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Resumo
USP, mestrando em Filosofia, E-mail: riclaz@usp.br
Nesta investigação, o triângulo semiótico aristotélico (que se configura pela relação entre as
coisas, as afecções ou paixões da alma e as palavras faladas e escritas) será analisado mais
detidamente na parte que constitui a sua afecção: é a análise de sua afecção que permitirá o
entendimento do processo cognitivo humano o qual é o lastro da linguagem. Contudo, antes de
tratarmos mais detalhadamente desse processo, será interessante fazer uma referência à necessidade
humana de expressar – por meio das vozes e da escrita – a composição e divisão dos conceitos
intelectivos (pois o homem é, naturalmente, um animal social; não um animal solitário), os quais,
neste âmbito, assumem o caráter de ‘verbum mentis’: termo intencional expresso pela linguagem
falada. Após uma breve referência à necessidade de se expressar (por vozes e pela escrita), trataremos
da produção dos conceitos intelectivos e da síntese – entre o particular e o conceito – possibilitada
pelo ato reflexivo do intelecto. Tais conceitos não são necessários apenas à realização da síntese
concretiva, mas também à segunda operação intelectiva, a qual compõe e divide conceitos: tal
operação possui a função de sintetizar ou separar conceitos. A síntese dos conceitos pode ser chamada
de predicação. Todavia, antes de entrarmos na análise sobre os tipos de predicações, tornar-se-á
necessário tratar das partes constituintes das orações predicativas, quais sejam, os nomes e os verbos.
Assim, em seguida, ser-nos-á permitido tratar da diferença entre os nomes e os verbos e da
caracterização específica dos verbos. Posto isso, analisaremos, por fim, e de modo geral, os tipos de
predicações: 1) a predicação existencial e 2) a predicação atributiva. Pela análise dos tipos de
predicações, teremos alguns elementos para compreendermos como as partes da oração predicativa
(sujeito, verbo e predicado) articulam-se nas orações predicativas elementares.
2 As vozes significativas
1
TOMÁS DE AQUINO. Commentaire Du traité de l’interprétation d’Aristote. Sagesses médiévales: Les Belles Lettres.
Paris, 2004.
3 O ato reflexivo
Há uma cópula entre o singular e o conceito quididativo universal. Por exemplo, a ligação
entre o termo ‘homem’ (conceito universal) e ‘Sócrates’ (imagem de um determinado indivíduo)
permite a formação da seguinte frase: ‘Sócrates é homem’. Essa correspondência ocorre na medida em
que o intelecto, a sua maneira, atribui um significado àquilo que é singular, realizando, assim, uma
conjugação, de uma ordem posterior – e diversa – da ordem puramente abstrativa, entre o sensível e o
conceito intelectivo.
Nesse ponto, faz-se importante tentar esclarecer o que seja esse tipo de atribuição (a qual
permite a conexão de um universal a um particular). Para isso, será necessário destacar,
primeiramente, que no De Potentia (I, q.8, a. 1), Tomás distingue quatro elementos constitutivos no
ato de inteligir: [i] a coisa inteligida (ou fantasma), [ii] a ‘espécie inteligível’, [iii] o próprio ato de
intelecção e [iv] o conceito do intelecto. O conceito distingue-se não apenas da coisa inteligida (ou
fantasma) – na medida em que esta pode existir fora dele –, mas também difere da ‘espécie inteligível’
2
TOMÁS DE AQUINO. Commentaire Du traité de l’interprétation d’Aristote, livre I, leçon III, chap. III.
3
Tomás sustenta que a lógica ordena o conhecimento advindo da sensibilidade. Destaque-se que a principal consideração
da lógica nada mais é do que a significação das vozes, pois estas referem-se imediatamente às próprias considerações do
intelecto. Tem de se destacar também que o aquinata diferencia as vozes das letras, pois a significação das letras – como
algo mais remoto – não pertence à lógica, mas à gramática.
4 Os nomes e os verbos8
4
LANDIM, R. Conceito e objeto. Analytica, RJ, vol. 14, nº 2, 2010, pp. 65 – 88.
5
Diretamente, nesse contexto, não significa imediatamente.
6
LANDIM, R. Conceito e objeto. Analytica, RJ, vol. 14, nº 2, 2010, pp. 65 – 88.
7
id. ibid.
8
Para Tomás, os nomes e os verbos têm um triplo modo de ser, qual seja: 1º) conforme estejam na concepção do intelecto;
2º) conforme estejam na enunciação da voz; 3º) conforme estejam na escrita das letras. Segundo Aristóteles, os ‘elementos’
das vozes são signos das paixões da alma. Dessarte, os ‘elementos’ que estão nas vozes referem-se aos nomes, verbos e
orações. Quer dizer, os nomes, os verbos e as orações são elementos que podem estar nas vozes. Todavia, o problema se
apresenta na medida em que as vozes são algo natural ao passo que os nomes e os verbos são convenções humanas. Isto é,
como conciliar estas convenções (artificiais) com a voz (que é algo natural)? Para tentar solucionar este problema, Tomás,
em seu Comentário ao De Interpretatione, sustenta que as convenções advêm como um acréscimo à realidade da voz, tal
como a forma é acrescida à matéria. Por exemplo: como a forma da cama, que se encontra na mente do artífice, é
acrescentada, por meio duma arte, à madeira informe. Os nomes, os verbos e as orações significam, de modo imediato, às
concepções da inteligência, não às realidades das próprias coisas, enquanto que a realidade própria das coisas é significada,
mediatamente, os verbos, os nomes e as orações.
9
TOMÁS DE AQUINO. Commentaire Du traité de l’interprétation d’Aristote, livre I, leçon V, chap. III.
10
Todavia, parece haver exceções onde se pode, de certo modo, considerar o verbo como sujeito da oração.
11
TOMÁS DE AQUINO. Commentaire Du traité de l’interprétation d’Aristote, livre I, leçon V, chap. III.
Feita essa breve consideração sobre os tempos verbais, cabe-nos agora dizer que, segundo
Landim,16 a consideração de Tomás sobre os nomes e os verbos flutua entre uma caracterização
meramente gramatical dessas expressões (nome seria um signo oral convencional sem partes
12
NASCIMENTO, C.A.R. A consignificação do tempo pelo verbo no comentário de Santo Tomás de Aquino ao Peri
Hermeneias. In: Lógica e Linguagem na Idade Média – Coleção Filosofia 23. Porto Alegre, 1995.
13
Ibid, pp. 122 - 125
14
Ibid.
15
A co-significação do tempo pelo verbo se dá na medida em que o verbo significa a ação (ou a recepção) como tal
enquanto ele significa conjuntamente o tempo que a mede (sua duração). O caráter primeiro do verbo é exprimir um ato, o
qual é certa determinação do ato fundamental que é o ser. Dessa maneira, ele co-significa o tempo enquanto este ato ou
este ser não é dado todo de uma vez, mas implica um desenrolar, simultaneamente, sob certo aspecto, a saber: enquanto
este ato é o ato imperfeito que é o movimento.
16
LANDIM, R. Predicação e Juízo em Tomás de Aquino. Kriterion, Belo Horizonte, nº113, Jun/2006, pp. 27 – 49.
A relação entre sujeito e predicado deve ser analisada, inicialmente, pelas considerações a
respeito do verbo ‘ser’, isto é, o verbo ‘ser’ pode ser interpretado 1) como nome, significando ‘ente’,
portanto, significando coisas ou 2) como predicado (significando propriedades de coisas). Como
predicado, o ‘ser’ pode ser compreendido (a) como parte de um predicado complexo, exprimindo a
inerência de propriedades nas coisas que foram mencionadas pelo sujeito (‘ser’ como cópula), (b)
como um predicado simples, significando a existência factual de coisas mencionadas pelo sujeito
(‘ser’ como existente).20
6 Os modos de predicação
Para se compreender melhor a relação entre verbo, sujeito e predicado, faz-se necessário dizer
que apenas as orações ditas ‘verdadeiras’ ou ‘falsas’ são enunciativas; as outras espécies de orações,
não. As orações de outros tipos não significam o ‘verdadeiro’ ou o ‘falso’, pois não fazem perfeito
sentido na alma do ouvinte e não exprimem o julgamento da razão. Tomás 21 cita cinco tipos de
orações: enunciativas, deprecativas, imperativas, interrogativas e vocativas. 22 Destas cinco, apenas a
enunciativa significa o verdadeiro e o falso. As orações vocativas, interrogativas, imperativas e
deprecativas não significam o verdadeiro e o falso, elas possuem apenas uma ordem consequente a
esses julgamentos; apenas a enunciativa é efeito do julgamento de verdadeiro ou falso.
As orações perfeitas são as orações predicativas, as quais se caracterizam pela aplicação ou
separação de uma propriedade à coisa significada pelo sujeito. Assim, determina-se o que está sendo
atribuído ao que está sendo mencionado. Desse modo, por exemplo, uma oração interrogativa, se
satisfizer as condições da predicação, será uma oração predicativa, mas não será uma oração
17
Por exemplo, ‘alguns homens são brancos’.
18
Ao menos no infinitivo e no particípio.
19
Por exemplo, ‘correr é mover-se’.
20
Essas considerações semânticas sugerem uma análise metafísica: ‘ser’ pode significar o ‘ato’ pelo qual algo (o ‘ente’) é.
21
TOMÁS DE AQUINO. Commentaire Du traité de l’interprétation d’Aristote, livre I, leçon VII, chap. IV.
22
Um homem pode ser dirigido à razão de outro homem por três maneiras (onde a terceira maneira pode ser entendida
conforme dois pontos de vistas diversos a respeito do mesmo assunto): 1ª) que a sua mente preste atenção, o que pertence à
oração vocativa; 2ª) indagando pela voz, o que pertence à oração interrogativa; 3ª) realizando alguma ação aos que são
inferiores, o que pertence à oração imperativa, e realizando alguma ação aos superiores, o que pertence à oração
deprecativa. A respeito dos superiores, o homem não possui força motiva para atingi-los, a não ser pela expressão de seu
desejo de alcançá-los.
Conclusão
Tomás de Aquino toma como base a teoria do conhecimento para poder abordar o
desenvolvimento da linguagem no homem. Por isso foi-nos necessário tratar, de maneira geral, do
modo pelo qual o conhecimento se desenvolve no homem, já que é neste desenvolvimento que
ocorrem as paixões da alma. Estas, como dissemos acima, podem ser entendidas de duas maneiras: a)
no âmbito sensitivo da alma humana, quando as coisas – externas ao homem – atuam sobre seus
sentidos, possibilitando a formação dos fantasmas; b) no âmbito intelectivo da alma humana, quando,
por um processo abstrativo, a ‘espécie inteligível’ do fantasma é impressa, pelo intelecto agente, no
intelecto possível, que, após recebê-la, entra em ato e produz conceitos universais, os quais, na medida
em que são especificados, tornam-se termos intencionais – ‘verbum mentis’ – que podem ser expressos
pela linguagem. No primeiro caso, a paixão se caracteriza pela ação direta das coisas sensíveis na
alma sensível humana; no segundo caso, a paixão ocorre na medida em que o intelecto possível recebe
a impressão da ‘espécie inteligível’ advinda dum processo abstrativo dos fantasmas. Tomás concentra-
se no segundo tipo de paixão – que é aquela em que o intelecto possível é afetado –, porque tal paixão
está mais diretamente ligada com o raciocínio e a formação do ‘verbum mentis’, que são essenciais
para expressão da linguagem humana.
Para Tomás, as vozes nada mais são do que efeitos desse processo cognitivo, cuja finalidade é
possibilitar a comunicação entre os homens – pois o homem é naturalmente um animal social.
Conquanto, as vozes significativas, que fazem parte desse processo, possuem alguns elementos
básicos, quais sejam: os nomes e os verbos. Tais vozes podem se manifestar de maneira simples, como
quando se diz, por exemplo, ‘homem’ ou ‘Sócrates’, ou, então, de maneira um pouco mais complexa,
como quando se diz ‘Sócrates é um homem virtuoso’. As vozes significativas nada mais são do que
convenções humanas. Contudo, existem também, segundo Tomás, vozes que possuem significações
naturais, tais como o choro das crianças, o grito dos enfermos e as vozes das bestas. Todavia, são as
31
id. ibid.
32
TOMÁS DE AQUINO. Commentaire Du traité de l’interprétation d’Aristote,, livre I, leçon VII, chap. IV.
______________. Conceito e Objeto. Analytica, RJ, vol. 14, nº 2, 2010, pp. 65 – 88.