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o FIM E O CAMINHO QUE

SE FAZ PARA CHEGAR LÁ

Sobre a metodologia popular


na Pastoral da Terra

Ranulfo Peloso - CEPIS*


Ruben Siqueira - CPT*

"Mire, veja: o mais importante e bonito do mundo, é isto:


que as pessoas não estão sempre iguais,
ainda não foram terminadas mas que elas vão sempre mudando.
Afinam e desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou.
Isso que me alegra, montão."
(João G. Rosa, Grande sertão: veredas)

"Não tenho ouro nem prata, mas o que tenho eu lhe dou:
em nome de Jesus Cristo, o nazareno,
levante-se e ponha-se a caminhar."
(1 Atos, 3, 1-8)

• Agradecemos as observações pertinentes da Comissão Nacional de Formação da CPT e


de Bealriz COSia.
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o módulo Metodologia, desenvolvido durante o processo de forma-


fazer o diferencial, para a dimensão religiosa, que motiva e envolve e
ção da CPT em 1999/2000, dedicado a responder como a CPT trabalha,
tinha como objetivo: "os participantes reanimados em sua atuação, de- condiciona a ação, mesmo que numa perspectiva macroecumênica,
tanto de trabalhadores/as como de agentes.
safiados a uma aplicação criativa da metodologia do trabalho popular
conforme a experiência da CPT". A proposta era resgatar e sistematizar,
de forma crítica, as experiências metodológicas dos participantes, em
vista de sua formação como agentes e formadores de agentes da CPI.
Desta forma, pretendia-se também contribuir para a unidade da CPT -
em idéias, valores e práticas -, acreditando que o que une um grupo não
são os princípios em si, mas como esses princípios vão à prática. Daí a 1. Pressupostos
importância da apropriação coletiva de uma metodologia própria de
trabalho popular. E a CPT a tem, desenvolvida em 25 anos de caminhada.
Algumas considerações fundamentais, que devem estar sempre pre-
A reflexão metodológica é a do como fazer. Produzir um texto reflexivo
sentes, são aqui postas desde I~go. Para nós, método não é a receita má-
a partir do módulo Metodologia, do qual fomos assessores, pareceu-nos ter
gica para todos os problemas do trabalho popular, seja pastoral ou não.
um só modo possível, para ser coerente: contar como fizemos e por que
Além disso, não é instrumento neutro. Todo método está sempre ligado a
assim fizemos, reconstruindo a experiência. Aqui, privilegiando alguns as-
uma visão de mundo e a um objetivo histórico concreto. Toda pedagogia
pectos e deixando outros - porque seria demasiado longo reproduzir
sempre está marcada por um projeto de homem e de sociedade.
todas discussões dos encontros -, trazemos um pouco do que foram as
Também a formação não é um processo neutro. A formação serve a
experiências do módulo nos seis Encontros das Grandes Regiões e no En-
uma causa determinada. Sua finalidade é tornar comuns as idéias de
contro Nacional em julho de 2000, em Hidrolândia - GO.
um grupo e espalhar essas idéias para atrair outros que se situam na
Pretende-se, reproduzindo aqui estas reflexões, não tanto fechar
mesma perspectiva. Por isso, não se pode falar em processo de forma-
questão sobre "o" método próprio de trabalho da CPT, mas provocar a
ção de uma entidade se ela não tem claro suas convicções, sua missão e
troca de idéias e experiências a partir da prática da pastoral da terra seu plano concreto de atuação.
como educação popular. É assim que abordamos o assunto; em primei-
Ao falar de metodologia temos presente a concepção de formação en-
ro lugar, porque isto nos parece ser essencialmente a CPT: educação
popular. Conseqüentemente, é este o caminho de maior poder heurís- quanto processo -de reconstrução coletiva da experiência, como produção
de novo conhecimento e nova ação, transformadores da situação vivida. Na
tico, porquanto dá conta do contexto histórico que influenciou o sur-
gimento de uma inovadora pastoral popular no campo e a explica em linha da pedagogia de Dewey, interagem os agentes envolvidos e a situação
em que se encontram e desta interação surgem novos agentes e nova situa-
grande parte, principalmente compreende melhor sua proposta e con-
tornos metodológicos. ção (Teixeira, ] 967:] 6). Por isso, a metodologia popular parte sempre da
prática e é sempre participativa: nem para, nem sobre, mas com as diferen-
O ponto até onde avançou a reflexão metodológica. Ao final, chega-
tes partes envolvidas, visando melhorar sua prática e sua vida.
se à questão de qual seria o específico da pastoral popular, uma vez que
Assim, o módulo Metodologia é concebido com as convicções de
em termos de metodologia ela se identifica com a educação popular. As
discussões - inócuas sob o ponto de vista da Educação Popular, mas que "quem faz, sabe; quem pensa sobre o que faz, faz melhor" e de que

não para os agentes pastorais - apontam, como aquela que poderia "quem faz, faz também o sentido do que faz". Daí que o método para
estudar metodologia é construir sobre a prática dos participantes, pro-
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blematizando O saber de suas práticas, questionando a percepção que


eles têm da ação que realizam (experiência). 2. Presentificação
Para alcançar coerência entre o discurso e a prática sobre/da meto-
dologia popular (do trabalho ou pastoral popular), as atividades do mó- As reflexões metodológicas nos encontros de formação, após alguma
dulo tentam concretizar no modo de proceder aos ensinamentos/apren- forma bem preparada de mútua apresentação dos participantes e dos
dizagens em discussão. Assim, procura-se desmontar ou reconstruir o assessores, começam com a questão: por que se apresentar? Normalmen-
que se faz, perguntando o que, por que e como foi feito. Em metodologia te, toda atividade com grupos começa com apresentação. Afinal, é
popular o modo de fazer, em certo sentido, já é o que se quer fazer e o para preciso "quebrar o gelo", facilitar a comunicação, estabelecer laços de
que se faz. confiança, que todos saibam quem é quem, com quem se está contando
Porque "simultaneamente vivemos, experimentamos e aprendemos" para o desenvoJvimento da tarefa para a qual o grupo se reuniu.
(Teixeira, 1967:16); a atividade educativa só pode acontecer na forma de Em geral, só se vê a apresentação como acolhida, animação _ tática
experiência coletiva que produz uma postura de observar/ser observada que prepara a platéia para o recebimento de conteúdos previamente
criticamente por todos, vivenciada por monitores e participantes, em preparados ... A inclusão do estado real dos presentes acaba não en-
todos os espaços do encontro (não curso). Por isso, é uma metodologia trando senão formalmente. E entre educador e educando se estabelece
indutiva (do particular para o geral), que parte do saber do grupo: do uma relação demagógica em que um lado derrama saber porque os ou-
simples para o complexo; do concreto para o abstrato; do individual para vintes aprenderam a ser passivos. É a velha educação bancária contra a
o coletivo; do biográfico para o histórico; do conhecido para o imagina- qual se insurgiu Paulo Freire. Há uma tendência de acolher as dinâmi-
do; e, depois da elaboração coletiva, retoma à pratica dos participantes. cas em geral, não só de apresentação, como técnicas universais e
A metodologia seguida busca equilibrar dialeticamente o trabalho in- miraculosas que, se aplicadas conforme o receituário, produzirão, em
qualquer lugar, a euforia do participativo.
dividual e o grupal, o estudo e o debate, as atividades distribuídas dentro do
esquema indivíduo -> grupo -> plenário -> indivíduo. Opta por dar um A apresentação traz matéria-prima indispensável para a reflexão da
tratamento provocativo às falas e comentários da assessoria, na sistema- metodoJogia. Por isso não pode dissociar-se do tema. Trata-se, porém, de
tização da experiência logo que concluída, antes de passar à seguinte. Rejei- muito mais que simples apresentação inicial. Que as pessoas do povo se
ta, pois, a exposição puramente acadêmica, preferindo uma reflexão inter- façam presentes é tudo o que se quer! É muito mais que estar "de corpo
cambiada de práticas pedagógicas, que visam o protagonismo popular, si- presente", como acontece em boa parte das ocasiões em que o povo é
tuadas no horizonte da transformação social. Leva em conta as diversas "chamado a participar" ... Estar ou fazer-se, pôr-se presente é trazer para o
dimensões da pessoa (razão, sentimento, cultura, afetividade, sexualidade, processo tudo o que se tem e se é como pessoa, grupo humano, classe social;
experiência, história de vida, relações de gênero, de geração e de poder etc.), é assumir a própria vida e luta, é assenhorear-se da própria história, enca-
ditas transversais e absolutamente indispensáveis. rar as condições determinantes na própria realidade com disposição de
O envolvimento co-responsável de todos(as) os(as) atores(as) do transformá-Ia, libertando-se das várias opressões. Por isso falamos em

processo (com e não para) é garantia do sucesso da proposta que se presentificação, para dar conta do que se pretende no trabalho com aquele
grupo popular concreto, ali presente e a presentificar-se cada vez mais.
traduz em forma de participação ativa, disciplina consciente e criativi-
dade. As dinâmicas levam a identificar diferenças, sem contudo reforçar Como persona, não somos apenas pessoa, mas também personagem,
qualquer hierarquização, preconceito ou discriminação no grupo. isto é, vestimos uma "máscara" que são os títulos, cargos, a versão oficial
e glamourosa da própria vida ... Dá-se um peso exagerado a isto, numa
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demonstração de nobiliarquia (governo dos nobres), como se valesse
mais quem mais títulos e cargos acumula. Muitas vezes os rótulos mais
estado de espírito, Sua disposição. Em seguida, formaram-se grupos que a
escondem que revelam ... A sabedoria popular ensina que "quem quiser
partir das palavras individuais deram-se um nome (p. ex., Rio Amazonas,
mulher bonita, procure em meio de semana, porque de sábado a domin-
Renovação, Puxirum, Utopia) e com elas criaram uma frase que fosse ex-
go toda raposa é bacana". Para Confúcio, "a virtude da humanidade con-
siste em amar os homens; a prudência, em conhecê-Ios". Sinceridade pressão do grupo. Foi o primeiro trabalho coletivo: construção de algo
(sine cera) quer dizer "sem cera", sem máscaras. Todavia, também preci- comum a todos com o que cada um trouxe. Expressão da metodologia
samos delas. O famoso jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues dizia popular; a um só tempo, ponto de partida, finalidade e caminho para chegar.
que se os outros nos conhecessem como nós mesmos nos conhecemos,
ninguém se dava nem "bom dia" ...
Com as "máscaras" e sem as "máscaras", dar-se a conhecer e ser co-
nhecido é decisivo na metodologia popular. Não há processos libertado-
res sem criar vínculos entre as pessoas, sem que se constitua o grupo que 3. Por que pOema?
instaura estes processos. Uma das frases mais citadas de Paulo Freire é
aquela: "ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho, nós nos
libertamos em comunidade". É preciso estabelecer logo e assegurar sem- Nos vários encontros, após as ~presentações em que todos e cada um
pre a confiança, que é o que faz a ponte entre os vários sujeitos envolvidos dos participantes puderam com tranqüilidade falar de si e ouvir dos outros,
no processo: educandos/trabalhadores entre si e com os educadores/ trabalhamos com a letra da música Tocando em frente (Almir Sater e Renato
agentes e estes entre si e com os educandos/trabalhadores. Teixeira) e/ou o poema Metade (Osvaldo Montenegro). Veja anexo.

A técnica ou dinâmica da apresentação deve iniciar e marcar o sentido Cada um escolhe o verso que mais gosta ou com o qual se identifica,
de presentificação. Por isso deve facilitar o mais possível que a própria aquele que melhor expressa seu modo de ser, convicções, disposições,
pessoa se exponha, diga quem é, o que faz, de onde vem, o que traz, o que seu momento. Dizer aos demais qual o verso e por que o escolhe, faz
quer, o que espera ... Normalmente, há uma expectativa da pessoa e do com que os participantes aprofundem a apresentação, começo da pre-
grupo por ocasião da apresentação. Às vezes, porém, impera o formalismo sentificação; são criadas novas identificações, uma vez que vários es-
e superficialismo e se perde um momento-chave do processo. Contudo, é colhem os mesmos versos, pelos mesmos ou outros motivos. Individu-
preciso certa solenidade, faz parte da metodologia popular; o povo é solene, Como
alidades
tal.e diferenças vão sendo marcadas. O grupo vai se constituindo
gosta disto. Uma boa apresentação, bem preparada, com tempo suficiente,
é o melhor começo. Pressupõe, como de resto toda atividade formativa a Ao mesmo tempo, estamos fazendo uma inesperada introdução ao
ser realizada, o ambiente preparado, acolhedor, sugestivo do tema (sem assunto da metodologia do trabalho popular, uma vez que os textos, de
exagero de símbolos) e instigado r da mística com que se vive e trabalha.
forma poética, faJam da construção - pessoal e coletiva, intersubjetiva,
(Embora os responsáveis pela atividade formativa até possam prover ma-
permanente e interminável - da vida, da personalidade, da história, que
teriais que ajudem na arrumação do ambiente, é melhor que a própria desafia a todos e cada um - metades a se completarem, solitária e soli-
ambientação seja (re)criada pelos participantes.)
dariamente -, e da capacidade suficiente que todos e cada um têm para
Em alguns encontros, ainda como dinâmica de integração, solicitamos tal ("o dom de ser capaz e ser feliz" - Tocando em freme).
que cada participante escolhesse uma palavra que expressasse a si, seu
A forma poética, presente também nas máximas e ditos populares
bastante usados no módu!o, emociona, envolve, desarma, aproxima. Ven-
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cendo as resistências interpostas pela razão, pega as pessoas por dentro.


Dizia Frei Betto que, na educação popular, temos de aprender a colocar
4. Acordo de participação
I

os conceitos em linguagem plástica, porque "o povo não tem de enten-


! :
:1,1 der o que eu digo, o povo tem de ver o que eu digo" (Betto, 2000: 10). A O módu]o Metodologia. introdutório dos Encontros nas Grandes
il: linguagem plástica tem o dom de predispor e envolver a pessoa toda. No Regiões e do Nacional, estabelece, após a apresentaçào. um acordo,
dizer do povo, "enquanto a coisa não bate no coração, é besteira tentar acerto, trato, comtrato de participação. Trata-se da construção de um
explicações ou esperar que as pessoas abram as mãos". Diz-se que "o consenso, uma combinação grupal sobre as regras a balizar a convi-
coração tem razões que a própria razão desconhece". Toda ação inclui vência e o trabalho coletivos durante os dias de encontro, a contribui-
pensar/sentir/fazer. O sentimento é diferente da emoção, que é fugaz; o ção específica e a responsabilidade de todos(as) e de cada um(a) na
sentimento manifesta convicção própria, é o que move a vontade, pro- consecução dos objetivos do encontro. Implica aspectos práticos
duz a decisão. Também na tradição bíblica, é o coração quem decide - como combinar horários, distribuir tarefas e serviços, constituir gru-
um ato do todo pessoal. pos ete. E, sobretudo, firmar um pacto de participação democrática e
Pelas mesmas razões, utilizam-se desenhos, dramatizações e outras solidária em todas as dinâmicas e atividades do grupo. O que signi-
expressões corporais. Desenhando no quadro a giz ou pincel mostramos fica: (a) envolvimento (empenhar-se nas tarefas e discussões, intervir,
como a apreensão pelo olhar é capaz de uma aprendizagem de 60% do concordar, discordar, completar, perguntar - "toda dúvida é uma dí-
que se viu; pela audição, 20%; pelo tato, 10%; pelo olfato, 5%; pelo paladar, vida"); (b) disciplina (cumprir as regras assumidas democratica-
5%. A mídia, que sabe trabalhar isto melhor que ninguém, é um poder mente) e respeito pejo outro, suas idéias, sentimentos, atitudes, mes-
cada vez maior; vivemos a era da imagem, do sensorial, do marketing, da mo que deles se discorde; (c) iniciativa e criatil'idade.

publicidade (em que brasileiros são campeões). Alguém já disse que "a O acordo (do latim accordare, derivado de cor, cordis _ coração:
comparação é a cesta onde o povo leva a mensag'em para casa". combinar, con-vir, con-cor-dar, sintonizar os corações) visa não tanto
As máximas e ditos populares trazem de forma concisa e bela a sabedo- garantir ordem e disciplina, mas sobretudo co-responsabilizar o grupo
ria (do latim sapere = saborear) da cultura popular. Resgatá-Ios no contexto pela construção do encontro, em vista dos objetivos que mobilizaram
da formação de agentes populares tem o duplo objetivo de aprender seus os participantes a vir para o encontro, colocá-Jos diante do desafio da
ensinamentos, quando vêm a propósito do assunto em pauta, e familiari- autoformação coletiva, a ser assumido livre e compartilhadamente por
zar-se com o modo de pensar do povo, que não é intelectualista, antes é um todos e cada um. Aos assessores, ainda que proponham. cabe facilitar e
modo de ser, intrinsecamente ligado à experiência concreta (sensorial) de não impor regras. Não há outro modo de proceder. A "educação para a
liberdade" assim o exige.
vida. Além de inúmeras citações no decorrer dos encontros, distribuímos
aleatoriamente, ao fim das discussões, em torno da proposta metodológica.
uma frase para cada participante. As frases eram ditos populares, máximas
de filósofos, citações bíblicas, expressões de literatos, que diziam algo sobre
os conteúdos do módulo, iluminando-os. Cada participante se comprome-
teu em vivenciar a que lhe coube, zelar pela experimentaçào do que ali dizia,
trazê-Io oportunamente à baila.
--
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5. Metodologia: o que é?
(onte)(to artlda) .
Histórico- P Eu + Grupo valoreslsentlmt>ntos
pr~ticas (omexta
A partir da apresentação, em diálogo com o grupo, é possível destacar as Cultura' (Pon.to de {idéoido; Hisfórico-

revelações, riquezas, acentos, limites, desafios relacionados com o tema. Cultural

---!-....
+ Metodologia =- Caminho -> Fim
(Ponto de chegada)
Também já é possível propor uma primeira arrumação como sistematiza-
ção das falas. Vai aqui um exemplo. A partir do poema, e de forma saborosa,
o grupo constrói uma primeira definição de Metodologia: a) Caminho
(jeito, forma, postura), b) que nasce de convicções - toda pessoa é capaz
(mesmo que esse potencial esteja latente), c) com o obietivo de ser feliz,
como protagonista da história, d) no contexto em que esta é vivida. Comen-
5.1. Ponto de partida
tários: a metodologia é como uma estação rodoviária, nela se integra ponto
de passagem, ponto de partida e ponto de chegada; no entanto, as meto-
dologias são diferentes: o mesmo gesto (abraçar as crianças, por exemplo)
O ponto de partida é sempre cada pessoa e tudo o que ela é e traz e que
pode ser feito por pura tática em busca de votos ou pode nascer de profun-
passa a ser considerado como o potencial para o processo individual!
da crença que valoriza as pessoas; e são diferentes também porque são grupal. As pessoas constituem o grupo, que não é o somatório dos indiví-
diferentes as pessoas envolvidas e os contextos que as envolvem.
duos, mas o conjunto das interações coJetivas, interpessoais, vividas nas
Assim, do grupo e com o próprio grupo se extrai uma primeira defi- diversas circunstâncias previstas e imprevisíveis do encontro. Cada gru-
nição de metodologia que inclui um ponto de partida (concepções, con- po é um, vai construindo sua personalidade própria, o que torna impró-
vicções), a construção de um caminho (método, posturas, instrumentos) prios pré-julgamentos e transposições de conceitos. É preciso abrir-se
e um ponto de chegada (objetivos, finalidades). Os três momentos cons- inteiramente para as pessoas, o grupo, o processo.
tituem uma unidade dialética, têm uma coerência interna, uma dinâmica
O pressuposto básico, aqui, é a convicção e constatação de que todo ser
relacional de interdependência e mútua determinação. é capaz. A pessoa tem um valor em si mesma, uma dignidade fundamental
A condicioná-Ios decisivamente está o contexto histórico-cultural e um potencial de dignificar-se cada vez mais, não importa sua condição
em que se dão. Sem considerar o contexto social concreto, o método social, nem mesmo seu grau de consciência. Como tal não pode ser
acaba se tornando algo único e válido para todas as situações em todos coisificada, manipulada, desrespeitada. É uma brasa que carrega o dom de
os lugares, em todas as épocas. O que é um perigoso equívoco. Por soprar a cinza que a recobre, sempre ... Ao dizer que toda pessoa é capaz
exemplo, em tempos de neoliberalismo, é de suma importância méto- afirma-se que eu sou capaz, tu és capaz e por isso nós somos capazes.
dos de educação que incentivem a solidariedade no mundo, uma vez Negar, ou desconhecer a existência do eu e do outro, do diferente com ca-
que o processo de globalização avança e atinge todas as culturas e con- pacidade é afirmar a impossibilidade da capacidade coletiva do coletivo.
textos. É visível como o individualismo se insinua e toma conta das Por isso, lemos individualmente e em grupo, interiorizamos, nos convence-
relações, dos valores, dos modos de pensar das pessoas e grupos. Em mos e então cantamos: "cada um de nós compõe a sua história e cada ser
contexto de supervalorização da vida urbana e esvaziamento da vida no em si carrega o dom de ser capaz, de ser feliz" (Tocando em frente).
campo, é fundamental proporcionar situações pedagógicas que façam O otimismo fundamental a respeito do humano, que informa toda
a crítica destas imposições ideológico-culturais. Graficamente:

~
,~ ação educativa, não deve descambar para um "oba-oba" inconseqüente,

~.'-.' •...... pouco sério, que será frustrante porque deformador. Esta postura indis-
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pensável de acreditar na pessoa tem de estar com os pés no chão (realis-


Literalmente, metodologia quer dizer o estudo, a reflexão, o discur-
mo), com humildade (do latim hUnllIs: chão), sem humilhação - que
seria uma expectativa pessimista a respeito das pessoas e, por isso, so sobre o método ou o conjunto de procedimentos de que se lança
mão para alcançar determinado fim. Na linguagem cotidiana, é comum
instigadora de atitudes de menosprezo e autoritarismo.
identificá-Ia com o próprio método. Etimologicamente, método quer
Qual a percepção que as pessoas têm da realidade relacionada ao
dizer meio, caminho ("pela longa estrada eu vou, estrada eu sou"). Tra-
tema? Essa é uma pergunta fundamental que se faz o assessor/monitor.
ta-se do jeito, postura, meios, procedimentos, instrumentos, diante do
Num experimento de psicologia social, pediu-se a diferentes jovens, mo-
radores de diferentes bairros da cidade de Los Angeles, que desenhassem desafio de alcançar a meta. Se método é o bom caminho para alcançar
certos fins, o caminho não consiste apenas na maneira de caminhar.
o mapa de sua cidade. O resultado foi que mais próximos dos bairros Implica muito mais opções.
pobres e periféricos, os jovens moradores desenhavam mapas com pou-
cos elementos; o contrário do que ocorria com os jovens universitários São processos e não são neutros; o jeito de fazer não pode contradizer
dos bairros abastados, cujos mapas eram mais ricos e complexos. Num o que se almeja. Daí que dizemos no trabalho popular que "a metodologia
trabalho com esses jovens, seria um desastre confundir as várias compre- é tudo", pois importa tanto quanto o objetivo o modo de alcançá-Ia. Aliás,
ensões da realidade da mesma cidade, pois são diferentes e possivelmen- aqui, objetivo e método, fins e meios se identificam. Em certo sentido
te divergentes; e estes são os potenciais que uns e outros trazem. antimaquiavélico, poder-se-ia dizer que são os meios que justificam os
fins. Os processos é que são emancipadores. É claro que os grupos popu-
lares se mobilizam, na maioria das vezes, por finalidades e em situações
bem concretas e imediatas, por exemplo, lutas por terra, crédito, água,
energia, saneamento, segurança ... Tanto o sucesso como o fracasso des-
sas mobilizações são resultado de processos de aprendizagem ("o povo
5.2. Caminho em construção
aprende é na Juta"), que vão desvendando as relações sociais, construindo
o saber/fazer/poder popular, constituindo novos sujeitos de direitos e
Orientado por um ponto de partida e por um objetivo e considerando deveres sociais, culturais, políticos e econômicos.
o contexto social vivido, é possível criar ou escolher um método que seja
conseqüente com tais orientações. São táticas que realizam (ou negam)
O pressuposto aqui é que fazer, saber e poder se identificam: quem sabe
os princípios e as vontades. São táticas porque têm a ver com o real vivido
é quem faz e vice-versa; e quem sabe e faz, pode. Toda prática tem uma
e porque se ajustam ao momento, aos espaços e às pessoas: são feitas com
teoria por trás. Em geral, não existe incoerência entre teoria e prática e sim
tato. Um método coerente com seus princípios toma atitudes, procedi-
entre prática que segue uma teoria e o discurso justificador. A prática po-
mentos, posturas coerentes - conhecer, escutar, rir, amar, chorar, ensi-
pular precisa expJicitar, tornar consciente, elaborar sua teoria. Disso de-
nar, cobrar, correr, parar ... - ser caminho, fazendo o caminho: "estrada
pende o poder popular, que assim se constrói e assim se conquista.
eu vou, estrada eu sou" (Tocal/do em freI/te).

Método se relaciona também com a opção pelas formas de luta e as Saber é diferente de ter/acumular conhecimentos. Essa identificação,

ferramentas organizativas - as que envolvem as pessoas como atores, as comumente, gera distorções graves, como a do líder que fez todo o trajeto
das organizações populares, freqüentou sabe lá quantos cursos, en-
que buscam a partilha no exercício do poder, as que estão abertas ao novo
contros, assembléias, depois não sabia mais conversar com a mulher em
e as que são eficazes.
casa ... A propósito, é muito conhecido o verso de Agostinho Neto, o
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poeta-líder da revolução angolana: "Não basta que seja pura e justa a


Para os cristãos, na Pastoral da Terra, agentes e trabalhadores, este
nossa causa. / É necessário que a pureza e a justiça existam dentro de nós"
projeto, que necessariamente deve adquirir contornos históricos, con-
(Do povo buscamos a força).
cretizar-se em realidade, será também meta-histórico, horizonte sempre
além, "já e ainda não" - a utopia do Reino de Deus e a sua justiça (Mateus
6,33), a "vida em abundância" (João 10,10).

Hoje, apressada e calculadamente, decreta-se a morte das utopias, o


que só faz aumentar a necessidade delas. Eduardo Galeano, em Um olhar
sobre a utopia, assim se exprimia a respeito:
5.3. Ponto de chegada
Ela sempre está onde está o horizonte.

Diz a sabença popular: "quem não sabe para onde vai, não chega lá Se me aproximo dois passos,
nunca" ou, noutra conclusão, "vai a qualquer lugar" ou, noutra ainda, ela avança dois passos.
"qualquer caminho o leva até lá". Daí a importância de se ter claro o que Se caminho dez passos,
se quer com os processos populares, de organização, de formação, de luta
ela se apressa em deslocar-se
ete. Esta clareza, em nível mais profundo, é perpassada pelas convicções,
dez passos mais adiante.
pelos valores e sonhos compartilhados. Em nível mais concreto e imedia-
to, refere-se às escolhas metodológicas para fazer o percurso até lá, ou Mesmo que eu continue caminhado
seja, os métodos e técnicas têm de ser objetivamente condizentes. Esque- não consigo alcançá-Ia jamais.
maticamente: finalidade "objetivos" metas.
Então para que serve a utopia?
Ninguém vence se recolhendo; é preciso vontade de superação, cren- Só para isto, nada mais:
ça nos sonhos, imaginação de um desenho viável do futuro. A saída popu- PARA CAMINHAR.
lar não está situada no modelo dominante, nem mesmo em seu remendo.
Está no processo de forjar homens e mulheres novos e protagonistas que
se empenham na transformação da sociedade e de si mesmos. "O socia-
lismo não existe, o que existe são socialistas. Ame socialistas, dê à luz
Afinal, o que é método popular?
socialistas, crie socialistas, eduque socialistas, prepare socialistas. Aí che-
Método de trabalho popular é o modo como você
gamos ao socialismo." (Mylton Severiano, 2002)
articula tipos de atividade, conteúdos e maneiras de
As pessoas e os grupos populares trazem mais que sua realidade e sua
fazer, tendo em vista alcançar objetivos de
própria compreensão dela, trazem também aspirações não conscientes.
libertação pessoal e coletiva, num determinado
"O povo sabe o que quer, mas também quer o que não sabe", disse Gilber- contexto histórico-cultural.
to Gil. Aqui entram a compreensão da realidade e a intencionalidade do
educador/agente. Juntam-se as expectativas de todos os envolvidos no
processo educativo e estas se tornam o ponto de chegada e apontam para
o horizonte (metas, objetivos, finalidade, rumo, projeto).
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6. Concepções metodológicas o autoritarismo revela-se na postura arrogante, nos procedimentos


diplomáticos, nas atitudes paternalistas que manipulam o outro como
Se toda prática tem uma teoria por trás, que concepções sustentam as objeto para satisfação dos interesses hegemônicos. Porque hegemônicos,
posturas e os procedimentos metodológicos? Identificamos nas práticas se impõem sobre os outros interesses sociais e o autoritarismo acaba
metodológicas duas concepções fundamentais, que a partir das discus- reproduzido na escola, na família, na mídia, nas igrejas e até nos movi-
sões nos encontros de formação denominamos formal-hierárquico-au- mentos populares ... O autoritário está convencido de que só ele tem o
toritária e dialético-dialogal-libertadora. saber e dirige-se aos outros como a tábula rasa, para ensiná-Ios, protegê-
los e salvá-Ios. O autoritarismo não persiste só porque os de cima gostam
de mandar, mas, sobretudo, porque os de baixo aprenderam e "adoram"
obedecer - "o grande só é grande, porque nós estamos de joelhos", tomou
consciência um dia um camponês.

6.1. Formal-hierárquica-autoritária
É uma concepção hierárquica porque se baseia na e sustenta a relação
superior X inferior, que se traduz por sabido X ignorante, dominante X
dominado, rico X pobre, homem X mulher, branco X negro, jovem X
velho, Norte X Sul ete. Como tal, produz uma metodologia conservadora,
pois não modifica relações, antes as mantém e justifica ideologicamente,
alimentando o modelo de "subir na vida", de escalada social, pelo qual
ascender-se-ia a posições superiores pelo esforço pessoal, pelo trabalho,
como se não fosse pelos privilégios de classe ... Mais que isso, esse subir
na vida se faz pela via da competição em que a lei é o vale-tudo, "quem
não tem competência não se estabelece", "quem for mole que se quebre",
---li
a lei de Gérson, o individualismo ...
Nos encontros, construímos com os participantes, a partir de suas É formal porque centrada na forma ou mesmo, se poderia dizer, na
experiências, Rum trabalho em grupos, os traços e os fundamentos desta fôrma. Importam as exterioridades, as técnicas, os aparatos, que já vêm
concepção. Reproduzimos aqui nossas conclusões. prontos e se aplicam indistintamente a diferentes pessoas ou grupos. A
Denomina-se metodologia autoritária a estratégia de procedimentos, realidade é reduzida a fórmulas, preconcebida e engessada pelos concei-
métodos e posturas com a finalidade explícita ou implícita de domesti- tos pré-elaborados por quem sabe e pode, para quem não sabe e não tem
car, controlar, submeter os outros, grupos ou pessoas, crianças, adoles- como, se não apreender, captar, decorar, reproduzir. .. Nega-se a idéia de
tempo como história e tudo vira reprodução do mesmo, sem chance de se
centes ou adultos. É aquela que busca a manutenção da ordem e a repro-
transformar, evoluir.
dução do sistema de dominação como forma de manter o privilégio do
grupo no poder. É engendrada a partir das elites, é a pedagogia das cJasses
dominantes. Por isso deve causar maior estranheza quando encontrada
no interior das cJasses dominadas.

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