexo Prisional de Campo Grande

Fonte: Google Earth

52
O Centro de Triagem é a menor das quatro unidades prisionais do complexo. Ele é um estabelecimento
penal de segurança média. De acordo com os interlocutores, ele seria o presídio “militar” separando os
internos que seriam ex-policiais, ex-funcionários da Agepen e ex-militares. Também há a presença de
políticos famosos do estado que vão para lá quando presos. Anteriormente o CT fazia parte da máxima,
mas devido aos problemas gerados em manter presos comuns, faccionados do Primeiro Comando da
Capital (PCC) e os ex-militares, optou-se por separar e torná-lo outra unidade.
53
A Máxima é um estabelecimento penal de segurança máxima, que foi inaugurado em 3 de dezembro de
2001, ao lado do IPCG. Esse presídio é conhecido pela hegemonia e “controle” da facção criminosa, o
PCC, além disso possui uma grande quantidade de delitos considerados “pesados” com penas maiores,
possuindo também muitos casos de reincidência, traficantes de alto escalão, assim como assaltantes de
grande porte ligados a quadrilhas. A Máxima, durante a pesquisa realizada, sempre se mostrou como o
contraponto ao IPCG, tanto por parte dos funcionários quanto pelos internos entrevistados, de forma que
ela é vista como um presídio que seria “pior”, tanto pela qualidade de vida dos agentes, como por
determinados internos, ou possibilidades de trabalho e estudo.
54
O Presídio de Trânsito (Inaugurado dia 4 de março de 2004) seria o terceiro maior dos quatro presentes
no complexo. É um estabelecimento penal de segurança média destinado aos presos provisórios que ainda
não foram condenados, ou em trânsito para as demais unidades penais do estado ou de fora do estado.
Muitos dos detentos entrevistados passaram por lá ao entrarem no sistema penitenciário sul-mato-
grossense. Eles comentaram sobre as más condições do presídio. Apesar de ser um presídio “provisório”,
se tem ciência de que também está lotado e possui internos que estão há anos no estabelecimento.
55
A direção do IPCG pontuou que devido a questões de segurança não deveriam ser tiradas fotos. Assim
como não permitiu que fossem feitos desenhos de mapas ou explicações detalhadas do Instituto Penal
internamente.

Página 45 de 159
O Instituto Penal de Campo Grande (IPCG) foi o campo desta pesquisa realizada
entre novembro de 2017 e abril de 2018. Ele é o terceiro maior56 presídio do estado do
Mato Grosso do Sul, sendo reconhecido como de “excelência” por funcionários e até
mesmo, curiosamente, pelos internos. No último57 mapa carcerário a que eu tive acesso,
o IPCG possuía 1.367 internos, sendo 874 condenados, 318 condenados e processados e
171 apenas processados.
Ao retomar as minhas notas de campo, recordo a primeira vez que fui até o
IPCG. O trajeto para o instituto penal segue a rota que leva de Campo Grande a Três
Lagoas pela BR 262. O IPCG fica localizado na região do Jardim Noroeste, bairro este
localizado nos limites periféricos da cidade, carente e com os piores58 índices de
desenvolvimento humano (IDH) do município. Logo, percebe-se o porquê da região ser
escolhida para a construção de um complexo prisional. Percorrendo esse caminho,
semanalmente, durante alguns meses, fui percebendo como a cidade, pelo menos sua
parte densa, vai sumindo à medida que o caminho avança. A separação dos presos do
IPCG para além de ser uma separação geográfica, é sobretudo simbólica. Há vidas
demasiadamente apartadas, vidas precárias em seu sentido butleriano que são, assim,
invizibilizadas e não dignas de luto muitas vezes.
Os prédios e construções logo dão lugar a casas carentes, algumas apenas com
barro ou tijolo. O caminho de asfalto se torna quebrado e cheio de remendos. Quando o
que os olhos mais avistam são campos despovoados, eis a sinalização de que o IPCG
está próximo. Na primeira vez, com as regras já postas59, ao chegar ao campo, fiquei
surpreso com a quantidade de carros de alto valor estacionados nas proximidades.
Aquilo me pareceu bastante contraditório em relação às cercas de madeira, aos terrenos
baldios e às moradias muito simples e outras que se mostram em uma pequena ascensão
habitacional. Já no IPCG, havia muros muito altos, tão altos quanto os postes de
energia.

56
O maior presídio do estado é a Penitenciária Estadual de Dourados (PED) com aproximadamente 2.400
presos, depois temos a Máxima com uns 2.200 presos.
57
Conseguido em janeiro de 2018. Pedi o mapa para Juliana, que estava me auxiliando devido a férias de
Maria. Ele me foi entregue por uma estagiaria que ficava na parte administrativa, ao entregar se foi
pedido o sigilo da identificação de detentos particulares. No mapa consta os dados de todos os presos,
processados ou não, que estão no IPCG e a partir dele que se foi selecionado os detentos que iria
entrevistar conforme a tabela da introdução nas páginas 16 e 17 dessa dissertação.
58
De acordo com o Índice de qualidade de vida urbana de Campo Grande-MS (2008).
59
Essa vez foi após a reunião com o diretor do IPCG, reunião esta que será pontuada mais à frente neste
capítulo, onde conheci e me aproximei de interlocutoras-chave e dos funcionários que me ajudariam no
desenvolvimento da pesquisa como um todo.

Página 46 de 159
Em frente ao presídio, na rua Indianápolis, encontra-se apenas uma conveniência
que abre durante a tarde, mostrando o pouco movimento da rua. Sem contar alguns
poucos moradores que passam de bicicleta ou a pé por aquela região, o presídio parece
ser o único equipamento a trazer “vida” ao ambiente. Se eu ficasse um dia inteiro em
frente a ele, eu veria dezenas de carros indo e vindo, advogados, policiais, funcionários,
visitas a procura de pessoas e, uma vez ou outra, até mesmo representantes do
Ministério Público indo averiguar o estabelecimento penal. O movimento desses civis
não costuma chamar a atenção dos transeuntes da região, apesar das roupas formais:
ternos, gravatas, salto alto e “terninhos”.
O que desperta o interesse e a curiosidade está nos movimentos dos policiais
uniformizados com seus carros de transporte de presos, que param em frente ao presídio
deixando novos presos ou buscando internos para levá-los aos tribunais. Esses
momentos, apesar de serem cotidianos, possuem um ar de perigo. Às vezes, são dois ou
três desses carros que chegam juntos. Eles trazem policias com armas pesadas que vão
para as esquinas, para que a escolta seja realizada com cautela. Para os “civis”, fica a
curiosidade: quem será que está vindo? O que terá cometido para estar aqui? Será que
tem cara de bandido mesmo?
Ao me aproximar do portão para mais um dia de campo, logo aperto o interfone,
e espero ser chamado numa pequena janelinha incrustrada no concreto dos muros.
Nesse momento, fico apreensivo, embora essas sejam as partes de uma mesma rotina:
um funcionário da portaria abre a pequena portinha de metal, pergunta-me quem sou e
de onde venho e com quem gostaria de falar. Ele escuta e em seguida fecha de novo a
pequena portinha de metal. Com uma variação de 5 até 10 minutos, ele confere as
informações, meu documento de identificação e minha autorização por meio de
checagem dos papéis e ligações para setores responsáveis. A permissão é concedia todas
as vezes, mas o processo, em razão da segurança60, sempre se repete. Passo pela
primeira das quatro passagens que terei de ultrapassar até estar, de fato, no IPCG.
Nesse primeiro ambiente que adentro, vejo-me de frente para as grades. Ali
apenas umas poucas almofadas em cima de bancos de concreto, dois ventiladores (um

60
A questão da segurança, como é percebida por Goffman, também aparece no meu campo. “O fantasma
da ‘segurança’ nas prisões e as ações dos dirigentes, justificadas em seu nome” (2015, p. 77), esse
fantasma da “segurança” seria uma forma pela qual a direção do presídio usa de justificativa, em forma de
um discurso “intelectual”, de maneira a conseguir realizar os seus “objetivos” satisfatoriamente. Para
Goffman, esses objetivos, nas instituições totais são “incapacitação, retribuição, intimidação e reforma”
(2015, p. 77).

Página 47 de 159
que mal funciona e outro parado), uma janela de vidro me separa da área da portaria em
que logo me pedem os documentos. Sento e aguardo atendimento. Naquele dia, havia
apenas um homem muito suado, por conta do calor, trajando terno e gravata, à minha
frente. Ele parecia ser um dos muitos advogados que aguardava a autorização para falar
com seu cliente.
Essa pequena “sala de espera” é onde eu fazia muitas das anotações do campo,
onde se podia observar o movimento de entrada e saída no presídio. Depois de receber a
segunda autorização, chega a hora de deixar minha mochila, celular e chaves. Tudo isso
fica na portaria, onde também há um cofre para as armas dos funcionários. Apenas me é
permitido, conforme o acordado previamente, levar um gravador digital, duas canetas e
meu caderno de anotações. Com isso em mãos, a grade é aberta pelo botão da portaria,
assim como a porta de entrada. Passo para a segunda parte da entrada, onde está o
acesso à portaria, uma sala de funcionários e a sala onde ocorrem os encontros com
advogados, que é dívida por uma grade e constituída por vários cubículos. Nesse
segundo lugar, eu me demoro menos. Eu só preciso aguardar que a portaria me deixe
entrar na gaiola, abrir uma grade. Quando eu entro, ela fecha. Só agora abre a segunda
grade e eu estou, efetivamente, na prisão.
Depois desses “procedimentos de rotina”, estou no Instituto Penal de Campo
Grande ou Penal, como dizem os agentes. Do ponto em que estou, consigo ver uma
segunda gaiola, que costuma estar com as duas grades abertas. Ela é uma espécie de
entrada onde fica a administração do Penal, a segunda gaiola encaminha os internos
para os seus respectivos solários61. O movimento nesse local de passagem já se torna
mais intenso: alguns funcionários da Agepen (sempre trajando preto, alguns de
uniformes, outros não), muitos internos com suas roupas de cor laranja, que os
identificam como trabalhadores dos mais diversos setores e, às vezes, alguns
enfermeiros ou professores cedidos pela secretaria de educação, sendo os dois
identificados pelos seus jalecos brancos e verdes respectivamente.
Repeti, todos os dias do trabalho de campo, a mesma rotina. Depois de feito tudo
isso, me dirijo para a sala da Maria62. Uma assistente social que nos termos do campo

61
Local no qual os internos tomam banho de sol, rodeado com as celas dos mesmos. Eles geralmente
podem ficar por lá das 7h ou 8h até às 16h.
62
Uma descrição mais densa das questões da equipe dirigente e assim como das entrevistas realizadas
com a mesma se encontra no capítulo II dessa dissertação.

Página 48 de 159
de Foote Whyte (2005 [1943]), acabou por se tornar o meu Doc63, possibilitando assim
a minha entrada no campo e sendo vista como um informante-chave no IPCG. Maria,
como de costume, está atendendo uma ligação, provavelmente, de algum parente dos
internos que está precisando de assistência, algo comum em sua função. Ela me dá o
sinal para entrar e sentar na cadeira à sua frente. Confirmo com a cabeça, entro e sento.
A sala de Maria é um exemplo clássico do que costumamos pensar, no senso comum, de
uma burocracia ou instituição estatal brasileira. Uma sala meio fria, poucos e velhos
móveis, com um leve cheiro de mofo, algumas mensagens cristãs presas nas paredes
(algo que a própria Maria deve ter colocado), um ventilador barulhento e paredes meio
que descascando. Há um tom decadente na sala. Quase todas as salas a que tive acesso
no penal se parecem com essa. É assim que se acomoda a equipe dirigente, nos termos
de Goffman (2015).
É importante ressaltar que estou entrando no Penal sendo visto pelos internos
como um “deles”, isto é, uma pessoa da equipe dirigente. Diferentemente do novato
interno, que acaba de chegar à instituição, eu não preciso passar por “rebaixamentos,
degradações, humilhações e profanações do eu” não tenho que “mutilar meu eu” que
busca marcar a separação entre os internos e o mundo mais amplo lá fora (GOFFMAN,
2012, p.24). Meu corpo não precisará ser domesticado e tornado um corpo dócil pelo
poder disciplinar e pelas normas que formam o exame do qual Foucault (2012, p.177)
fala. Mas apesar disso, não quero dizer com isso que meu corpo tenha uma total
liberdade no penal. A questão disciplinar vai para além dos internos que ali estão, tem-
se controle também dos corpos e comportamentos dos funcionários e visitantes no local,
no meu caso não seria diferente. As regulações sobre mim vieram logo no início, com a
primeira reunião com o diretor.
É importante fazer esse apontamento na medida em que eu tive contato com os
internos desse local, a partir de um lugar diferente do deles. Apesar de buscar garantir a
minha não vinculação com a Agepen ou com o aparato de segurança pública, acredito
que isso sempre se torna presente. Eu estava em um lugar de “superioridade” diante
deles, ainda que eu me esforçasse para não passar essa impressão.
E mesmo para os funcionários, apesar de também ser visto como um de “fora”,
que está em um lugar que não pertence ao cotidiano deles, ainda assim fui visto como

63
Doc é um dos interlocutores de Whyte (2005) que surge como uma solução para o “problema de achar
uma forma de entrar no distrito” (2005, p.291). O autor nos diz que “meu estudo começou na noite de 4
de fevereiro de 1937, quando a assistente social me chamou para conhecer Doc” (2005, p. 293).

Página 49 de 159
um aliado da equipe, como alguém que está lá para escutá-los e entender seus dilemas e
conflitos diários. Dessa forma, em certo sentido, houve uma estabilização das relações
que permitiram meu fazer antropológico com menos dificuldades no campo. Ainda
assim, em alguns momentos, precisei demarcar o espaço que ocupava ali para eles, “não
estou aqui pela Agepen, não busco avaliar vocês e seus trabalhos ou trazer melhoras
estruturais ao IPCG”, disse mais de uma vez.
Ao terminar a ligação, Maria disse-me que teria que ir à escola, que fica atrás dos
pavilhões onde se encontram os detentos, e disse para eu acompanhá-la até lá. A escola
era uma função extra, em relação ao cargo que ocupa no setor de assistência e perícia na
Agepen. Sendo assim, os alunos e as questões da escola ficam sob responsabilidade de
Maria:
[...] meio dia e meio os agentes já começam a chamar. E os agentes
não tem paciência, começam a chamar, se ele não aparece, tá
atrasado? Não vai. Aí eu que vou lá, os agentes ficam p da vida,
dizendo 'ele não veio no horário por quê?'. Os que são alunos aqui,
tem uma lista de liberação para escola. Todo dia eu tenho que
imprimir pavilhão 1 matutino, tem 56 alunos que descem do pavilhão
1, aí os agentes vão lá no solário 1A e começam a ir chamando. Aí
vão abrindo de todos. Pavilhão 1 tem 6 solários. Pavilhão 2,
matutino, tem 37 alunos. Se o aluno estiver na sala forte, ele perde a
aula, não pode estudar tem que ficar lá.

A ida à escola seria um dos poucos motivos que Maria teria para passar ao lado
dos solários onde se localiza a grande população carcerária do IPCG. Dessa forma,
Maria, assim como as outras funcionárias da assistência e perícia, possui pouco tempo
para interagir com uma grande quantidade de detentos. Nesse setor, o contato com os
internos se dá por meio dos que estão trabalhando, que lhes auxiliam como secretários.
Nesse sentido, as psicólogas e assistentes sociais (todas mulheres)64, interagem, no
sentido profissional, apenas por via institucional com os presos, na medida em que
costumam receber de um em um, para poderem realizar seu acompanhamento65 com
segurança.

64
Devido ao caráter do cuidado que essas duas profissões acabam assumindo, há, segundo as próprias
interlocutoras, um número bem maior de mulheres do que homens. Eles contaram, no entanto, já ter tido
um psicólogo homem no penal. Apesar de não ser o foco da pesquisa, acredito que podemos pensar uma
construção da feminilidade ligada à relação de cuidado maternal que estaria presente nessas profissões e
suas funções. Busco pensar a questão das feminilidades das agentes penitenciárias num artigo intitulado A
construção das feminilidades nos discursos das Agentes penitenciarias do Instituto Penal de Campo
Grande (2018).
65
O acompanhamento varia para cada interno e seu caso, sendo o foco da assistente social o contato com
a família e as questões de educação. As psicólogas se atêm, tanto ao acompanhamento pessoal tradicional

Página 50 de 159
Outra especificidade de Maria, que a difere de suas outras colegas do setor, está
em como ela se sente ao passar nos corredores em que há celas dos dois lados e acaba
“cercada” pelos detentos em seus respectivos solários. Todas as entrevistadas, menos
Maria, se mostraram temerosas ou desconfortáveis em ter que passar naqueles
corredores. Como conta Juliana66, uma das psicólogas:

Eu não gosto de ir pros pavilhões, por exemplo. Se eu tenho que fazer


uma palestra, o auditório fica lá no fundo, então eu tenho que passar
pelos pavilhões. Isso me constrange. Justamente por eu ser mulher. E
aquele mundaréu de homens, que é cela dos dois lados. E eles tão ali
e eles olham mesmo. Eles olham ali com um olhar de desejo, com
olhar de curiosidade, olhar de agressividade, você meio que sente.
Então assim você é um só, passando no meio de um monte, e você está
sendo observada, causa um certo desconforto. E às vezes você passa e
eles querem sua atenção, então é aquele mundaréu de gente pedindo,
te pedindo alguma coisa, aí você sozinha ali e não dá conta. E dá um
medo de chegar perto da grade.

Na segunda vez que passei, junto de Maria, a caminho da escola, senti algo que a
agente Juliana comentou, a respeito do olhar de agressividade que os homens teriam
naquele espaço, apesar de entender a diferença de sua posição enquanto mulher e o seu
efeito sob aqueles olhares. O que me fez recordar a primeira ida ao IPCG, com meu
orientador, para conversar com o diretor. Depois de estabelecermos as regras para o
trabalho de campo, ele quis nos mostrar como era o IPCG por dentro. Ao passar pelos
pavilhões, ficamos rodeados pelos internos, que estavam em seus solários. Sentia-se um
cheiro forte de suor, era um mundaréu de homens dos dois lados. Diferente de Juliana,
não senti o “olhar de desejo”, mas sim os outros olhares que a mesma destaca. Senti um
receio. Senti-me vulnerável. Um medo passa por nossas espinhas. Foi um sentimento
tão forte que até mesmo me fez questionar tudo que havia aprendido no curso de
Ciências Sociais sobre criminalidade e violência. Naquele momento, pensei na
existência de uma “maldade” ou “violência” quase que essencial dos sujeitos. Eu me
sentia observado por olhares “perigosos”.
Nas duas vezes que passei pelos solários, parece que os internos faziam as
mesmas coisas e tudo parecia da mesma forma. Uma quantidade impressionante de
homens, sem camisa, malhando, mostrando os músculos com o suor do corpo.

da psicologia, quanto ao acompanhamento em grupos de internos com problemas de dependências


químicas e também o acompanhamento por meio de ordem judicial para o interno ter sua progressão de
regime.
66
Como já mencionado, maiores informações sobre os funcionários estarão no segundo capítulo.

Página 51 de 159
Sobressaia uma impressão marcante de certa expressão de masculinidade. Isso ficava
cada vez mais claro, quando me lembrava das palavras de Dominique Kalifa:

É primeiro pela aparência e pela força física que se reconhece o


homem. Em um sistema de relações interpessoais dominado pela
violência física, força, potência e músculo constituem atributos
maiores. [...] Esses braços e essas mãos falam da potência do homem,
assim como de todo um horizonte de valores que fundam uma cultura
[...]. Nos “bairros” ou na prisão, as acadêmicas de ginástica
contemporâneas prolongam este culto ao corpo (KALIFA, 2013,
p.304-305).

Esse “sistema de relações interpessoais” de que fala o autor é que interessa a


minha pesquisa e que aqui busco realizar. Essa passagem pelo corredor foi um dos
momentos que marcou muito das conversas que tive com os detentos sobre as dinâmicas
do interior da instituição penal. Interessava-me como seriam agenciadas as violências
físicas tanto anterior quanto em um contexto que me parece tão visceral como o da
prisão. Apesar do destaque que muitos homens possuíam, porque se destacavam a partir
dos elementos que eu elenquei anteriormente, a ênfase em especial recaía sobre o meu
interesse na pesquisa. Eu percebi também que muitos outros homens estavam apenas
conversando em roda, havia outros ainda jogando algum jogo de tabuleiro. Outros
detentos limpavam a cela, lavavam roupas nos tanques do solário.

1.2 “PARE DE CORRER! Quem é você?! Para onde está indo?!”: acesso, corpo e
risco no IPCG

No que diz respeito às dificuldades encontradas nas pesquisas realizadas em


prisões, acredito que a questão que precisa ser demarcada para que se tenha maior
compreensão da produção dos dados desta dissertação se refere ao controle e ao risco
que a realização de uma etnografia em contexto prisional pode apresentar para o
pesquisador. A observação participante se apresenta com muitas possibilidades e muitos
desafios. Após o contato com a Agepen e a Diretoria de Assistência do presídio (DAP),
me foi dada a autorização67 para realizar a pesquisa. Nesse ponto, minha pesquisa nesse
campo diferiu da feita por Natalia Lago (2014), que, para obter a autorização para a
realização de sua pesquisa, passou por “um processo permeado por dificuldades que,

67
Os anexos de I a IV da dissertação apresentam os documentos que autorizaram a realização da pesquisa
por parte da Agepen.

Página 52 de 159
muitas vezes, são incompatíveis com o tempo existente para a realização de uma
pesquisa de mestrado” (2014, p.22), ou de Natalia Padovani (2010), que teve, durante o
processo de autorização, até que pedir a permissão de uma juíza corregedora, trâmite
que levou cinco meses para ser concluído68.
No fazer antropológico há uma série de negociações em campo, bem como
alterações e, até mesmo, improvisações na tentativa de controlar as mais diversas
situações, que somos acometidos durante a realização da pesquisa. No presídio isso não
se mostra diferente, mas tive uma dificuldade com a particularidade da autonomia que
os diretores dos presídios possuem em suas funções, tendo eles um grande controle
sobre o que acontece em “suas” prisões. Logo, após o momento de permissão
burocrática com a Agepen, deu-se o processo de negociação com o diretor do IPCG, que
detinha a autoridade e autonomia para decidir os rumos da pesquisa em “seu”
estabelecimento penal. Esse momento se mostrou bastante difícil e determinante para a
constituição do trabalho de campo.
Essa negociação se deu na primeira ida ao campo do IPCG, dia 08 de agosto de
2017, acompanhado de meu orientador. Chegamos cedo à prisão, passamos por todo o
processo de garantia de segurança na portaria e logo subimos para o segundo andar onde
conheceria Patrícia, uma das futuras interlocutoras da pesquisa. Lá, aguardamos numa
pequena sala, já observando da janela a grande quantidade de presos nos pavilhões
abaixo.
Rapidamente fomos chamados para adentrar a sala do diretor para nossa reunião.
O diretor69 então nos pede para sentar em frente à sua mesa e começamos a conversar.
Primeiramente, tentamos explicar o que pretendíamos, dando ênfase do que seria o
trabalho de um antropólogo e do que constituiria um trabalho etnográfico no campo.
Nesse início, já notamos certo impasse da parte do diretor, na medida em que o mesmo
não demonstrou estar muito interessado no que eu iria fazer lá. Sua única preocupação
parecia centrar-se na questão da segurança70, a qual foi pensada de forma bastante
abstrata. Ele parecia estar apenas interessando em quanto tempo eu iria permanecer

68
No caso de Padovani, a mesma não foi afetada pela demora, pois “um contato estabelecido com a
diretora de reabilitação, Marcela Luciana Paoloni, permitia que visitas dirigidas à unidade fossem feitas”
(2014, p.42).
69
O primeiro encontro foi um dos poucos que tive com o diretor diretamente, sendo os outros rápidos
momentos em que ele esbarrava comigo durante o campo e apenas me cumprimentava e me questionava
sobre o tempo que eu já estava no IPCG.
70
Cf. 39. Acrescenta aqui que esse discurso também é usado como forma de afastar o olhar de “curiosos”,
nesse caso, pesquisadores de adentrar a instituição prisional.

Página 53 de 159
dentro do IPCG para realizar o que ele chamou de “entrevistas” com os presos,
indicando que parecia pensar em minha pesquisa como uma reportagem jornalística,
bem como queria saber com quantas pessoas eu iria falar, apesar de parecer não se
interessar com quais pessoas eu iria falar. Ele avisava: aqui não é lugar de estudante
ficar andando sem fazer nada. Ao perceber esse movimento, eu me retraí um pouco,
pois, provavelmente, não seria escutado, por ser um “jovem inexperiente” naquele
lugar.
Nesse momento, iniciava a negociação entre as possibilidades de pesquisa e as
permissões que seriam dadas pelo “responsável” do IPCG. A ideia que tínhamos era de
passar o máximo de tempo no estabelecimento penal, mas isso logo se viu como
problemático por parte do diretor. Quando questionado sobre o tempo de permanência
na unidade, precisei operar mudanças rápidas. De uma ideia de passar, pelo menos, seis
horas, no horário que iria do turno matutino até o vespertino, todos os dias, precisei
reformular para ir apenas uma vez por semana, com dia marcado previamente,
permanecendo no período máximo de três horas. Isso redimensionou a minha ideia de
uma produção etnográfica em que pudesse “viver” no campo, no sentido em que
Malinowski encarava como necessário na medida em que dizia que se deveria ter
“contato o mais íntimo possível com os nativos, isso realmente só se pode conseguir
acampando dentro das próprias aldeias” (1984 [1922], p.21-22, grifo meu) e
experienciá-lo de maneira mais intensa.
O segundo ponto tratado com o diretor foi o quantitativo de funcionários e
detentos que seriam contatados durante a pesquisa. Sobre esse tema, houve um
consenso entre mim, o diretor e meu orientador, que me aconselhou conversar com duas
pessoas por dia. Sendo um funcionário de cada uma das três71 áreas da Agepen e mais
duas psicólogas responsáveis pelo atendimento e recebimento dos internos. Sobre os
internos, seriam oito ao todo, podendo aumentar em mais um ou dois, caso não
encontrasse pessoas interessadas em colaborar segundo as categorias selecionadas,
presentes no Quadro I da introdução (raça, escolaridade, idade, crime, estado civil e
quantidade de filhos).
Após essa negociação, na semana seguinte, eu poderia realizar meu primeiro dia
de campo, com as regras acordadas com o diretor. Aproximadamente 10 horas da

71
As três áreas e suas funções foram explicadas na introdução da dissertação e também serão pensadas no
segundo capítulo.

Página 54 de 159
manhã, depois de uma troca de e-mails com Maria, combinei que iria entrevistá-la nesse
dia. Depois da entrevista realizada, com uma duração de aproximadamente 40 minutos,
Maria então me convida para almoçar72 com ela e os demais agentes penitenciários.
Informo a ela sobre os combinados com o diretor e sobre o limite do horário que eu
poderia permanecer no IPCG. Além disso, conto da advertência do diretor que eu não
ficasse “perambulando pelo presídio”. Ela, logo, com uma atitude meio “desencanada”,
diz que não dará problema, porque estará comigo, então pode vir almoçar, que você
deve estar com fome e, depois do almoço, continuamos nossa entrevista.
Aceito o convite de Maria para o almoço, vendo como uma boa oportunidade
para adentrar o campo em um sentido etnográfico mais stricto, convivendo no dia a dia
do IPCG. Então passo a acompanhá-la em direção ao refeitório dos funcionários. Para
chegar até lá, passamos por mais uma das três gaiolas que ligam aos pavilhões. Essas se
encontram sempre abertas devido ao grande movimento dos agentes, internos
trabalhando e alguns detentos passando. Como soube depois, eles seriam a principal
“barreira” entre os pavilhões das celas e a área administrativa do presídio. Essa terceira
gaiola seria a principal separação, sendo a primeira a ser fechada caso haja algum sinal
de tumulto ou rebelião, caso não sejam fechadas as duas anteriores (que só abrem com
um botão eletrônico na portaria) vão permanecer fechadas para impedir a fuga dos
detentos. Caso isso ocorra, deixará, assim, os agentes que estão na parte da
administração, como possíveis vítimas dos detentos em caso de rebelião73.
Ao chegarmos ao refeitório, separados por mesas, cada uma com
aproximadamente oito cadeiras ao redor, e o local de pegar os pratos, suco, sobremesa e
comida que se assemelham muito a um restaurante self-service. Logo ao adentrar, noto,
que existe uma separação entre os gêneros. Observa-se essa separação por meio das
mesas em que mulheres e homens sentariam. Depois de conversas e entrevistas, entendi
que a separação, na verdade, não é diretamente associada ao gênero, mas sim à
separação administrativa das três áreas (Segurança e Custódia, Administração e

72
A maioria, os de segurança e custódia, que estão de plantão (24 horas de trabalho por 72 horas
descanso), possuem horários diferentes dos agentes penitenciários que trabalham das 8 horas até as 14
horas, com uma hora de almoço, que ocorre no próprio IPCG. A comida é feita pelos internos que
trabalham na cozinha. Existe uma comida diferenciada para os funcionários e outra que é servida para os
detentos do presídio.
73
A última rebelião no IPCG ocorreu em 2008 no dia do natal. Presos de grupos rivais começaram um confronto
entre eles. De acordo com o diretor da época, havia um refém com os presos. No final, apenas três detentos
saíram feridos e não houve mortes. Fonte: <https://www.campograndenews.com.br/cidades/presos-saem-
gravemente-feridos-do-instituto-penal-12-24-2008 > Acessado: 20/12/2018.

Página 55 de 159
Finança, e Assistência e Perícia) que a Agepen organiza. Separação essa que parece
criar toda uma distinção entre os agentes e uma disputa no interior do ambiente
profissional da Agepen.
Após essa entrada, acompanho Maria pegando o prato e indo me servir, como os
outros funcionários. Decido por sentar junto com ela e com as outras psicólogas e
assistentes sociais do presídio. Sou apresentado, por Maria, enquanto um estudante da
UFMS que está realizando uma pesquisa na prisão. Após me sentar e cumprimentar as
demais funcionárias, algumas que conversaria em outros momentos da pesquisa,
percebo que esqueci meu caderno de campo com as anotações, tanto da negociação com
o diretor, quanto da entrevista com a Maria, em cima da mesa da mesma. Percebendo
esse equívoco74, aviso Maria e peço licença para ir lá pegar o caderno. Ela fala que não
tem problemas, pode ir lá na sala.
Dessa forma, vou com os passos apressados e com as mãos para trás, uma
técnica de corpo que acreditava ser respeitosa em um presídio, mas que, logo no
caminho, se mostrou equivocada. Em um instante, escuto um grito, atrás de mim, de um
agente penitenciário: PARE DE CORRER! Quem é você?! E para onde está indo?
Assusto-me com a forma agressiva com que ele gritou comigo e, prontamente, paro e
me viro tentando explicar a situação. Digo que sou estudante e apenas estava indo pegar
um caderno na sala de Maria. Ele pergunta: mas onde está o seu crachá75? Por que está
com as mãos para trás? Eu explico que não foi me dado o crachá, dessa vez, e que
andava assim por costume. Ele parece aceitar minha explicação e me dá uma
advertência: apenas os detentos andam com as mãos para atrás aqui, só eles devem
andar assim.
Entendo, prontamente, o que ele diz. Era algo que eu já tinha observado, mas
depois dessa advertência percebia a importância dessa técnica do corpo para a
demarcação e controle dos detentos. As mãos para atrás se assemelham com a forma
que as algemas são postas pelos policiais militares para impedir o movimento do preso e
garantir a segurança dos mesmos.

74
Como muitos antropólogos já sabem, mas é importante pontuar para os demais leitores, o caderno de
campo ser lido pelos informantes e interlocutores pode ser bem danoso e até impedidor da realização de
uma pesquisa, devido ao seu caráter de anotações a respeito do campo e de todos os interlocutores que ali
estão. É uma informação que considero sensível e pessoal a respeito da minha compreensão dos
fenômenos observados.
75
Na recepção do IPCG existe um crachá de “Visitante” para as pessoas que adentram o presídio e não
são funcionários da Agepen. O crachá só me foi dado na visita para a reunião com o Diretor.

Página 56 de 159
Essa ênfase nas técnicas do corpo, conforme Marcel Mauss (2015 [1934]),
mostra que até mesmo o movimento “dos braços e das mãos enquanto se anda é uma
idiossincrasia social, e não simplesmente um produto de não sei que arranjos e
mecanismos puramente individuais” (2015, p.404). Nesse sentido, meu corpo precisa
ser treinado para aprender essas novas técnicas, de forma a conseguir me enquadrar no
novo espaço social que estava ocupando no decorrer da pesquisa. Esse tipo de
movimento com as mãos para trás “variam, sobretudo com as sociedades, as educações,
as conveniências e as modas, os prestígios” (MAUSS, 2015, p.404, grifo meu). Apesar
desse movimento com as mãos ter tido sua possível origem com o comportamento dos
PMs em delegacias e no movimento de chegada de presos, no IPCG os detentos não
utilizam algemas76 dentro do presídio ao irem de um setor para outro, aqui esse
comportamento com as mãos, apesar de provavelmente passar segurança, parece mais
com o sentido que Goffman (2015) entende, isto é, como uma “indignidade física”, da
qual se busca inferiorizar os detentos que se diferindo da “sociedade civil, [onde alguns]
movimentos, alguma posturas e poses traduzem imagens inferiores do indivíduo e são
evitadas como aviltantes” (2015, p.30).
Após o ocorrido, vou à sala de Maria, pego meu caderno de campo e já retorno
ao refeitório. Logo, ao adentrar o refeitório, imediatamente, encontro com o diretor. Ele
olha para mim com uma cara de surpresa e desconforto, mas, mesmo assim, me
cumprimenta meio sem jeito. Respondo o cumprimento e vou me sentar com as agentes
da assistência e perícia. Trago esse momento de encontro com o diretor, como um
divisor de águas em minha pesquisa, pois apesar de o dia ter continuando normal após o
almoço, uma vez que continuei a entrevista com a Maria, na semana seguinte fui
chamado na sala da diretoria, na qual Patrícia gostaria de falar comigo a respeito da
realização de minha pesquisa no IPCG. Conforme o acordado na reunião depreende-se
que o diretor teria ficado incomodado de me ver no refeitório almoçando, e
perambulando dentro do presídio, pois em sua visão eu deveria apenas ir ao IPCG com
as entrevistas marcadas, realizá-las em uma sala específica ou na sala do próprio agente,
e me retirar do presídio para voltar apenas na semana seguinte, para a próxima
entrevista. Sendo assim, a partir desse momento de intervenção do diretor, a

76
Apenas em casos especiais, como os que essa avaliação e recomendação por mandato judicial e quando
chegam ao presídio juntos com os policiais militares (PMs).

Página 57 de 159
possibilidade de uma etnografia “tradicional” em que adentraria à prisão e estaria
vivenciando aquele ambiente próximo de meus sujeitos, foi vista como problemática.
Além das dificuldades de acesso e da realização da pesquisa no IPCG, é preciso
destacar também a questão dos riscos. Os riscos na pesquisa antropológica no geral são
pensados mais na relação desigual entre o pesquisador e os pesquisados. Sobretudo, se
se pensa em quais seriam as consequências para eles em relação à pesquisa feita. Aqui,
busco inverter um pouco essa ideia e pensar sobre a relação dos riscos na pesquisa para
o próprio pesquisador no campo.
No campo da produção antropológica, existem diversos riscos para o
pesquisador ao se realizar a pesquisa, neles se incluem os éticos, profissionais e da
própria pesquisa em si. Como exemplos, temos entre os riscos éticos os conflitos com
os agentes pesquisados e a relação que o pesquisador estabelece com os mesmos. Entre
os riscos profissionais, podemos destacar a escolha dos temas de pesquisa e das áreas
pesquisadas77 que podem afetar as relações profissionais do pesquisador e sua carreira
como um todo. Sobre os riscos da pesquisa em si, temos os riscos variados de se perder
a confiança, a permissão, a abertura dos interlocutores, assim como os entraves
burocráticos que podem pôr em risco toda a realização da investigação.
Apesar de minha pesquisa também ter tido a possibilidade de apresentar os
perigos acima mencionados, estarei focando a partir da realidade de meu campo nos
riscos físicos e emocionais de se pesquisar no IPCG. Acredito ser importante pensar em
riscos e perigos no campo prisional nesta dissertação, pois, enquanto pesquisador,
negociar meu próprio risco e posição no campo, acaba por impactar os dados
produzidos e no desenvolvimento da pesquisa.
Antes de entrar nisso propriamente, é preciso que eu, enquanto pesquisador, me
“coloque no campo”. Enquanto um sujeito que também é socialmente construído, assim
como os interlocutores, procuro partir da metodologia feminista78 de forma a pensar que
na pesquisa social, principalmente na antropológica que “em vez de assumir que a
pesquisa é objetiva, [é preciso] reconhecer as diferenças de posicionalidades,
preconceitos e privilégios, e como isso afeta o processo de pesquisa.” (ROGERS-

77
Risco esse que se mostra mais presente na atual realidade política brasileira, basta observar as pesquisas
com ênfase em gênero e sexualidade no geral, na medida em que um governo conservador se elege e
ideias como “Escola sem partido” e “Ideologia de Gênero” ganham apoio, não só legislativo, como do
próprio executivo. Para o debate mais amplo sobre essas questões ver Souza, Manhas et al (2016) e
Guilherme e Picoli (2018).
78
Sobre a metodologia feminista, ver Martha Narvaz e Sílvia Koller (2006).

Página 58 de 159
BROWN, 2015, p.117, tradução pessoal). Assim, tanto Foucault quanto Judith Butler já
mostraram que nenhum corpo é neutro, nem mesmo o corpo do pesquisador seria
enquanto se realiza a pesquisa.
Dessa maneira, eu enquanto homem, branco, jovem, de classe média e
escolarizado, precisei atentar como essas articulações de minhas identidades
repercutiram em minha pesquisa e na reflexão que surgiria dela. Em alguns momentos,
como os das entrevistas, foram bem marcantes essas posições no sentido de eu ser
considerado alguém que não compreenderia a violência, que não estava exposto a uma
violência diária, que não tinha origem em estratos mais baixos nem do ponto de vista
socioeconômico, nem de escolarização. Todas essas questões marcaram meus contatos
enquanto um sujeito semelhante, diferente ou, até mesmo, não pensado em relação a
meus interlocutores79.
Tendo isso em mente, voltemos então às ideias a respeito do risco e perigo no
campo do IPCG. Partindo da leitura de More than a war story: a feminist analysis of
doing dangerous fieldwork (2015), de Jennifer Rogers-Brown, derivando de seu
trabalho etnográfico no México, cujo foco está na resposta da sociedade civil sobre os
impactos de políticas neoliberais em pequenos fazendeiros e mulheres, a autora parte de
dois eixos de mediação de risco generificadas, sendo eles: o impacto do seu campo na
variação dos riscos e mediação dos mesmos e o controle da impressão que o
pesquisador passa como uma ferramenta de mediação do perigo.
Pelas informações apresentadas na introdução dessa dissertação sobre a
realidade do sistema prisional brasileiro, o caráter de local de risco do IPCG já deveria
se mostrar como evidente no sentido dele enquanto um campo. Apesar disso, em meu
campo, os agentes penitenciários pareciam deixar claro que o Penal era um dos
presídios mais seguros em que tinham trabalhado, em comparação com a Máxima, ao
lado. No entanto eles não deixam de negar o perigo do trabalho, na fala de Maria, ela
comentou a respeito da desconfiança que se deve ter.

Todo momento, posso estar aqui te atendendo, você como interno e


você tá planejando fazer alguma coisa comigo. (Pesquisador: É
estranho que é como se trabalhasse com alguém que você não pode

79
Na questão dos interlocutores, buscarei trazer a concepção de James Clifford presente em seu texto
Sobre a autoridade etnográfica. Nesse sentido, procuramos “lutar conscientemente para evitar representar
‘outros’ abstratos e a-históricos, é crucial formar imagens complexas e concretas uns dos outros” (1998,
p. 19).

Página 59 de 159
confiar). Aqui você não pode confiar. Você não sabe o limite da
pessoa, o que que ela tem.

A conversa com Maria ocorreu em entrevistas anteriores ao momento que


contatei de forma mais próxima como os detentos, nos contextos de entrevistas, em uma
sala onde havia apenas nós dois. Antes disso ocorrer, eu sentia certa hesitação na
possibilidade de conseguir ter uma boa entrevista e diálogo com eles a respeito do tema,
em função de um imaginário de constante risco. A própria temática da pesquisa me
fazia pensar nessas questões, como Jennifer B. Rogers-Brown (2015), citando
Fredriksson’s, nos diz “o gênero também engendrou uma forma de ‘disfarce cultural’
que permitia o anonimato: ser mulher muitas vezes levava a sermos percebidos como
menos ameaçadores, aumentando assim os sentimentos de segurança dos entrevistados”
(FREDRIKSSON’S, 2009, p.154 apud ROGERS-BROWN 2015, p.120, tradução
pessoal). Em minha situação, sendo visto enquanto homem, pesquisando a relação
violenta homossocial masculina, eu me sentia preocupado em me mostrar ameaçador ou
desrespeitar os detentos de alguma forma que poderia vir a criar alguma confusão ou até
mesmo violência por parte dos mesmos.
Ainda assim, eu notava que possuía algumas “vantagens”, no sentido de prevenir
o risco de violência física e outros tipos de violência, em vista de ser branco e com um
vocabulário diferente. Isso me fazia perceber como certos presos, como José e Vitor80,
que por serem menos escolarizados, de classes mais baixas, e de cidades de interior
pareciam, de certa forma, se sentir “inferiores” a mim naquela sala. Eles sempre pediam
desculpas quando não conseguiam responder uma pergunta e se referiam a mim como
doutor ou senhor.
Nesse sentido, as intersecções entre gênero, raça, classe, escolarização e até
mesmo geração podem, simultaneamente, se apresentar ora como proteção ao
pesquisador, ora como possíveis riscos. Como forma de controlar isso, é preciso mediar
o perigo, como sugerido por Jennifer B Rogers-Brown (2015). Assim, procurei
controlar a impressão que os presos poderiam ter sobre mim, optei por adotar uma
masculinidade hegemônica81 a fim de me aproximar. Eu entendia que assim poderia

80
Eles voltarão a aparecer no capítulo III desta dissertação.
81
Esse conceito vem dos trabalhos Raewyn Connell (1987), utilizado também por Michael Kimmel
(1998), e depois reformulado por Raewyn Connell e James Messerschmidt (2013). Em busca de dar conta
das múltiplas formas de “ser homem”, os autores buscaram demonstrar como essa disputa tende a criar
uma masculinidade hegemônica e outras masculinidades subalternas em relação a ela. Temos então que

Página 60 de 159
ganhar a confiança dos presos que possuíam uma masculinidade hegemônica que busca
a emasculação de masculinidades subalternas como forma de garantir sua hegemonia
sobre os demais.
O manejo de minha imagem não se deu apenas com os internos. Após o ocorrido
com o agente que chamou minha atenção, fiz questão de alterar a forma como eu andava
e me portava no ambiente do Penal. Temos “em nosso kit de ferramentas
metodológicas, a honestidade (ou engano) é uma maneira óbvia de gerenciar o perigo e
como as pessoas nos identificam, como pesquisadores ou como repórteres, [até mesmo
detentos], espiões e turistas.” (ROGERS-BROWN, 2015, p.121, tradução pessoal).
Além do risco, outra questão que influenciou na pesquisa, e que advém dela, diz
respeito ao medo. Esse sentimento, curiosamente, não surgiu na elaboração da pesquisa
em si, não de mim ou do orientador pelo menos, já da parte da minha família houve
resistência e medo sobre minha segurança pessoal. Vieram questionar-me acerca do
“por que pesquisar em tal lugar?” “Por que um presídio, Daniel? Por que não uma
escola, uma igreja?”, perguntavam-me. Respondia-os que era um interesse pessoal
estudar violência masculina e essa foi a forma mais prática que encontrei, mesmo que
não os satisfizessem.
A questão era que durante minhas primeiras idas, apesar do receio de passar
pelos corredores, como mencionado anteriormente, e certa ansiedade gerada pela
expectativa de como seria o próximo dia de pesquisa, o medo não apareceu durante as
entrevistas com os agentes penitenciários em suas salas. Mas algo estava para mudar,
tinha acabado de entrevistar todos os agentes que foram combinados com a direção e
iria começar com os detentos. Lembro que naquele dia em que faria esse primeiro
contato, acordei bem mais cedo que nos outros dias de pesquisa, dormi mal, estava
ansioso. Várias perguntas vinham à minha mente: como seria entrevistar os detentos?
como seria estar numa sala apenas eu e um sujeito tido como homicida? Será que
conseguiria realizar as entrevistas como com os agentes? Deixei de me questionar, logo
tomei meu café e me aprontei para ir ao Penal. Era uma quarta-feira, já no início de
2018, havia marcado com Maria para realizar uma entrevista com um dos detentos na
semana anterior.

uma “empreitada subjaz um processo de luta contínuo que envolve mobilização, marginalização,
contestação, resistência e subordinação das modalidades de ser masculino não sancionadas pela matriz
hegemônica” (OLIVEIRA, 1998, p.14). A questão das múltiplas masculinidades será trabalha no capítulo
III da dissertação.

Página 61 de 159
Ao chegar, após o procedimento de entrada, e já com meu crachá de visitante,
fui para a sala de Maria; a atmosfera parecia diferente, o presídio estava mais
barulhento. Maria estava atarefada, como sempre, mas nada de diferente, quando me
viu, logo falou para eu entrar em sua sala e fechar a porta. Maria estava “animada”,
como se tivesse algo para contar que eu acharia interessante, e logo foi contando a
“fofoca” para mim, hoje tenho uns pepinos para resolver: um interno foi encontrado
morto às 5 da manhã, tenho que ligar para família e avisar do ocorrido. Logo me
espantei, mas pelo tom que Maria falava não parecia algo muito importante no dia a dia
do Penal. Vendo meu espanto, ela comenta: ah não se preocupe, Daniel, isso acontece
aqui, não muitas vezes, mas acontece. Não sabemos se ele morreu de morte morrida ou
morte matada (risos) mas logo o MP82 vem aqui e vai falar com uns detentos.
Tento demonstrar uma compreensão e comento que a morte assim tão perto não
é algo comum para um estudante, mas deve ser algo mais rotineiro na segurança
pública. Maria então comenta brevemente: aqui é até de boa, ruim mesmo era na
Máxima. Antes de eu comentar, logo complementa: mas vamos logo colocar você na
sala lá e pedir para o interno chamar o primeiro detento, você vai fazer a entrevista na
sala da Juliana83, ok? Vou lá contigo abrir.
Maria então me leva para a sala que é logo ao lado da sua, abre a porta, acende a
luz, liga o ventilador de teto e fala oh pode sentar aí na cadeira dela, vou pedir para o
interno ir lá chamar o detento, se precisar de qualquer coisa, ou quando acabar a
entrevista, só ir na sala ao lado ou pedir para um dos meninos84 aqui fora, e logo se
retira. Apesar da informação anterior sobre a morte de um detento, tento não pensar
nisso, logo me sento na cadeira de Juliana e já arrumo o gravador e o caderno de campo
em preparação para entrevista.
Nesse tempo de espera, meio que “caiu a minha ficha”, eu estava no meio de um
presídio cercado de detentos, numa sala pequena, um ventilador com barulho irritante e
com certas imagens de santas católicas típicas das antigas repartições públicas
brasileiras. Fui ficando mais inseguro no ambiente, e comecei a prestar atenção nos

82
O MP é a sigla e a forma que os agentes falam do Ministério Público. O MP, como comentando na
introdução, é responsável pelas condições dos detentos no presídio.
83
No começo de 2018, a psicóloga Juliana uma das agentes entrevistas estava de férias então Maria
arrumou a chave para que eu realizasse as entrevistas com os detentos na sala dela por não ter outra
disponível.
84
Meninos é a forma que Maria se referia aos internos que trabalhavam auxiliando as psicólogas e
assistentes sociais, sempre ficam nos corredores ou em frente às salas para qualquer coisa que precisarem.

Página 62 de 159
barulhos do Penal, eis uma mistura de pessoas falando alto, com barulhos de grades e
portões abrindo e fechando. Comecei a ficar com um pouco de medo e como “em todos
os medos há uma sensação de espreita, do que pode acontecer” (WALTON, 2004, p.27),
não estava pensando no homicida que logo iria entrar pela porta para a entrevista, mas
sim no pior. E se começasse uma rebelião? O que eu iria fazer? E se eles vissem minhas
anotações e áudios? Será que ficariam com raiva? Não tinha como ter muitas dessas
respostas.
Sentindo e pensando, logo me lembro de um texto lido durante o primeiro ano
do mestrado, a tese de Taniele Rui, Corpos abjetos: etnografia em cenários de uso e
comércio de crack (2012). Nela, a autora conta a forma como se sentiu em uma das
visitas ao local de consumo da droga,

[...] o fato é que os espaços de uso fechados me deixam com medo.


Apavoro-me; o pensamento voa enquanto o corpo segue parado: é
como se não tivesse pra onde ir, me sinto vulnerável, tendo de confiar
na disponibilidade das pessoas aceitarem a minha presença e
garantirem minha segurança (RUI, 2012, p.170).

Rui parecia estar desconfortável não apenas com o ambiente de consumo de


drogas, mas com os espaços fechados. Em sua descrição de como se sentiu ela nos diz
“a menina, sentada num tijolo e fumando crack, tentava puxar papo comigo, dizia para
eu me sentar [...] mas eu não conseguia conversar. Queria sair dali” (RUI, 2012, p.171).
Dentre alguns efeitos comuns do medo ou do pavor, estão a paralisia, a falta de ação e
grande desconforto, todos parecem experienciados por Rui. Mas em contraste, em
minha situação, não me sentia paralisado, sentia-me impelido. Após a entrada do preso
Gabriel, que parecia mais um jovem como eu, tranquilo com o começo da conversa para
a entrevista.
De alguma forma, o medo que sentia foi se transformando, foi dando lugar a
uma percepção preconceituosa que estava fazendo dos presos que ali iria entrevistar,
comecei a ficar desconfortável não com o medo, mas sim com as expectativas que tinha
deles antes mesmo de começar a entrevistá-los. O medo, dessa forma, foi se
transformando em potências produtivas nesta pesquisa que está agora frente ao leitor.
Potências essas que comecei a considerar nesse dia, no começo da minha pesquisa sobre
violências e masculinidades no Instituto Penal de Campo Grande.

Página 63 de 159
1.3 Punindo desde sempre: percursos antropológicos

Em todas as sociedades e mesmo em pequenos agrupamentos humanos, já


registrados pela antropologia85, arqueologia e história, costumam existir normas e
sanções de diversos tipos: morais, legais, tradicionais, entre outras. Essas normas e
sanções estão inseridas em uma determinada cultura. Dessa forma, em todos eles, foram
criados métodos de administração do comportamento dos agentes presentes, em vias de
adequar os mesmos à cultura inserida. A punição, com isso, esteve presente nesses
grupos como uma forma de controlar os sujeitos a partir de uma instância superior.
Embora a questão do crime e da punição estejam presentes na antropologia
desde as obras de seus primeiros autores, nunca essa área se formou como um
subcampo da disciplina. Esses temas, recorrentemente, são diluídos entre outros quadros
temáticos como os de poder, violência, direito e conflitos. Sendo a maior parte da
discussão de crime e punição feita pela sociologia ou psicologia, como visto nas
escolhas de Goffman e Foucault para pensar a instituição penal. Recentemente, tem
havido um aumento do número de antropólogos que se dedicam a estudar essas
questões.
Selecionei duas obras, de autores hoje tidos como clássicos da disciplina, que
poderiam funcionar como fundantes a essa área de estudo. A primeira obra de um
antropólogo sobre essa temática é de Bronislaw Malinowski, considerado o fundador do
método “etnográfico moderno” (Sanjurjo; Camargo; Kebbe, 2016) em Argonautas do
Pacífico Ocidental, de 1914. Além de sua análise sobre o kula e sobre os princípios do
método etnográfico, Malinowski foi um dos percussores do estudo sobre crime e
violência na sociedade trobriandesa da Melanésia. Em seu livro Crime e costume na
sociedade selvagem86, de 1926, trabalho produzido a convite da Royal Institution of
Great Britain87.

85
Antropologia com o objetivo, aqui entendido, no sentido que dá Geertz (2008), de uma busca pelo
“alargamento do universo do discurso humano” (2008, p.10) em que investigando as demais sociedades e
culturas temos uma expansão das possibilidades de existência humana que ultrapassariam a compreensão
de nossa própria cultura.
86
Diferente da antropologia clássica, que buscava estudar os povos “selvagens”, nesta dissertação busco
uma análise de discursos que estariam presentes numa sociedade complexa, nos termos de Goldman
(1999).
87
É importante ressaltar por questões éticas que o financiamento e interesse de uma pesquisa dessas por
parte de um instituto acadêmico britânico em um período em que a região da Melanésia ainda estava sob
posse colonialista e imperialista dos Britânicos. Isso ajuda a demonstrar a forma como a antropologia e
sua instrumentalização poderiam ser percebidas como braços da expansão e controle da empreitada

Página 64 de 159
Investigando os trobiandeses, Malinowski busca desmitificar preconceitos que
alguns estudiosos tinham sobre as leis “primitivas” a respeito de serem apenas guiadas
por “caprichos, por emoções incontroláveis e pelo acaso” (2003, p.60). A partir de seus
estudos, ele conclui que elas poderiam ser formadas pela tradição e ordem, estabelecidas
durante séculos, a partir da cultura do grupo, com regras e complexidades que poderiam
ser vistas como tão próximas aos sistemas jurídicos e penais das sociedades ocidentais.
Para o autor, as leis dos nativos constituiriam um agrupamento “muitíssimo refinado e
[que] rege todos os aspectos da organização social” (MALINOWSKI, 2003, p.60).
Na segunda obra fundante do campo, temos o Estrutura e função na sociedade
Primitiva, do ano de 1952, de Radcliffe-Brown. Esse livro é formado por diversos
artigos produzidos pelo autor durante sua carreira acadêmica, compilados nessa obra.
Há dois artigos em especial que interessam a esta dissertação: Sanções Sociais e Lei
Primitiva. No primeiro artigo, o autor faz um panorama geral das sanções sociais nas
sociedades iletradas, focando principalmente nas sanções negativas, demonstrando
como elas costumam se formar. Interesso-me, para fins desta dissertação, a respeito das
sanções negativas organizadas que são as utilizadas como “sanções penais do direito
penal, [...] reconhecem procedimentos que são diretamente contra pessoas cujo
comportamento está sujeito à desaprovação social” (RADCLIFFE-BROWN, 1952,
p.208, tradução pessoal), nessa questão que as prisões se encontram em nossa sociedade
como um meio punitivo. Assim como a ideia que o autor traz a respeito das funções das
sanções sociais:

Na consideração das funções das sanções sociais, não são os efeitos


da sanção sobre a pessoa a quem são aplicados, que são mais
importantes, mas sim os efeitos gerais dentro da comunidade que
aplicam as sanções. Pois a aplicação de qualquer sanção é uma
afirmação direta dos sentimentos sociais da comunidade e, portanto,
constitui um mecanismo importante, possivelmente essencial, para
que seja mantido esses sentimentos (RADCLIFFE-BROWN, 1952,
p.210-211, grifo meu, tradução pessoal).

No segundo artigo, a respeito da “lei primitiva”, Radcliffe-Brown discutirá a


respeito da punição penal que se instaura a partir das leis que diferiria das sociedades
iletradas onde o costume e a convenção determinariam essas sanções. O autor

colonial. Para uma breve análise da história da disciplina, assim como as críticas éticas a respeito da
antropologia clássica, ver Sanjurjo, Camargo e Kebbe (2016).

Página 65 de 159
demonstra o caráter das penas como: restitutivas, que procuram dar algo de retorno à
vítima do ato reprovado; ou repressivos, onde se buscam penalizar os indivíduos pelos
atos cometidos.
Nesta dissertação trabalhamos com o art. 121, ou seja, o ato de “matar alguém”
dos internos. Esse ato, na sociedade ocidental contemporânea, é apenas sancionado
negativamente por meio de uma pena repressiva, com o cerceamento da liberdade do
interno por uma determinada quantidade de tempo; preventivo em que esse cerceamento
ocorre em um espaço determinado, “longe” da sociedade como um todo, no sentido de
“proteger” a mesma; e, simultaneamente, há um processo ressocializador88 em que se
busca a “reabilitação” do interno para o convívio em sociedade.
As obras de Malinowski e de Radcliffe-Brown ajudam a descortinar como o
campo da Antropologia do crime e da punição se mostra presente, indiretamente, desde
a formação da antropologia como área e da etnografia como método para estudar as
diversas culturas humanas. Apesar de apresentarem pontos interessantes, que podem ser
percebidos ainda hoje no sistema prisional, em grande medida, elas estão datadas. Como
veremos a seguir, esses mais de 70 anos que nos separam dessas análises mudaram
imensamente a compreensão do fenômeno e o estudo do mesmo.
Tal assertiva ficará mais clara quando lançarmos um olhar sobre as obras
contemporâneas, das ciências sociais, sobre prisão e punição no Brasil. Partindo da
análise de Marcelo Campos e Marcos Alvarez a respeito da produção científica nas
temáticas de políticas públicas de segurança, violência e punição no Brasil, de 2000 até
2016, já podemos perceber uma distribuição que está “amplamente no campo das
ciências socais, beneficiando-se, assim da porosidade entre as fronteiras disciplinares
dessa área do conhecimento” (ALVAREZ, CAMPOS, 2017, p. 143).
Aqui, busco pensar, a partir dessa grande área, duas temáticas que são intituladas
pelos autores como: “violência e sociabilidades”, abarcando pesquisas que tratam das
performances e representações sociais de práticas da violência; e a outra que é
classificada como “sociologia [e antropologia] da punição e das prisões”. Como visto

88
Perspectiva essa que está presente em todos os códigos legais, tanto federais quanto estaduais, na
elaboração do objetivo da penitenciária no país. Apesar disso, é desacreditada pelos próprios agentes
penitenciários entrevistados e de acordo com Godoi (2010) atualmente se tem “o declínio do ideal de
reabilitação, as sanções punitivas readquirem o caráter expressivo, retribuído e vingativo que
predominava nos tempos dos suplícios” (GODOI, 2010, p.38 apud GARLAND, 2005).

Página 66 de 159
nas pesquisas dos autores, a grande maioria dos estudos dessas duas temáticas se
encontra na região sudeste (ALVAREZ, CAMPOS, 2017, p. 159), principalmente no
estado de São Paulo (BARROS, 2017).
Para os autores, essas pesquisas “também pautaram o debate sobre as políticas
públicas de segurança” (ALVAREZ, CAMPOS, 2017, p. 174). A grande questão, a
partir de uma perspectiva generificada, em voga nesse período, é a do processo de
judicialização da violência contra as mulheres89, que se daria também com os estudos
sobre as delegacias da mulher e a emergência da Lei Maria da Penha. Apesar de
interessante, o crescimento da área e os debates gerados por ela, não se pode deixar de
pontuar a forma como gênero aparece no texto, apenas como uma construção identitária
da formação de “mulheres”. Os textos, assim como, as pesquisas referenciadas por eles,
deixam de lado o “gênero dos homens” e as questões da construção da masculinidade
enquanto um fator relevante na formação de sociabilidades violentas.
Analisando algumas pesquisas etnográficas prisionais brasileiras, nota-se uma
crescente valorização das técnicas relacionadas à etnografia prisional (BARROS, 2017,
p. 113). Nesse sentido, acho interessante pensarmos o Penal a partir dessas outras
produções, buscando as semelhanças e as diferenças encontradas dentro do sistema
penitenciário brasileiro.
Na questão das técnicas de utilização para entrada no campo do Penal, como já
mencionado, adentrei o campo com autorização formal da Agepen e apenas enquanto
pesquisador da UFMS. Outra forma interessante de técnica para entrada foi utilizada
por Fábio Mallart (2015) em sua dissertação, Cadeias Dominadas. O autor realizou uma
pesquisa entre setembro de 2004 e novembro de 2009, circulando pela Fundação Centro
de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Fundação Casa), onde os menores de
18 anos, chamados comumente de “menores infratores”, são isolados do convívio com a
sociedade. A inserção do autor em seu campo foi facilitada por meio de atividades
culturais de fotografia com os adolescentes nesses espaços. O próprio autor reconhece
como sua situação foi “privilegiada” 90, nesse campo de pesquisa, ao mostrar que

89
Os autores demarcam como fundamental o trabalho de Gregori (1993). Ver: Maria Filomena Gregori,
Cenas e Queixas: um estudo sobre mulheres, relações violentas e a prática feminista, São Paulo, Paz e
Terra, 1993.
90
O próprio autor reconhece seu privilégio citando o desconforto experienciado pela pesquisadora Paula
Miraglia (que pesquisou sobre Unidades de Internação da FEBEM/SP), na medida em que a mesma diz
“minha presença nas aulas de música se mostrou acima de tudo inadequada: eu não era funcionária da
instituição, não era professora de música, e principalmente era mulher, jovem, num ambiente
essencialmente masculino” (MALLART, 2014, p.17 apud MIRAGLIA, 2001, p.12). Aqui, pontuo que

Página 67 de 159
[...] as oficinais constituíram uma maneira privilegiada de inserção em
campo, na medida em que garantiram a minha permanência no espaço
institucional semanalmente, por um lado facilitando o estabelecimento
de vínculos com os atores sociais que vivenciam o cotidiano dos
espaços de internação e, por outro, propiciando a aproximação
necessária de um universo de práticas sociais e simbólicas que, até
então, eu só conhecia por meio das páginas dos jornais (MALLART,
2014, p. 17).

Outra questão interessante na obra de Mallart diz respeito à organização da


massa carcerária, chamados por ele de população. Nessa questão, o autor se
aproximara da obra Junto e Misturado, de Karina Biondi91 (2010), que pesquisou sobre
o Primeiro Comando da Capital (PCC) e suas relações com o sistema penitenciário
paulista. As cadeias dominadas de Mallart (2014) apesar de serem apenas para os
menores infratores, já possuem uma organização nos moldes92 que o PCC utiliza para
organizar as prisões e a massa carcerária segundo suas leis. Tanto as prisões de Biondi,
quanto as de Mallart vão se diferir do Penal, no sentido de estruturação dos detentos.
Lá, apesar de ser do conhecimento dos agentes penitenciários a existência de membros
das facções, tanto do Comando Vermelho (CV) quanto do PCC, nenhum deles possui a
hegemonia para conseguir o “domínio” do IPCG. Mas isso não quer dizer que não haja
o controle do PCC em outros presídios do Mato Grosso do Sul, no próximo presídio do
complexo prisional, a Máxima, já possui esse tipo organização93.
Uma questão interessante a respeito da organização da massa se dá devido a sua
disposição espacial no Penal. A área voltada para os detentos se divide em dois
pavilhões que ocupam uma ala inteira, em cada um deles existem três solários, ou seja,
são seis solários ao todo. O que acho interessante mencionar remete-se ao primeiro
solário do pavilhão um, sendo ele 1A. O solário 1A é conhecido também no IPCG como

minha entrada no Penal se mostrou mais próxima da de Miraglia do que a de Mallart, que, apesar de não
ter o seu desconforto de gênero, passei pela sensação de não pertencimento àquele universo institucional.
91
Autora esta que apresenta uma produção de relevância nacional, e até chegou a ser premiada
internacionalmente com o prêmio APLA (Association for Political and Legal Anthropology) em 2017,
para mais informações ver: <https://www.escavador.com/sobre/7560719/karina-biondi> Acessado em:
23/07/2018.
92
Segundo Mallart os “adolescentes se dividem em postos de liderança: piloto, encarregado, faxina e
setor, sendo os principais responsáveis pela gestão de tais cadeias [das cadeias dominadas], bem como
pela transmissão de orientações aos adolescentes que não atuam como líderes, conhecidos como
população” (2014, p.45).
93
Como a Máxima se encontra ao lado do IPCG, isso cria uma relação comparativa por parte de todos os
interlocutores pesquisados, detentos ou agentes, essas diferenças são presentes nos capítulos II e III da
dissertação.

Página 68 de 159
o solário dos evangélicos, segundo um agente penitenciário, o pessoal de lá é pessoal
um pouco mais tranquilo. Porque segundo eles, descobriram Deus e aí eles oram,
passam o dia todo orando lá. Apesar da nomenclatura do solário, ele apresenta detentos
das mais diversas denominações cristãs, desde os católicos até as inúmeras correntes
protestantes, todos são aceitos se seguirem as regras. As regras do solário foram
estabelecidas por eles mesmos, alguns seguem as regras do presídio como, por exemplo,
a não utilização de celulares ou drogas; outros ultrapassam as da própria instituição,
sendo proibido andar sem camisa pelo solário ou fumar cigarros e consumir bebidas
alcoólicas.
Para uma melhor compreensão da organização do solário dos evangélicos no
IPCG, que diferentemente das regras estabelecidas por algumas facções, que na maioria
das vezes são cumpridas pela base do medo e da força física, nesse solário em
específico, o controle é organizado pelo poder do diálogo praticado pelos pastores,94
junto com os demais ocupantes do solário que podem optar por expulsar ou não alguém.
A obra que me ajuda, nesse sentido, é Os eleitos do cárcere (2009), de Alessandro
Boarccaech, uma obra interessante para as reflexões que faço sobre os diferentes tipos
de organizações da massa.
Em Os eleitos do cárcere, o autor pesquisa a respeito do fenômeno religioso nos
presídios gaúchos, pesquisa esta iniciada em 2003, a partir de sua vinculação ao
Departamento de Tratamento Penal (DTP) do Rio Grande do Sul. Sua análise parte do
grupo “Estrela do Cárcere”, que surgiu como muitos outros grupos evangélicos
pentecostais, da igreja Assembleia de Deus. Esse grupo, à época da pesquisa, era o
maior grupo religioso organizado dentro dos presídios, contando com 145 membros.
Esses internos se encontravam, semelhante ao Penal, “separados dos demais
detentos [...] funciona como uma mircrossociedade que concentra o universo de relações
dos ‘irmãos’” (BOARCCAECH, 2009, p. 9). Apesar dessa separação, os detentos do
solário, ainda assim, precisam seguir certos códigos e valores do universo penitenciário.
Nesse sentido, a questão da honra95 se vê como uma preocupação também dos

94
Opto por utilizar a expressão em itálico por ser como os detentos chamam essas figuras, que acabam
por assumir essa posição não por anteriormente serem pastores de igrejas ou algo do tipo, mas apenas
pelo critério de ter o “dom da pregação” e ser letrado.
95
A categoria “honra” está presente não apenas na formação das masculinidades prisionais mas também
nos discursos que regem os aspectos legais e jurisprudenciais de terminados crimes violentos, como o
homicídio. No trabalho de Silvia Pimental, Valéria Pandjiarjian e Juliana Belloque (2006) observam
como a “legítima defesa da honra ou da violenta emoção para justificar o crime, culpabilizar a vítima e

Página 69 de 159
evangélicos. Boarccaech nos mostra o significado da honra dentro do presídio e como
ela influencia as relações entre os detentos nesse campo. Esse ponto se mostrou
relevante para pensar a construção da masculinidade em campo. A honra se mostra
como o atributo mais ligado aos homens. A construção da masculinidade passa também
pela honra e pela necessidade de “ter palavra de honra”. Honra seria uma categoria
central para a construção de uma masculinidade hegemônica, tanto no presídio quanto
no mundo do crime96.
Além do solário dos evangélicos, há também no Penal mais dois solários
“especiais”, sendo o primeiro também no pavilhão 1, dos crimes sexuais, e o outro no
pavilhão 2, que é solário dos homossexuais97. Uma etnografia prisional, que
problematiza as questões de gênero e sexualidade, é o trabalho de Natália Padovani
(2010), em que são problematizados os comportamentos sexuais considerados
ilegítimos pelo sistema jurídico e a criminalidade, a partir de discursos subversivos,
além do modo que eles foram punidos ou absorvidos pela instituição. Padovani trabalha
por meio de entrevistas com internas, funcionários e faz análise de prontuários e
documentos produzidos pela prisão, a Penitenciária Feminina da Capital (PFC) em São
Paulo.
Nesse trabalho, durante a sua concepção, havia o interesse da pesquisadora em
investigar o trabalho prisional em prisões masculinas, mas foi restringida por meio de
uma fundação vinculada à secretaria de administração penal com a justificativa de que
os “homens seriam perigosos e violentos” (PADOVANI, 2010, p.18). Essa frase é um
dos focos de inspiração para esta dissertação. Acreditou-se, naquele momento, que, em
vista da pesquisadora ser mulher, provavelmente, foi proibida sua entrada. A autora
ainda nos diz que, segundo o órgão “[...] o campo de estudo no cárcere masculino era
pequeno de modo que eu estaria sendo submetida a um perigo desnecessário ao entrar
em penitenciárias masculinas” (PADOVANI, 2010, p.19). Na questão da
homossexualidade dentro dos presídios, Padovani trabalhou com o PFC e constatou que

garantir a total impunidade ou a diminuição de pena em casos de agressões e assassinatos de mulheres”


(PIMENTAL, PANDJIARJIAN e BELLOQUE, 2006, p.66).
96
José Ramalho (2008) se utiliza da expressão, sendo que em sua análise “o desvendamento do mundo do
crime passa necessariamente pela compreensão dessa categoria-chave que é a massa do crime, conjunto
de normas de comportamento [...], que regem a vida do crime dentro e fora da prisão” (p. 15).
97
Apesar de ser identificado dessa forma, esse solário também possui as travestis, os transexuais assim
com os namorados que queiram estar lá.

Página 70 de 159
não exista uma cela especial separada para sexualidades divergentes e, ainda segundo a
autora,
Seja de modo oficial e regulamentado, seja por meio dos comentários
e das fofocas cotidianas, a homossexualidade sempre foi proibida por
todos os agentes de poder na Penitenciária Feminina da Capital –
inclusive, desde 2004, pela facção do crime organizado [o PCC98]
como será explicitado a seguir. (PADOVANI, 2000, p. 92).

Apesar disso, Padovani, durante o campo, percebe que “a participação na rotina


da prisão deixou claro que o sexo transborda todos os espaços de confinamento” (2000,
p.92). Nesse sentido, a autora mostra como era sempre possível saber durante as
conversas com as interlocutoras, agentes ou não, sobre a vida sexual das detentas.
Assim, de acordo com uma detenta do campo, existiam funcionárias “que ainda trata
lesbianismo como sanção disciplinar” (PADOVANI, 2000, p. 96). Algo que no Penal
aparece de forma bem diferente, não parece haver uma fiscalização ou comentários
sobre a vida sexual dos presos, nem da parte deles ou dos agentes, e nem sanções
disciplinares para comportamentos homossexuais não explícitos, de acordo com a
maioria dos agentes “o que eles fazem lá pra dentro nesse sentido é problema deles”.
Apesar de não ter entrevistado nenhum detento que esteja numa cela no solário
dos homossexuais, mostra-se importante as questões trazidas pela autora para se pensar
na produção do gênero masculino a partir da construção discursiva sobre esse solário e
as relações estabelecidas por ele no Penal. Um último detalhe que me aproximou do
trabalho de Padovani se deu pela escolha metodológica e teórica de sua obra, as ideias
de Gayle Rubin (2003) Judith Butler (2018), Strathern (2006 [1988]), entre outras,
contribuíram para minha compreensão das questões de gênero. Além de, na
metodologia, uma influência foucaultiana, a autora entrevistou os sujeitos da pesquisa
em busca de compreender seus discursos de enunciação, entender “as ‘falas’ que
produziram e produzem verdades e sujeitos na instituição penal especificada”
(PADOVANI, 2013, p.46) num sentido parecido com o que proponho.
Passando da relação de produção dos corpos generificados por meio da
sexualidade na obra de Padovani, acreditamos que outra relação importante nas falas

98
A PFC, onde Padovani realizou seu campo está entre as cadeias dominadas pelo PCC em São Paulo.
Biondi comenta um pouco sobre a aceitação dos homossexuais, monas para o PCC, e diz “Além dessas,
destaco as reflexões que resultaram, em meados de 2006, na aceitação de monas (homossexuais) no
convívio. [...]. Por fim, a cela das monas foi mantida e, embora aceitos no convívio, os homossexuais não
participavam da tomada de decisões ou da vida coletiva nas prisões...” (2009, p.111).

Página 71 de 159
dos internos diz respeito à família enquanto uma das bases de algumas masculinidades
no Penal. Pensando nisso, temos a última obra que veremos, a dissertação de Natália do
Lago (2014). Ela também pesquisou em uma unidade prisional feminina em São Paulo e
buscou compreender, a partir das narrativas das detentas, os discursos que são
produzidos sobre família e sobre os relacionamentos amorosos, tendo o marcador
central de gênero como fundamentação das posições dessas mulheres. A autora
demonstra como famílias inteiras acabam na prisão e a influência99que os companheiros
dessas mulheres têm sobre a entrada no mundo do crime.
O trabalho de Natália do Lago trata da relação entre a prisão e a rua, mostra
como “a prisão seria um intervalo e uma parte da existência das pessoas presas, mas não
as retiraria completamente de suas vidas” (2014, p.27), ela pensa na relação com a vida
fora dos muros, que continuaria presente dentro da prisão.
Ao analisar esse panorama teórico, é preciso pontuar a diversidade do sistema
penal brasileiro que possui uma série de particularidades no que diz respeito aos
diferentes estados da federação. Apesar da Lei nº 7.310, a Lei de execução penal, ser
instituída pelo presidente da república e congresso nacional, que estabelece os
parâmetros básicos para a legislação penal brasileira, a mesma baseia-se no princípio
federativo da seção III do capítulo IV, que institui certa liberdade para os departamentos
penitenciários estaduais, ou seja, no meu caso a Agepen.
A partir disso, apenas o cargo de diretor, de acordo com o artigo 75, estabelece o
requisito de portador de diploma de nível superior. Tratando-se de outros funcionários
da penitenciária, o artigo 77 estabelece apenas que “a escolha do pessoal administrativo,
especializado, de instrução técnica e de vigilância atenderá a vocação, preparação
profissional e antecedentes pessoais do candidato”. Essa questão legal, que a princípio
não pareceu de importância, mostrou-se fundamental na medida em que me inseri nos
estudos e produção bibliográfica brasileira dentro das prisões.
No caso de Mato Grosso do Sul, desde 2002, com a Lei nº 2.518, ficou regulado
que o cargo de agente penitenciário (de qualquer uma das três áreas) deveria ser
preenchido com o requisito de ensino superior. O impacto que isso terá nos agentes
penitenciários, no funcionamento da cadeia e na relação com os internos, é bem

99
Aqui, gostaria de demarcar que isso não retira a agência desses sujeitos. Essa influência é apenas uma
forma de se pensar como as relações de parentescos muitas vezes se aproximam da realidade prisional de
diversas formas, principalmente pelas leis 6.368/76 e 11.343/06 que versam sobre o tráfico de drogas.

Página 72 de 159
grande100. Estou falando de um país em que 83%101 da população não possui ensino
superior. No Penal, a situação parece mais grave, apenas 12 detentos dos 1.367
possuem ensino superior completo. Em todos os trabalhos vistos acima (Boarccaech,
2009; Biondi, 2010; Padovani, 2010; Do Lago, 2014; Mallart, 2014), temos apenas o
critério de ensino médio para os agentes que trabalharam diretamente com os detentos.
As pesquisas referenciadas são representativas de um panorama maior de
pesquisas sobre e em prisões em alguns estados brasileiros, bem como a relação entre as
prisões brasileiras. Elas mostram ainda que vem crescendo, no Brasil como um todo, a
partir da década de 1990 (SALLA, 2003), o interesse pela área. Uma recorrência: a
dificuldade em produzir conhecimento sobre o tema, a partir da dinâmica prisional.

Quem pesquisa em prisões sabe o quanto é difícil realizar o trabalho


nessas instituições fechadas, nas quais são acionados elementos
adstritos à segurança, seja por possíveis ameaças à integridade física
do pesquisador, seja em função da quebra de rotina pela presença de
alguém externo a ela. É interessante observar que parte das
dificuldades impostas à entrada do pesquisador diz respeito também
aos segredos que as rotinas institucionais encerram e que não podem
ou não devem ser observadas (MORAES, 2013, p. 133).

As considerações de Moraes demonstram as particularidades do fazer


etnográfico dentro das prisões. Nas pesquisas citadas acima, vemos que a entrada no
campo se deu de diversas formas: Fábio Mallart (2014) por meio de oficinas e
atividades culturais; Karina Biondi (2010) enquanto visita; Alessandro Boarccaech
(2009) como psicólogo vinculado ao departamento de tratamento penal do estado;
Natália Padovani (2010), por meio de autorização da FUNAP102 e com o apoio da
Diretora de Reabilitação do presídio; e Natália do Lago (2014) sendo uma agente da
Pastoral Carcerária.
Todas essas pesquisas nos mostram as diversas formas de se conseguir acesso a
um campo difícil como o prisional, em vista de ser uma instituição “fechada”. Com

100
Esse impacto será comentado no capítulo II desta dissertação a respeito dos agentes penitenciários.
101
Segundo os dados mais recentes do terceiro trimestre de 2018, de acordo com a Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua).
102
Fundação Professor Doutor Manoel Pedro Pimentel que, segundo a autora, tem o intuito de
“‘contribuir para a recuperação social do preso e para a melhoria de sua condição de vida, através da
elevação do nível de sanidade física e moral, do adestramento profissional e do oferecimento de
oportunidade de trabalho remunerado’. Atualmente a fundação coordena todos os programas educativos,
culturais e de geração de renda das penitenciárias paulistas” (2010, p.18).

Página 73 de 159
isso, mostramos que cada pesquisa em prisão se mostra como única no sentido de como
se dará esse campo.
Desde minha entrada no presídio até as semelhanças e diferenças do IPCG com
outras prisões brasileiras; das questões mais observadas nas primeiras idas, passando
pelas questões antropológicas sobre os campos da punição; desde as dificuldades de se
pesquisar nesse campo ao mais intrínseco dos sentimentos de risco e medo, de se ver
rodeado de presos por todos os lados, esse primeiro capítulo procurou situar os leitores
um pouco sobre o Penal e de que forma foi construída a minha pesquisa nesse local.
Nos capítulos seguintes aprofundaremos a pesquisa através de um diálogo mais
substancial com os interlocutores, sobre a rotina diária do presídio assim como as
percepções dos agentes e detentos que ali estão.

Página 74 de 159
CAPÍTULO II
OS/AS AGENTES: CONSTITUINDO-SE NO PENAL

Cumprir o expediente em contato direto


com homens enjaulados não é uma
profissão qualquer, exige equilíbrio
psicológico, perspicácia, sabedoria,
capacidade de discernimento, astúcia e
atenção permanente. Como saber quando
alguém será executado? Em que momento o
estopim dará início à rebelião? De que
forma identificar na massa o prisioneiro
ensandecido que tentará desfechar a
punhalada pelas costas? Mesmo no ônibus
de volta para casa ou no passeio com a
família, a possibilidade do ataque
inesperado está presente.
(Drauzio Varella, 2012, p. 99)

A profissão de agentes penitenciários é considerada a 2a profissão mais perigosa


do mundo103. Isso advém tanto do perigo físico imediato como das questões
psicológicas presentes no estresse que os afetam diariamente. No Brasil, eles são
conhecidos erroneamente como carcereiros104 e, de acordo com o Infopen de 2016,
existem 78.163105 agentes penitenciários de custódia no país. Eles representam 75% de
todos os demais profissionais no sistema penitenciário. Os agentes penitenciários são
uma peça fundamental para se compreender o campo prisional, fazendo parte da equipe
dirigente, eles representam o outro “lado” dos internos do IPCG.
Retirando-se os agentes penitenciários do sistema federal, todos os outros
agentes são subordinados às Secretarias de Estado de Administração Penitenciária
(SEAP) de cada um dos estados da federação. Apesar disso, os agentes fazem parte do
aparato de segurança pública do estado, são considerados essenciais e “imprescindíveis
à preservação da ordem pública e de incolumidade das pessoas e do patrimônio”, de

103
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), é a segunda profissão mais perigosa e
estressante do mundo (Souza, Cisse, Castro, Andrade, Fritsche e Silva, 2015)
104
O cargo de Agente Penitenciário é constantemente confundido no popular com o de carcereiro, essa
palavra é vista pelos agentes penitenciários com um tom depreciativo e ultrapassado, preferindo os
mesmos serem chamados de agentes. O carcereiro seria a figura contratada, geralmente pela prefeitura,
para cuidar do cárcere nas delegacias.
105
Dessas custódias, 64.456 seriam homens e os outros 13.707 seriam mulheres, em sua maioria
ocupando os trabalhos nos presídios femininos.

Página 75 de 159
acordo com a Lei nº 11.473, em seu artigo 3º. Essa separação estadual das secretarias
que os administram possibilita a diversidade e variação de como se dá a profissão de
agente em cada estado brasileiro. Devido a esse fator, aqui estarei focando apenas, como
já mencionado na introdução, na autarquia da Agência Estadual de Administração do
Sistema Penitenciário (Agepen).
Os cinco funcionários entrevistados, respectivamente, foram Maria, Juliana,
Patrícia, José e Adriana. Seguindo as ideias de Flavia dos Santos (2017), acredito ser
importante a demarcação desses interlocutores principais, a partir de quatro categorias
de diferenciação: gênero (todos identificados como cisgênero), cor ou etnia, cargo
ocupado e faixa etária106.
Conheci Maria por meio de Patrícia, secretária do diretor do IPCG. Patrícia, logo
após a reunião com o diretor, me deixou aos “cuidados” de Maria, que ficaria então
responsável por me ajudar na pesquisa no presídio, assim como com a seleção dos
internos que eu estaria entrevistando. Maria está desde 2005 na Agepen, apesar de seu
concurso ter sido realizado em 2002. Ela é uma mulher que está na casa dos 30 anos,
gosta de ser vista como uma “mulher forte” que não tolera muitas brincadeiras com seu
gênero. Possui pele parda e um corpo malhado, gosta muito de praticar corridas de
longa distância e acredita que uma mulher pode ser tão forte quanto um homem.
Atualmente é assistente social do IPCG e cuida da parte da educação dos internos.
Solteira, se considera responsável por toda a família (filho, irmão e mãe). Em todos os
momentos que encontrei com Maria, mesmo indo realizar entrevistas com outros
agentes ou os internos, ela sempre foi muito simpática e calorosa comigo. Parecia estar,
a todo o momento, ocupada com seus afazeres e tarefas que iam até mesmo além de
suas obrigações formais, de acordo com a mesma.
Durante a pesquisa no Penal, o trabalho que Maria realizava consistia em
atendimento aos familiares dos internos por meio de ligações, e-mails ou, até mesmo,
presencial. Sendo ela responsável pelos atestados de permanência carcerária, documento
este necessário para que os familiares tenham acesso ao auxílio reclusão107. A questão

106
Essa demarcação das caraterísticas de cada um dos funcionários se torna importante para que suas
falas e as minhas colocações sejam pensadas enquanto relacionadas a esses sujeitos específicos que têm
suas vidas e suas experiências demarcadas pelo trabalho que realizam no Penal.
107
O auxílio reclusão é dado aos dependentes do segurado do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social),
ou seja, dos dependentes do interno fora da cadeia, ele consiste de um salário mínimo. Como é apenas um
salário por interno, cria-se conflito, às vezes, quando há, por exemplo, filhos com mais de uma mulher,
Maria comentou tem um que tem cinco mulheres, aí falei 'vai dividir esse novecentos e pouco para cinco,
vai dar o que?'. Tem umas aqui que fico morrendo de medo, porque as mulheres não se conhecem, sendo

Página 76 de 159
da visitação dos familiares é uma tarefa que está sendo realizada pela outra assistente
social do presídio. Sua segunda atribuição diz respeito à escola108, que funciona no
IPCG. Ela é responsável pelos alunos, pela lista que sai diariamente para os agentes da
segurança que vão chamá-los para as aulas, pelos professores estaduais que dão aula,
bem como dão suporte para os alunos que precisam.
Outra interlocutora importante no IPCG foi a psicóloga Juliana. Ela é a mais
velha das psicólogas entrevistadas, tendo cerca de 40 anos. Possui a pele parda, um
corpo magro. Pareceu-me ser uma pessoa “meio fechada” e de “poucas palavras”, algo
que pouco se alterou durante as entrevistas. Juliana se considera uma mulher masculina
que não gosta muito de usar joias ou coisas femininas. Ela é a que está há mais tempo,
tendo entrado na Agepen em 1996, no sistema penitenciário. Passou por todas as áreas
do sistema sul-mato-grossense, desde o trabalho com os menores infratores, passando
por prisões femininas, até os semiabertos. Atualmente alocada no Penal, Juliana foi
importante para uma compreensão mais ampla da Agepen, assim como as diferenças
entre prisões femininas e masculinas.
As tarefas de Juliana, durante a pesquisa no IPCG, consistiam em atender os
internos que reprovaram no exame criminológico para a progressão de regime. Isso
significa que na medida em que os internos vão terminando sua sentença eles podem
requerer a progressão de seu regime para um mais brando, como o semiaberto, onde o
mesmo pode sair para trabalhar de dia e apenas voltar à noite para dormir no presídio.
Nesse requerimento, o juiz pode pedir para um psicólogo de fora da Agepen realizar um
exame criminológico que atestaria se o interno tem condições ou não de ir para outro
regime. Além disso, Juliana atendia aos internos que eram encaminhados pelo setor de
saúde por questões como depressão ou alguma outra doença causada pelo
encarceramento.
Depois dos primeiros contatos com Juliana, busquei me aproximar de um
funcionário da área de Administração e Finança. Acabei por voltar a encontrar com
Patrícia, que já trabalhava nesse setor há um tempo, que se mostrou disponível para a
pesquisa. Patrícia é a mais jovem das interlocutoras que eu tive contato. Ela está na

um direito dos dependentes, caso o interno tenha um amante com filho a situação se complica e o preso
nem fica sabendo, tem mulher aqui que pede e ele nem vai saber, pois não precisa da assinatura dele.
108
De acordo com a LEP, seção 5 que dispõe sobre “Assistência Educacional”, todo o preso tem direito a
uma educação enquanto cumpre sua sentença. Essa educação fica de acordo com a capacidade e
disponibilidade da instituição penal. No IPCG, logo que entram no sistema, pergunta-se para o interno se
ele tem interesse em estudar.

Página 77 de 159
casa dos 30 anos, apesar disso entrou no mesmo ano de Maria, em 2005. Possui pele
parda e uma baixa estatura, sua primeira lotação pela Agepen foi na escola de formação
dos agentes penitenciários. Após o período na escola, a mesma ficou enjoada de ficar
apenas na formação e teve curiosidade de ver como funcionava o regime fechado, com
isso Patrícia pediu transferência para a Máxima. Devido à falta de vagas em sua área de
Administração e Finança, ela foi encaminhada para o Penal. Após um período na
administração, ela foi chamada para trabalhar com o diretor, na condição de sua
assistente, função que desempenhava até o final da pesquisa de campo.
Antes de ser alocada como secretária do diretor, Patrícia havia trabalhado na
escola de educação penal onde se treinam os futuros agentes penitenciários da Agepen.
Vindo a ser a administradora do Penal, ela era responsável pela água, luz, os alimentos
dos presos, combustível das viaturas, papéis para os funcionários, tudo, a unidade tem
que tá funcionando. Se queimar uma lâmpada tem que ter lâmpada. Administrar
patrimônio, bens de consumo, bens de expediente, que não podem faltar. Até quando foi
trabalhar com o diretor, função esta que a tornou responsável por sua agenda, além de
auxiliá-lo em outras funções.
Durante a conversa que tive com Juliana, fui informado de um grupo de detentos
homossexuais. Ali, discutiam-se questões de gênero, a partir da organização da
psicóloga Adriana. Isso me interessou bastante e decidi procurar por Adriana. Em
função da incompatibilidade de horários, isso não foi possível. Quando estava tudo
certo para nossa conversa mais reservada, surgiu a oportunidade de um encontro com
um agente da área de Segurança e Custódia. Essa pessoa era José. Eu precisava
aproveitar este momento, pois era sempre complicado conseguir espaço para conversar
com eles.
José é o único homem e funcionário do setor de Segurança e Custódia a que tive
acesso. Ele é o mais novo dentre todos os agentes, e tinha entrado na Agepen em 2015.
José é branco, de estatura média, está numa faixa etária de menos de 20 anos. Diferente
das outras agentes, ele é o que possuía menos experiência no trabalho em presídio,
apenas tendo estagiado na Máxima durante um período de sua formação, na sequência
foi agente de Segurança e Custódia do Penal. José se considera bem profissional e está
muito preocupado com as questões legais dos detentos e de suas funções, parte disso
vem de sua formação em direito. Sendo o único homem agente penitenciário a ser
entrevistado, sua perspectiva se mostra interessante para o foco da dissertação em se
pensar questões de masculinidades por parte também da equipe dirigente.

Página 78 de 159
Ao conhecer José, ele estava trabalhando no setor de trabalho do Penal. Setor
esse responsável pela a organização de todas as 400 vagas disponíveis para o trabalho
dos internos dentro da instituição, sua parte específica era sobre a remissão da pena que
os internos conseguem a partir do trabalho. Essa posição que ocupava seria do setor de
Administração e Finanças, mas o mesmo havia sido cedido para essa função devido à
falta de agentes penitenciários. Esse novo cargo que José ocupava era bem recente em
sua rotina, estando nele há apenas um mês, quando nos falamos. Anteriormente, ele
ocupava o cargo objeto de seu concurso, desempenhando a função de plantonista109.
José conta que não gostou muito da sua mudança, segundo ele: não escolhi vir para cá,
fui remanejado por meio de uma determinação e a gente como diz, acata né.
Meu último contato mais reservado com a equipe de agentes foi com a psicóloga
Adriana. Adriana é jovem, aproxima-se da idade de Maria para menos. Ela é loira, de
estatura média e muito simpática. Ao me receber, já foi me oferecendo um copo de água
ou café, que tinha em sua sala. Diferente das salas dos outros funcionários, a sala de
Adriana é a que possuía mais “vida”, parecendo mais aconchegante que as demais,
devido a seus jarros de plantas bem cuidados, decoração com crochês, além de sua mesa
estar muito bem organizada, comparada com as outras que pude observar. Durante
nossa conversa, Adriana se mostrou como a “mais feminina” de todas as funcionárias
que entrevistei, fazendo questão de acentuar que trabalhar em presídio em nada
mudava a sua feminilidade.
Adriana possui o mesmo cargo que Juliana, sendo as duas psicólogas do Penal.
Apesar de fazerem o trabalho de acompanhamento em comum, caso os profissionais da
saúde encaminhem, ela difere da função de sua colega na medida em que está
encarregada do processo de inclusão dos internos que estão chegando no presídio. Além
disso, ela possui dois grupos de “apoio”, um que já tinha 6 meses, que era o grupo de
dependentes químicos, no qual se encontravam uma vez por semana. O segundo grupo,
com os detentos homossexuais, era mais recente, tendo apenas dois meses de encontros,
sendo ele uma vez por mês.
A partir desses interlocutores, acredito que seja possível aproximar os meus
interesses acadêmicos das experiências vividas por esses sujeitos no Penal. Assim, tal
aproximação compõe uma das muitas perspectivas de como funciona, além de
possibilitar o entendimento do ambiente prisional de Mato Grosso do Sul. Optei por

109
Os plantonistas possuem horários de 24 por 72, 24 horas de trabalho e 3 dias de folgas.

Página 79 de 159
dividir em duas partes (O Penal em si e como o Gênero se manifesta no presídio). Aqui,
acho importante apontar que essa é apenas uma divisão didática para o leitor, pois
durante as falas e as vivências desses sujeitos não existe essa separação, mas sim uma
inter-relação dos diversos temas.

2.1 O Penal em si

Nesse ponto de minha pesquisa de campo, eu já estava me acostumando com o


ambiente prisional. Após a “bronca” que havia levado, de que tratei anteriormente,
comecei a educar meu corpo para as regras informais dos agentes e com isso também
optei por alterar minha vestimenta. Durante as idas iniciais ao campo, logo percebi que
o uniforme da Agepen era todo preto, com uma blusa com a logomarca110 da autarquia
no lado esquerdo, uma calça toda preta e os sapatos, geralmente coturnos, em um estilo
militarizado, era a forma comum de se vestir em determinados setores da segurança
pública.
Assim, fiz também a escolha de sempre utilizar uma blusa preta e calça jeans
escura enquanto fazia minha etnografia no IPCG. Essa escolha da forma dos uniformes
não vem sem uma racionalização por trás, seu motivo pode ser desvendado por meio da
norma do decreto nº 12.940 de 2010 que regulamenta os uniformes dos agentes. Nesse
regulamento, os uniformes são pensados de forma que facilite “identificar a instituição e
orientar a opinião pública, sobre o porquê e a sua importância no contexto atual”. A
Agepen busca então criar uma identidade específica por meio desses uniformes, assim
como influenciar na orientação de como a população deveria ver a mesma. Assim
sendo, vemos um pouco de um ideal de militarização da segurança pública brasileira,
que influencia os setores civis. Os uniformes são separados entre os do dia a dia e os de
“traje a rigor”, esses sendo utilizados para “solenidades da carreira e atos sociais”.
Essa busca pelo ideal militar já demonstra um pouco das atitudes que a Agepen
possui como um todo. Outra questão que os uniformes111 demarcam, é a questão dos
setores e gêneros. O setor da Segurança, que será visto junto aos demais a seguir, além
de possuir um colete tanto para homens quanto mulheres (Fig. 02), tem também os
coturnos (Fig.53) e as calças táticas (Fig.19/20) bastante utilizados por PMs. A

110
Ver em Anexo V a logomarca da Agepen.
111
No Anexo VI temos todos os uniformes, que devem ser da cor preta, mas estão brancos por conta das
medidas.

Página 80 de 159
diferença das mulheres está em sua camisa, que busca demarcar seu corpo por meio da
camisa baby look (Fig.25) ao invés da camisa polo que os homens utilizam (Fig.23). Os
demais setores de Administração e Assistência ao interno possuem o mesmo uniforme,
apenas com sapato social (Fig. 51, 52, 54 e 55) ao invés do coturno, e as mulheres
utilizam a camisete sem manga (Fig.07) ou camisete ¾ (Fig.12) e os homens camisa de
manga curta ou longa (Fig. 09 e 10). Outra variação para as mulheres se dá por um
uniforme particular para as gestantes (Fig. 16).
Além dessa diferença que os uniformes trazem de acordo com o gênero e os
setores, a cor é algo que se destaca bastante, sobretudo pela facilidade de perceber a
diferenciação e identificação dos agentes nos presídios. A escolha do preto enquanto cor
principal do uniforme tem suas questões, como mostra John Harvey, que fez um estudo
histórico-cultural a partir da utilização da cor preta nas roupas.

Acredito que o aspecto sociológico central na roupa preta dos homens


é o seu efeito duplo: ele contorna ou se coloca fora das categorias
estabelecidas de classe social, enquanto, ao mesmo tempo, por sua
seriedade, cria imediamatamente sua própria disciplinada elite. É esse
ascpecto duplo que faz do uso do preto uma condição que contribui
não apenas para uma afirmação estrita de poder, mas também para o
movimento do poder dentro de uma sociedade (HARVEY, 2003, p.
307).

Dessa forma, o preto pensado pela Agepen enquanto “solidez, firmeza e


segurança”, caraterísticas essas muito ligadas a ideias de virilidades, deixa de ser apenas
uma cor distinta de significado. O coturno que os agentes de segurança usam deixa de
ser apenas uma “bota de vestimenta” para ser um adereço do poder dos mesmos no
presídio, um sinal do seu controle. Os uniformes femininos deixam de ser apenas uma
peça de roupa profissional para tornar-se um modelador das formas femininas em vias
de se marcar um suposto ideal de feminilidade hegemônica. A pesquisadora Marinês
Santos resume bem a ideia do antropólogo Daniel Miller, sobre a capacidade de
significação dos objetos/artefatos diários. Esses artefatos não neutros, mas sim
politicamente produtores. Nesse sentido, suas configurações materiais extrapolam a
relação com a funcionalidade e nos falam de concepções de mundo, de hierarquias de
valores, de relações sociais, de visões acerca das identidades e das diferenças
(SANTOS, 2018, p.2 apud MILLER, 2013).

Página 81 de 159
Isto posto, entendo como importante destacar as cores, os símbolos e até mesmo
as roupas112 dos agentes da Agepen que estaremos conversando mais à frente. Pois,
apesar dessas coisas poderem ser vistas, às vezes, como supérfluas, por certos
sociólogos, antropólogos (Miller, 2013, p.79) ou demais pesquisadores sociais, acredito
que devemos entender essas materialidades que nos rodeiam como parte constitutiva das
experiências dos sujeitos de ser e estar dentro e fora do Penal. Sujeitos esses que não
são apenas produzidos pelos artefatos que usam e os usam, mas sim também pelo
espaço que ocupam.

- Mundos opostos: Penal e Máxima

Adentrar o sistema penitenciário brasileiro modifica a forma como os agentes se


relacionam com o mundo “lá fora”, mas mesmo esse sistema possui uma grande
diversidade de presídios das mais diversas formas, indo dos mais despojados pelo
Estado até os presídios federais reconhecidos pelos agentes como os que possuem
melhor estrutura e os que mais se adequam às normas da LEP. Ainda assim, a primeira
experiência que os agentes têm no meio prisional é algo que parece comum e os
marcam. Eles gostam de realçar como eles eram ingênuos. Patrícia, por exemplo,
comenta que a gente lembra muito na época que a gente começou né. Que a gente
também era muito, tipo eu era muito ingênua para muita coisa, e com o tempo foram
“pegando as manhas do trabalho”. Patrícia diz dessas manhas porque se você aqui não
tiver jogo de cintura, você não resolve nada e isso aqui estoura. Nesse sentido,
Edmundo Coelho fala sobre o trabalho do agente que para se sair bem nele “requer o
domínio de um saber que é essencialmente prático em sua origem: não está codificado,
é intransmissível por métodos formais e de difícil reprodução em curto prazo”
(COELHO, 2005, p.97). Assim, seria um trabalho que se aprenderia durante a execução
do mesmo.
A realidade diária do trabalho prisional parece se apresentar para os agentes
como uma surpresa, se comparado ao que aprenderam no curso de formação. Essa
separação entre a lei é uma coisa e a realidade é outra, é bem presente nos discursos
deles. Eles costumam dar muita ênfase nessa questão das coisas que eles veem escritas,
principalmente na parte legal com LEP e os regimentos que possuem, e com a realidade

112
Que podemos até mesmo chegar a entender enquanto próteses de gênero, no sentido que o Preciado
(2000) dá para os banheiros.

Página 82 de 159
na prática do presídio. Marcos Santos chama atenção para essa questão que existe, pois
no Brasil se tem uma “fé legislativa”, que para ele significa “crença ingênua em que
para se ter garantidos direitos [...] basta sancionar uma lei [...] para figurar no aparato
utilizado pelo Estado” (FERREIRA-SANTOS, 2005, p.200). Essas duas ideias, do
marco inicial e da diferença entra a prática e a teoria, é muito bem expressa por Adriana
comentando sobre sua entrada:

Ahh éé, é um baque. Porque assim é um ambiente diferente, porque


quando você estuda para que o sistema penitenciário vai servir, ele
vai dar uma reinserção social, psicológica e na verdade você vê que
essa estrutura não está preparada para isso, para como a lei diz [...]

O Penal, além das questões de superlotação, falta de agentes, a demografia dos


internos113 e a estrutura do presídio em si, muito se parece com os outros presídios
referenciados, mas apenas no que concerne a essas questões. Ele, de certa forma, se
mostrou mais como um “presídio fora da curva”, do que um presídio padrão brasileiro
similar aos quais eu vinha observando em minhas leituras. Mas como e quais seriam
esses padrões de presídio de que o Penal se afastaria?
Durante a pesquisa bibliográfica realizada sobre investigações nas instituições
penais do país, observou-se uma grande diferença em relação ao Instituto Penal de
Campo Grande. Nas obras dos estados de São Paulo (Biondi, 2010; Padovani, 2010; Do
Lago, 2014; Mallart, 2014), Rio Grande do Sul (Boarccaech, 2009), Paraná (Moraes,
2005), Rio de Janeiro (Barbosa, 2005; Castro e Silva, 2008), Minas Gerais (Lourenço,
2012), Ceará (Matias, 2016) e Amazonas (Siqueira, 2016), os presídios apresentados se
diferenciavam do dia a dia encontrado no Penal.
Essas diferenças entre o Penal e as demais prisões ficaram mais claras no
campo, inclusive, por meio da comparação com o presídio ao lado, a Máxima. Como
mencionado no primeiro capítulo da dissertação, o IPCG se encontra em um complexo
prisional que possui outros três presídios. Durante as entrevistas com os agentes e com
os internos, o presídio que mais possuía destaque em suas falas era a Máxima, o maior
presídio do complexo114. A partir das leituras realizadas, não pensava na realidade que
estava observando, pois não havia facções controlando ou dando ordens no presídio.
Apesar de existir violência, ela era mínima na relação entre internos e agentes. Os

113
No capítulo III trabalharemos com esses dados e com os internos mais pormenorizadamente.
114
A figura 1 na página 43 da dissertação dá uma dimensão do tamanho da Máxima em relação ao IPCG.

Página 83 de 159
internos, apesar de terem certa voz enquanto massa, quase sempre precisavam respeitar
e obedecer às regras do presídio. Todas essas questões não pareciam presentes nos
outros presídios estudados, mas claramente apareciam no Penal em oposição à Máxima.
Ela surge no contexto das falas enquanto um contraponto e quase como demarcação de
um presídio ruim brasileiro, mas que ainda assim seria muito comum, diferente do
IPCG que se mostraria como um presídio de excelência e de poucos exemplos na
literatura acadêmica.
Nesse sentido, os agentes que lá chegaram para trabalhar ou estagiar (José,
Maria, Juliana e Patrícia), antes de serem transferidos para o IPCG, sempre quando
buscavam responder uma perguntar ou pensar sobre o Penal, usavam a Máxima como
uma referência de como as coisas seriam diferentes e piores se fossem por lá. Como
José fez questão de pontuar, o Penal é uma cadeia um pouco mais tranquila, devido a
ser uma cadeia para presos de segurança média, diferente da Máxima, que o próprio
apelido traz: seria um lugar para os presos de segurança máxima. Pelas oportunidades
de trabalho e estudos, muitos internos que querem apenas pagar a pena deles
tranquilamente têm o interesse de ficar aqui na unidade penal, ele acha interessante.
Logo, no momento em que o interno apresenta problemas de comportamento,
persistindo mesmo depois de ser transferido para cela forte, o remanejamento para a
Máxima surge como possível punição maior, a partir da ameaça dos agentes para que
ele altere esse comportamento, ou ocorrerá a transferência, e o preso não quer isso.
José reconhece que lá [a Máxima] é uma cadeia bem mais violenta, é uma
cadeia com tratamento diferente [...] O ambiente é mais pesado. Muito mais pesado e
muito mais agressivo. No sentido do conceito de cadeias dominadas trazido por Fábio
Mallart (2015) ou das prisões de Karina Biondi (2010) e Natalia Padovani (2010), a
Máxima está bem mais próxima dessa realidade que o Penal. Nesse sentido, o agente
reconhece que a Máxima é uma cadeia tomada pelo comando, tomada totalmente, o
respeito não tem, não é algo que os internos deveriam esconder, é uma forma de
demonstrar seu poder, então eles são mais diretos, demonstram mais. Lá na máxima
eles fazem questão de demonstrar, que são faccionados. No PTram115 também. Para os
agentes de segurança, o fato de a facção ter esse controle na instituição penal altera o
comportamento dos membros da massa que são faccionados, eles possuem um
comportamento mais agressivo, mais insubordinado. Eu acredito que é por eles

115
Presídio de trânsito também mencionado no primeiro capítulo.

Página 84 de 159
acharem que têm a proteção da facção. Essa comparação entre Máxima e Penal foi
percebida por Mallart (2015) também em seu campo nas casas onde os menores ficavam
em São Paulo. Essa comparação para o autor é explicada da seguinte forma:

[...] Nem todas as Unidades de Internação podem ser classificadas


como cadeias dominadas. Das relações estabelecidas entre internos e
agentes institucionais, marcadas pelos embates, emergem outras
configurações: unidades na mão dos funça e unidades meio a meio.
[...]. (2015, p. 46).

O Penal, provavelmente, se enquadraria como uma unidade na mão dos


funça116, onde a principal força se encontra nos agentes penitenciários dentro da
instituição. Acredito que essa presença não seja tão grande devido aos solários
diferentes que o Penal possui. Tanto os solários dos evangélicos, quanto o dos
homossexuais e o solário dos crimes sexuais117 estão internos que não teriam interesse
em pertencer a uma facção ou mesmo não poderiam pertencer a uma.
Durante a pesquisa de seu TCC, Raphael Silva (2018), que realizou sua pesquisa
na Máxima, mostrou como os agentes que trabalhavam lá possuíam certo desdém em
relação ao IPCG, no sentido de tratarem com alguma infantilização a realidade do
Penal, que consideravam como a fofolândia se comparado à realidade mais difícil que
acreditavam viver. Maria chegou a trabalhar na Máxima como assistente social, antes da
transferência para o Penal. Segundo ela, lá você estranha porque tem um brete118, então
ficava vendo aquilo ali como se tratasse igual uns animais.
Tal separação é justificada devido à periculosidade dos internos que lá estão,
sendo assim evitado ao máximo o contato entre os agentes e internos. Dessa forma,
quando os agentes buscam fazer a geral, que é a revista de todas as celas, realizada
periodicamente, ou quando há alguma denúncia, os agentes de segurança do Penal
conseguem fazer de forma tranquila com a cooperação da massa carcerária. O mesmo
não acontece na Máxima, lá, de acordo com os interlocutores, geralmente eles chamam
o choque, aqui o choque não entra. Nunca precisou aqui.

116
Essa expressão é utilizada pelos menores infratores em São Paulo, algo êmico desse campo, no Penal
o conceito que se aproxima é o que alguns presos chamam de os policia para tratar dos agentes que
administram e cuidam do presídio.
117
De acordo com os agentes, o IPCG seria o único presídio do estado do Mato Grosso do Sul a receber
esses delitos.
118
É uma espécie de compartimento ou jaula, costumeiro de fazendas, onde o gado é examinado, marcado
ou recebe algum tratamento veterinário.

Página 85 de 159
Maria demonstra como o Penal se apresentaria como um local mais plausível
para realização dessa tarefa. Ela diz: acredito que aqui, você ainda consegue mudar
pelo menos uma pessoa, você consegue. Fazer seu trabalho. Na Máxima, os agentes de
Assistência e Perícia ficavam próximos à cela dos doentes. Maria diz que cansou de ver
enforcados, chegava lá e o preso tava lá enforcado. A agente comenta sobre como
dependendo da causa morte dá problema, se ele não tinha problema de saúde, se ele
não tinha nada como é que morreu? Que é o caso dessas gatorades119. Devido às
características da Máxima, eles chegaram a adotar o sistema de Regime Disciplina
Diferenciado (RDD)120 em seu último andar, lugar esse em que ficam os internos que
têm problemas com os outros presos e vai ser morto se tiver junto, os menos perigosos
seriam transferidos para o Penal, para resguardar sua segurança.
A agente Patrícia concorda com Maria a respeito da realidade do Penal dizendo
que o Penal tem essa caraterística: um número maior de presos soltos, né. Então é
muito preso trabalhando e muito preso estudando, então você consegue ver esse
trabalho sendo desenvolvido que é o que alegra. Até mesmo a questão da vida dos
internos parece, de certa forma, ser vista diferente entre os presídios, onde na Máxima é
visto como algo mais recorrente e esperado devido à forma de organização da massa
carcerária e às próprias características da mesma de ter internos de maior
periculosidade. Juliana traz uma questão interessante através do relato:

Se você for na Máxima, a frieza lá é bem maior, eu não vejo internos


na Máxima como eu vejo aqui. Eles estão aqui no meio de nós, se for
ali para dentro eu vejo eles, no pavilhão quando eu entro, eles veem à
grade. Na Máxima eu não vejo, passo e entro no corredor, e eu não
vejo, não tenho acesso. Um ou outro que eu vejo. Acho que é uma
arquitetura tão antiga né, nunca foi feito um estudo em cima disso, de
como deveria ser uma arquitetura de um presídio. Fez apenas para
depositar as pessoas lá dentro, como depósito de pessoas, nunca
houve a intenção de realmente recuperar aquele indivíduo, de
trabalhar naquela reinserção social... uma arquitetura de poder. Mas
acho que hoje em dia já tem tentado modificar um pouco, por
exemplo, aquela sala multifuncional lá, ela foi criada depois. Ela não

119
Gatorades é um termo êmico para outra forma de matar entre eles, é como uma forma de execução
mais “discreta” de outros internos, segundo a própria Maria. Até a forma de matar deles, agora, é
diferente e diz antes era mais arma branca, agora eles dão o tal Gatorade, a pessoa passa mal, tipo uma
overdose, um monte de droga junto, faz ele tomar na marra, e aí ele passa mal. Acelera o batimento
cardíaco.
120
RDD é a sigla de Regime Disciplina Diferenciado, motivado pela organização das facções criminosas
que atuavam nos presídios em São Paulo (PCC) e no Rio de Janeiro (CV) foi elaborada a Lei nº 10.792
que buscou alterar a LEP em vias de fazer um regime diferente para determinados internos, onde ele fica
em uma cela individual, com direito a banho de sol por apenas 2 horas diárias, são direcionadas aos
internos que apresentam alto risco para ordem e segurança do estabelecimento penal ou da sociedade.

Página 86 de 159
estava na arquitetura inicial do presídio, ela não existia. Muitas
coisas aqui não existiam, até o nosso refeitório, hoje ele está bonito,
tá decente. Mas teve época já que era um horror, era feio, manchado,
sujo, então assim você quando melhorar uma estrutura você está
dando uma valorização, dá um outro olhar, modifica
comportamentos. Não só dos internos como dos funcionários. Os
funcionários se sentem valorizados, acolhidos (Grifos meus).

Juliana observa algo parecido no Penal ao que suas outras colegas já


demonstravam a respeito das imensas diferenças entre a Máxima e o IPCG. Trazendo
outras experiências que os agentes têm nos espaços prisionais, Juliana comenta a
respeito de sua experiência no Penal e como ela demonstra a influência que a
arquitetura do prédio possui nos seus usuários. Ela está certa ao pontuar a maneira como
o IPCG foi construído de forma a terem que ser inseridos puxadinhos nele com o tempo,
como a sala multifuncional que ela comenta. De acordo com Augusto Esteca (2010),
“São Paulo, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, [...] foram experimentados projetos
[arquitetônicos] que mesclavam padrões” (2010, p.35), nesse sentido, houve uma
arquitetura com esses fatores121, mas que ainda não deixaria de ser como a mesma diz
uma arquitetura de poder onde o Estado demonstra sua capacidade punitiva sobre os
cidadãos. E não apenas nessa arquitetura do Penal que vemos a questão do poder, a
própria Agepen em sua separação setorial cria uma disputa de poder, como veremos a
seguir.

- O espaço do poder nunca está vazio: disciplina ou punição

Como mencionado anteriormente, a Agepen é a responsável pelos detentos no


estado de Mato Grosso do Sul, de acordo com seu site oficial, a missão da Agepen é a
de administração do sistema penitenciário estadual, assegurando a custódia dos presos
provisórios e sentenciados, bem como a execução das penas de prisão, ela tem buscado
a promoção da ressocialização e reintegração do sentenciado quanto do seu regresso à
sociedade. A Agepen divide a execução de suas funções entre três setores, sendo eles
Segurança e Custódia, Administração e Finanças e Assistência e Perícia. Durante a
pesquisa foram entrevistados funcionários das três áreas, sendo a grande maioria (3 dos

121
Apesar da mistura de modelos, a parte dos internos estaria mais próxima do estilo pavilhonar. Nesse
estilo os pavilhões se fecham em quadrados com uma abertura no meio para sol, os solários, que são
rodeados de celas para múltiplos internos.

Página 87 de 159
5) da assistência e perícia duas psicólogas e uma assistente social. Cada área possuiria
sua função, como brevemente demonstrado acima, dentro do sistema penitenciário sul-
mato-grossense como um todo.
O primeiro setor é o de Administração e Finanças, setor esse de Patrícia. É uma
atividade de nível superior das áreas de direito, administração, economia, ciências
contábeis, análise de sistemas ou estatísticas. Responsável pelos serviços de
administração dos recursos humanos, materiais e patrimoniais, orçamentários e
financeiros, inspeção, supervisão, fiscalização de serviços terceirizados contratos,
controle e acompanhamento de contratos e convênios, elaboração de parecer, análises,
estudos, coletas de informações, orientação, divulgação dentro de sua área de atuação.
Esse setor no IPCG é o que está mais distante dos detentos e da prisão em si, sendo suas
responsabilidades mais relacionadas com questões administrativas e burocráticas do
funcionamento do presídio, tendo contato apenas com os internos de maneira indireta e,
às vezes, nas questões jurídicas dos respectivos casos de cada interno.
O segundo setor é o de Assistência e Perícia, setor esse de Maria, Juliana e
Adriana. Ele é composto de profissionais de ensino superior das áreas de psicologia,
serviço social, pedagogia, direito ou ciências sociais. São responsáveis pelos serviços de
realização de exames gerais, pelo criminológico, por perícias, formulação e
acompanhamento de programas de tratamento, elaboração de prognósticos, emissão de
pareceres, sempre tendo em vista os limites legais e regimentais da organização
penitenciária. Dentro da unidade penal, essa seria o setor que tem o contato mais
“íntimo” com os internos, aquele que mais escuta suas demandas e que trabalha
diretamente com eles, individualmente ou em grupos pequenos. Para Foucault (2012),
nesse setor estaria a legitimidade científica do aparelho penal no sentido de uma
“recuperação” ou “ressocialização” do interno para a volta do convívio em sociedade, o
que seria uma das tarefas fundadoras da instituição prisional.
O terceiro e último setor é a área de Segurança e Custódia, setor em que está o
José. Os requisitos ainda são de ensino superior do funcionário, mas sem nenhuma
especificação de algum curso superior em especial. Eles são responsáveis pela
vigilância, segurança e disciplina penitenciárias, devendo atender, orientar e
acompanhar os presos nos diversos regimes de execução penal, tudo de acordo com a
legislação, regimentos, ordens e programas de tratamento em vigor. No IPCG, essa área
é a que comporta a maior concentração de profissionais do sexo masculino e onde há
um investimento mais ostensivo na manifestação de uma masculinidade hegemônica.

Página 88 de 159
Eles são os “protetores da cadeia”, os pais da instituição. Muitos dos profissionais desse
segmento se consideram como os mais importantes, o que gera conflito com as outras
duas áreas mencionadas acima. Numa aproximação com meu tema, é interessante frisar
que o único homem funcionário entrevistado é desse setor.
Há outra particularidade do meu campo que gostaria de destacar. Essa diz
respeito à conceituação de agente penitenciário, devido à compreensão que a Agepen
elaborou da carreira do agente e à mencionada divisão de setores, entre os três acima,
temos a diferenciação da profissão de agente penitenciário. Em outras pesquisas
(Barbosa, 2005; Coelho, 2005; Moraes, 2005; Castro e Silva, 200; Correia, 2006;
Lourenço, 2012; Siqueira, 2016) realizadas sobre agentes penitenciários, os mesmos só
são entendidos como o que seria o terceiro setor Segurança e Custódia. Nessas outras
prisões, as funções de Administração e Finanças e Assistência e Perícia não são
entendidas enquanto agentes penitenciários propriamente. Às vezes, eles nem têm
vínculo empregatício com a autarquia responsável pelo sistema penal, assim como os
médicos e professores que são cedidos122 pelo Estado para trabalharem lá.
Esse processo que consolidou a carreira de agente penitenciário na Agepen veio
a partir de diversos decretos e leis123 que buscam regularizar e unificar a profissão. A
agente penitenciária Patrícia, do setor de Administração e Finanças, que passou por
esses momentos comenta que minha turma a Administração e Finanças teve a mesmice
formação de uma custódia. A formação dos agentes na escola de formação em
determinado momento era junta para todos os agentes, mas isso foi mudando de acordo
com os anos, buscando a especialização dos setores, ainda que todos eles continuem na
mesma carreira de agente penitenciário, ela comenta que isso foi a minha turma de
2005, hoje o concurso focado na área.
Por meio dessa especialização, cada vez mais, os setores foram se distanciando
por meio de saberes124 diferentes. E essa divisão burocrática e institucional que buscou

122
Cedidos respectivamente pela secretaria de saúde e educação do estado.
123
Na pesquisa documental, constatei que essa mudança se inicia pelo decreto nº 10.237 de 2001, que
transformou todos os funcionários em agentes de segurança, após isso temos a lei nº 2.518 de 2002 em
que se instituiu a carreira de segurança penitenciária, e pôr fim a lei nº 4.490 de 2014 que se traz o cargo
de agente penitenciário estadual, divido nos três setores comentados, tendo eles a proporção de 70% de
segurança e custódia, 10% de assistência e perícia e 20% de administração e finanças, lei essa vigente no
decorrer da pesquisa de campo.
124
Aqui, entendemos saber pela conceituação dada por Foucault que diz: “um saber é aquilo de que
podemos falar em uma prática discursiva que se encontra assim especificada: (...) um saber é, também, o
espaço em que o sujeito pode tomar posição para falar dos objetos de que se ocupa em seu discurso; (...)
um saber é também o campo de coordenação e de subordinação dos enunciados em que os conceitos

Página 89 de 159
especializar os trabalhos dos agentes não ocorreu sem disputas internas de poder, pois
como sabemos “não é possível que um poder se exerça sem saber, não é possível que o
saber não engendre poder” (FOUCAULT, 2017, p.231). Para observamos essa relação
de poder125 entre os agentes, primeiro é preciso pontuar em que sentido Foucault utiliza
esse conceito. Para o autor, o poder não possui “um centro de onde emana”, sua análise
está empenhada em mostrar a capilarização do poder no todo social. Ele “está em toda
parte, não porque engloba tudo e sim porque provém de todos os lugares [...] se exerce a
partir de inúmeros pontos” (2017, p.101-102). Assim, no dia a dia dos agentes em loco,
esse poder capilarizado cria relações que aproximam e afastam os sujeitos. Por meio do
confronto, a partir do ideal de prisão, as três áreas concorrem por espaço nas decisões
que movem o presídio e a Agepen como um todo. Tal confronto se apresenta nos
discursos dos funcionários de forma indireta ou direta, algumas tratando das questões
dentro do próprio Penal e outras do sindicato que representa a categoria dos agentes.
Essa relação de poder se mostra mais acirrada entre os setores da Segurança e
Custódia com o setor de Assistência e Perícia. De acordo com a psicóloga Juliana, a ala
psicossocial se torna alvo de discriminações por parte do setor da segurança, havia
muito atrito entre essas áreas segurança, administrativo e assistência e perícia. A
imagem que os psicólogos, segundo ela, passam para os agentes de segurança é como
aqueles que passavam a mão na cabeça do preso [...] visto como se nosso trabalho
fosse inútil. Dessa forma, as agentes penitenciárias que eram psicólogas e assistentes
sociais escutavam “Por que que tem que ter psicólogo e assistente social dentro da
cadeia?”, [...]. Não há um entendimento do nosso trabalho.
Nesse sentido, a disputa entre essas duas áreas parece compreender a finalidade
institucional da prisão. De modo discreto, é a discussão clássica e o debate político e
teórico que Foucault trata em Vigiar e Punir nas partes dois e três. Onde temos de um
lado a questão da disciplina representada pelo setor de assistência e perícia, lado este
responsável pela instituição ressocializadora dos internos do lugar, no qual eles
deveriam ir para se readequar à vida em sociedade, voltando como um respeitador das

aparecem, se definem, se aplicam e se transformam; (...)” (2017, p.219-220). Nesse sentido, o que busco
trazer aqui é que determinados setores possuem saberes distintos criando uma relação conflituosa sobre o
conceito e a funcionalidade da instituição prisional.
125
Como mencionei anteriormente, notei a separação entre os setores primeiramente no horário do
almoço, supondo ser uma questão de gênero. Apesar desse equívoco, a separação de setores acaba por
formular e produzir também questões de gênero dentro do Penal, pois como Foucault comenta “as
relações de poder não se encontram em posição de exterioridade com respeito a outros tipos de relações”
(2017, p.102).

Página 90 de 159
leis, isto é, como um cidadão, de corpo dócil, e um trabalhador. Do outro lado, temos a
punição incorporada pelos agentes de Segurança e Custódia em que se observa o lado
punitivo da prisão e uma percepção de que o detento deve pagar pelo seu delito
cometido, ele deve ser punido pelo mal que causou à sociedade. Vejamos a fala da
agente Patrícia, de Administração e Finanças, sobre os custódias:

E existe assim entre as áreas, por exemplo, Administração e Finanças


é como se ela fosse menos, não são todos da custódia tá? Não vou
generalizar. Mas existe um corporativismo na custódia, que eles são o
cara. Mas as outras áreas não são tão importantes, assim. Eles
seriam o presídio para eles. Eles são polícia. E a gente tenta
trabalhar isso de uma forma [...]. (grifos meus)

Como comentei acima, essa relação de poder é instituída pela Agepen, então não
aparece apenas no IPCG. Mas em todo o estado de Mato Grosso do Sul se encontra essa
relação nos setores. Adriana, que foi psicóloga na penitenciária estadual de Dourados
(PED), no interior do estado, antes de vir para o IPCG, comenta sobre isso ao ser
perguntada se existia essa questão onde trabalhava e respondeu que tem também. Isso
existe, a separação de áreas é bem forte. E algo que nos prejudica, até mesmo as lutas
da categoria são afetadas por essa questão, quando algumas lutas da classe, o pessoal
da segurança é mais forte. E eles acabam prevalecendo o que eles querem. Fiquei
curioso se essa relação de força seria em razão do quantitativo maior de agentes de
Segurança e Custódia em relação às outras áreas. Nesse sentido, pergunto à agente a
respeito e ela responde: Nãoo, é porque a segurança é vista como mais importante. A
segurança ela tem mais prioridade. Isso se aplica, inclusive, em relação ao setor da
Administração e Finanças que não lida com os internos diretamente, como ela afirma,
os agentes da segurança têm peso maior.
Esses saberes, que filiam os agentes de segurança ao ideal de punição, acabam
também por formar a sua atuação profissional e a identidade desses sujeitos. Nesse
sentido, Juliana mostra como se dá essa incorporação por parte dos sujeitos.

[...] A gente até sente com relação à segurança, muitos deles são
secos, são distantes, pouco acessíveis. Eles incorporam essa questão
da segurança, e agem assim com um distanciamento. [...]. Alguns nos
discriminam, por essa questão de achar que nosso trabalho é
desnecessário. Ou por achar que a gente só vê o lado do interno. Eles
acham que é preso aí não tem direito, preso é preso.

Página 91 de 159
Essa relação de poder e embate entre os setores se mostra como uma disputa
discursiva em que cada setor busca legitimar seu saber como hegemônico no presídio
em vias de determinar sua função e a sua própria razão de existir. O que Juliana nos traz
está no cerne dessa disputa entre os saberes que buscam punir os sujeitos e os que
buscam disciplinar. Pensando a partir da linha punitivista, o trabalho ressocializador das
psicólogas e assistentes sociais não seria desnecessário?
Foucault, em sua história da prisão, traça um processo que se inicia próximo do
século XVIII em que ocorre a mudança dos suplícios dos corpos dos condenados para a
formação da punição generalizada pela internação dos mesmos na instituição prisional.
Após isso, temos o momento em que essa instituição começa a formar seu caráter
disciplinar na busca para tornar os corpos dóceis126. Assim, “a passagem da punição à
vigilância [...], momento em que se percebeu ser, segundo a economia do poder, mais
eficaz e mais rentável vigiar que punir” (FOUCAULT, 2017 p.215). Nessa última etapa,
que os saberes médicos se juntariam a formas de se criar uma técnica-política para
docilização dos corpos, os saberes das humanidades se colocam a serviço da política e
da técnica. Consequentemente, percebe-se a “importância” das assistentes sociais e
psicólogas no Penal, por exemplo.
Esse momento acima, presente no primeiro volume de História da sexualidade
de Foucault, será tratado como um dos polos que constituíram o desenvolvimento e a
organização do poder sobre a vida (2017, p.150). A prisão se mostra como uma das
instituições desse novo momento da sociedade moderna, “a era de um ‘biopoder’”, que
se mostra a partir da biopolítica dos corpos dos internos. Para o autor, essa fase da
biopolítica:

[...] Já não se trata de pôr a morte em ação no campo da soberania,


mas de distribuir os vivos em um domínio de valor e utilidade. Um
poder dessa natureza tem de qualificar, medir, avaliar, hierarquizar,
mais do que se manifestar em seu fausto mortífero; [...] lei funciona
cada vez mais como norma, e que a instituição judiciária se integra
cada vez mais num contínuo de aparelhos cujas funções são sobretudo
reguladoras (FOUCAULT, 2017, p.155 e 156).

126
O autor entende a disciplina dos corpos nesse período em que o corpo “pode ser submetido, que pode
ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado” (2012, p.132) os corpos dóceis pela disciplina
seriam corpos em que se “aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminuem
essas mesmas forças (em termos políticos de obediência)” (2012, p.133).

Página 92 de 159
Aqui se entende o que Foucault busca trazer para seus leitores, mas como
apresentei no início da dissertação, aqui pretendo não apenas utilizar as teorias clássicas
para observar a realidade prisional vista no Penal de modo a reafirmar as mesmas, mas
busco demonstrar os limites desses autores para a realidade brasileira. Por exemplo, o
historiador italiano Domenico Losurdo (2011), que se aproxima das críticas de Luciano
Oliveira (2011), argumenta que a análise foucaultiana permanece presa ao continente
europeu, não tratando do resto mundo e muito menos das ex-colônias e do regime
colonial (LOSURDO, 2011, p.228). Seguindo as ideias dos críticos apresentados,
Foucault é desvendado como um pensador eurocêntrico, e apesar de suas análises
trazerem questões interessantes e que se aplicam em certo sentido à realidade
brasileira127, em outros ele se apresenta de pouca serventia para a compreensão da
realidade para países como o Brasil.
A realidade brasileira se mostra diferente do momento de uma sociedade
disciplinar nos moldes foucaultianos. Voltemos à última fala da agente Juliana. No final
de seu comentário, a agente nos diz que eles acham que quem é preso aí não tem
direito, preso é preso. O eles, aqui, se trata dos agentes de Segurança e Custódia, que
possuem uma visão punitivista. Na obra de Foucault, a visão punitivista ou até mesmo a
visão do suplício, teria sido “superada” para dar lugar à sociedade da disciplina, que
busca não mais destruir os corpos pelo suplício, nem punir demasiadamente, ao invés de
tornar os corpos dóceis. Essa realidade pode se aplicar aos países europeus, mas a
mesma não está presente no Penal e nem mesmo em outras regiões do Brasil, segundo
as pesquisas acessadas.
A ideia, acima demonstrada pelos agentes de segurança, que acham que preso aí
não tem direito, preso é preso, é uma visão presente na sociedade brasileira. Essa visão
está dentro do debate a respeito dos direitos humanos para os presos. O simples fato de
existir esse debate já começa a nos afastar da análise foucaultiana. Teresa Caldeira nos
diz que os direitos humanos, ou qualquer ideia de um direito básico para os internos,
foram transformados, nas discussões sobre criminalidade, em ‘privilégios de bandidos’
que devem ser combatidos por homens de bem (1991, p.162). Uma completa oposição
à lógica que buscava ideias de “ressocialização”, ou disciplina dos corpos, presentes no
127
A obra de Foucault é importante para compreender os princípios legais presentes na LEP e em outras
normas, apesar de termos visto quanto eles se distanciam da realidade, ainda assim servem como guia
para a ação dos sujeitos. A obra dele é fundamental também para entender os discursos do setor de
Assistência e Perícia, que muito se aproximam das ideias de uma sociedade disciplinada, exposta pelo
autor.

Página 93 de 159
discurso das agentes de Assistência e Perícia. Tentar, de alguma forma, argumentar pela
melhoria de qualidade do tratamento dos internos que deverão voltar para sociedade tem
se mostrado uma ação exígua. Para Caldeira, esses discursos contra os direitos humanos
buscam

[...] negar humanidade aos criminosos, a de equiparar a política de


humanização dos presídios à concessão de privilégios a criminosos em
detrimento dos cidadãos comuns, e a de associar essa política de
humanização, e o governo democrático da qual fazia parte, ao
aumento da criminalidade (1991, p.170).

Essa negação da humanidade dos “criminosos” não é apenas uma forma de


criticar o discurso dos direitos humanos, mas tem uma aplicação prática na realidade
brasileira, que no sentido foucaultiano não nos aproxima da punição prisional, mas do
próprio suplício. Isso se apresenta em outra ideia, também recorrente no discurso
popular brasileiro, que é a de que “bandido bom é bandido morto”128. Nela, os
“criminosos” não estariam nem passando pelo sistema jurídico tradicional, mas sim
sendo punidos diretamente, de forma que relembram os suplícios, por meio dos
linchamentos da população, algo bastante presente nas últimas décadas no país
(MARTINS, 1995, p.295).
Esses discursos presentes na sociedade partem majoritariamente das falas dos
agentes de segurança do Penal. No entanto, não só existiram críticas a esse setor por
parte das interlocutoras dos outros setores, como também certa compreensão dos
trabalhos que devem ser feitos na realidade violenta do sistema penitenciário brasileiro.
A assistente social Maria comenta sobre isso, ao ser questionada sobre a visão
que os agentes de segurança têm sobre os internos: a gente precisa estar na realidade
do outro setor para a gente tentar entender algumas ações. Nesse sentido, certas ações
de cunho violento com internos são uma necessidade sim de ser mais duro, coisa que as
minhas colegas não concordam. Para ela então existem situações em que tem que usar a
força, tem hora que a força é importante, se não, ainda mais aqui. Outra agente que
mostra como os discursos acabam influenciando na visão dos agentes de segurança, é
Patrícia ao comentar que

128
Frase essa que 57% da população concordava numa pesquisa realizada, a pedido do Fórum Brasileiro
de Segurança Pública (FBSP), em 2016 para 10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

Página 94 de 159
eles têm a visão de polícia mesmo entendeu? E ele esquece, não é que
ele esquece, é que a gente tem essa coisa que ele tem que ir embora
uma hora. O custódio também sabe disso, mas como custódio fica na
ponta da lança tinha que ser ele para cada 5 presos e tá ele para cada
500, ele naturalmente é endurecido. Porque ele tem que cuidar da
disciplina, tem que cuidar para o cara não fugir, pro cara não passar
nada.

Patrícia parece reconhecer que a função de controle que, por meio da disciplina,
é algo necessário para o agente da segurança. A ideia presente na expressão visão de
polícia tem a ver com os discursos criados para a relação que os policiais deveriam ter
com os “bandidos” ou “criminosos”. Nesse sentido, a polícia brasileira trabalha de
forma a vê-los como inimigos do Estado, como se houvesse um descontrole da
violência policial, como argumenta Antônio Pinheiro, quando diz que o uso da violência
acaba por fugir dos códigos formalizados para a conduta policial, se orientando mais
para o imaginário popular sobre a figura do “criminoso”, que não garantem o controle e
autocontrole no uso da violência (2013, p.327). Tal imaginário popular influencia até
mesmo os agentes que não são da segurança, como Patrícia que, apesar de ser da
Administração e Finanças, a área que menos se aproximaria do ideal da segurança,
incorpora uma forma organizacional mais militaresca, ao dizer que a gente aprendeu a
obedecer a quem tá falando [...] você precisa acatar, não precisa retrucar.
Assim, vimos como as relações de poder se dão no Penal a partir de sua
estrutura organizacional. Essas relações não aparecem só pelo ambiente prisional, mas
sim por discursos e saberes que estão muito longe da realidade do dia a dia na prisão.
Algo diferente acontece com os gêneros, que apesar de serem influenciados, também
por uma realidade exterior à prisão, parecem encontrar nela mesmo um terreno fértil
para se constituírem.

2.2 Gêneros que se produzem pelo Penal

Desde o questionamento na introdução que me levou a essa pesquisa, a minha


entrada no campo sendo homem e pesquisando em um ambiente prisional, as diferenças
de setores e experiências dos agentes se mostram sempre generificadas. Para pensar
essas questões, é preciso aclarar a noção de gênero que será utilizada nesta dissertação.
O conceito do gênero é uma ideia que está em constante disputa dentro da antropologia,
Carol Vance (1995), por exemplo, demonstra como os modelos de influência cultural e
os modelos de construção social buscam explicar os fenômenos dos sexos e dos

Página 95 de 159
gêneros. No primeiro modelo, teríamos a sexualidade como algo natural e um “material
básico” no qual “a cultura trabalha, uma categoria naturalizada que permanece fechada
à investigação e à análise” (VANCE, 1995, p.18). Nesse modelo, a sexualidade e o
gênero muitas vezes se “misturam” e até mesmo se fundem, esse modelo é um que
persistiu em boa parte da antropologia clássica (VANCE, 1995, p.20) e ainda disputa a
posição de saber hegemônico na área.
No segundo modelo, o conceito de gênero está presente na ideia da construção
social (VANCE, 1995, p.16). Nesse quadro, temos uma separação do sexo e do gênero,
no qual o primeiro trataria da diferença sexual biológica dos corpos (Macho e Fêmea) e
o segundo os “papéis” 129 sociais de gênero (Homem e Mulher), dessa forma temos um
que seria o “natural” e fixo e outro como histórico-cultural e mutável. Movimento
parecido foi feito também por Gayle Rubin (1992), para a autora apesar do dimorfismo
sexual e do gênero “serem relacionados, não são a mesma coisa, e eles formam a base
de duas arenas distintas da prática social.” (1992, p.42). A autora modificou a própria
posição que tinha em seu trabalho anterior sobre “O tráfico de mulheres”, ela argumenta
que seria “essencial separar analiticamente o gênero da sexualidade” (1992, p.42).
Uma outra autora fundamental para compreensão da forma que utilizo o conceito
de gênero, é Joan Scott, no texto “Gênero: uma categoria útil para análise histórica”.
Apesar de o texto ser uma discussão da utilização da categoria gênero para
historiografia de 1986, esse texto se apresenta como uma marco dos estudos de gênero
pelas posições tomadas pela a autora. Depois de uma breve análise histórica de como o
conceito vinha sendo utilizado pelas feministas, tanto as marxistas, teóricas do
patriarcado, quanto na teoria psicanalítica de cunho lacaniano, a parte que mais interessa
a essa dissertação é a que informa que “precisamos rejeitar o caráter fixo e permanente
da oposição binária, precisamos de uma historicização e de uma desconstrução autêntica
dos termos da diferença sexual.” (1986, p.1065). Nesse sentido, trabalho com as
masculinidades e feminilidades não como uma simples oposição binária fixa e
constante, mas sim como múltiplas posições ocupadas e performada pelos sujeitos nas
diversas relações que perpassaram o gênero no Penal.
Depois de olhar as contribuições de Vance, Rubin e Scott, temos as ideias da
filosofa Judith Butler que, como mencionado, é um dos referenciais teóricos que me

129
Para uma crítica à noção de papéis como forma de entender a diferença dos corpos generificados, ver
Guacira Louro (2007).

Página 96 de 159
guia. Butler (2018), provavelmente, seria enquadrada no modelo de construtivismo
social radical de Vance, ela questiona a separação entre sexo e gênero dos modelos de
construção social, a partir da desconfiança que o sexo traria para a natureza e assim
como o gênero para a cultura. Para Butler, o sexo não seria anterior ao gênero, pois
tanto o corpo/sexo é instituído a partir dos discursos e das práticas reguladoras e não
apenas determinados pela natureza pré-discursiva às culturas específicas. Em suas
palavras, ela nos diz:

O gênero não deve ser meramente concebido como a inscrição cultural


de significado num sexo previamente dado [...] tem de designar
também o aparato mesmo de produção mediante o qual os próprios
sexos são estabelecidos. Resulta daí que o Gênero não está para a
cultura como sexo para natureza; ele também é o meio
discurso/cultural pelo qual “a natureza sexuada” ou “um sexo natural”
é produzido e estabelecido (BUTLER, 2018, p.27, aspas no original).

Butler demonstra não existir propriamente uma diferença entre o


corpo/sexo/gênero, os três conceitos se dariam em uma produção simultânea. Produção
essa binária (do masculino e feminino), que é algo constante e permanente em nossa
sociedade, não sendo ela resolvida apenas por um nome ou uma definição no
nascimento dos sujeitos. Até mesmo nas instituições prisionais que à primeira vista teria
gênero apenas na simples separação entre presídios masculinos e femininos, separação
essa “natural” para os agentes penitenciários. Mas vai além dessa divisão, ele está
presente em tudo, desde os uniformes dos agentes, em seus discursos, nas regras
formais e informais da instituição, vê-se um espaço permeado pela separação entre
homens e mulheres – que se constituem dessa forma enquanto um dispositivo130. Como
Butler (2018) demonstra, essa separação do gênero não está ali apenas para demarcar,
mas também como uma forma de produzir o gênero.
Meu intuito, nesta parte do trabalho, é analisar as produções dos corpos
generificados por meio da ideia de perfomartividade131, essa é a força que produz os

130
Em Microfísica do Poder, Foucault descreve dispositivo como “um conjunto decididamente
heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares,
leis, medidas administrativas [Por exemplo, os decretos dos uniformes femininos e masculinos]
enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os
elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre esses elementos”
(FOUCAULT, 2017, p.364).
131
Butler descreve como “Esses atos, gestos e atuações, entendidos em termos gerais, são performativos,
no sentido de que a essência ou identidade que por outro lado pretendem expressar são fabricações

Página 97 de 159
masculinos e os femininos hegemônicos. Ela é um corte de costura no uniforme das
agentes para realçar as curvaturas do corpo feminino, está nas agentes de segurança ao
serem obrigadas a ficar na portaria porque não é lugar de mulher os pavilhões, é um
coturno e uma cor dos agentes de segurança que pretendem realçar atributos de uma
suposta virilidade, observar-se isso, por exemplo, quando o pesquisador pergunta a
respeito da arquitetura masculinizada e ser respondido com o mesmo significado sobre
uma arquitetura do poder. Seria o poder, então, algo masculino?
Entramos nas falas das agentes para ver de que forma se dá a produção desses
corpos generificados no espaço do Penal. Pensaremos primeiro nos locais que as
mulheres devem ficar e na preservação do binarismo que decorre disso, depois iremos
observar como se agenciam as múltiplas feminilidades e masculinidades das agentes
nesse ambiente, após iremos observar como se dá uma espécie de resistência
generificada num espaço masculino132 e quais são as imagens da mulher no presídio.

- Performando mulheres no Penal

A hierarquia dos gêneros em nossa sociedade é um fenômeno recorrente nos


mais diversos meios, negá-la – e o sexismo decorrente – seria ingenuidade. Na
instituição penal, não se mostrou diferente. Local que já foi visto como um clube do
bolinha por uma das agentes antigas do Penal, o instituto não seria como se apresenta
atualmente sem as resistências ao influxo das agentes penitenciárias em seus diversos
setores. As resistências a essa mudança vêm das mais diversas formas, tanto
institucionais que buscam dar uma racionalidade para esse processo, quanto de maneira
velada ou não no comportamento dos agentes que ali estão.
A própria separação entre os presídios masculinos e femininos já pode ser
evidenciada como uma forma de reforçar a divisão binária dos gêneros. Nesse sentido,
essa separação já poderia ser entendida como uma das técnicas133 que não constatam

manufaturadas e sustentadas por signos corpóreos e outros meios discursivos. O fato de que o corpo
gênero ser marcado pelo performativo sugere que ele não tem status ontológico separado dos vários
atos que constituem sua realidade” (BUTLER, 2016, p.235, grifo meu).
132
Além de ser um presídio feito para “homens”, a profissão de agente penitenciário é considerada
masculinizada, pois possui apenas 17,5% mulheres no país segundo o Infopen 2016.
133
Apropriando-se do conceito foucaultiano de técnica, Paul Preciado a utiliza como “um conjunto de
dispositivos complexos de poder e de saber que integra os instrumentos e os textos, os discursos e os
regimes do corpo, as leis e as regras para [...] a regulação dos enunciados de verdade” (2014, p.154).

Página 98 de 159
“verdades” sobre os corpos, mas que produzem o gênero dos corpos que nomeiam,
construindo “barreiras biológicas” binárias que não podem ser transpostas em primeira
instância (PRECIADO, 2014). Nas buscas por enunciados da “verdade” do sexo/gênero
que existe nessa separação, trago o caso de Alexa (uma interna trans do Penal) como
fato emblemático dessa questão134.

Maria: [...] (Pesquisador: Mas ela é travesti alguma coisa assim?)


Ela se veste mulher. E se prostituia também. A maioria deles estão
envolvidos com prostituição. [...]. a Alexa fica com os homens, ela
é homossexual e fica com os homens. (Pesquisador: Ela tem
namorado?) Temm, ela tem um namorado. [...] (Mostrando ela no
computador) tava loira, Meu deus. Agora ela tá morena. Ela se
veste, pinta, tem um corpo bonito, precisa ver como ela fica ali no
solário. Fica de buchezinho, um shortinho e lavando roupas, aí ela
fica dançando. Eu fico vendo daqui da sala da Patrícia. Vou te
mostrar. Já teve briga por causa dela. Porque ela é a Mulher. E o
corpão, falo puta merda, olha eu. Melhor que a gente aqui.

A forma como Maria conta a história mostra a complexidade do fenômeno.


Alexa se diferencia dos demais internos que estão no solário citado por Maria, por ter
escolhido ficar com a grande massa para estar perto do namorado e pelo seu crime de
homicídio que não seria algo muito comum entre os que ocupam o solário dos
homossexuais. Quando Maria traz a ideia de que Alexa é uma mulher com um corpão,
parece que a própria interlocutora está insegura com suas caraterísticas “femininas” e a
mesma se mostrou surpresa com a possibilidade dessa transgressão de gênero. Entendo
Alexa como uma das contestadoras das enunciações de “verdade” e das “ficções
reguladoras do sexo e do gênero” hegemônicos que, como Butler nos diz em sua obra,
com esse movimento demonstra-se que “a própria multiplicidade de sua construção
oferece a possibilidade de uma ruptura de sua postulação unívoca” (2018, p. 68). Temos
nela uma multiplicação das possibilidades de se fazer uma mulher.
No caso das agentes, as resistências e enunciações se dão de forma bem menos
clara, por todas se considerarem e se adequarem a supostas normas de “mulheridade”
cisgênero. A primeira separação clara entre os gêneros, que as agentes encontram, se dá
na divisão dos trabalhos e em relação aos locais do mesmo. A separação afeta variados

134
Aqui trago esse pequeno relato de meu campo, para pensar a questão trans e como ela apresenta a
narrativa do gênero e suas limitações de forma latente para o ambiente prisional. Para uma discussão
aprofundada da questão ver Marcio Zamboni (2017) e Guilherme Boldrin (2017).

Página 99 de 159
cargos, mas os que mais se mostraram presentes são os do setor de Segurança e
Custódia, na direção e nas chefias de segurança/disciplina. Na direção, os presídios
masculinos teriam diretores homens e os femininos diretoras mulheres. Juliana comenta
que, apesar de não ser uma regra e não está legalmente escrito, é uma questão cultural
onde se busca manter a separação binária.
Isso é algo que aparece também nas divisões de setores, todos os agentes da
assistência e perícia são mulheres, assim como a grande maioria do setor de
administração e finanças. Por exemplo, Patrícia comenta sobre como era a sala do curso
de formação: Era a maioria homem. Independente da área, geralmente na
administração e finanças tem mais mulher, na custodia tem mais homens. Devido à
porcentagem de 70% do pessoal da segurança, acontece de eles serem sempre a maioria
nos cursos de formação, no caso da mulher do setor da segurança, quando ela passa no
concurso, ela vai primeiro pro presidio feminino para ela passar por tudo para ser
treinada, primeiro é preciso que seja introduzida no universo penal feminino, para
depois ser alocada em algum presídio masculino.
Mas na medida em que a mesma chega, ela vem para o masculino ela não ocupa
todos os postos. Mesmo que a mulher passe pelo mesmo curso de formação que os
homens, ainda assim, nos presídios masculinos elas não poderão ocupar todas as
posições de sua formação. Essa separação é algo observado também por Stella Resende
(2017), ao trabalhar com a inserção de mulheres nas forças armadas, ambiente parecido
na perspectiva de uma cultura de segurança pública, ela nos diz que

[...] o trabalho das mesmas ficou restrito durante um período


considerável a funções administrativas, retomamos o conceito de
Divisão Sexual do Trabalho e a necessidade de manter a mulher no
meio privado, sendo o local público, – de combate – o lugar do
homem (RESENDE, 2017, p.83).

No Penal, até mesmo as “combatentes”, ou seja, as do setor de segurança, ainda


são afastadas das linhas de frente, de vigiar os pavilhões e movimento de internos,
sendo elas alocadas apenas na portaria para realizar o trabalho mais administrativo e de
recepção. Maria comenta que isso ocorreu devido ao fato que umas das meninas [da
segurança] esqueceu de apertar a sirene. Um bando de gente ficou sem poder correr.
Depois desse erro cometido, formulou-se essa “regra” em que as mulheres da segurança
devem ficar na portaria ou em outros setores longe dos pavilhões com os internos.
Juliana também relata sobre isso: não foi uma escolha delas, é uma regra. São regras

Página 100 de 159


culturais que coloca o gênero, coloca a mulher como uma posição e o homem numa
outra posição, é tudo cultura. Juliana percebe como as questões de gênero estão
presentes no Penal e colocam os corpos femininos e masculinos em diferentes locais e
posições por meio de regras e normas informais.
Apesar de ter esse movimento de retirar as mulheres dos “lugares perigosos”,
reforçando uma suposta fragilidade essencialmente feminina, outros espaços que não
correriam perigo também não possuem mulheres ocupando posições. Esses cargos que
são hierarquicamente elevados, sendo eles diretor e chefia de departamento, no Penal
não possuem contato tão próximo com internos também. Como exemplo, José, ao ser
perguntando sobre o Penal já ter tido uma diretora, ele responde na verdade, isso só
acontece no feminino né. Reforçando ainda a ideia de que isso não é uma norma
superior da Agepen, ele completa: não é uma regra, mas é como se fosse um costume.
Sobre os cargos de chefia, é a agente Patrícia que comenta: só no feminino, aqui nunca
teve, como que se lembrando, ela diz que no cargo de chefe de vigilância já houve uma
mulher.
Mesmo quando a mulher alcança um cargo de chefia no presídio masculino,
ainda sim, é uma chefia que se relaciona mais a características administrativas da prisão
e não à questão de segurança em si, porque, segundo a mesma a gente, a chefia de
vigilância não cuida dos detentos no caso, aí é a segurança. Tem uma chefia que se
chama chefia de segurança. Mas qual seria a justificativa dos sujeitos no Penal para
essas escolhas dos lugares segundo os gêneros?
Novamente Resende (2017) nos ajuda a pensar sobre essa questão, falando que a
divisão sexual do trabalho “atribui o maior valor ao trabalho do homem em relação ao
da mulher” (apud HIRATA; KERGOAT, 2008, p.226). A partir disso, temos os
argumentos sobre “a menor capacidade de força, a estrutura física diminuta,
sensibilidade aguçada [...]” (apud MATO et al, 2016, p.2). Essa ideia, para Sócrates
Nolasco (1993, p.18), da “força física, definida pela massa muscular” é frequentemente
acionada, sendo um lugar comum em diferentes arquétipos e estereótipos hegemônicos
de masculinidades. A própria etimologia da palavra virilidade, do latim virilitas, remete
à ideia de força. Dessa forma, acabam por criar uma hierarquia nas posições que as
mulheres devem assumir dentro do Penal.
Essa mesma argumentação aparece nos agentes do Penal. Como vemos na fala
de Patrícia que, apesar de ser mulher ainda utiliza a questão da capacidade de força e
estrutura física diminuta, mas a força física é uma coisa que tem que ser uma mulher

Página 101 de 159


com uma força física pelo menos proporcional. José, sendo homem e da segurança, usa
o mesmo argumento dizendo que a parte da segurança ela tem que ser feita pelo sexo
masculino mesmo. Justamente por causa da questão física. Além dela, ele ainda
complementa dizendo que os homens teriam um pouco mais de preparo para tá lidando
com os internos masculinos. Juliana da Costa (2018) trabalhou com homens e mulheres
em postos de gasolina e assim nos conta:

Por mais que homens e mulheres estejam expostos ao sol, aos perigos,
aos gases dos combustíveis, a categoria exposição, com esse sentido
de violação, só é acionada quando envolve mulheres. Talvez por uma
suposta fragilidade, talvez por ser possuidora de um corpo que é
preciso esconder ou preservar (2018, p.85).

A mesma situação parece ocorrer no campo do Penal. Tanto os homens quanto


as mulheres estão expostos aos perigos que vêm da massa carcerária, mas a categoria de
exposição ou fragilidade nunca é acionada quando os sujeitos são homens. Invoca-se,
inclusive, a fragilidade feminina, não apenas do corpo em si, mas também de uma
suposta fragilidade simbólica que faria com que a autoridade dela em uma posição de
chefia ou direção não fosse reconhecida. Dessa forma, segundo Pierre Bourdieu:

[...] Uma mulher não pode ter autoridade sobre homens, e tem,
portanto, todas as possibilidades de, sendo todas as coisas iguais em
tudo, ver-se preterida por um homem para uma posição de autoridade
ou de ser relegada a funções subordinadas de assistente (2014, p. 131).

As justificativas para as mulheres não ocuparem cargos de chefia parecem ir à


linha do que Bourdieu argumenta. Por isso, nos presídios femininos elas podem ocupar
esses cargos de chefia ou direção, pois lá elas não se mostrariam com uma autoridade
maior que a de qualquer homem. Em outra conversa com a agente Patrícia,
curiosamente devo dizer, trouxe outro relato de ações de agentes de segurança mulher,
mas em que a mesma teria mostrado excelência no serviço desempenhado:

Já aconteceu de servidor, de uma servidora nossa. Que ela era a


mais tranquila e ninguém dava nada para ela, dependendo da
situação. Aí tava vindo um agente correndo com um monte de
preso atrás dele para fugir e ele veio, ela não se apavorou de
trancar antes da hora pros presos não sair e trancar o agente
junto. Ela olhou para ele, esperou ele passar, quando ele passou

Página 102 de 159


ela travou e os presos pararam na grade. Então assim ela foi
promovida, ela teve muita frieza para fazer isso. Porque ela viu
que tava vindo mais de 100 presos armados, e o agente tava na
frente, mas ela não se apavorou e trancou o colega, assim se ela
tranca o colega eles matam.

Esse relato demonstra como as mulheres, sempre partindo de uma expectativa de


que ninguém dava nada para ela, conseguem, apesar da questão física e da hierarquia,
realizar o trabalho demandado. Nesse sentido, existe certo capacitismo135 em relação a
todos os trabalhos que as agentes desempenham. Outro elemento que chama a atenção,
observado também nas pesquisas de Resende (2017), é que no valor do trabalho
feminino “o fato de ‘ser mulher’ se sobrepõe ao ‘ser militar’” (2017, p.83). Nos nossos
casos abaixo, elas seriam então “mulheres” antes de serem “agentes penitenciárias”.
Patrícia comenta sobre como os outros agentes homens acabam as pensando, ela
conta que é um olhar diferente, como se eu não fosse capaz. A partir disso, ela lembra
quando era administradora, antes de ocupar a secretaria da direção. Uma das suas
funções na época era de comprar suprimentos para as cantinas que os internos têm
acesso, para isso, utilizava uma Kombi. Ela comenta que o primeiro comentário dos
outros agentes foi 'Ah ela tá na administração, agora vai ter que liberar um segurança
para trabalhar com ela para fazer compra para ela', sentindo que estava tendo sua
capacidade questionada, a mesma levou o assunto ao diretor: 'Não precisa colocar
nenhum segurança aqui, porque eu vou fazer a compra' Aí ele falou 'Você vai fazer?!
Mas você dirigi como?' falei 'Ué, porque não?’.
Nem todas as agentes mulheres se comportam de forma igual à de Patrícia.
Algumas agentes preferem não ir para o confronto direto. Nessa posição, temos
Adriana, a psicóloga, que mostra um outro posicionamento sobre essa questão, pois para
ela tem coisas que você não pode levar tão a ferro e a fogo assim, é igual, tem coisa que
faz parte do jogo. Para essa agente, deve-se jogar esse “jogo” dos gêneros de forma a
não se deixar incomodar. Tratando da relação com internos homens, ela diz que se tá
num presídio masculino, sou uma agente penitenciária, eles nos vêm como polícia,
então sabe.

135
Utilizo a expressão, mesmo sabendo que ela é utilizada mais para a discussão no campo da deficiência,
mas acredito que em um sentido generificado parece que a mesma relação é estabelecida com relação às
capacidades das mulheres no trabalho prisional. Para uma discussão dos termos capacitismo a partir da
teoria queer, de Butler, e da perspectiva antropológica, ver Anahi Mello (2016).

Página 103 de 159


A relação com os internos traz uma questão interessante, que decorre de as
agentes serem vistas antes como mulheres e só depois como agentes. Apesar do
contexto diferente, Maria Filomena Gregori (2012), em seu trabalho sobre erotismo e
sex shops, afirma que no erotismo brasileiro o corpo feminizado é o que tem que ser
visto. A autora faz referência ao que Roberto da Matta chama de “ritual de
desnudamento”, que é o olhar dirigido ao corpo feminino em um movimento
padronizado que busca a genitália e os seios. Os uniformes das agentes, entendidos
como adequados ao corpo feminino, parecem reforçar essa finalidade mesmo que não
intencionalmente. Quando esses casos acontecem com os internos, normalmente,
parecem envolver mais a constituição da masculinidade hegemônica entre eles,
buscando marcar para os demais internos presentes na situação. Patrícia lembra duas
situações:

Pesquisador: Mas nunca houve um caso com você? Por ser


mulher?

Patrícia: Já. Foi uma coisa meio que velada. [...]. eles [internos]
tavam ali, eu passei [...]. Aí fica o preso, quando vai sair pro
advogado, ou fora antes de ir, fica numa celinha ali. E aí eu fui
para lá, e eles estavam um monte, uns 12 lá, de certo iam para
gameleira136. Quando eu vou eu já sei, quando tá muito cheio,
quanto tá um não faz graça, mas se tiver mais. Aí eu voltei, ele
pegou e fez assim (Imitou o barulho), eu voltei na hora. E
perguntei para eles 'Eu escutei alguma coisa daqui?' 'Não
senhora', 'Ah eu pensei que tivesse ouvido' 'Não senhora'. Então
assim, eles negaram na hora. Então eu já senti, você não pode dar
moral. [Em outro caso] Aí as vezes, eu trabalhava na
administração né, ficava uma fila de preso aqui para ir para o
setor jurídico a ser atendido. E tem hora que é estranho, você sai
de sala e dá de cara com 15 homens, que eles não vão falar nada,
mas eles te olham. Tem preso que olha e já baixa a cabeça, que ele
fica sem graça, mas quando eles estão em mais, acho que um que
mostrar para o outro alguma coisa. Daí depende da postura
mulher, você tem que ser firme. Daí eu passei, eles ficaram os 15
me olhando, aí eu parei na frente deles e falei 'Todos com a cara
na parede', eles pegaram e viraram na hora. Aí eu passei. Quando
eu voltei, eles tavam de frente de novo, quando voltei, não precisei
falar nada viraram sozinhos. Então é uma questão, você tem que
ter comando com o preso, entendeu?

136
Em se tratando do Centro Penal Agroindustrial da Gameleira que já faz parte do regime semiaberto, no
qual os internos fazem pós-progressão de regime.

Página 104 de 159


Essas duas leituras se aproximam das leituras sobre masculinidades, que de
acordo com Tramontano faz com que a “identidade masculina é [seja] continuamente
posta à prova” (2017, p.288) ou, como mostra Donovan, “acima de tudo, a
masculinidade diz respeito ao que os homens esperam uns dos outros” (2012, p.235).
Nesse sentido, em um espaço homossocial137, o comportamento dos homens busca mais
ser observado e percebido pelos seus pares, independente do incômodo que causa às
mulheres.
Nem sempre o comportamento masculino se dá dessa mesma forma com outras
agentes mulheres. Por exemplo, a assistente social Maria passou por uma situação muito
parecida com a de Patrícia e Adriana. Ela conta que uma vez deu um chiado de gás,
aquele negócio que mexe né, eu no meio do pavilhão [...] Aí ele fez o chiado na hora, aí
eu parei. Na hora que eu parei o solário inteiro, sem brincadeira, parou. Nesse
momento, de acordo com ela, aí eu virei para um lado e virei pro outro. E os agentes lá
trás, falei assim, todos eles escutaram, 'Eu sempre respeitei vocês, e vou falar uma vez,
que eu descia até ali, e por causa dessa pessoa, eu não iria ter mais acesso ali' [...]
'Respeito e quero ser respeitada, eu não vou passar nada para segurança aqui'. E assim
voltou para sua sala. Ela não sabia quem havia feito, devido à grande quantidade dos
internos que tomam banho de sol, mas alguns minutos se passaram e ela diz, mas eles [a
massa] identificaram e mandaram o cara vir aqui, e ele veio chorando pedir desculpas
[...] e nunca mais. Maria havia acionado uma categoria muito importante para os
internos do Penal, a categoria do respeito, a exigência do respeito é um código
fundamental, posso dizer até quase sagrado, de organização da massa carcerária e dos
agentes. A partir dessa categoria, se constitui para eles tanto a ideia de humano, no
sentido de merecer ser tratado com dignidade, quanto a de homem, a partir da ideia de
múltiplas masculinidades hegemônicas locais.

- Resistência generificada - Agenciando feminilidades e masculinidades

A partir dos casos de demarcações de gênero no Penal, acionados anteriormente,


compreendemos que os corpos das agentes mulheres são pensados, treinados e, até

137
Outros espaços em que isso é comum são os estádios, academias e os famosos canteiros de obras. Para uma
perspectiva da construção das feminilidades e a reação a esse fenômeno, temos a campanha “Chega De Fiu Fiu” e
um texto sobre os canteiros de obras. Acessar respectivamente: < https://thinkolga.com/2013/09/09/chega-de-fiu-
fiu-resultado-da-pesquisa/> e < https://www.geledes.org.br/guest-post-machismo-permanente-no-canteiro-de-
obras-por-lola-aronovich-at/> Acessado em: 20/03/2019.

Página 105 de 159


mesmo, modificados para ocupar aquele ambiente. Trata-se de técnicas que buscam
senão impedir, ao menos diminuir os casos que envolvam diferentes tipos de
questionamento em relação a elas. Elas servem para agenciar as feminilidades e
masculinidades das agentes. Judith Butler, no que diz respeito a agenciamentos, assim
explica:

Se o gênero são os significados culturais assumidos pelo corpo


sexuado, não se pode dizer que ele decorra, de um sexo desta ou
daquela maneira. Levada a seu limite lógico, a distinção sexo/gênero
sugere uma descontinuidade radical entre corpos sexuados e gêneros
culturalmente construídos. Supondo por um momento a estabilidade
do sexo binário, não decorre daí que a construção de “homens”
aplique-se exclusivamente a corpos masculinos, ou que o termo
“mulheres” interprete somente corpos femininos. (2018, p. 26,
grifo meu).

Nesse sentido, as agentes agenciam tanto as feminilidades quanto as


masculinidades a partir de seus corpos no Penal. Patrícia, ao comentar sobre sua entrada
no IPCG, diz eu vim bem reservada. Ela mostra como certos atributos de uma suposta
feminilidade devem ser alterados naquele espaço para não chamar mais ainda sua
atenção enquanto mulher no espaço. Há outras estratégias, como não pintar a unha de
vermelho, só nude. Só passava batom rosa. E o brinco era pequeno. Artefatos e até
mesmo cores associadas a feminilidades na sociedade devem ser evitados no ambiente
prisional. Esta preocupação, talvez, seja inexistente entre os agentes homens, pois
atributos e artefatos masculinos não afetam negativamente a forma de serem vistos no
Penal.
Apesar disso, para algumas agentes, essa questão da “pressão” que o ambiente
prisional causa em sua forma de se portar, deve ser resistida. Adriana é uma dessas
agentes que, apesar de aceitar certos comportamentos em vista do ambiente ser
“masculino”, como vimos anteriormente, quando se trata do corpo dela, as coisas são
diferentes. E é um ambiente masculino, mas não por ser um ambiente masculino que eu
não posso usar brinco, que eu não posso passar uma maquiagem. Essa espécie de
travestimento é trazida por Resende ao tratar das mulheres no serviço militar, ela afirma

Todavia, as primeiras mulheres a participarem do serviço militar o


fizeram por meio do travestimento. [...] Estes exemplos ilustram
perfeitamente a necessidade do “ser homem” – aqui por meio do
travestimento – para que suas ações fossem devidamente reconhecidas
e valoradas (2017, p.79-80).

Página 106 de 159


Quem observa esse movimento acontecendo nas agentes de segurança é Patrícia,
que, a partir de seu tempo na escola de formação, lembra como as mulheres que vão
para a Segurança e Custódia acabaram modificando seu comportamento, no sentido de
se masculinizar. Eu observei isso durante o trabalho de campo, na portaria, as mulheres
da segurança utilizavam os coturnos mesmo não sendo obrigatório. Em alguns dias, elas
utilizavam roupas militares (pretas como sempre) de cursos de tiro, resgate, operações
que não eram do uniforme, blusas estas que, geralmente, nas insígnias possuem armas,
facas, caveiras e miras. Essas blusas só foram vistas sendo utilizadas por agentes da
segurança, mulheres e homens, na portaria durante toda a pesquisa, nunca em alguma
agente de assistência e perícia ou administração e finanças. Tais comportamentos
buscam como sugeriu da Costa que a percepção das agentes mulheres assim como delas
enquanto “frentistas pode ser vinculada à necessidade de associação a estereótipos
reconhecidamente masculinos (tais como a força, a dominação, por exemplo)” (2018,
p.87).
Esse tipo de masculinização foi algo que Patrícia percebeu nela mesma. Ao
comentar, novamente, sobre sua entrada no Penal, ela disse: nunca gostei de usar calça,
nunca usei calça. Sempre fui muito feminina, só usava saia e vestido. Esse
comportamento, para ela, teve que mudar a partir do momento em que ela falou: 'eu
quero trabalhar no masculino fechado' saber como funciona o presídio. Logo, lá é
calça, você não usa saia. Tal técnica pode ser utilizada como forma de se atingir uma
suposta “igualdade” com agentes homens e, até mesmo, com os internos, a fim de que
seja encarada com seriedade é preciso que a mulher agente “se torne um homem” ou o
mais próximo disso, aos olhos masculinos (RESENDE, 2017, p.84).
Muitas dessas questões que ocorrem com as mulheres agentes se dão porque o
espaço penitenciário parece ser considerado por todos os sujeitos como um ambiente
masculinizado, assim como um esporte (Soares, Mourão et al, 2018), um quartel
(Resende, 2017), um posto de gasolina (da Costa, 2018) e um estádio de futebol
(Bandeira, 2010). Parece que determinados signos no campo o demarcam como
possuidor de gênero, tanto pela sua arquitetura de poder, pela grande quantidade de
homens que o ocupam ou até mesmo pelas cores e decoração.
Segundo Patrícia, o IPCG como um presídio é endurecido né, tem essa
característica de endurecido. Para ela, isso teria a ver com a cultura dos próprios

Página 107 de 159


funcionários, principalmente os do setor da segurança. Ela lembra: vamos supor, não sei
se você reparou na entrada, tem dois vasos de flores, sem flores, dois vasos bonitos que
são caros, sem flor.[...]. Quando eu era administradora sempre queria esses vasos
pintados de branco sem nenhuma sujeira e com flor. No natal, eu enfeitava a entrada.
Tal tipo de ação, segundo ela, busca deixar o ambiente mais agradável para os
funcionários. No entanto, o custódia vai falar: 'Tá achando que aqui agora virou
creche, porque ladrão tem que é se ferrar mesmo'.
Segundo ela, a justificativa que o pessoal da segurança teria é que é para aquele
preso que vem da delegacia e não chegar para achar que a unidade é uma mãe, pois os
homens da segurança, principalmente, com a experiência que têm da Máxima tendem a
achar que nosso Penal é uma mãe, porque eles [os internos] estudam muito e trabalham
muito. Dessa forma, o ambiente feio e bruto seria uma forma do setor de Segurança
iniciar a punição ali mesmo, na entrada do presídio.
Em outro dia da pesquisa, aproveitei para trazer essa questão para José, e durante
a conversa o mesmo comentou,

Pesquisador: Você diria que a própria arquitetura do prédio, da


forma que ele é estruturado, ele pesa em você? De não ter muitas
cores, ser um ambiente bem cinza sem plantas.
José: Mas isso aí, eu acho até bom que tá assim essa cor. Não
precisa ser muito florido, não precisa de muita coisa não. Só é um
ambiente pesado sabe? Que tem o clima pesado cara. Aqui nem
parece que é natal por não ter decoração. Não tem nada.

José reconhece o ambiente como clima pesado, mas ainda assim acha
desinteressante porque seria apenas um gasto para ninguém ver e que mesmo para eles
passaria batido. Ele continua argumentando: ah o preso vai chegar aqui os termos que
usam 'vai tá gozando do bagulho, chega florzinha, decorações de natal, pronto, aí o
preso já não obedece mais. Acionando a categoria respeito, Patrícia diz que os
comentários não chegariam diretamente a ela, mas ainda assim apareciam em
conversinhas, eram uns comentários sarcásticos. Quando chegavam a ela, a mesma
rebatia dizendo 'Tá vendo que bacana? Essa flor é para você, para você trabalhar num
lugar melhor, saber que existem outras coisas fora algemas e a tonfa', buscando
ironizar a suposta posição policial que os agentes de segurança assumem.
A associação das agentes mulheres enquanto as mães no Penal performa uma
expectativa feminizante das mulheres que lá estão. Os autores Priscila Detoni, Paula

Página 108 de 159


Machado e Henrique Nardi (2018) mostram, a partir de uma pesquisa nos centros de
referência de assistência social (CRAS), como o gênero e a sexualidade estariam sendo
reiterados pela “via da normalização da maternidade como parte da estratégia de Estado
no cuidado das famílias”. Nesse sentido, existe uma expectativa do próprio Estado sobre
a função tradicional das mulheres enquanto mãe que estaria acionada na categoria
cuidado, como representação de uma equação em que a “mulher se iguala à mãe de
família” (DETONI, MACHAD; NARDI, 2018, apud MARIANO, 2010).
Isso se liga à relação estabelecida entre cuidado e feminilidade, algo que se
mostra em evidência por todas as agentes de Assistência e Perícia serem mulheres. A
figura feminina no ambiente prisional acaba por performar o gênero como socorro e
conforto para os internos. Juliana, psicóloga, comenta isso ao mencionar o porquê dos
internos a respeitarem, dizendo eles nos respeitam até porque nós somos mulheres né.
[...], a figura feminina aqui dentro é muito valiosa. Porque quem vem socorrê-los é uma
figura feminina, que é a mãe ou a esposa né.
Essas mulheres acabam sendo relacionadas a cuidado, algo já observado pelos
estudos dessa área (Sorj e Fontes, 2012; Finamori e Ferreira, 2018). Na ideia tradicional
sobre a família brasileira, tem-se que as mulheres são consideradas as responsáveis pela
harmonia familiar, a partir do suprimento das necessidades afetivas dos membros da
família, aspectos vinculados ao ato de cuidar (Guedes e Daros, 2009, p.129). Nos dias
de visita, as filas são de mulheres: mães, esposas, avós, tias e demais parentes mulheres,
sem contar os filhos, que costumam visitar, uma realidade que para os presídios
femininos se mostra oposta com poucas visitas por partes dos maridos ou companheiros.
Como Drauzio menciona:

De todos os tormentos do cárcere, o abandono é o que mais aflige as


detentas. Cumprem suas penas esquecidas pelos familiares, amigos,
maridos, namorados e até pelos filhos. A sociedade é capaz de encarar
com alguma complacência a prisão de um parente homem, mas a da
mulher envergonha a família inteira. Enquanto estiver preso, o homem
contará com a visita de uma mulher, seja a mãe, esposa, namorada,
prima ou a vizinha, esteja ele num presídio de São Paulo ou a centenas
de quilômetros. A mulher é esquecida. (VARELLA, 2017, p.30).

Enquanto isso, a figura masculina ocupa o sentido oposto ao das mulheres. O


pai representa a autoridade, o controle e a punição ao ultrapassar os limites. Os internos,
acabam reproduzindo uma relação com os agentes de Segurança e Custódia em que

Página 109 de 159


possuem não só essas funções como também incorporam esse sentimento punitivo da
prisão, que se reforça junto a suas masculinidades. Nota-se certa ambiguidade na
relação que os internos têm com as agentes mulheres, pois, por um lado, elas são vistas
como não capacitadas, não merecedoras de respeito hierarquizado, ou até mesmo
podendo ser utilizadas como meios para fins de promoção de masculinidades. Por outro
lado, elas são figuras femininas de assistência e suporte, que estão lá para os apoiar em
seu caminho rumo à disciplina e, assim, seriam as merecedoras das formas mais
respeitosas de comportamento.
Esse capítulo, focado nos agentes penitenciários, procurou aproximar o leitor do
dia a dia do Penal por meio dos olhos dos funcionários daquele ambiente. Pensamos
aqui em suas funções como engrenagens no sistema penitenciário sul-mato-grossense.
Abordamos os percursos deles no ambiente prisional desde sua entrada. Vimos as
particularidades do IPCG ao ser relacionado a outros presídios do país ou até mesmo o
seu presídio vizinho. Vimos como os setores se dividem e assumem identidades que se
associam às funções da prisão. Ao fim, aproximamos nosso foco para pensar apenas as
questões de sexo/gênero que transbordaram no trabalho de campo, ainda que não seja,
de maneira geral, a primeira das questões a serem ponderadas quando se analisa uma
prisão. Esse capítulo, então, procurou situar os leitores a partir dos agentes
penitenciários enquanto guias desse universo, mas, como mencionado, esses guias têm
seus interesses e questões para com o campo. No próximo capítulo, busco um diálogo
substancial com os internos condenados por homicídio138 e analiso como os mesmos
experienciam a prisão, as masculinidades e a violência.

138
A escolha do crime de homicídio se deu por um caráter metodológico e prático. Devido ao curto
período de produção da pesquisa, um estudo profundo das diversas possibilidades de violências diferentes
não foi possível. Logo, o foco foi a utilização de um crime baseando no código penal brasileiro (como
forma de chegar aos interlocutores pelos artigos) e por um crime onde a presença de violência física seria
quase que inquestionável.

Página 110 de 159


CAPÍTULO III
‘EU ESTOU PRESO, MAS SOU HOMEM, VOCÊ ME RESPEITA’:
MASCULINIDADES, CRIMES E VIOLÊNCIA

A masculinidade diz respeito a ser homem no


contexto de um grupo de homens. Acima de
tudo, a masculinidade diz respeito ao que os
homens esperam uns dos outros.
(Donovan, 2012. p.235).

Dizer que homens heterossexuais são


heterossexuais é apenas dizer que eles se
envolvem em sexo (fodendo exclusivamente com
o outro sexo, ou seja, mulheres). Todos ou
quase tudo o que pertence ao amor, a maioria
dos homens heterossexuais reservam
exclusivamente para outros homens. As pessoas
que eles admiram, respeitam, adoram,
reverenciam, honram, a quem imitam,
idolatram e formam profundas ligações, a quem
estão dispostos a ensinar e de quem estão
dispostos a aprender, e cujo respeito,
admiração, reconhecimento, honra, reverência
e amor que eles desejam... esses são,
esmagadoramente, outros homens. Em suas
relações com as mulheres, o que passa por
respeito é gentileza, generosidade ou
paternalismo; o que passa por honra é a
remoção para o pedestal. Das mulheres querem
devoção, serviço e sexo. A cultura masculina
heterossexual é homoerótica.
(Frye, 1983).

Os primeiros estudos de masculinidades surgem na década de 1980 e 1990, em


países como Estados Unidos (Kimmel, 1987; Messerschmidt, 1997), Austrália (Connel,
2005 [1995]) e Portugal (Almeida, 1996). Mas o Brasil não fica longe desse debate e
estudos, que por aqui tiveram como seus percussores Lia Zanotta Machado (1998),
Benedito Medrado (1997) e Berenice Bento (2012 [1998]). Com o passar dos anos,
outros importantes pesquisadores caminharam nesses estudos, como Fernando Seffner
(2003) e Rolf Riberio de Souza (2003). Atualmente, existe uma gama diversa de estudos
sobre masculinidades e outros temas: sobre envelhecimento (Tramontano, 2012), saúde
masculina (Sophia, 2011; Duarte, Oliveira e Souza, 2012; Tramontano, 2017),
representações masculinas na literatura (Miskolci, 2012), esportes (Brito, 2018),
sexualidade e gênero (Ávila, 2014).

Página 111 de 159


Dos Men’s Studies que vieram dos países de língua inglesa como um
contraponto aos Women’s Studies, como demonstram Sergio Carrara e Maria Luiza
Heilborn (1998), os estudos de masculinidades agora como parte dos estudos de gênero,
expandiram vertiginosamente nos últimos anos, tanto internacionalmente quanto no
Brasil.
Em muitas dessas pesquisas citadas, temos como a mais recorrente referência os
trabalhos e conceitos de Raewyn Connell139. Entre as ideias e conceitos da autora, o
principal deles é o conceito de masculinidade hegemônica, conceito esse que apareceu
com destaque em sua obra Gender and Power, de 1987, e depois foi aprofundado em
sua obra mais conhecida, Masculinities, em 1995.
O conceito de masculinidade hegemônica já foi apresentado e utilizado na
dissertação. Além dele, Connell nos apresente outras possibilidades de relações entre
masculinidades que nos interessam. Elas são140 a masculinidade subordinada que se
apresenta como as formas de masculinidades que fogem do padrão pressuposto pela
masculinidade hegemônica, como os da “subordinação do homem homossexual”
(CONNELL, 2005, p.78) e a masculinidade complacente.
Devido a masculinidade hegemônica ser um ideal de masculinidade a ser
alcançada, ela dificilmente possui muitos homens que seriam identificados como
correspondente a ela. Dessa forma, a masculinidade complacente abarca os homens que
aspiram alcançar a masculinidade hegemônica e as utilizam com os mesmos critérios
normativos das masculinidades que observam.
Depois de mais de trinta anos da criação e utilização do conceito, ele tem
recebido muitas críticas. Inclusive, a própria autora reconheceu e as utilizou para
repensar esse conceito fundante, intitulado Masculinidade Hegemônica: repensando o
conceito (2013 [2005]). Aqui, assumo algumas ideias desse artigo, especialmente
aquelas sobre a geografia das masculinidades onde a autora assume as múltiplas
posições da masculinidade hegemônica entre as esferas locais, regional e global.
Todavia, o artigo que mais influenciou a pensar esse conceito foi o artigo de
Christine Beasley (2008). Partindo das ideias já apresentadas pelo artigo de 2005 de
Connell, a autora busca ir além das reformulações que eles fizeram. Para isso, ela
procura expandir a taxonomia do conceito (Beasley, p.97). O pressuposto dela é pensar

139
Cientista social australiana que durante boa parte de suas pesquisas sobre masculinidades se
identificava como Robert Connel, mas que atualmente se identifica dessa forma.
140
Nos termos em inglês são respectivamente subordination masculity e complicity masculinity.

Página 112 de 159


o que acredito ter encontrado em meu próprio campo: a masculinidade hegemônica
deve ser pensada enquanto multíplice. Ela diz que “eu considerado que o termo
hegemônico não necessita de ser um tipo único indivisível” (Ibid., p.97). A autora
critica a forma como Connell determina uma suposta masculinidade hegemônica global
única, dizendo que

A masculinidade transnacional de negócios está presente como a


forma hegemônica para o mundo como um todo [Visão de Connell].
Essa observação é útil quando se trata de afirmar que as
masculinidades não são todas iguais, mas não traz nada para discutir
as relações entre diferentes masculinidades hegemônicas (Ibid., p.98).

Nesse sentido, a autora questiona Connell na medida em que ela parece atribuir a
existência de uma única masculinidade hegemônica global a uma visão limitante para as
múltiplas masculinidades que a própria autora defende. Continua afirmando que “a
masculinidade hegemônica até mesmo em nível local, pode ser vista como
hierarquizada e plural” (Ibid., p. 98). Partindo dessas críticas do conceito, que entendi e
observei durante meu campo no Penal. Acredito que tenha sido possível mapear três
possíveis masculinidades hegemônicas locais que disputam a hegemonia dentro do
sistema penal sul-mato-grossense.
Nesse capítulo, trabalharei com elas. Dividi-as em masculinidade criminosa,
masculinidade trabalhadora e masculinidade religiosa. Essas três masculinidades são
acionadas no campo pelos sujeitos como formas ideais pelas quais um homem
normativamente deveria se portar. Às vezes, elas se aproximam ou até mesmo se
entrelaçam com as mesmas expectativas, mas em outros momentos se afastam de forma
marcante. Acredito que elas estejam em disputa para ganhar uma legitimidade sobre
qual determina “O Homem” no campo do Penal.
As três masculinidades, acima referidas, possuem relações diferentes com a
violência, o que será aprofundado durante o capítulo. É preciso, antes, que seja
apresentada a forma que se trabalhará com a relação entre violência, masculinidade e a
prisão. Apesar das muitas pesquisas sobre masculinidades que vem surgindo, a relação
entre elas, violência e prisão, não foi muito estudada em nosso país.
Uma das poucas pesquisas encontradas sobre a relação entre violência e
masculinidades no Brasil foi a de Fátima Cecchetto (2004). A autora trabalha com três
grupos de jovens distintos, dois da periferia carioca (galeras do funk e frequentadores

Página 113 de 159


dos bailes de charme) e um da parte mais nobre do Rio de Janeiro (os lutadores de jiu-
jítsu). Esse trabalho foi fundamental para compreender as diferentes formas que as
masculinidades adquirem, inclusive nas camadas populares, assim como entender as
narrativas dos sujeitos do Penal em sua juventude.
Fora a obra de Cecchetto, sobre masculinidades na prisão ou entre criminosos
nada foi encontrado de produção nacional. Dessa forma, tive que recorrer à produção
internacional, que já é bem farta sobre esses conceitos. O que deu certo traz algumas
dificuldades em virtude das particularidades do sistema penal brasileiro em relação às
demais prisões do mundo, até mesmo por se tratar, algumas vezes, dos países
considerados desenvolvidos. Ainda assim, acredito que as pesquisas estrangeiras
demonstram questões interessantes sobre a formação da masculinidade no contexto
tanto do crime quanto da prisão. Optei por dividir esse capítulo em três partes: a
primeira será uma breve apresentação dos presos enquanto interlocutores e as questões
que advém disso, na segunda se analisará eles a partir de suas experiências e da
organização da massa carcerária dentro do sistema penal sul-mato-grossense, no sentido
de compreender de que forma seriam agenciadas as diferentes masculinidades a partir
desse contexto prisional particular. No segundo momento, será dado destaque para os
crimes de que são acusados, as motivações e as relações com masculinidade. Por fim, a
ideia é aprofundar a reflexão sobre a separação das masculinidades no mundo do crime
e no mundo do trabalho.

3.1 Os presos enquanto interlocutores

Uma outra questão que precisa ser pontuada diz respeito aos interlocutores.
Deixo de entender os internos como internos (assim como apareceram no segundo
capítulo). Passo a me referir a eles enquanto presos. Essa é forma pela qual eles
preferiram ser chamados no decorrer das entrevistas e conversas. Trata-se da forma que
eles se referiam a eles mesmos, bem como aos demais presos que os acompanhavam.
Com os presos, houve certos limites que não existiam com os agentes, tais como a
questão do tempo, abordada no Capítulo I.
Devido a essa questão, optei por trabalhar com eles, no texto, de forma a não os
individualizar tanto quanto fiz com os agentes. Suas narrativas se misturam a partir da
temática da dissertação. Logo, os discursos deles foram vistos em conjunto e de forma

Página 114 de 159


mais geral, do que com os agentes, com quem tive mais tempo para conversar e
aprofundar questões específicas de cada um.
Outra questão que os presos trazem, mas os agentes não trouxeram muito, diz
respeito ao discurso de si ou “escrita de si”. Devido ao efeito reeducador dos corpos,
que a prisão possui, em muitos momentos, foi notado o interesse dos presos em se
mostrarem “corrigidos”, “arrependidos” ou “mudados”, apesar de não buscar
deslegitimar as falas deles numa questão da veracidade, tão efeito foi percebido. Nesse
sentido, a história que eles me contavam

Ela foi resultado de uma complexa teia de significados que resultaram


em um tipo, muito particular, de “escrita de si” daquele sujeito.
Evidente, uma escrita moldada por diferentes contextos, sujeita a
seduções e influências de outras escritas com as quais se está em
constante interação. Esta pode ser a grande questão: cada um escreve
para si e sobre si a história e os percursos que mais lhe parecem
interessantes. Além disso, conta também aquilo que mais lhes parece
oportuno (PASSAMANI, 2015, p.83).

Dessa forma, o contexto da cadeia parece ter sido um desses contextos que
moldou, em maior ou menor grau, as narrativas dos presos. Acredito aqui que o preso
“conta também aquilo que mais lhes parece oportuno”, mais oportuno para o
pesquisador de 26 anos, branco, que apareceu certo dia de sua pena de anos, para lhe
fazer algumas perguntas sobre si mesmo.
Os nove presos entrevistados, em ordem da escolha pelos critérios do Quadro I,
da introdução, foram João, Gabriel, Lucas, Pedro, Mateus, Marcelo, Gustavo e
Guilherme. Como trabalhado com os agentes no capítulo anterior, selecionei categorias
para os presos, foram elas: cor/raça/etnia, naturalidade, trabalho, faixa etária, nível de
escolaridade, filhos ou religião quando se mostram presente e relevantes durante a
entrevista.
João se mostrou como um “ponto totalmente fora da curva” por ser bem
diferente dos outros presos. Essa diferença se dava principalmente por possuir o ensino
médio e ter iniciado uma faculdade, além de estar fazendo outra no tempo que está no
Penal. Sua condenação é de 9 anos. Ele é branco, natural de Campo Grande e tem 30
anos de idade. Durante a conversa, se mostrou como um dos presos que teria melhores
condições de vida. Sua família se adequaria ao padrão tradicional brasileiro com pais
juntos e de acordo com ele pertenceria a classe média ou alta. Ele estava tirando sua

Página 115 de 159


segunda cadeia, sendo a primeira em 2007, e a segunda e atual em 2012, as duas por
homicídio, mas na segunda possuía tráfico também.
O segundo preso com o qual tive contato foi Gabriel. Ele é pardo, do interior do
estado com a divisa entre o Paraguai e o Paraná, tem 24 anos e o ensino fundamental
completo. Ele já puxou cadeia em vários presídios do estado, em Naviraí, Dourados, na
Máxima e agora estava no Penal. Sua condenação é de 15 anos e 6 meses. Desde os 13
anos, já estava inserido no mundo do crime, tendo passado pela prisão de menor além de
diversas outras passagens por roubo, tráfico, assalto e homicídio, que estava sendo
processado ainda. Ele e o interno seguinte, foram os que mais tive dificuldade de
entrevistar e conversar, os dois não estavam muito interessados nas perguntas e se
irritavam com a quantidade de tempo ou de perguntas.
Após, encontra-se o preso Lucas. Ele já estava no quarto ano de sua pena atual,
sendo ela de 13 anos e 7 meses. Lucas é nascido, e sempre morou, em Campo Grande, é
branco, tem 27 anos e o ensino fundamental incompleto. Seus crimes são tráfico, furto,
ameaça e receptação, se considerava na vida do crime, assim como Gabriel. Durante a
entrevista, me contou que ele havia chegado no Penal depois de passar uns meses na
Máxima. Conhecia outros presos de outras prisões que pegou e de conhecer da rua. A
mudança de presídio tinha sido, segundo ele, para não morrer, devido a conflitos que
arrumou na Máxima com irmãos faccionados do PCC.
Damos seguimento com o preso, Pedro. Ele é bem parecido com João na questão
educacional e também na forma como ele se destaca por isso, possuindo ensino superior
incompleto, mas sem estudar no momento da pesquisa. Diferente de João, Pedro é
oriundo de uma família mais humilde. Ele cresceu e morou na periferia. Ele conta:
venho de uma das maiores favelas de Campo Grande. Ele é casado, tem 29 anos, é
negro e diz possuir uma filosofia de vida que estaria ligado aos valores protestantes.
Pedro é um dos poucos presos que conversei que não possuía um homicídio entre seus
crimes. Ele fora condenado por roubo, receptação, ameaça e desacato, sendo sua pena
de 9 anos e 1 mês.
Matheus é o outro preso com quem conversei. Ele, assim como alguns já
mencionados, já foi preso várias vezes. A primeira detenção foi aos 17 anos, quando
esteve internado na Unidade Educacional de Internação (UNEI). Ele é pardo, tem 28
anos e o ensino fundamental incompleto. Originalmente, sua família e ele são do
interior do estado, mas moram há muito tempo na capital. Na entrevista, ele buscou se
mostrar arrependido da vida de crimes e está querendo se acertar com a justiça. Suas

Página 116 de 159


condenações são por homicídio, roubo e tráfico de drogas. Atualmente sua pena é de 27
anos e 1 mês.
Após isso temos o preso, Marcelo. Ele tem 34 anos, nascido em Dourados, se
mudou cedo para Campo Grande e foi criado na cidade. É branco e possui o ensino
fundamental completo. Ele foi um dos que preferiu não comentar sobre seu crime, só
queria pagar a cadeia para voltar para casa porque tenho três crianças lá fora me
esperando. Sua condenação é por homicídio e tentativa de homicídio. Sua pena é de 14
anos e 6 meses.
Então temos o preso Vitor. Apesar de ser de Campo Grande, Vitor viveu sua
vida quase toda na chácara, só voltando a morar na cidade quando já era adulto e
trabalhando como pedreiro com seu irmão. Ele é branco, tem 31 anos, ensino
fundamental incompleto. Seu delito é apenas um homicídio, apesar de ter um Art.211,
que se refere à destruição ou ocultação de cadáver, do mesmo homicídio. Sua pena é de
12 anos e 8 meses.
Gustavo, foi outro com quem tive dificuldade de conversar. Ele não estava muito
interessado em falar sobre as questões que trazia. Gustavo é do interior do estado, onde
morou até ser preso. Ele é solteiro, tem 43 anos, negro, possui o ensino fundamental
incompleto, mas sei ler e escrever, conta. Seu crime é homicídio, apesar de ter passado
por porte ilegal de arma no interior. Sua pena é de 16 anos e 4 meses.
Por último, o preso Guilherme. O caso do preso Guilherme foi o mais difícil e
interessante de se trabalhar durante a entrevista, pois ele não se considerava culpado da
acusação e porque o seu crime teria sido cometido contra uma criança, logo ele ficava
no solário dos artigos. Ele é o mais velho dos presos que entrevistei, tendo 62 anos, é
negro e possui o ensino fundamental incompleto: por isso eu mal assino o nome, diz ele.
Segundo o processo dele, que já correu e ele foi considerado culpado de um homicídio e
destruição ou ocultação de cadáver, sua pena é de 26 anos.
Esses são os 9 presos a que tive acesso e cujas histórias compartilharei nas
próximas páginas da dissertação.

3.2 Presos em relações de masculinidades

A vida dos presos que passam pelo Penal pode ser vista metaforicamente dentro
dos processos de separação do Estado aos moldes montesquianos. Primeiro, passando
para o Legislativo, órgão representativo do estado brasileiro responsável pela criação de

Página 117 de 159


leis, que tanto irão determinar se ação do interno é reprimida ou não por meio do código
penal elaborado, assim como de que forma se dará essa punição pela LEP. Em um
segundo momento, suas vidas serão arrastadas pelo poder Judiciário. Ele representa o
local em que suas ações serão julgadas por meio de “especialistas” e estudiosos na
aplicação das leis do Legislativo. Nesse momento, serão decididos os próximos anos da
vida desse sujeito. No último e terceiro momento, temos o campo dessa pesquisa, em
que se aplica o terceiro poder do Estado, na figura do Executivo. No momento da
punição e ressocialização, o Executivo é responsável pela execução das decisões do
Judiciário e deverá aplicar as mesmas, conforme a legislação. Sua função, apenas, é
executar o que muito já foi decidido para essas vidas.
Essa metáfora que trago aqui, é apenas isso: uma metáfora. Ou como alguns
diriam, a racionalidade por trás do sistema que arrasta essas vidas. Só que esse sistema
não está sem suas contradições. As intersecções entre inúmeras categorias de
diferenciação, tais como gênero, raça, escolaridade, geração, sexualidade, entre outros,
produz marcadores sociais da diferença que estão presentes nessa cadeia sistemática de
políticos, juízes, advogados e agentes penitenciários.
Os 1367 presos do Penal possuem uma diversidade extensa demais para o
trabalho proposto aqui, logo não será possível esmiunçar de maneira detalhada, o que
não é o foco da pesquisa em si. No momento da chegada, o preso irá passar pelo
processo de inclusão no presídio. Os que já estão no sistema, por serem transferidos ou
reincidentes, também passam para que seus dados sejam atualizados. Indo para os dados
gerais da massa obtidos no mapa carcerário junto das narrativas dos presos, notou-se
que os marcadores sociais (escolaridade, religião e geração) se relacionavam com as
masculinidades, afetando-os, assim como, suas demais relações. Antes de tratarmos
desses marcadores é importante pontuar a categoria de diferenciação centrada na
racialização dos corpos. Nos estudos estrangeiros sobre masculinidades, Connell (2005)
coloca a masculinidade negra enquanto uma masculinidade marginalizada, no sentido
de ser uma masculinidade que se constitui nas margens da masculinidade branca que
seria a hegemônica. Outros, como Nandi Crosby (2002), buscam estudar a partir de 37
presos a re/construção das masculinidades negras em contextos prisionais na Califórnia,
observando um contexto racial negro como base para formação dessa masculinidade.

Página 118 de 159


No Penal, dos 1367 presos, 852 se consideram negros/pardos e 513 brancos,
sendo a questão racial de grande relevância141 para os estudos de prisão no Brasil.
Apesar dessa realidade, durante o campo, mesmo com a multiplicidade de presos
brancos, negros ou pardos entrevistados, não se identificou nos discursos dos mesmos
uma relação entra a questão da raça e as possíveis masculinidades que decorreriam da
influência dela. Suponho que as particularidades históricas e culturais do país a respeito
da miscigenação, assim como as condições de superlotação nos presídios, parecem não
surtir uma separação distinta entre os homens brancos e os homens negros/pardos.
Ainda assim, destaco que aqui, não busco negar a existência de uma masculinidade
negra brasileira142, ou formas em que a negritude se ligaria na constituição de uma
masculinidade específica.
Outro ponto a destacar é que, apesar de não haver dados objetivos sobre a
questão da classe econômica que os internos ocupariam, a mesma pode ser obtida em
relação às perguntas em articulação com os outros marcadores sociais. O principal
marcador que se ligaria com a classe foi a escolaridade. No IPCG, os 1367 internos se
dividem em143: 818 EFI, 202 EFC, 153 EMI, 87 EMC, 21 ESI, 12 ESC, 48 Analfabetos
e 26 Alfabetizados.
Para se ter uma noção do nível baixo em escolaridade que se tem na prisão,
podemos observar a idade considerada adequada pelo Ministério da Educação (MEC).
De acordo com ele, a idade adequada para se terminar o ensino médio completo seria a
de 19 anos. Como todos os presos do Penal estão acima dos 18 anos completos, temos
aproximadamente 85% da massa carcerária abaixo da expectativa elaborada pelo MEC,
tendo esses 85% apenas o ensino médio incompleto ou escolaridade menor. Isso é
perceptível para os próprios presos, para quem uma alta escolaridade se mostra como
uma distinção valorativa. João, por exemplo, diz que ter um grau de instrução melhor é
um diferencial né até entre os presos. Da parte dos agentes, os escolarizados são
considerados os com o melhor comportamento, e eles acabam dando certos benefícios
para esses presos. João era um desses, ele estava numa cela “melhor”, que possuía a

141
Essa questão sempre é presente nos dados gerais sobre a população prisional, onde de acordo com
Infopen 2016 temos 64% de negros/pardos e apenas 35% de brancos que se encontram nas prisões.
142
Temos a pesquisa a partir de obras literárias que Richard Miskolci (2012) realizou pensando a
branquitude, junto da questão de masculinidades no Brasil dos fins do século XIX. Além disso temos a
pesquisa de Rolf Souza (2009) a respeito das representações do homem negro na sociedade brasileira.
143
As siglas significam respectivamente: Ensino Fundamental Incompleto ou Completo, Ensino Médio
Incompleto ou completo e Ensino Superior Completo ou Incompleto.

Página 119 de 159


capacidade de 5 pessoas, mas tinha 16 presos. Mesmo estando acima da capacidade de
pessoas, ela é bem distante da realidade de até 70 pessoas que os presos mencionam
existirem em outras celas.
João apesar de ter percebido o diferencial que a escolaridade faz, optou por não
usufruir tanto desse diferencial na relação com os outros presos. João acabou fazendo
mais o movimento que vai na política de boa vizinhança né... cumprimento e tal, mas eu
procuro não ficar muito envolvido, partindo da ideia de quanto menos se envolver,
melhor. Ele apenas procurou pagar logo a cadeia e não correr nenhum perigo, muitos
dos presos fazem esse movimento, principalmente os trabalhadores. Onde se afastam da
massa estando ali apenas para cumprir sua sentença sem muito se relacionar com os
demais presos. Mas a mesma ideia não é válida para Pedro, o segundo mais escolarizado
dos presos entrevistados. Ele utilizou desse diferencial para, de certa forma, conseguir
uma liderança entre os presos. Para ele, a educação privilegiada que possuía fez uma
diferença grande, eles me dão uma credibilidade, vi em mim uma oportunidade de
representar eles.
Assim, Pedro constituiu sua masculinidade e a escolaridade em conjunto, para
formular então o que estou definindo como a masculinidade religiosa. Com os dados
que acessei não tive a possibilidade de saber a quantidade e as diferentes religiões que
existem no Penal, mesmo assim optei por essa conceituação. Apesar de pensá-la
enquanto uma masculinidade religiosa, ou seja, algo que pode ser pensando de forma
mais abrangente devido às diversas religiões. Aqui, ela deve ser entendida em seu
sentido mais coloquial, tratando assim das diversas vertentes hegemônicas brasileiras de
cunho cristão. Pois, a massa carcerária não diferencia as diversas nomenclaturas dos
grupos cristãos, para eles, a distinção é feita da seguinte forma: o povo religioso lá ou
os presos do solário dos evangélicos. Dessa forma, Pedro nos relata que é entendido
pelos demais presos como pastor e tudo mais, só que para ele isso seria apenas rótulo
que se cria. Prefiro quebrar esse rótulo. Porque a palavra acaba se transformando
numa barreira. Mas o que seria e onde estaria essa masculinidade religiosa? Quais
seriam os seus atributos?
Esse solário dos evangélicos, onde Pedro está, ocupa uma relação interessante
com o resto da massa carcerária. Nesse local, que, como já foi comentado, existem
regras próprias elaborada pelos próprios presos. As masculinidades ali se
interseccionam com o carisma pessoal ou, como no caso de Pedro, com sua
escolaridade. Ele diz que arrumou essa função por eles [os outros presos] não terem um

Página 120 de 159


conhecimento, um vocabulário, para poder tá se expressando. Essa masculinidade se
assentaria na ideia de homens honrados ou homens com dom da palavra, que se
constituiu com valores das boas obras e o trabalho voltado para o próximo. Para se
constituir esses valores entre os presos do solário mencionado, temos a dinâmica em
que eles ao mesmo tempo

Procuram personificar os ideias e valores cristões, [enquanto] também


transitam pelos códigos e valores do universo carcerário para obter
respeito entre os presos. Por transitarem entre dois universos de
significações muitas vezes conflitantes e aparentemente opostos entre
si, os “irmãos” enfrentam a desconfiança dos demais presos acerca da
sua real conversão (BOARCCAECH, 2009, p.63).

Pedro experimentou isso dos outros presos, ao comentar que existe uma lei que
se a pessoa chega ali no corró144, e tentar ir direto para esse grupo, os presos que estão
mais para criminalidade vão falar 'Ah tá querendo se esconder, tá se protegendo'. Essa
masculinidade possui uma visão de cuidado mais tradicionalmente associada às figuras
femininas como já vimos. Nela, temos a negação de qualquer tipo de violência física na
resolução de conflitos. Nessa masculinidade, o controle, respeito e autonomia do corpo
são fundamentais. Por meio das regras que proíbem estar sem camisa, resguardando a
exposição do corpo em público, e a não utilização de substâncias que alterem a
consciência, como cigarros ou bebidas. Pedro comenta que essas seriam as formas mais
inteligentes, mais sábias, mais caridosa com as pessoas onde os homens devem tentar
entender os problemas dos outros. Ao alcançar uma posição de destaque a partir da
masculinidade religiosa, os presos recebem um reconhecimento dos demais. Nesse
sentido, existe um profundo respeito, eles falam que é algo muito sagrado aqui dentro, e
até mesmo, por parte dos agentes do Penal se tem essa diferenciação os separando em
um respectivo solário entre iguais. Os agentes consideram-nos como pessoal mais
tranquilo de trabalhar, e exemplo pros demais.
É importante ressaltar que diferente das outras masculinidades que veremos mais
a frente, a masculinidade religiosa se mostra como uma resistência. Essa masculinidade
é perfomatizada tendo a negação da violência como pressuposto de solução dos
conflitos, algo diferente as outras masculinidades elencadas. Se afastando assim das
144
Corró é a palavra que os presos usam e, que, os agentes usavam no PTRAN, para se referir ao presídio
de trânsito. Local onde todos os presos, menos os dos artigos (crimes sexuais e contra crianças), passam,
antes de serem encaminhados, para uma unidade maior.

Página 121 de 159


masculinidades que informariam que a constituição enquanto homens exigiria a
prerrogativa do comportamento violento. Assim, os atos violentos não são vistos
enquanto negociáveis ou positivados, são vistos enquanto atos negativos e que devem
ser evitados.
Além do fator da escolaridade, outro que possui uma estreita relação com as
masculinidades diz respeito à geração. O Penal só recebe internos que fizeram 18 anos,
sendo os menores mandados para as unidades de adolescente em conflito com a lei. A
variação no IPCG das idades é até relativamente grande, temos 141 dos 18 a 24 anos,
257 dos 25 a 29, 302 dos 30 a 34, 429 dos 35 a 45, 193 dos 46 a 60 e por último 45
maiores de 60. Nota-se logo que a maioria dos internos (988) está entre os 30 e 45 anos,
uma população carcerária mais velha se comparado com os números nacionais, nos
quais dos 18 aos 29 anos compõem 54%145 de todas as pessoas privadas de liberdade.
A questão da geração em relação às masculinidades funciona de duas formas em
seus extremos, nos adolescentes ou moleques e nos idosos ou senhores de idade. No
primeiro caso, temos a distinção que é criada mais no mundo do crime, que busca
separar os moleques dos homens de verdade. Essa separação não irá aparecer como
muito importante para o universo do trabalho, pois a maioria dos presos começa a
trabalhar informalmente desde cedo.
No solário dos evangélicos, ela aparece apenas na questão da sabedoria dos mais
velhos, mas não sendo tão valorativa. No mundo do crime, a transição do universo
infantil ou adolescente para o mundo adulto é de fundamental importância para a
produção da masculinidade, pois os menores não seriam nem dignos de respeito nem de
honra, sendo considerados apenas meninos, diferindo assim do homem adulto.
Essa questão apareceu nos discursos de vários presos, mas não como uma
experiência pessoal e sim como uma fala dos outros presos mais novos que chegam ao
Penal com 18 anos. O preso mais novo que entrevistei foi o Gabriel, ele já demonstra
que para se ganhar o respeito dos demais presos tem que ter uma caminhada no crime tá
ligado? Tem uns novinhos que quer chegar chegando aqui [no presídio] e não é assim.
A experiência no crime se adquire tanto pelos tipos de crimes, bem como pela forma
como ele se deu, mas também pelo tempo que se está nessa carreira. Seriam estas
possibilidades que fariam o preso mais jovem ganhar um status maior e ser considerado
homem de verdade.

145
Infopen, 2016.

Página 122 de 159


Os mais novos são considerados moleques até que se prove seu comportamento
para o resto da massa. Essas provas acontecem por meio da resistência à ofensa ou
provocação dos demais presos, principalmente, no que diz respeito à sua masculinidade.
Os presos mais antigos costumam testar os mais jovens a partir de categorias acusatórias
e depreciativas naquele espaço, como viado, bichinha, moleque, frangote e variações.
Se o recém-chegado no Penal for um preso mais jovem, e deixar que as ofensas
ocorram sem responder com ofensas ou até mesmo retaliação violenta. Ele terá sua
virilidade e masculinidade questionadas perante o resto da massa, abrindo a porta para
abusos constantes durante seu tempo lá. Nesse sentido, os homens mais jovens são os
que se mostram bastante sensíveis às instâncias de desrespeito ou do questionamento de
sua masculinidade em público do que os homens adultos que chegam no Penal.
Na outro metade do curso de vida, temos o senhor de idade que normalmente diz
respeito a todos os homens mais velhos, geralmente acima dos 50 anos, que estão no
presídio. Por exemplo, no caso de Guilherme, o preso mais velho entrevistado, com 62
anos, conta que, eles me respeitam muito, por causa da minha idade. Apenas o fato do
homem ser mais velho já viraria um fundamento para adquirir respeito dos demais
presos. Ele ainda acaba por apoiar os mais novos quando chegam por causa de sua idade
em si e não pelo tempo que está preso, porque chega muitos aí menos experientes aí vai
conversar comigo explicar para eles como que é.
Guilherme também recebeu o benefício de virar a voz da cela em que está. Ele
foi escolhido entre os 46 presos de sua cela. Esse cargo é uma espécie de poder político,
pois ele vira o representante da cela e intervém em conflitos. Sua função é ser
responsável pela resolução deles. Segundo ele, se os cara tão querendo se pegar no
tapa, aí tenho que descer, ir lá, apartar e conversar, entendeu?. Vemos que a
masculinidade no Penal se desenvolve em conjunto com o curso de vida do homem
enquanto o mesmo chega naquele espaço, indo de uma falta de masculinidade nos
moleques para a masculinidade viril do homem adulto e terminando na masculinidade
que merece respeito do senhor de idade.
Apesar da relevância que essas questões têm em relação à dinâmica dos presos e
à hierarquia dos mesmos, elas de nada valeriam se as regras da prisão não forem
seguidas. Então, independente da educação, religião ou idade, essas devem ser seguidas
por todos para que exista, segundo eles, a boa convivência. Elas fundamentam o ideal
de homem da masculinidade criminosa. Elas são aplicadas, ou pela própria massa, ou,
como na Máxima, pela a facção. As regras do crime e as do PCC são bem próximas.

Página 123 de 159


Elas se diferenciam apenas na questão dos homossexuais. As três regras fundamentais
do ambiente prisional são: Não pode roubar dos outros presos, ratiagem146 e a
talaricagem147.
Como percebido por José Ramalho (2008), nas prisões dos anos 70 no Brasil,
“as brigas e mortes que ocorriam por infrações a essas regras eram frequentes, segundo
os presos” (2008, p.43). O mesmo ocorreu no Penal: as maiores desavenças se davam
pela quebra de algumas dessas três regras. A resposta para elas, geralmente, acabava em
violência física. Apenas no caso do solário dos evangélicos que o conflito se resolvia
pela expulsão do solário. As regras ligadas à talaricagem e ao caso dos homossexuais
sãos as que se ligam diretamente com as questões de masculinidade, pois as duas
estariam envolvendo a percepção dos outros presos sobre sua honra e respeito na
condição de homem de verdade.
Quem demonstra essa questão é Daniel Welzer-Lang (2001) tratando a respeito
da construção do masculino, que se dá tanto pela homofobia e crítica às relações
homoafetivas, quanto em relação ao controle dos corpos das mulheres. No caso da
talaricagem, vemos claramente isso na medida em que o preso se relaciona com a
mulher do outro. A questão que está sendo pensada é como o homem foi desonrado e
desrespeitado em sua masculinidade viril e controladora dos corpos femininos. Na
prisão, tal ofensa à honra de outro preso, necessita de uma resposta violenta que, a partir
do momento que isso é descoberto, se torna assim uma violência legítima tanto contra a
mulher, mas, principalmente, em relação ao outro homem.
Na questão das relações homossexuais, a situação se complica, pois algumas
partes da massa permitem, em certo sentido, esse tipo de relação. A facção na Máxima,
no entanto, proíbe veementemente qualquer relacionamento de um irmão com outro
homem ou travesti. No primeiro caso, parte da massa não aceita que existam
homossexuais em sua cela ou solário e os obrigam a ser mandados para o solário dos
homossexuais. A parte que os aceita, está de acordo com o que Peter Fry (1982)
teorizou a respeito dos modelos classificatórios da sexualidade brasileira, em que
haveria uma hierarquia nas relações homossexuais. Uma nítida separação entre os
“machos” e os “bichas”.
146
Seria a mesma ideia do caguete, onde o preso entrega seus companheiros para a polícia ou até mesmo
auxilia os policias.
147
Seria a ideia de “roubar” a mulher de outro preso. Guilherme define assim talaricar: é o cara se
envolver com a mulher do outro, isso aqui é gravíssimo aqui na cadeia, é imperdoável.

Página 124 de 159


Logo, nas relações sexuais e, eventualmente, afetivas entre dois presos, um
perde sua masculinidade por completo ao desempenhar uma performance passiva,
enquanto o outro não perderia sua masculinidade se fosse reconhecido como ativo. Ele,
ainda, seria responsável pela proteção da “bicha” com quem se relaciona. Nesse sentido,
o movimento que a massa faz, no geral, é o de exclusão dos “bichas”, que devem ir para
outro solário, no pavilhão que eu moro mesmo não tem nem um homossexual, não
aceitam, que não permite esse tipo de relação. Até o movimento que possui uma
indiferença com relação a eles, que costuma dizer, que não vai me interferir em nada o
cara se relacionar com outro homem, desde que não tira meu espaço.
Na visão da facção sobre a homossexualidade, quem nos traz uma história
interessante é o preso Lucas. Quando o entrevistei, ele havia chegado há pouco tempo
no Penal e estava fugindo da Máxima devido a uma caminha errada que fez por lá. Ele
explica

Infelizmente eu entrei nos quinze para provar uma caminhada de um


irmão que é um integrante da facção e onde não consegui provar e
tive que sair para não morrer. Eu tinha que provar, isso foi uma
caminhada que aconteceu lá na rua. Que quem é irmão, é comando,
faz parte dessa facção, não pode ter relação com viado, travesti, essas
caminhadas entendeu? Se existir no caminho deles, eles podem até
tomar um pau dentro da cadeia, ou até perder a vida em cima dessa
caminhada. É uma regra da facção, onde parou no meu ouvido e
pediram para mim levar até o conhecimento do comando, esse tipo de
ideia. [...] Aí ele criou uma rivalidade contra mim, se eu parar na mão
dele, eu perco minha vida. [...] Os caras escutaram a mensagem,
só que ele não foi punido porque eu não provei. Não consegui
provar, aí ficou minha palavra contra a dele.

Lucas, tentando ganhar uma responsa com os irmãos do PCC, utilizou algo que
ouviu na rua de conhecidos sobre o comportamento de um dos irmãos. Mas, como não
conseguiu apresentar nenhuma prova sobre sua acusação, sua fala tem poder menor dos
que os membros do PCC, logo ele se viu em risco de vida por essa acusação e teve que
se proteger indo para o Penal. A Máxima sob o controle do PCC possui uma visão de
masculinidade bem mais exigente do que a massa não faccionada, para ela, nenhuma
forma de sexualidade além da estritamente heterossexual seria permitida por parte de
seus membros, sejam eles homens ou mulheres. Quem percebeu algo semelhante foi
Natália do Lago (2014) que, ao notar em uma festa de dia das crianças no presídio
feminino do Comando, foram distribuídos presentes com recortes de gêneros

Página 125 de 159


determinados (carrinhos para os meninos e bonecas para meninas), ela diz que “as
distinções de gênero operadas pelo PCC não deixam de dialogar com as concepções
eventualmente presentes entre as demais mulheres” (2014, p.36).
Apesar do peso que a facção, no caso o PCC, possui na regulação dos seus
irmãos a respeito das questões de gênero e sexualidade, não considero que ela seja a
formadora em si da masculinidade criminosa, pois no mundo do crime ela é apenas
mais uma das facções que tentam organizar os presos e criminosos na rua. A facção no
estado do Mato Grosso do Sul não se apresenta como a única alternativa dos presos. Na
Penitenciária Estadual de Dourados (PED), por exemplo, João nos diz a respeito dos
presos que não são faccionadas. Eles são as OPN né, oposição neutra, que são contra
facções. A OPN seria um coletivo de presos que se uniu para impedir o controle do PCC
naquele presídio. Dessa forma, busco pensar a masculinidade criminosa como uma
forma de masculinidade que disputa a hegemonia no mundo do crime como um todo, às
vezes, representado pelo PCC, às vezes, pela própria massa carcerária com suas regras.

3.3 Entre trabalhadores e bandidos: violência criminosa

A violência física ou ameaça dela é presente nos discursos de todos os presos,


não apenas como vítimas ou perpetradores, mas como observadores passivos também.
Então, temos, em todos os momentos, falas como aí o outro arruma briga; brigas por
mulher; com medo de ser morto; sair no soco, com nariz quebrado, cara quebrado;
tinha ameaçado de morte; já vi morrer preso na minha frente; Frases como essas se
tornaram comuns durante as entrevistas. Vemos que a vida de um preso está em uma
tensão constante com a violência próxima ou até mesmo imediata.
Quem irá pensar sobre uma suposta constituição violenta é Norbert Elias (1994),
partindo do processo civilizador que a Europa passou no período da idade média.
Falando sobre as “mudanças na expressão da agressividade”, ele comenta que “o medo
reinava em toda parte e o indivíduo tinha que estar sempre em guarda” (ELIAS, 1994,
p.244). Ao ler isso, pensei, imediatamente, sobre a realidade da qual os presos
costumam falar e, sobretudo, acerca de como, na prisão, eles deveriam ter essa postura:
sempre estar atento. Mas Elias, nesse trecho, está se referindo à realidade medieval
europeia, algo bem distante da realidade contemporânea brasileira em determinados
grupos sociais.

Página 126 de 159


Porém, ao pensarmos na tese de Elias a respeito do processo civilizador, e como
os padrões de agressividade foram mudando por meio dele, parece possível aproximar
esta formulação teórica da realidade de muitos presos que eu tive contato. Eles
cometeram seus homicídios como uma forma de resolução de conflitos em seu meio
social e, muito justificadamente, por uma descrença no Estado e em seu monopólio da
violência, que deveria resolver o conflito por meio de seu sistema de justiça.
Ao pensar essa questão da violência, devemos ficar atentos a dois marcadores
fundamentais: classe e gênero. O próprio Elias junto de Eric Dunning (1992) vão tratar
a respeito disso, quando buscam pensar a “socio-gênese da masculinidade agressiva”. A
partir de setores da classe trabalhadora britânica, eles observam que, devido à exclusão
dos homens desses setores das esferas educacionais e profissionais, que costumam ser
fontes da formação identitária de homens em classes mais altas (1992, p.376), a
violência e agressividade seria então um dos lugares em que eles conseguiriam adquirir
esse prestigio. Nesse sentido então,

A violência nas relações face a face é, em geral, condenada enquanto


nas primeiras [classes trabalhadoras de nível mais baixo] existe um
maior número de contextos e de situações em que a expressão
manifesta de agressão e de violência é tolerada e sancionada de modo
positivo [...] nas classes “respeitáveis” há a tendência para violência
ser oculta e, quando ocorre, para tomar em contrapartida uma forma
mais nitidamente “instrumental”, conduzindo ao aparecimento de
sentimento de culpa (ELIAS; DUNNING, 1992, p.375).

Nesse contexto, crianças e jovens das classes populares estariam sujeitos a uma
“disposicionalidade violenta”, como aponta o sociólogo Marcos Rolim (2016) ao tratar
a respeito da formação de jovens violentos. Seria também o que Alba Zaluar (1994;
2014) chamaria de “sociabilização violenta” isso que daria o “ethos ou disposições para
a guerra, exibidos por jovens pobres e vulneráveis que vivem nas favelas do Rio de
Janeiro” (ZALUAR, 2014, p.12). Compreender essa constituição da violência é
fundamental148 para entender a masculinidade criminosa e a masculinidade

148
Gostaria de deixar claro que aqui não se busca reforçar a tese de que “a pobreza é a causa da
criminalidade, ou do aumento da violência urbana” (MISSE, 1995, p.4), como Michel Misse (1995) em
seu Cinco Teses equivocadas sobre a criminalidade Urbana. Pois, como o próprio autor reconhece em
seu artigo, isso significaria dizer que todos ou a grande maioria dos pobres ou membros da classe
trabalhadora, seriam criminosos, o que está totalmente longe da realidade. O que se buscou apresentar é
de que forma a classe se relaciona com o gênero masculino para produzir determinada aceitação ou
legitimação do comportamento violento.

Página 127 de 159


trabalhadora. Esse é o tipo de ambiente que constitui essas duas masculinidades, apesar
das duas se relacionarem de forma muito diferente com essa sociabilização.
A partir das motivações traçadas por José Silva (2014) sobre a violência
praticada por homens, temos: “vingança, prestígio, honra, coragem, preponderância
sexual, heterossexismo, prerrogativa compulsória de chefia e a ambição, avidez ou
cobiça material” (2014, p.11). No caso dos presos entrevistados, não foi identificado nas
narrativas deles nem motivações a partir do heterossexismo, todos os outros aparecem
como motivações para os respectivos crimes que assumem ter cometido ou são
acusados pela justiça.
O preso João tinha sido acusado de dois homicídios. O primeiro homicídio
ocorreu em 2007, com outro homem de idade próxima. Segundo ele, foi por causa de
uma desavença com briga de namorada, tinha uma menina que ele gostava e eu
namorei ela, e ele se irritou com isso e como ele era um cara mais violento. Depois de
muitas ameaças, que teriam vindo dele, João então arrumou uma arma e, depois de uma
briga com ele, acabou matando-o.
De acordo com João, o crime foi cometido por medo, pois a vítima era menor
infrator também né, já era um cara perigoso. Já estava ligado com crime. O segundo
homicídio que ele se envolveu foi a partir de uma tentativa de homicídio do seu pai.
Um homem teria atirado no pai dele, então, conta: eu peguei meu carro, estava pra fora,
aí no meio do caminho ele abordou o carro pra atirar novamente né, aí eu matei o cara
atropelado. Esse não constava nos registros, porque segundo ele teria sido absolvido, foi
legítima defesa, foi provado.
No primeiro caso, temos um homicídio motivado por questões de
relacionamentos amorosos. Trata-se um pouco do sexismo que Daniel Welzer-Lang
(2001) discute, onde a mulher é vista como uma propriedade disputada entre homens.
Algo que os presos confirmam acontecer bastante quando questionados sobre as
mulheres no mundo do crime. Na fala deles, elas sempre tinham um papel passivo e na
maioria das brigas a mulher sempre é o pivô de tudo né. A mulher é motivo de guerra,
de disputa. No segundo homicídio, de acordo com João, o homem que tentou matar o
pai dele se sentiu acusado devido desacordo comercial com seu pai. Nesse ataque à sua
honra e palavra enquanto homem, o mesmo buscou uma retaliação contra o pai de João,
fazendo assim a tentativa de homicídio na qual acabou ele mesmo vindo a óbito pela
ação do João com o carro.

Página 128 de 159


Gabriel era um dos presos que estava apenas acusado de homicídio, então não
tinha interesse em falar sobre ou sofrer uma sanção no Penal. No entanto, durante a
entrevista, foi possível perceber que o homicídio cometido tinha como motivação uma
guerra sobre o controle de pontos de venda de drogas. Segundo ele, é guerra ele vai
querer me pegar, então vou lá pegar ele antes. As motivações tratam de prestígio, por
um lado, pois o mesmo pertencia a uma quadrilha que vendia drogas e disputava
território; e, por outro, da busca por lucro, parte da ambição presente também no mundo
do crime.
Matheus, segundo ele, cometera um homicídio porque arrumei rixa com
algumas pessoas e cometi o homicídio. Já tava na condicional quando cometi. O
motivo do homicídio teria sido disputa pelo comando de uma boca de fumo. Na sua
ficha, ele possuía um qualificador, o I- mediante paga ou promessa de recompensa, ou
por outro motivo torpe. Aqui, pensamos então que as motivações teriam sido por
prerrogativa compulsória de chefia ou ambição, avidez ou cobiça material. Muitas das
falas dos presos sobre a questão da entrada no crime se dava pelo prazer que se teria
com esse poder representado pelas armas: Ah, claro que eu gostava. Ah é o poder, né.
Nesse sentido, as armas aqui são pensadas enquanto

Os braços, as mãos, signos ostensivos de potência, têm também


vocação para se prolongar através da arma, atributo masculino por
essência, que aumenta o seu poder [...], mas o século XX impõe
progressivamente a arama de fogo, o calibre [...] objeto de uma
verdadeira cultura, ou melhor, de um culto masculino (KALIFA,
2013, p.305).

No caso de Marcelo, ele não se sentia confortável ao falar sobre o crime, disse
incomoda, não gosto de voltar atrás assim. Optei então por cruzar os dados da Agepen
com notícias presentes na mídia e o processo no judiciário149, caso tivesse acesso. Com
os dados do processo, Marcelo foi condenado por apenas um homicídio, mas possuía
outro e duas tentativas ainda que seriam julgadas.
De acordo com as notícias e processo, Marcelo teria ido à casa da ex-mulher no
horário da madrugada, jogado gasolina nela e no namorado, que estava dormindo na

149
Essa opção foi utilizada como forma de ter mais versões do ocorrido. Como já foi dito, nesta
dissertação não se está buscando uma verdade nas falas dos interlocutores. O mesmo se aplica às notícias
da mídia e dos dados no sistema da Agepen. Eles são usados para expandir a compreensão do fenômeno
que relaciona a violência com as masculinidades.

Página 129 de 159


sala, e ateado fogo nos dois. Os dois acabaram morrendo e dois parentes que estavam na
casa, que foi incendiada, tiveram que sair do local. Por uma das mortes, ele já está
cumprindo a pena de homicídio com qualificador IV - à traição, de emboscada, ou
mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do
ofendido. A motivação do crime resultava do fato de Marcelo ter se sentido diminuído
enquanto homem com o término da relação, e não ter aceitado a atitude da ex-mulher,
nem mesmo o começo do relacionamento dela com um novo namorado. Em vista disso,
por vingança, usou de extrema violência.
O preso Vitor tem a particularidade de ter cometido o crime junto do irmão.
Segundo o mesmo, o seu irmão é que teria desferido os golpes de facão. O conflito
iniciou devido à vítima ter falado para o dono da obra que meu irmão não tava
pagando ele. Ou seja, ele acusou o irmão de Vitor de não ter pagado o pedreiro, sendo
sua responsabilidade enquanto mestre de obras. Depois disso, de acordo com a versão
de Vitor, houve uma série de ameaças: foi lá na casa da minha irmã com a mulher do
meu irmão, fez ela passar mal, chegando a fazer a esposa do irmão perder o neném.
Com isso, o irmão chamou Vitor e um primo deles, para trocar umas ideias com
o cara, nisso começou a lutar em luta corporal, fui tentar separa, ele já quis dar soco
também. Aí, nós desmaiemo ele, os três pegaram o homem desmaiado e levaram para
uma região de mata, fora da cidade, onde o irmão dele teria dito vamo matar ele, vamo
matar ele. Vitor teria respondido: nós damos uma surra nele e largamo dentro do mato.
Ao retirar o homem desacordado do carro, Vitor teria se afastado, e no momento
seguinte, seu irmão veio e só escutei os barulhos do facão cortando ele, já deu
decapitação. Vitor foi acusado de cúmplice do homicídio com dois qualificadores, o II-
por motivo fútil e o IV. A morte teria sido motivada pelo desacerto com os salários e
ameaça à família. Pensamos aqui então em um crime a partir da busca por resguardar a
honra da família e, quem sabe, por cobiça material de ambas as partes.
Gustavo, outro preso, apesar de não explicar muito sobre a motivação da briga,
que resultou no crime pelo qual foi condenado. Segundo ele, estavam trabalhando
juntos no campo, na limpeza de uma zona de mata, com facão. Havia três pessoas, mas
só estavam os dois no momento do ocorrido. Eles começaram a discutir, segundo
Gustavo, aí ele veio e me deu uma mãozada aqui na cabeça. Ele me agrediu primeiro.
Isso era algo repetitivo nos discursos dos presos. Era uma razão para desqualificar a
vítima, alguma acusação sobre o comportamento dela (agrediu primeiro; ele que

Página 130 de 159


iniciou; só estava me defendendo; era um ou outro) ou por meio de quem ela seria (era
traficante; drogado; conhecido por ser violento).
Nesse momento, houve uma briga entre os dois. Gustavo disse que foi feio. Eu vi
a morte. Foi com faca o negócio, violento. O mesmo só acordou no hospital e já tava
preso. Apesar de alegar legítima defesa no julgamento, o juiz não aceitou e ele foi
encaminhado para o presídio. No caso de Gustavo, sua ficha consta que o homicídio
está com um qualificador de “motivo fútil”. Eis uma outra forma violenta de resolução
de conflito entre homens.
Guilherme, o preso mais velho com quem tive contato, não se considera culpado
do crime acusado. Ele foi acusado de matar uma criança. O caso, de acordo com ele,
iniciou depois de um mal término com a mãe do menino que morreu. Segundo ele, a ex-
mulher prometeu que ia acabar com a minha vida. Assim, quando o menino
desapareceu a mesma teria acusado-o. Em sua opinião, ele estaria preso de forma
equivocada e não sabia nem se ele [o menino] morreu, para mim tem apenas as
conversas que eu ouvi que ele morreu afogado.
Já nas versões da mídia e da acusação no julgamento, Guilherme teria pagado
para seu vizinho maior de idade e três adolescentes (dois homens e uma mulher)
baterem e sequestrarem o menino. Depois de fazerem isso, levaram-no para casa de
Guilherme, onde o mesmo continuou o espancamento até a morte do garoto. Por fim,
enterraram-no em um local afastado. Guilherme ainda teria voltando junto de seu
vizinho para desenterrar o corpo, mutilá-lo e queimá-lo, como forma de destruir as
provas. A motivação teria sido por vingança, em face de não aceitar o término do
relacionamento com a mãe do garoto.
Observando de forma mais abrangente, todos os crimes foram bastante violentos
e possivelmente estavam ligados às masculinidades. As situações mostram conflitos que
não foram resolvidos por meio do diálogo ou de formas legais, por meio da polícia, mas
pela violência física. A possibilidade do uso da violência física para resolução de
conflitos é algo comum às masculinidades criminosa e trabalhadora, apesar de
possuírem formas de legitimação diferentes para os dois grupos a aceitarem ou
condenarem.
A separação das classes populares entre os trabalhadores e os bandidos é uma
formulação clássica (Zaluar, 1994; Ramalho, 2002; Feltran, 2008) no estudo de
violência e criminalidade no Brasil. O que se busca aqui é pensar estas disjunções
associadas à categoria generificada das masculinidades. Mesmo na prisão, onde todos

Página 131 de 159


seriam “criminosos”, essa separação é latente no discurso, tanto dos agentes, dos quais
ouvia: o delito dele não é bandido, não é ladrão; quanto dos presos, ao reforçar que
ideia diferente é que a do crime é do crime e a pessoa que trabalha é que trabalha.
Zaluar percebeu que “as relações entre bandidos e trabalhadores se mostram
muito mais complexas e ambíguas” (1994, p.132). Nesse sentido, são vidas que, muitas
vezes, se entrecruzam. Um mesmo sujeito pode um dia ser do crime e depois deixar de
ser. Apesar disso, no momento das entrevistas, os presos (João, Pedro, Matheus,
Marcelo, Vitor, Gustavo e Guilherme) deixavam claro150que são considerados aqui
enquanto trabalhadores. Apesar de terem cometido crimes, alguns com extrema
violência, como os casos de Marcelo e Guilherme, todos eles tinham pouquíssimas151
passagens criminais em suas fichas, e quando tinham alguma anterior era apenas por
crimes não tão graves, como furto ou receptação, afastando-os assim do mundo do
crime tradicional, presente hegemonicamente nas relações com o tráfico.
Essa separação dos presos pode ser percebida, até mesmo, no discurso dos
agentes de segurança, José, por exemplo, comentou que tem aquele que caiu aqui por
acidente, porque sei lá, deu alguma coisa de fúria nele lá aí cometeu algo, matou
alguém, ou seja, o que aqui estamos considerando a masculinidade do trabalhador. O
homem enquanto trabalhador, assim como o bandido, cresceu inserido em um ambiente
violento, pois os dois pertencem, geralmente, à mesma classe social e interagem muito
com a violência nas comunidades onde moram.152 Logo, a violência não é negada pelo
homem trabalhador, mas, diferente do criminoso, ela não é um motivo para se orgulhar.
A violência é percebida como um mal necessário para se defender de diversas formas,
proteger sua família, sua honra ou fazer pagar quem te fez sofrer.
Normalmente, o delito cometido se mostra muito pontual, como diz o agente, em
um momento de fúria. Isso explicaria porque apenas João utilizou uma arma e o mesmo
150
Ao demarcar esses sujeitos enquanto trabalhadores ou bandidos, aqui não se procura fazer um
julgamento de valor sobre respectivas posições que eles ocupam. Apesar de, durante as entrevistas,
sempre predominar a percepção de eles quererem se passar por trabalhadores, e que estavam cansados ou
queriam desistir da “vida do crime”. Apenas Lucas não se mostrava preocupado de ser enquadrado dessa
forma. Mas é de se esperar esse discurso, devido ao contexto do campo. Eles acionam a categoria
“ressocializado” como uma forma de tentar diminuir sua pena ou ser visto como uma pessoa que se
redimiu.
151
Considero Matheus um caso particular, pois o mesmo possuía crimes ligados ao universo do tráfico.
Durante sua entrevista, ele assumiu que tinha estado na “vida do crime”, mas teria saído na sua segunda
prisão, pois quero mudar minha vida, eu to decidido a mudar e vou mudar. Muito tempo perdido, 10 anos
é tempo.
152
Acho importante deixar claro que aqui não se pressupõe uma valoração a respeito da violência, sendo
ela vista como justificada em determinados grupos sociais. Nesses contextos, ela é reconhecida como
recurso legítimo de justiça, que seria acessível a esses homens.

Página 132 de 159


além de ter cometido outro homicídio com o carro, havia comprado a arma após as
ameaças da vítima. A maioria dos homicidas dessa masculinidade específica, utilizou de
facas, enxadas, gasolina, facão, ou seja, ferramentas de trabalho do dia a dia.
O trabalho se mostra fundamental para essa categoria, pois ele dá a possibilidade
de provimento da família. A partir disso, o trabalhador sente “aparecer em público como
moralmente superior aos bandidos” (ZALUAR, 1994, p.145). Por isso, penso aqui em
masculinidades hegemônicas antagônicas, pois o trabalhador seria moralmente superior
ao bandido, que seria apenas um vagabundo e, portanto, menos homem por isso. A
visão que o trabalhador tem do bandido, e vice-versa, é comentada por Zaluar quando
diz:

Para os trabalhadores, o bandido é a pessoa atraída pelo dinheiro fácil,


que não quer trabalhar, que tem maus vícios quando comparado ao
trabalhador que fala ou a alguém de sua família. Para o bandido, o
trabalhador é um “otário” que trabalha cada vez mais para ganhar cada
vez menos (ZALUAR, 1994, p.145).

Nesse sentido, as masculinidades do trabalhador e do criminoso são antagônicas


e buscam dominar o espaço que estão, para assim, ter hegemonia. Na rua, parece ser
mais fácil para o trabalhador e na prisão, para o criminoso. Aqui, é possível voltar a
alguns pontos tratados no capítulo II. Falo, especificamente, da separação entre o Penal
e a Máxima, e as particularidades do Penal. Para os trabalhadores, o Penal é visto como
um presídio excelente, com muitas oportunidades de remissão da pena por meio de
trabalho e estudo. Segundo João, por exemplo, quando fala sobre o Penal, ele menciona
que como você já deve ter percebido, que essa aqui é uma unidade modelo.
O que o trabalhador mais quer na prisão é sair dela o mais rápido, ele busca
reduzir a pena de todas as formas possíveis. Logo, o trabalhador busca passar com
indiferença por lá. Na cabeça do trabalhador, o fato de ter cometido um crime, ainda
mais um crime violento, faz com que ele acredite que perdeu o direito de julgar os
outros presos, e normalmente diz que penas deus é quem julga. A intenção é pagar a
cadeia de forma tranquila, sem se arriscar, ou ter risco de aumentar sua pena. Marcelo
pontua que às vezes a gente tem que baixar a cabeça ficar quieto e escutar, para evitar
né confronto. Prefiro evitar conflito. Isso, no Penal, se mostra mais possível.
No caso da Máxima, a facção tem um controle bem mais disciplinado da massa
do que no Penal, ou seja, os não faccionados. Sendo assim, o trabalhador evita disputar
a hegemonia de poder do PCC. Matheus e Marcelo foram dois dos presos trabalhadores

Página 133 de 159


que passaram um tempo na Máxima. Matheus comenta de quando conseguiu colocar
seu nome na escola de lá, logo os irmãos lá, mandou eu sair, pois como não tinha
avisado a eles, não o aceitariam. Lá, a prioridade é eles. Marcelo também comenta da
disciplina dos irmãos do PCC ao falar sobre a época que trabalhava na manutenção da
Máxima, ele teria sofrido uma advertência da Agepen por causa deles. Segundo eles, os
polícia lá em cima, para concretar uma coisa. Aí para eles eu neguei serviço. Falei que
não ia porque a facção ia me ver com outros olhos se eu fosse.
A Máxima pode ser lida como uma prisão onde a masculinidade criminosa tem
bem mais controle sobre os demais presos. Ainda assim, no Penal, os presos também
utilizam essa variante da masculinidade para controlar e disciplinar os outros de acordo
com ela, mas de forma bem menos controlada. Os solários dos homossexuais e dos
artigos não seriam nem considerados homens para eles. No primeiro, os bandidos
sempre ficam com a impressão que os homens que vão para lá estão se escondendo no
meio das bichas, e, por isso, não teriam coragem, que é fundamental para essa
masculinidade.
No segundo, o solário dos artigos, a aversão é ainda maior, pois eles não
aceitam, estuprador para eles é inseto, não é bandido.153 Para eles, o crime de estupro,
violência contra criança, mulheres (que não sejam as “suas”), idosos, é vergonhoso e
seria uma covardia, isto é, uma ação que faria com que o homem perdesse o status
masculino. A violência é aceita apenas enquanto “competição justa e legítima entre
iguais” (ZALUAR, 1994, p.140). A violência legítima para eles se dá entre homens,
sejam inimigos, de facções rivais, ou contra os polícia.
Na prisão, a masculinidade criminosa se produz a partir de homens que devem
ser fortes, resistentes, leais aos companheiros. Devem reprimir suas emoções, esconder
suas vulnerabilidades e franquezas (das emoções como indecisão, medo, receio, tristeza)
(Comack, 2008; Hsu, 2005; Dolovich, 2011;Viggiani, 2012). Essa masculinidade se
mostra avessa à questão do trabalho. O agente José comenta que você vai lá e oferece
educação, trabalho para ele, aí ele fala ‘Você tá tirando?! Eu sou bandido, sou ladrão,
sou 171’. O trabalho é visto como uma desqualificação da carreira no crime que o
bandido deve seguir para possuir prestígio.

153
A agente Maria comenta a respeito quando chega um estuprador aqui, a cadeia treme. Você sente as
grades batendo e os presos querendo pegar.

Página 134 de 159


No universo do crime, os homes têm que “ter disposição para matar”, o que é
visto como um sinal de coragem (ZALUAR, 1994, p.141). Matheus comenta que o lema
da bandidagem é roubar, matar e destruir154. Ele diz também que o que mais estava
trazendo prestígio ao mundo do crime eram crimes que têm mais orgulho lá é quem
mata policial. É um prestígio isso. Para eles, independentemente de o policial estar em
serviço ou não.
Mas o principal motivo para muitos estarem no crime, não seria como
trabalhador que busca sustentar sua família. Nas falas deles, a masculinidade criminosa,
possui “constantes referências à sedução por bens de consumo inacessíveis a este
segmento populacional” (CECCHETTO, 2004). Pedro, que não cometeu homicídios,
mas que vivia com jovens do crime, traz

As condições financeiras, não era muito boa. Fazia por esperteza,


o grupo incentivava, os próprios colegas acaba me puxando. Tinha
uma festa e show aí não tinha condição, e já tinha uma saída, aí
vinha o convite. Aí eu acabei me envolvendo. Eram sempre
conhecidos, nunca me forçaram o obrigaram para poder ser
considerado não. Vem de mim mesmo, eu queria estar ali no meio
deles para me destacar. Uma parte de destaque no meio das
pessoas, eu fazia mesmo, para ganhar um respeito. Ai no dia
seguinte já estava com dinheirinho no bolso, aí já dá uma
liberdade, posso sair ali, vaidade mesmo.

Com a relação de poder que o dinheiro produz, a masculinidade criminosa


buscava também se destacar entre os homens e, dessa forma, conseguia a atenção
também das mulheres. Gabriel, envolvido no crime, diz logo que as mulheres se
atraiam por essa vida, se fosse trabalhador não queria. Elas como mulas, que poderiam
transportar as drogas pelas fronteiras com mais facilidade, mas, no geral, elas estavam lá
parar curtir com nós, lá todo dia, mas não para cometer crime.
Para alcançar benefícios e prestígios, o homem do crime precisa se mostrar um
homem honrado e que segue as regras do crime. Porque mesmo no crime você não pode
fazer sem-vergonhice. A palavra de um homem tem que valer a honra e a
masculinidade dele. Logo, pegar uma droga daquele cara e não vou pagar ele, já pegar
na má fé. Isso aí o cara já não é homem. Guilherme fala que os homens do crime, não

154
Esse lema teria vindo da passagem bíblica, João 10:10 que diz “O ladrão não vem senão a roubar, a
matar, e a destruir; eu vim para que tenham vida, e a tenham com abundância.”.

Página 135 de 159


os do artigo que estão no seu solário, tem as questões de honra, que a partir delas que se
tem um engrandecimento e mais conceito pelos outros.
Outra regra que faria perder a honra é colocar a família de outro criminoso no
perigo. Gabriel pontua bem essa questão ao afirmar que se eu arrumar guerra com
alguém eu não vou lá descontar na família dele, eu vou pegar ele. Até no crime isso é
contra, de você arrumar guerra comigo e vem e mata minha mãe, e cai na cadeia, você
vai morrer. Os parentes e os líderes religiosos conseguem, de certa forma, ter um “passe
livre” na violência do mundo do crime (SILVA; LEITE, 2007, p.572).
Assim, as masculinidades criminosa, trabalhadora e religiosa seriam três
formas de produzir o homem no universo penitenciário do Instituto Penal de Campo
Grande. Essas masculinidades se relacionam com diversos marcadores sociais da
diferença, resultando em uma multiplicidade de relações de confronto, aproximação e
interpelação para formar homens específicos na gama de uma violência física que,
muitas das vezes, se mostrou brutal no discurso e na vida diária dos presos.

Página 136 de 159


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste trabalho, apresentei os elementos mais representativos de minha


pesquisa etnográfica realizada no Instituto Penal de Campo Grande, bem como fiz uma
discussão sobre as configurações das masculinidades em relação com a violência no
crime. Para tanto, recorri ao saber antropológico, às diversas pesquisas prisionais e às
narrativas de agentes penitenciários e presos, que considerei fundamentais para a
compreensão desse conjunto de temáticas abordadas.
Já nas primeiras páginas do trabalho, apresento os autores que orientam os
caminhos do texto, as particularidades de se pensar a realidade prisional brasileira e os
limites metodológicos da etnografia nesse espaço. Ali, procurei olhar de forma crítica as
obras já clássicas de Foucault e Goffman para pensar a realidade penal brasileira e os
limites das “teorias importadas” dos países do norte.
Dialoguei com Rhodes, Wacquant e Cunha para pensar as questões
metodológicas trazidas por eles. As particularidades e dificuldades de se fazer uma
etnografia na prisão afetam a produção dessas pesquisas e os possíveis resultados
encontrados. Nesse sentido, as primeiras páginas da dissertação buscaram aproximar o
leitor de minha pesquisa e o inserir nos diversos debates que rodeiam esse campo de
pesquisa. Além disso, também se produziu aproximações com as bases teóricas e
metodológicas que fundamentam a pesquisa como um todo.
No primeiro capítulo, trouxe uma descrição minuciosa do Penal, assim como
demonstrei onde ele se encontra em relação aos demais presídios do Complexo
Penitenciário. Por meio da descrição etnográfica, fui aproximando o leitor do meu
campo, das tensões que recobriram o cotidiano da pesquisa, bem como do entorno do
presídio. Apresentei a minha primeira interlocutora, que possibilitou toda a pesquisa, a
assistente social Maria. Demonstrei as minhas primeiras impressões do campo e como a
realidade prisional daqueles homens era percebida por algumas interlocutoras.
Ainda no primeiro capítulo, trouxe as dificuldades, para além das quais as
teorias mostraram anteriormente, que encontrei no meu campo especificamente.
Apresentei a similaridade com outras pesquisas de campo realizadas em prisões no
Brasil e trouxe as negociações que os antropólogos precisam utilizar como uma de suas
diversas ferramentas que possibilitam a etnografia. Certa contrariedade que encontrei do
diretor para realização da pesquisa, logo se mostrou como um entrave às possibilidades
que gostaria de ter tido, mas, ainda assim, após as reformulações metodológicas

Página 137 de 159


necessárias, consegui assegurar a realização da pesquisa. Logo após essa negociação
com diretor, e meu início do trabalho de campo, percebi como meu corpo não se
mostrava como um “corpo neutro” naquele espaço. E me pareceu que o corpo do
pesquisador das humanidades nunca o é. Precisei alterar minhas técnicas corporais e até
mesmo minhas roupas naquele ambiente, para assim conseguir um maior contato com
os meus primeiros interlocutores.
A partir disso, “coloquei” meu corpo em campo e trouxe para a discussão
metodológica as questões do risco e do medo no campo da pesquisa antropológica. Algo
que os antropólogos em situações similares, ou até mesmo bem diferentes, já tinham
vivenciando, além de colocar seus anseios na própria pesquisa como dados que
contribuam para a compreensão dos leitores.
No último tópico do primeiro capítulo, apresentei para o leitor como a
antropologia tem pensado as questões de crime e punição desde seus teóricos clássicos.
Mostrei como as questões que me guiaram a entender o campo do Penal podem se
aproximar, guardadas as devidas proporções, daquelas que orientaram Malinowski e
Radcliffe-Brown, por exemplo.
Por fim, apresentei um breve panorama das pesquisas sobre punição no Brasil
contemporâneo, ou seja, o que está sendo produzido nas etnografias prisionais pelo país.
Busquei comparar essas produções com o que foi encontrado no meu campo,
aproximando e afastando quando necessário. Essas outras perspectivas tiveram a
intenção de mostrar uma visão mais geral da produção antropológica nesse campo em
prisões brasileiras de diversos estados.
O segundo capítulo foi dedicado aos/às agentes penitenciários/as do Penal.
Observamos, a partir da introdução dos interlocutores, como os mesmos fazem parte da
produção de nosso campo e como os mesmos interagem no seu dia a dia, com o que
para eles é apenas um local de trabalho. A intenção foi conhecer as particularidades do
Penal, a partir desses interlocutores e tudo que os cerca. Já no segundo capítulo, por
meio da fala dos interlocutores, comecei a traçar alguns contrapontos entre o Penal e
seu presídio vizinho, a Máxima. Isso foi possível a partir da separação que os agentes
fazem em seus discursos, o que facilita a compreensão do cotidiano do Penal e o afasta
da de muitos presídios paulistas mencionados nas etnografias nacionais.
No segundo momento do capítulo II, apresentei um olhar mais pormenorizado
sobre a separação entre as funções dos setores dentro do presídio, a partir da
organização realizada pela Agepen. Demonstrei como essa relação pode ser pensada nos

Página 138 de 159


dois “objetivos” da prisão, a disciplina e a punição. Utilizando a ideia de saberes, de
Foucault, argumentei como a separação entre a Administração e Finanças e a Segurança
e Custódia desenvolvem o trabalho de acordo com diferentes saberes. O primeiro busca
a docilização dos corpos dos internos para reinseri-los na sociedade e a segunda foca na
questão da punição desses mesmos corpos. A análise da obra foucaultiana se apresenta
em relação ao que foi encontrado no campo do Penal. Busquei afastar determinados
setores da sociedade brasileira, incluindo nele os agentes de segurança e custódia, do
ideal que pretende disciplinar os corpos e os aproximo da visão punitivista. Visão essa
em que se tem a negação da humanidade dos presos, e utiliza a violência através do
suplício dos corpos desses sujeitos como via punitiva.
Ainda no segundo capítulo, discuti como o cotidiano do Penal, sua estrutura e
seus processos, marca por meio do gênero o corpo dos/as agentes. Dei destaque às
agentes mulheres que lá trabalham. Pensei na posição onde as “mulheres deveriam”
estar no Penal para se constituírem enquanto “mulheres”. Dialogando com outras
pesquisas em que a mulher adentra ambientes considerados masculinos, vemos como os
lugares que elas devem ocupar se restringem à construção sexo/gênero antes de se
pensar nas habilidades ou capacidades de cada uma dessas mulheres individualmente.
A partir do reforço desses estereótipos de gênero associados ao feminino, como
a fragilidade, ao mesmo tempo se justifica e se performativa uma suposta
“mulheridade” nas agentes. Com isso, problematizei como elas agenciam as categorias
de sexo/gênero a partir das expectativas sobre elas e das resistências a estas
expectativas. O que se viu foram mulheres que acionam performances de gênero tanto
masculinas quanto femininas. Elas utilizam de ambas as performances para se
posicionarem no ambiente do Penal. Às vezes como uma quebra da posição inferior na
hierarquia de gênero no presídio, essas mulheres utilizam a ferramenta do travestimento
como forma de diminuir essa posição. Outras vezes se tem a positivação da própria
feminilidade esperada delas, como no caso do vaso de flores na entrada. Apesar disso,
mostramos como esse segundo agenciamento acaba por reproduzir estereótipos
associados à mulher enquanto o sujeito do cuidado e até mesmo maternal.
Por fim, o capítulo III, apresentou uma discussão a respeito da produção teórica
das masculinidades no exterior e no Brasil, assim como readequações que se mostraram
necessárias em conceitos-chave dessa produção. Deixei claro que não buscava uma
confissão dos presos, ou chegar a uma verdade indubitável. O que destaquei foram as
“escritas de si” daqueles sujeitos quando contaram suas histórias para mim, uma questão

Página 139 de 159


metodológica de extrema relevância para o capítulo. Usei este capítulo para apresentar
os presos que foram meus interlocutores, bem como analisei alguns dados produzidos
sobre a massa carcerária do Penal como um todo. Com isso, relacionei alguns
marcadores sociais da diferença com as masculinidades que eu compreendi como
emergentes naquele campo.
Enfim, apresentei e refleti sobre os três tipos de masculinidades (criminosa,
trabalhadora e religiosa) que me pareceram mais significativas no campo em que
trabalhei e que disputam a hegemonia do ser homem no Penal. Aproximando categorias
de diferenciação que no campo se mostram enquanto os marcadores de escolaridade,
classe e geração dos crimes cometidos. Assim compreendi as relações que podem
motivar os interlocutores e suas masculinidades nos atos de violência cometidos. No
final do capítulo, mostrei como a violência se relaciona com as classes populares na
produção de uma justiça legítima não por leis abstratas do direito clássico distantes de
sua realidade, mas sim como as mesmas se produzem a partir das próprias experiências
pessoais das masculinidades trabalhadoras. A violência se torna uma ferramenta de
status, prestígio e honra que está ligada à concepção da masculinidade criminosa desses
homens. Isso marca suas narrativas pessoais e, por que não, suas vidas como um todo.
Ao finalizar esta pesquisa, me parece que, em um contexto em que discursos
punitivistas, armamentistas e que buscam enquadrar os corpos em normas generificadas
conquistam espaço político nas esferas mais altas de nossa democracia, um trabalho
como o meu ainda se faz necessário. Dessa forma, minha dissertação, assim espero,
possa ser um pequeno conector de uma substancial engrenagem de resistência, ao
contrapor interpretações rápidas, enviesadas e genéricas sobre homens que estão em
encarcerados, cujo único objetivo é justificar projetos violentos e desumanos.

Mais do que descobrir o fogo ou a roda, o maior triunfo do que


chamamos de civilização foi a domesticação do macho humano. (Max
Lerner, 1959).

Página 140 de 159


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABREU, Allan de. Cocaína: A rota caipira. São Paulo: Record, 2017.

ADORNO, S.F. “A Prisão sobre Ótica de Seus Protagonistas”. Tempo Social, vol.3, n.I-
2, 1991.

ALMEIDA, Miguel Vale de. Senhores de Si: Uma Interpretação Antropológica da


Masculinidade. Lisboa: Fim de Século. 1995.

ANGOTTI, Bruna Soares de. Entre as Leis da Ciência do Estado e de Deus: O


surgimento dos presídios femininos no Brasil. Dissertação de Mestrado, Faculdade de
Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2011.

ATTIANESI, Daniel. A Construção das feminilidades nos discursos das Agentes


penitenciárias do Instituto Penal de Campo Grande. TCC (Especialização em Ensino de
Sociologia no Ensino Médio). Faculdade de Ensino a Distância, Universidade Federal
da Grande Dourados, Dourados, MS, 2018.

ÁVILA, Simone Nunes. FTM, transhomem, homem trans, trans, homem: A emergência
de transmasculinidades no Brasil contemporâneo. Tese de Doutorado (Programa de Pós-
Graduação Interdisciplinar em Ciencias Humanas), Universidade Federal de Santa
Catarina, 2014.

BARBOSA, Antônio Rafael.Prender e dar fuga: Biopolítica, sistema penitenciário e


tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Tese de Doutorado: UFRJ, 2015.

BARROS, Rodolfo Arruda Leite de. O encarceramento em massa em São Paulo e o


fechamento das instituições prisionais: um “eclipse” da etnografia prisional no Brasil?.
In: TORRES, Eli Narciso, JOSÉ, Gesilane Maciel. Prisões, Violência e Sociedade:
debates contemporâneos. 1.ed. Jundiaí, SP: Paco, 2017.p.105-126.

BEASLEY, C. “Re-thinking Hegemonic Masculinity in a Globalizing World.” Men and


Masculinities 11, no. 1: 86–103.2008.

BENTO, Berenice. Homem não tece a dor: queixas e perplexidades masculinas. Natal:
EDUFRN,2012.

BIONDI, Karina. Junto e misturado: uma etnografia do PCC. São Paulo: Terceiro
Nome, 2010. 245 p.

BOARCCAECH, Alessandro. Os eleitos do cárcere. São Paulo: Porto de Ideias, 2009.

BOLDRIN, Guilherme Ramos. Desejo e Separação: monas, gays e envolvidos num


presídio em São Paulo. Dissertação de Mestrado (Programa de Pós-Graduação em
Antropologia Social), Universidade Federal de São Carlos, 2017.

BONATTI, Nícia Adan. Feminicídio: Mal-estar na tradução. Tradução &


Comunicação: Revista Brasileira de Tradutores, São Paulo, v. 2008, n. 17, p.161-170,
30 out. 2008.

Página 141 de 159


BOUDON, Raymond. A ideologia. São Paulo, Ática.1989.

BOURDIEU, Pierre. A Dominação masculina. Rio de Janeiro: Bestbolso, 2014.

BRASIL. Ministério da Justiça. Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN).


Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN) 2016. Brasília,
2017.

________. IBGE. Diretoria de Pesquisas. Coordenação de População e Indicadores


Sociais, 2010 – 2060. Disponível em:
<www.cidades.ibge.gov.br/brasil/pesquisa/53/49645?tipo=grafico> Acesso em: 31 jul.
2018.

________. Lei nº11.343 de 23 de agosto 2006.

________. Lei nº6368/76 de 21 de outubro 1976.

________. Lei nº7.210 de 11 de julho de 1984.

________. Prefeitura Municipal de Campo Grande. Instituto Municipal de Planejamento


Urbano (PLANURB). Índice de qualidade de vida urbana de Campo Grande – MS.
Gerencia de Estatística/PLANURB/PMCG, 2008.

BRAUNSTEIN, H.R. Mulher encarcerada: trajetória entre a indignação e o sofrimento


por atos de humilhação e violência. Dissertação de mestrado, Faculdade de Educação,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.

BRITO, Leaondro Teofilo de. Enunciações de masculinidade em narrativas de jovens


atletas de voleibol: leituras em horizonte queer. Tese de Doutorado (Programa de Pós-
Graduação em Educação), Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2018.

BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade.


Tradução de Renato Aguiar. 1.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.

CALDEIRA, César.“Bangu 3: Desordem e ordem no quartel-general do Comando


Vermelho”. Insight Inteligência, n. 22. 2003.

CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. "Direitos Humanos ou 'Privilégios de Bandidos'?


Desventuras da democratização brasileira." In Novos Estudos n. 30, julho.1991.

CAMPOS, Marcelo da Silveira, ALVAREZ, Marco César. Políticas Públicas de


Segurança, Violência e Punição no Brasil (2000-2016). In: MICELI, Sergio,
MARTINS, Carlos Benedito. Sociologia Brasileira Hoje. Cotia, SP: Ateliê Editorial,
2017.p.143-217.

CASTRO E SILVA, Anderson Moraes de. Nos Braços da Lei: o uso da violência
negociada no interior das prisões. 1. ed. Rio de Janeiro: E+A, 2008.

Página 142 de 159


CECCHETTO, Fátima. Violência e estilos de masculinidade. Violência, Cultura e
Poder. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004, 245p.

CLEMMER, Donald. The Prison Community. New York: Holt, Rinehart and
Winston.1940.

CLIFFORD, James. Sobre a autoridade etnográfica. In: A experiência etnográfica:


antropologia e literatura no século XX. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1998. 320p.

COELHO, Edmundo C. A oficina do diabo e outros estudos sobre criminalidade. Rio


de Janeiro: Record, 2005.

COMACK, Elizabeth. Out There/In Here: Masculinity, Violence, and Prisoning.


Halifax, Nova Scotia: Fernwood Pub.2008.

CONNELL, R. Gender & Power. Polity Press. Cambridge, UK, 1987.

CONNELL, R. Masculinities in global perspective: hegemony, contestation, and


changing structures of power. Springer Science+Business Media Dordrecht, 2016.

CONNELL, R. Masculinities. 2.ed. University of California Press, Berkeley, Los


Angeles. 2005.

CONNELL, R. W.; MESSERSCHMIDT, James W. Masculinidade hegemônica:


repensando o conceito. Rev. Estud. Fem. Florianópolis, v. 21, n. 1, p. 241-282, Apr.
2013.

COSTA, Juliana de Almeida Ribeiro da. Entre pistas, bombas e motores:


performatividades de gênero no contexto dos postos de gasolina. Tese de Doutorado
(Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social), Universidade Estadual do Rio de
Janeiro, 2018.

CROSBY, Nandi. Re/Constructing Black Masculinity in Prison. The Journal of Men’s


Studies, Vol. 11, No. 1, Fall 2002, pp. 91-107.

CROSBY, Nandi. Re/Constructing Black Masculinity in Prison. The Journal of Men’s


Studies, October 1, 2002.

CUNHA, Manuela Ivone. Entre o bairro e a prisão: tráfico e trajectos. Lisboa: Fim de
Século. 2003. 356pp.

CUNHA, Manuela Ivone. The ethnography of prisons and penal confinement, Annual
Review of Anthropology, 2014, v. 43: 217-233

DAROS, M. A. ; GUEDES, O. S. . O cuidado como atribuição feminina: Contribuições


para um debate ético. Serviço Social em Revista, v. 12, p. 01-15, 2009.

DETONI, Priscila Pavan; Machado, Paula Sandrine; NARDI, Henrique Caetano . Em


nome da mãe: performatividades e feminizações em um CRAS. Revista Estudos
Feministas, v. 26, p. 11-17, 2018.

Página 143 de 159


DOLOVICH, Sharon. Strategic Segregation in the Modern Prison. American Criminal
Law Review 48(1):1–110. 2011.

DONOVAN, Jack. The Way of Men. Dissonant Hum, Milwaukie, Oregon, USA. 2012.
DUARTE, Sebastião Junior Henrique; OLIVEIRA, Juliano Rodrigues de ; SOUZA,
Rolf Ribeiro . A Política Saúde do Homem e sua operacionalização na Atenção
Primária à Saúde. Revista Eletrônica Gestão & Saúde, v. 3, p. 520-530, 2012.

ELIAS, Norbert. O processo civilizador Vol I: Uma História dos Costumes. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1994.

ELIAS, Norbert; DUNNING, Eric. A busca da excitação. Lisboa: Difel, 1992.

ERIBON, Didier. Michel Foucault. Paris, Flammarion. 1989.

ESTECA, Augusto Cristiano Prata. Arquitetura Penitenciária no Brasil: análise das


relações entre a arquitetura e o sistema jurídico-penal. Dissertação de Mestrado
(Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo), Universidade de Brasília,
2010.

FELTRAN, Gabriel de Santis. Fronteiras de tensão: um estudo sobre política e


violência nas periferias de São Paulo. Tese de Doutorado. Universidade Estadual de
Campinas, SP: [s. n.], 2008.

FERLA, Luís. Feios, sujos e malvados sob medida. São Paulo, Alameda. 2009.

FERREIRA-SANTOS, M. Ancestralidade e convivência no processo identitário: a dor


do espinho e a arte da paixão entre Karabá e Kiriku. In: SECAD/MEC. (Org.).
Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal n.o 10.639/03. 1ed.Brasília:
Edições MEC/BID/UNESCO - Coleção Educação para Todos, 2005, v. 1, p. 205-229.

FILHO, F. P. D. M. O Usuário e a Nova Lei de Drogas: apontamentos preliminares para


pesquisa. Grupo de Trabalho nº 06 - Substancias Psicoativas: Cultura e Política, Porto
Seguro, Bahia, Brasil, 01-04 Jun, 2008.

FINAMORI, Sabrina; FERREIRA, Flávio. Mediações - Revista de Ciências Sociais /


publicação do Departamento de Ciências Sociais, Centro de Letras e Ciências Humanas,
Universidade Estadual de Londrina. - Vol. 1, n.l (Jan./Jun. 1996) - Vol. 23, n.3 (Dez.
2018) - Londrina, 2018.

FOUCAULT, Michel. A arqueologia do Saber. Trad. Luiz Felipe Baeta Neves. 8. Ed.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2017.

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade. 2. Ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e


Terra, 2017.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Trad. Raquel Ramalhete.


40. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

Página 144 de 159


FRANÇA, Isadora Lins, FACCHINI, Regina. Estudos de Gênero no Brasil: 20 Anos
Depois. In: MICELI, Sergio, MARTINS, Carlos Benedito. Sociologia Brasileira Hoje.
Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2017. p.283-259.

FRY, Peter. Para inglês ver: identidade e política na cultura brasileira. Rio de Janeiro,
Zahar.1982.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. l.ed. Rio de Janeiro: LTC, 2008.

GODOI, Rafael. Ao redor e através da prisão: cartografias do dispositivo carcerário


contemporâneo. Dissertação de Mestrado: USP, 2010.

GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. Trad. Dante Moreira Leite. São
Paulo: Perspectiva, 2015.

GOLDMAN, Marcio. Alguma Antropologia. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Núcleo


de Antropologia Política, 1999.

GOOCH, Kate. ‘Kidulthood’: Ethnography, juvenile prison violence and the transition
from ‘boys’ to ‘men’. Criminology & Criminal Justice. Leicester, UK, p.1-18, 2017.

GREGORI, Maria Filomena. Cenas e Queixas: um estudo sobre relações violentas,


mulheres e feminismo. 1. ed. São Paulo: Paz e Terra/ ANPOCS, 1993. v. 1. 215p

GREGORI, Maria Filomena. Erotismo, mercado e gênero: uma etnografia dos sex
shops de São Paulo. Cadernos Pagu, n.38, pp.53-97, 2012.

GUILHERME, Alexandre Alselmo; PICOLI, Bruno Antonio. Escola Sem Partido –


elementos totalitários em uma democracia moderna: uma reflexão a partir de Arentd.
Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v.23, p. 1-23, e230042. 2018.

HARVEY, John. Homens de preto. São Paulo: Unesp, 2003.

HEILBORN, Maria Luiza; CARRARA, Sérgio. Em Cena, os Homens.... Revista


Estudos Feministas, Florianópolis, v. 6, n. 2, p. 370, jan. 1998. ISSN 1806-9584.
Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/12013>. Acesso
em: 31 jul. 2018.

HSU, Hua-Fu. The Patterns of Masculinity in Prison Sociology: A Case Study in One
Taiwanese Prison. Critical Criminology 13:1–16. 2005.

KALIFA, Dominique. Virilidades criminosas. In: CORBIN, A. COURTINE, J.


VIGARELLO, G. (Org.). História da virilidade. Rio de Janeiro: Vozes, 2013, p. 302-
331.

KIMMEL, Michael S.. A produção simultânea de masculinidades hegemônicas e


subalternas. Horizonte Antropologico. Porto Alegre , v. 4, n. 9, p. 103-117, Oct. 1998.

LAGO, Natália Bouças do. Mulheres na Prisão: Entre famílias, batalhas e a vida
normal. Dissertação de Mestrado. USP: 2014.

Página 145 de 159


LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de metodologia
científica. 5. ed. - São Paulo: Atlas 2003.

LOSURDO, Domenico. Como nasceu e como morreu o “marxismo ocidental”. Estudos


de Sociologia, Araraquara, v. 16, 2011, pp. 213-242.

LOURENÇO, L. C. Na frente das grades: uma pesquisa com agentes penitenciários da


região metropolitana de Belo Horizonte. In: COELHO, M.T.Á.D., and CARVALHO
FILHO, M.J., orgs. Prisões numa abordagem interdisciplinar [online]. Salvador:
EDUFBA, 2012.

LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-


estruturalista. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.

MACHADO, L. Z. Matar e Morrer No Feminino e No Masculino. Série Antropologia


239, Brasília-DF, v. 1, p. 1-19, 1998.

MALINOWSKI, Bronislaw. Crime e Costume na sociedade selvagem. Trad. Maria


Clara Corrêa Dias; Brasília: Editora Universidade de Brasília; São Paulo: Imprensa
Oficial do Estado, 2003.

_______________________. Argonautas do Pacífico Ocidental. São Paulo: abril


Cultural, 1984 [1922]

MALLART, Fábio. Cadeias Dominadas: A fundação casa, suas dinâmicas e as


trajetórias de jovens internos. São Paulo: Terceiro Nome. 264 P.2014.

MARTINS, José de Souza. As Condições do Estudo Sociológico dos Linchamentos No


Brasil. Estudos Avançados, v. 9, n.25, p. 295-310, 1995.

MATIAS, Maria do Socorro de Oliveira. A identidade dos Agentes Penitenciários do


Estado do Ceará: uma análise dos impactos ocorridos intra e extramuros e as
possibilidades de ascensão cognitiva. Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), Unifor,
2016.

MAUSS, Marcel. “Técnicas do Corpo”. In: MAUSS, Marcel. Sociologia e


Antropologia. São Paulo: Cosac & Naify, 2015.

MAYCOCK, Matthew, HUNT, Kate. New Perspectives on Prison Masculinities.


Palgrave Macmillan, Edinburgh, UK, 2018.

MEDRADO, B. O masculino na mídia: repertórios sobre masculinidade na propaganda


televisiva brasileira. São Paulo. Dissertação (Mestrado) PUC, 1997.

MELLO, A. G.. Deficiência, incapacidade e vulnerabilidade: do capacitismo ou a


preeminência capacitista e biomédica do Comitê de Ética em Pesquisa da UFSC.
Ciência & Saúde Coletiva (Online), v. 21, p. 3265-3276, 2016.

Página 146 de 159


MERQUIOR, José Guilherme. Michel Foucault ou O nihilismo de cátedra. Rio de
Janeiro, Nova Fronteira.1985.

MESSERSCHMIDT, James W. Crime as structured action. Sage Publications,


Thousand Oaks, California, USA. 1997.

MILLER, Daniel. Trecos, troços e coisas: estudos antropológicos sobre a cultura


material; tradução: Renato Aguiar. - Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

MINHOTO, L. D. “As prisões do Mercado”. Lua Nova, n. 55-56, pp.133-154, 2002.

MISKOLCI, Richard. O desejo da nação: masculinidade e branquitude no Brasil de


fins do XIX. 1. ed. São Paulo: Annablume Editora/FAPESP, 2012. v. 1. 210p.

MISSE, M.. Cinco Teses Equivocadas Sobre A Criminalidade Urbana No Brasil.


Estudos, v. 91, p. 23-40, 1995.

MORAES, P. R. A identidade e o papel de agentes penitenciários. Tempo Social, São


Paulo, v. 25, n.1, p.131-147, 2013.

MORAES, P. R. Punição, Encarceramento e Construção de identidade profissional


entre agentes penitenciários. São Paulo: IBCCRIM, 2005.

NARVAZ, Martha, KOLLER, Sílvia. Metodologias Feministas e estudos de Gênero:


articulando pesquisa, clínica e política. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 11, n. 3, p.
647-654, set./dez. 2006.

NARVAZ, Martha, NARDI, Henrique Caetano. Problematizações feministas à obra de


Michel Foucault. Revista Mal-estar e Subjetividade, Fortaleza, Vol. VII, Nº1, p.45-70,
2007.

NEWTON, C. Gender Theory and Prison Sociology: Using Theories of Masculinites to


Interpret The sociology of Prison for Men. A Journal About Women and Gender,
Durban, p. 193-202, 1994.

OLIVEIRA, Luciano. Relendo 'Vigiar e Punir'. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito


e Controle Social, v. 4, p. 309-338, 2011.

OLIVEIRA, Pedro Paulo Martins de. Discursos sobre a masculinidade. Revista Estudos
Feministas, Rio de Janeiro, v. 6, n.1, p. 91-112, 1998.

PADOVANI, Natália Corazza. "Perpétuas espirais": falas do poder e do prazer sexual


em trinta anos (1977-2009) na história da Penitenciária Feminina da Capital.
Dissertação de Mestrado, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade
Estadual de Campinas – Campinas, 2010.

PASSAMANI, Guilherme. R. Batalha de Confete no “Mar de Xarayés”: condutas


homossexuais, envelhecimento e regimes de visibilidade. Tese (Doutorado em Ciências
Sociais). Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo, Brasil. 2015.

Página 147 de 159


PIMENTEL, Silvia Carlos da Silva; PANDJIARJIAN, Valéria ; BELLOQUE, Juliana .
"Legítima defesa da honra". Ilegítima impunidade assassinos. Um estudo crítico da
legislação e jurisprudência da América Latina. In: Mariza Corrêa, Érica Renata de
Souza. (Org.). Vida em família: uma perspectiva comparativa sobre "crimes de honra".
1ed.Campinas: Unicamp, 2006, v. , p. 65-134.

PINHEIRO, A. S.. A Polícia Corrupta e Violenta: os dilemas civilizatórios nas práticas


policiais. Sociedade e Estado (UnB. Impresso), v. 28, p. 326-349, 2013.

PISCITELLI, A. G. Recriando a (categoria) mulher? In: ALGRANTI, L. (Org.). A


prática feminista e o conceito de gênero. Textos Didáticos, n. 48. Campinas:
IFCH/Unicamp, 2002, p. 7-42.

PRECIADO, Beatriz. “Basura y género: Mear / Cagar. Masculino / Femenino”, 2000.


Disponível em: <
http://www.iztacala.unam.mx/errancia/v0/PDFS/POLIETICAS%20DEL%20CUERPO
%201%20BASURA%20Y%20GENERO.pdf> Acesso em: 02 de fevereiro de 2018.

PRECIADO, Beatriz. Manifesto contrassexual. São Paulo: N-1 Edições, 2014.

RADCLIFFE-BROWN, A. R. Structure and Function in Primitive Society: Essays and


Addresses. Illinois: The Free Press Glencoe, 1952.

RAMALHO, J. R. O Mundo do Crime: a ordem pelo avesso. São Paulo: IBCCrim,


2002.

RESENDE, S. M. V.. Uma Questão de Gênero: Mulheres, Forças Armadas e Operações


de Paz. Cadernos de Relações Internacionais, v. 2017, p. 76-95, 2017.

RHODES, Lorna A. Toward an anthropology of prisons. Annual Review of


Anthropology, v. 30, 2001. p.65-83.

ROGERS-BROWN, Jennifer B. More than a war story: a feminist analysis of doing


dangerous fieldwork. In: DEMOS, V.; SEGAL, M. T. (Eds.). At the center: feminism,
social science and knowledge. London: Emerald, p.111-31, 2015.

ROLIM, Marcos. A Formação de Jovens Violentos: Estudo sobre a etiologia da


violência extrema. 1. ed. Curitiba: Appris. v. 1. 286p. 2016.

RUBIN, Gayle. O Tráfico de mulheres: noras sobre a “economia política” do sexo.


Recife, SOS Corpo,1993.

RUBIN, Gayle. Pensando sobre sexo: notas para uma teoria radical da política da
sexualidade. Cadernos Pagu, Campinas: Núcleo de Estudos de Gênero Pagu, n. 21, p.
1-88, 2003.

RUI, Taniele Cristina. Corpos abjetos: etnografia em cenários de uso e comércio de


crack. Tese de Doutorado (Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social),
Campinas – SP, Universidade Estadual de Campinas, 2012.

Página 148 de 159


SALLA, F. Novos e velhos desafios para as Políticas de Segurança Pública no Brasil.
Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 11, n.43, 2003.

SANJURJO, L; CAMARGO, W. (Org.); KEBBE, V. H. (Org.). Dossiê Etnografias:


desafios metodológicos, éticos e políticos (R@U). 8. ed. São Carlos: Universidade
Federal de São Carlos, 2016. v. 1. 188p.

SANTOS, Flavia Medeiros dos. Adversidades e lugares de fala na produção do


conhecimento etnográfico com policiais civis. Cadernos de campo, São Paulo,
N.26,v.1,2017.

SANTOS, Marinês Ribeiro dos. Gênero e cultura material: a dimensão política dos
artefatos cotidianos. Estudos Feministas, v. 26, p. 1-8, 2018.

SCOTT, Joan. Gender: A Useful Category of Historical Analysis. American Historical


Review 1986; 91(5):1053- 1075

SEDGWICK, Eve. Between men: english literature and male homosocial desire. New
York, Columbia University Press, 1985.

SEFFNER, Fernando. Derivas da masculinidade: representação, identidade e diferença


no âmbito da masculinidade bissexual. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de
Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2003.

SILVA, J. R. T.. Masculinidade e violência: formação da identidade masculina e


compreensão da violência praticada pelo homem. 18 Encontro Nacional da Rede
Feminista Norte e Nordeste(Apresentação de Trabalho/Comunicação). 2014.

SILVA, L. A. M.; LEITE, M. S. P.. Violência, crime e polícia: o que os favelados


dizem quando falam desses temas?. Sociedade e Estado, v. 22, p. 545-592, 2007.

SILVA, Raphael de Almeida. O espaço do poder nunca está vazio: as reconfigurações


nas prisões paulistas e os Agentes de Segurança Penitenciária. Trabalho de Conclusão
de Curso (Bacharel em Ciências Sociais), Campo Grande – MS, Universidade Federal
do Mato Grosso do Sul, 2018.

SIQUEIRA, Ítalo Barbosa Lima. “Aqui ninguém fala, escuta ou vê”: relatos sobre o
cotidiano profissional dos agentes de segurança penitenciária em Manaus. Dissertação
de Mestrado (Programa de Pós-Graduação em Sociologia), Manaus – AM,
Universidade Federal do Amazonas, 2016.

SOPHIA, Bianca de Vasconcellos. Quando a magreza torna-se um ideal masculino:um


estudo socioantropológico sobre a anorexia e a bulimia em homens. Dissertação de
Mestrado (Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais), Universidade do Estado
do Rio de Janeiro, 2011.

SORJ, Bila; FONTES, Adriana. O care como um regime estratificado: implicações de


gênero e classe social. In: HIRATA, H.; GUIMARAES, N. A. (Org.). Cuidado e
cuidadoras. As várias faces do trabalho do care. 1. ed. São Paulo: ATLAS, 2012. 248p.

Página 149 de 159


SOUZA, Ana Lúcia Silva; MANHAS, Cleomar et al. A ideologia do movimento Escola
Sem Partido: 20 autores desmontam o discurso. Ação Educativa Assessoria, Pesquisa e
Informação (Org.).São Paulo: Ação Educativa, 2016.

SOUZA, Isabel C. B.; BA, S. A. C. ; SOARES, J. C. V. . O Perfil Sociodemográfico,


Acadêmico e Laboral do Agente de Segurança Prisional de Catalão-GO. In: 6º
Simpósio Internacional de Educação e Comunicação e 4º Congresso Ibero Americano
em Investigação Qualitativa, 2015, Aracaju. Livro de resumos, 2015.

SOUZA, Rolf Malungo Ribeiro de. As Representações do Homem Negro e suas


Consequências. Revista Fórum Identidades, v. 6, p. 98-115, 2009.

SOUZA, Rolf Ribeiro de. A Confraria da Esquina: O que os Homens de Verdade falam
entre si em torno de uma carne queimando. Uma etnografia de um churrasco numa
esquina do subúrbio carioca. Dissertação de Mestrado (Programa de Pós Graduação em
Ciências sociais), Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, 2003.

STEELE, Tracey, WILCOX, Norma. A View From the Inside: The Role of
Redemption, Deterrence, and Masculinity on Inmate Support for the Death Penalty.
Crime & Delinquency, Vol. 49, Nº.2. USA, p. 285-312,2003.

STRATHERN, Marilyn: O Gênero da dádiva: Problemas com as mulheres e problemas


com a sociedade na Melanésia. Campinas, Editora da Unicamp, 2006.

SYKES, Gresham M. The Society of Captives: A Study of a Maximum Security Prison.


New York: Princeton University Press, 2007.

TRAMONTANO, Lucas. "Continue a nadar": sobre testosterona, envelhecimento e


masculinidade. Dissertação de Mestrado (Programa de Pós-Graduação em Saúde
Coletiva), Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2012.

TRAMONTANO, Lucas. Testosterona: as múltiplas faces de uma molécula. Tese de


Doutorado (Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva), Universidade do Estado
do Rio de Janeiro, 2017.

VALE DE ALMEIDA, Miguel. Senhores de Si: Uma Interpretação Antropológica da


Masculinidade. Lisboa: Fim de Século. 264 pp. 1994.

VANCE, Carole S. A antropologia redescobre a sexualidade: um comentário teórico.


Physis [online]. 1995, vol.5, n.1, pp.7-32. ISSN 0103-7331.

VARELLA, Drauzio. Carcereiros. Companhia das Letras: 2012.

VARELLA, Drauzio. Prisioneiras. Companhia das Letras: 2017.

VIGGINAI, Nick. Trying to be Something You Are Not: Masculine Performances


within a Prison Setting. Men and Masculinities 15(3):271–291. 2012.

WACQUANT, L. The curious eclipse of prison ethnography in the age of mass


incarceration. EthnoGraphy, n.2, n.3, dez. 2002.

Página 150 de 159


WAISELFIZS, J. J. Mapas da violência 2013. Acidentes de Trânsito e Motocicletas. Rio
de Janeiro.

_______________. Mapas da violência 2013. Homicídios e Juventude no Brasil. Rio de


Janeiro.

_______________. Mapas da violência 2016. Homicídio por armas de fogo no Brasil.


Rio de Janeiro.

WALTON, Stuart. Uma história das emoções. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2004.

WELZER-LANG, Daniel. A construção do masculino: dominação das mulheres e


homofobia. Rev. Estud. Fem. [online]. vol.9, n.2, pp.460-482.2001.

WHYTE, W. Sociedade de esquina: a estrutura social de uma área urbana pobre e


degradada. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 2005. p.153.

ZALUAR, Alba. A máquina e a revolta: As organizações populares o significado da


pobreza. São Paulo: Editora Brasiliense. 1994.

ZALUAR, Alba. Sociability in crime. Culture, form of life or ethos?. Vibrant


(Florianópolis), v. 11, p. 12-46, 2014.
ZAMBIASI, Vinicius Wildner; KLEE, Paloma Marita Cavol;SOUZA, Hugo Siquieira.
Louk Hulsman e o Abolicionismo Penal: Análise Crítica da Teoria. Revista de Estudos
Jurídicos UNESP, Franca, ano 20, n. 32, p. 309-351. jul/dez. Disponível em:
http://seer.franca.unesp.br/index.php/estudosjuridicosunesp/index>.

ZAMBONI, Marcio. O barraco das monas na cadeia dos coisas: notas etnográficas
sobre a diversidade sexual e de gênero no sistema penitenciário. Aracê - Direitos
Humanos em Revista, v. 4, p. 93-115, 2017.

ZAMBONI, Marcio. Marcadores Sociais da Diferença. Sociologia: grandes temas do


conhecimento (Especial Desigualdades), São Paulo, , v. 1, p. 14 - 18, 01 ago. 2014.

Página 151 de 159


ANEXOS

Anexo I

Página 152 de 159


Anexo II

Página 153 de 159


Página 154 de 159
Anexo III

Página 155 de 159


Anexo IV

Página 156 de 159


Anexo V – Figura 2

Anexo VI – Figura 3

Página 157 de 159


Página 158 de 159
Página 159 de 159

Вам также может понравиться