Вы находитесь на странице: 1из 9

Maltratar a imagem1

A propósito da representação da História

Conversa a três entre Martin Scorsese, Kent Jones, historiador e crítico de cinema e o historiador
Simon Schama, professor da Universidade de Columbia, autor de The Embarrassment of Riches,
Citizens, Landscape and Memory e de Rembrandt’s eyes a ser publicado no final de 1998. Esse
encontro aconteceu em dezembro de 1997, em Nova York.

Kent Jones: Quando vocês devem recriar o passado, em um livro ou em um filme, em quais
detalhes se concentram primeiro?
Martin Scorsese: Alguns dos filmes que rodei durante esses últimos dez anos foram filmes
de época. E nesses filmes, sempre me esforcei para apresentar as personalidades através de detalhes.
Porque o detalhe reflete a civilização, a sociedade. Então, como eram as louças de jantar é muito
importante; e não digo isso somente quanto a A idade da inocência (The Age of Innocence, 1993).
Em Os bons companheiros (Goodfellas, 1990), há uma cena onde vemos um pote de ketchup na
mesa; é durante a cena do jantar com minha mãe, Joe Pesci e Robert De Niro. Eles estão comendo
um omelete com batatas, uma frittata, que minha mãe havia lhes preparado. Muitos ítalo-
americanos reclamaram: “O que?! Um pote de ketchup na mesa!”. Mas Bob interpreta um irlandês,
então o detalhe do ketchup é importante com relação ao seu personagem. Isso mostra que os hábitos
alimentares são diferentes. Assim, é esse tipo de coisa que é importante para mim: o que comem os
personagens, o modo como se vestem… a música que eles escutam também.
Simon Schama: É incrível mas, por exemplo, penso que um livro só terá êxito, que o
ambiente histórico só será crível, se sei como colocavam uma calça ou as botas na época onde se
desenrola a narrativa. O que é estranho quando escrevemos sobre a História, é que sabemos que as
pessoas das quais falamos são exatamente como nós, mas vivem em um mundo que não se
assemelha em nada ao nosso. É um sentimento com o qual deve compartilhar o leitor. Então,
começo sempre por esses detalhes, detalhes que tratam da vestimenta, da forma como as pessoas se
maquiavam, do tempo dedicado ao se arrumar, da alimentação. No meu próximo livro, sobre
Rembrandt e Rubens, tentei encontrar uma maneira de compartilhar com o leitor o que era
Amsterdã em 1630. Pensei em começar com uma frase do tipo: “É uma cidade de 120 mil
habitantes.”. Mas um dos temas mais frequentes na pintura holandesa da época, era o que se
chamava de “Cinco Sentidos”. A partir daí, tentei enxergar ao que correspondiam esses “Cinco
1
Publicado originalmente em revista Civilization, fevereiro-março de 1998. Tradução de Ciro Lubliner.
Sentidos” em Amsterdã em 1630. Comecei então pelo olfato, me concentrando nos odores que se
podia sentir ao se desembarcar no porto de Amsterdã. E eu teço uma lista longa, que vai do odor dos
mariscos, na manhã após a pesca, passando pelo odor dos mortos que eram enterrados durante a
epidemia da peste, até os odores nos círculos de jogatina e nos bordéis. Após isso, durante quatro
páginas, falo do tato, e evoco somente objetos trançados. Compreendi que se eu fosse capaz de
fazer o leitor verdadeiramente sentir esse mundo, não seria necessário descrever Amsterdã em
detalhes no que viria em seguida.
MS: É isso. São esses tipos de detalhes que contam. O que sentimos ao nos sentar em uma
poltrona, por exemplo. Me dei conta da importância da mobília ao filmar A idade da inocência.
Quando me sentei nas poltronas posicionadas no cenário, senti algo de muito singular. Essas
poltronas te obrigam a posicionar seu corpo de uma maneira muito particular; mais disciplinada. E
isso tinha uma consequência direta em sua atitude. É um comportamento ligado a uma época, o que
acho muito interessante. Se se entrava em um ambiente tomando logo a dianteira, com o queixo
elevado, assumia-se uma atitude automaticamente mais positiva; e isso facilitava seu trabalho.
SS: Porque a linguagem do corpo faz também parte da linguagem do poder. Nos damos
conta disso em Kundun (1997), seu último filme; sobre Dalai Lama. A maneira como se sentavam
os Tibetanos era muito importante. Mas o que é interessante, por exemplo, é que até o século XVII;
e até cerca do início do século XVIII, o poder de um homem se reconhecia por seu andar relaxado.
Em 1720, quando se era um gentleman, e se queria ser reconhecido e respeitado como tal, você
sabia como era preciso se sentar? Vou lhes mostrar. Assim. (Ele afasta as pernas. Gargalhadas.)
MS: Se eu visse isso hoje em dia, eu me diria: “O que é isso?”.
SS: Sem dúvida. Essas pessoas tinham o mundo em suas mãos, mas um século depois, tais
maneiras foram consideradas como chocantes, provocativas. Quando se vestia roupas desabotoadas,
não se era digno de confiança. Então as roupas dos homens e das mulheres tornaram-se bem
fechadas. O essencial era se controlar. Para um policial, era absolutamente crucial entrar em um
ambiente tomando a dianteira o máximo possível. Mas o mais extraordinário nisso, é que, um
século antes, para mostrar sua autoridade, era preciso fazer exatamente o contrário. Quanto mais se
alguém se apresentasse aos outros de uma maneira indiferente e descontraída, mais se estava certo
de sua autoridade. Qualquer um que tomasse a dianteira era considerado como um enganador, ou
como um domesticado esperando as ordens de seu mestre. É maravilhoso imaginar as reuniões entre
generais antes das batalhas. Na época das guerras napoleônicas, eles tomavam logo a dianteira. Mas
sob Luis XIV, qualquer um como Turenne2 entrava em um ambiente à vontade, descontraidamente.
E para o rei, isso queria dizer que tudo ficaria bem.
KJ: O que vocês pensam sobre a representação da história no cinema?

2
Henrique de La Tour de Auvérnia, o visconde de Turenne. [N. do T.]
MS: Me dei conta de que não quero fazer o gênero de filme que eu adorava assistir quando
era mais jovem, aquele que chamamos de superprodução histórica. O melhor desse gênero continua
sendo Lawrence da Arábia (Lawrence of Arabia, 1963). Mas quando não somos David Lean e
Robert Bolt (o roteirista do filme) e tentamos fazer a mesma coisa, o olhar do espectador é
completamente perdido. Porque ele é esmagado pelos detalhes históricos.
SS: Temos sempre tendência a pensar que o filme histórico necessita dessa espécie de
gigantismo, com milhares de figurantes. Mas, por exemplo, um filme como O homem que não
vendeu sua alma (A Man for All Seasons, 1966) é mais discreto. Há poucos figurantes. Porque Fred
Zinemann (e Robert Bolt) tem uma maneira incrivelmente precisa de evocar aquela época. Pelo que
me lembro, a única cena de multidão é aquela onde Vanessa Redgrave, que interpreta Ana Bolena,
vai até a janela após seu casamento com Henrique VIII. Na verdade, lembro-me de escutar apenas o
ruído da multidão fora do quadro.
MS: É um exemplo bem interessante. Porque O homem que não vendeu sua alma, é antes de
tudo teatro. Foi escrito para ser encenado no palco. Tanto que as cenas de multidão não são
necessárias. Na mesma ordem de ideias, há um filme de que gosto bastante, Tarde demais (The
Heiress, 1949); que é a adaptação de um romance de Henry James, Washington Square3.
Originalmente, Tarde demais era uma peça de Ruth e Augustus Goetz, uma peça muito dinâmica.
Por que ela era dinâmica? Não começarei a falar da direção de William Wyler, ou da atuação de
Ralph Richardson, Olivia de Havilland, Montgomery Clift e Miriam Hopkins. Eu tinha sete ou oito
anos na época em que descobri esse filme. Foi meu pai quem me levou para vê-lo. Há uma cena na
qual o pai tenta explicar a sua filha, que é bem ingrata, que seu pretendente quer se casar pelo
dinheiro. Ela não quer acreditar; ela contesta. Então ele é obrigado a lhe dizer, da maneira a mais
gentil possível, que ela não é suficientemente inteligente nem tão bonita para que um homem desse
tipo possa se apaixonar por ela. Recordo-me que essa cena me chocou profundamente. Era apenas
um plano. Mas era um teatro muito bom. Por conta disso, foi muito forte.
Busco me distanciar dessa dramaturgia herdada do século XIX e do início do século. Então
tento hoje contar histórias que não se assemelham à forma tradicional; àquela estrutura de três atos
herdada do teatro. Em Kundun, eu não queria fazer um filme histórico clássico. Seria necessário
explicar muitas coisas: a história da China, as relações entre a China e o Tibet. O filme é no fundo
uma forma bem livre; não é uma narrativa tradicional.
SS: Os holandeses arriscaram todo tipo de experiência na pintura. Rembrandt era obcecado
por Rubens. Mas outra grande influência vinha do Ticiano, em particular da última fase de Ticiano.
Ticiano pintava de duas maneiras bem diferentes. Há o estilo extraordinariamente refinado e hábil
do início, em particular todas as cenas pastorais e eróticas. E depois, há o Ticiano envelhecendo. E

3
Livro publicado no Brasil por diversas editoras, sob o título de A Herdeira. [N. do T.]
vocês sabem, os artistas envelhecidos se tornam bem frequentemente, com a idade, extremamente
radicais e audaciosos. Eu espero, em todo caso… O estilo de Ticiano, no final de sua vida, tornou-se
incrivelmente áspero, incoerente e ao mesmo tempo leve. Após a morte de Ticiano, tinha-se o
costume de se escrever sobre a pintura dizendo: “Sobretudo, se você quer ser pintor, não siga o
exemplo do Ticiano”. Não é que se pensava que as últimas obras de Ticiano estavam inacabadas.
Mas sim que era muito vulgar da parte de um artista apresentar quadros que pareciam inacabados.
Como se seu autor dissesse: “Aqui está. Estou fazendo algo muito pesquisado.”. Rembrandt
pensava, ao contrário, que o caráter cru, agressivo, voluntariamente inacabado do pincel de Ticiano
em suas últimas obras era de uma certa maneira muito sofisticado, bem-acabado. Isso foi algo que
surpreendeu as pessoas, que as incomodou. Porque quando uma obra é perfeitamente executada,
terminada, ela se torna um produto diante do qual ficamos completamente passivos. Mas quando ela
é menos perfeita, mais singular, mais exigente, é preciso que uma ligação se estabeleça entre aquele
que a criou e aquele que a observa.
MS: Hoje, a tecnologia se apoderou do cinema. Mesmo se sei que não faço filmes como
Titanic; é preciso que eu trate com cuidado a imagem dos meus filmes. E um dos aspectos mais
importantes na textura geral de um filme vem dos planos trucados. Me dou conta de que é preciso
dedicar muito mais tempo que antes para se fazer um filme. O computador nos dá uma certa
liberdade, mas nos oferece ao mesmo tempo muito mais escolhas.
SS: Isso não dá às vezes em você a vontade de maltratar um pouco a superfície das imagens?
MS: Sim. Acontece comigo às vezes de fazer quatro tomadas, e de preferir o som da terceira
e a imagem da primeira. Quando pego o som da terceira tomada e coloco sobre a imagem da
primeira, a sincronização da voz não é tão boa. Então me dizem: “Você vê seus lábios? Não está
sincronizado.”. E minha resposta é: “se o espectador se concentra nos lábios de um ator nessa hora
do filme, então é melhor parar tudo e ele ir para casa.”. Me pego frequentemente diante desse tipo
de decisão. E acontece comigo de deixar as coisas um pouco imperfeitas. Em Kundun, há dois ou
três momentos onde as pessoas falam sem que escutemos uma só palavra sair de suas bocas.
KJ: Isso me lembra a reflexão de Jean Renoir sobre os faux raccords: “Por que prestar tanta
atenção nos cortes?” e ele completa: “Para mim, o mais importante é que o plano seja bem forte,
bem comovente.”.
MS: Fizemos esse tipo de escolha em Kundun. Filmamos cenas em monastérios diferentes.
Depois na montagem final, decidimos que seria finalmente o mesmo monastério. Ninguém
consegue ver a diferença. Além disso, não tem importância porque a emoção da cena está lá. Para
nós, o importante era ver se alguém notaria. E nas projeções-teste, ninguém se deu conta de que
montamos uma cena de um monastério para inseri-la em uma sequência rodada em um outro. Mas o
que quer que aconteça, é preciso que o filme fique o mais firme possível, quase cru. Após alguns
anos, me dei conta de que certos cineastas, por conta de se concentrarem muito em seus
movimentos de câmera, sobre a preparação, acabam por fazer filmes sem vida.
SS: Um contista está sempre dividido entre suas responsabilidades. Não é preciso dar a
impressão de ser preciosista. Não é preciso que as pessoas imaginem que tentamos impressioná-las,
mostrar a elas que somos muito inteligentes. Em meu livro, Landscape and Memory4, há por volta
de 150 narrativas e uma quantidade enorme de ideias por serem articuladas. Mas eu queria que
essas ideias pudessem nascer desse imenso cruzamento de narrativas. Já foi muito difícil colocar
tudo isso em forma então eu não podia desarranjar muito as coisas. Por outro lado, no livro que
estou escrevendo nesse momento, tento deliberadamente tornar a textura menos perfeita.
Há uma pergunta que gostaria de lhe fazer, Marty. Gostaria de saber se o indivíduo – Jake La
Motta em Touro indomável (Raging Bull, 1980), por exemplo – poderia às vezes ditar a maneira de
se filmar uma sequência. Por exemplo, em Rembrandt, o indivíduo de um retrato, ou a história que
ele pintava em um quadro influenciavam completamente seu estilo de pintura. Rembrandt pintou
um retrato de Jan Six. Jan Six era o filho de um tintureiro, um grande latinista, que se tornou em
seguida um autor e um poeta algo medíocre. Na burguesia de Amsterdã, um homem educado e
instruído se conhecia por sua extraordinária indiferença. Ele vestia sempre capas escarlates
colocados sobre um só ombro. O retrato de Six pintado por Rembrandt o mostra pronto para sair,
vestindo uma luva. É um quadro verdadeiramente fascinante, porque as luvas foram pintadas em
movimento, como pequenos turbilhões. Como se a ideia de Rembrandt tivesse sido jogar
rapidamente a pintura no quadro, após dizer a si mesmo: “bom, você quer ter um ar indiferente?
Vou te pintar de maneira indiferente. Minha pincelada será indiferente.”.
Acabei de escrever sobre A cegueira de Samson5, sobre esses olhos cravados, essas pequenas
gotas de sangue quase luminosas. É muito violento, de uma violência mesmo arrebatadora, e
escrevendo sobre esse quadro, percebi que meu estilo é muito irregular, com frases bem secas, bem
curtas, “firmes”. É quase ridículo.
MS: Passei por algo similar com os personagens que me eram próximos, em Caminhos
perigosos (Mean Streets, 1993) ou Taxi Driver (1976). Em um filme, é o enquadramento que coloca
o maior problema. O que há no interior do quadro? O que deixamos para fora do quadro? Onde
termina o quadro? Há também a altura do personagem no interior do quadro. Quem está no quadro
com ele? Por exemplo, se eu nos filmasse durante essa conversa. Faço um plano seu sozinho? Ou eu
me incluo no quadro? Ou faço um plano de cada um de nós? Todas essas escolhas têm ressonâncias
psicológicas. E não resta aí nenhuma dúvida, esse tipo de escolha é ditado pelos personagens. Para
mim, a melhor prova disso que acabo de descrever aconteceu durante as filmagens de Kundun, onde

4
SCHAMA, Simon. Paisagem e Memória. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. [N. do T.]
5
Quadro de Rembrandt pintado em 1636. [N. do T.]
o estilo foi inteiramente ditado pelos Tibetanos. Previ uma série de planos, e depois me dei conta de
que isso não funcionaria. Eu os imporia muitas coisas.
Outro exemplo, em A idade da inocência, quando Daniel Day-Lewis passeia com seu filho
nas Tulherias, e se dá conta de que sua esposa vinha em sua direção. Fiz somente um plano aberto, e
mesmo ao fazer esse plano, tentei ser o mais discreto possível. Quando A idade da inocência
estreou, um crítico do Village Voice escreveu, a propósito de um outro filme: “Veja esse filme. O
diretor, ao contrário de Scorsese, sabe onde posicionar a câmera.”. Talvez meu olhar sobre aquela
sociedade e seus personagens estivesse ainda muito pregnantes, mas eu sentia que com a câmera, eu
poderia transmitir as paixões dissimuladas sob a superfície da imagem.
SS: Pode-se também escrever de maneira bem impessoal. Mas não podemos ser tão
transparentes quanto o globo de Emerson. Atuamos, não importa o que aconteça, no papel de
intermediário, de contrabandista, entre o passado e o público de hoje. Tentamos ser sinceros com
relação a tudo isso. Em outros momentos, ficamos um pouco mais retraídos.
MS: É uma situação ainda bem delicada a se gerir quando rodamos um filme. Se
concebemos tudo antes, já percorremos metade do caminho. Mas uma vez no set, mesmo quando
estamos preparados, começa a contagem regressiva, e é preciso filmar. Nos pegamos frente a 200
pessoas que têm muitas perguntas a fazer. Há um plano em Kundun, por exemplo, onde o pai e a
mãe do Dalai Lama observam seu filho ser levado até o alto dos degraus do Palácio de Potala. A
mãe observa o menino e sorri para ele. Já era bem tarde quando filmamos esse plano. O sol estava
se pondo. Estávamos no meio do deserto marroquino, bem longe de Uarzazate, e era preciso
retornar à cidade. Perguntei para o meu diretor de fotografia Roger Deakins: “não ficou muito
sentimental?”. E ele me respondeu: “não. É uma mãe que observa seu filho partir. Ela sabe que não
o verá por um longo tempo. Acredite em mim, Marty, ficou muito bom.”.
KJ: Quais são os detalhes com os quais vocês mais se preocupam?
SS: Meu trabalho mais importante consiste antes de tudo em dar uma imagem precisa do
passado. E às vezes, quando escrevemos um livro, tentamos encontrar figuras de linguagem que
possam remeter o leitor à época descrita, por exemplo ao século XVI ou ao XVII, mas sem com isso
cair no pastiche. A primeira frase de meu novo livro, logo após a introdução, é a seguinte: “Posto
que estava doente no castelo de Dillenberg, o jovem Rubens compreendeu que havia cometido um
erro ao – e é a primeira expressão que eu empreguei – dormir com a princesa de Orange.” (risos).
Depois eu disse a mim mesmo, não, “dormir com”6 não está bom. É uma expressão muito
utilizada nos anos cinquenta. Disse a mim mesmo então que os franceses teriam utilizado a
expressão “deitar” [“coucher”]. Sim, mas eis a questão, se utilizasse essa expressão em inglês, ela
seria “lie with” que é algo que veríamos nos filmes de Alexandre Korda. Finalmente, escolhi uma

6
“Dormir avec” no francês e “sleep with” no inglês [N. do T.].
expressão própria à linguagem inglesa que é “dividir a cama com” [“partager le lit de”]. Mas
mesmo com essa solução, ficamos ainda um pouco no pastiche. Eis o tipo de problema
incontornável o qual posso confrontar por conta de uma simples palavra. Imagino que para você,
esse tipo de coisa se produz sobre a escolha de um ângulo de ponto de vista, ou de um figurino.
MS: Ah sim, sem dúvida. O figurino é o carácter do personagem. Quando Paul Schrader
terminou o roteiro de Touro indomável, havíamos encontrado o personagem de Jake La Motta, mas
nós não sabíamos ainda como ele iria se parecer. Um dia, quando estávamos fazendo um teste para
os figurinos do filme, Robert De Niro colocou uma jaqueta, uma jaqueta preta com detalhes em
branco. Ele exclamou: “Aqui está. É isso.”. Nós utilizamos essa jaqueta apenas uma vez no filme,
mas ao vesti-la, Bob a associou imediatamente a Jake. Ele se tornou, de uma só vez, o personagem.
Em O Rei da comédia (The King of Comedy, 1982), nós não sabíamos realmente como se
pareceria o herói do filme, Rupert Pupkin. Um dia, passeávamos na Broadway, nós dois, Bob e eu.
Estávamos perto da rua 48 ou da 49. E daí vimos essa loja: Lew Magram, o alfaiate das estrelas. Na
vitrine, havia um painel gigantesco com essa frase: “Obrigado Lew! – Henry Youngman.”. Do lado,
um manequim com um cabelo penteado com uma divisão em linha reta e um bigode. Compramos
as roupas que vestia o manequim. Era uma roupa de três peças, de linho, com uma gravata amarela
e uma camisa azul. Penteamos o cabelo de Bob como o daquele manequim. E depois Bob disse: “É
preciso que um lado do bigode seja um pouco torto.”.
SS: Em A idade da inocência você deixou os atores vestidos com seus figurinos para que
melhor se impregnassem?
MS: Foi exatamente isso que fizemos. Quando jantava com Daniel Day-Lewis, ele vinha
com sua bengala e seu chapéu. Ele aprendia a andar. Durante minhas pesquisas para o filme,
encontrei na Biblioteca do Congresso em Washington mutoscópios. É um pouco como o
nickelodeon. Olhávamos imagens com a ajuda de um projetor que girávamos com uma manivela.
Mas essas imagens resistiram ao tempo por conta de elas estarem em um suporte de papel, não em
um suporte filme. A coisa que mais me interessou foi a maneira como se movimentam as pessoas, e
a maneira como usavam suas roupas. No cinema, geralmente, as roupas dos personagens estão bem
aprumadas. Mas nessas imagens, percebemos que os botões do colete são um pouco pesados, ou
que o colete é um pouco apertado.
Eu logo mostrei isso ao meu diretor de arte Dante Ferretti e a minha figurinista Gabriella
Pescucci.
KJ: Simon, você conseguiu tornar a História mais acessível ao grande público, de contá-la
de uma forma mais narrativa?
SS: Sim, mas sabe, apenas reinventei a roda! Durante séculos, a História era algo muito
popular. Eis que então, um belo dia, apareceram os professores! (risos). Mas é verdade,
frequentemente falam de mim como uma espécie de Cruzado, “procurando reconciliar os leitores
com a História.”. Mas na realidade é bem mais simples que isso. Só sei fazer isso. Após a guerra, na
Inglaterra, os jovens estudantes recém-diplomados iam para o jornalismo para poder se sustentar.
Isso fazia parte da nobreza do historiador. E isso remonta, na verdade, a Heródoto. Fazemos parte
dessa categoria de pessoas que cantavam e contavam oralmente a História. Herdamos histórias de
nossos ancestrais e as transmitimos. Foi isso o que no início animou minha imaginação. Penso que
existe dois tipos de sensibilidades na transmissão da História. Há os que consideram a História
simplesmente como uma ciência política do passado. Eles tomam um fato da atualidade depois
dizem: “Qual acontecimento do passado poderia nos ajudar a resolver essa questão?”. É Crossfire
com as datas a mais. Depois há os que são um pouco nômades. Falar de romanesco seria quase um
palavrão. Mas digamos que estou próximo de um movimento que consistiria em tentar imaginar ao
máximo a que se assemelharia o passado, para senti-lo, para encontrar todo tipo de direção que
pudesse permitir ver semelhanças assim como diferenças com o mundo de hoje. Temos todos
necessidade de politólogos, de sábios que se esgueiram sobre o passado. Tucídides é um exemplo.
Ele participou de guerras. Ele queria ver as coisas de perto. Já Heródoto era um tipo de nômade,
uma comadre. Ele colocava sobre o mesmo plano o mito, o acontecimento imediato e a anedota.
KJ: Vocês procuram inspiração nos romances?
SS: Sim. Em filmes também, e na poesia. A poesia é de uma economia maravilhosa, para
mim que tem a tendência de escrever muito longamente. Dou um curso de escrita sobre História
para os estudantes de licenciatura. Acontece de eu pedir para eles me descreverem um objeto: uma
cadeira, um armário, ou uma roupa. Na semana seguinte será um edifício. Depois pode acontecer de
eu lhes dizer: “Descrevam para mim alguém que morreu há 200 anos. Descrevam-no fisicamente.
Seja ele ou ela.”. É o tipo de ginástica mental da qual precisamos para conseguir descrever uma
cena histórica. Mas ainda hoje, é considerado como chocante querer fazer com que os jovens
historiadores aprendam a trabalhar a partir de sua imaginação. Se a história continuar a ser ensinada
como nos manuais de história que meu filho e minha filha trazem da escola primária, será
detestável. A aproximação é sempre temática. Não se deve negligenciar as entradas por temas, mas
elas excluem toda entrada narrativa. Tornamo-nos quase deprimidos, depois felizmente, os livros de
vulgarização histórica assinados por Stephen Ambrose sobre Lewis e Clark, ou James Mc Pherson,
aparecem nas livrarias e são lidos por milhões de pessoas. E você compreende que a paixão pela
História está sempre aí.
MS: Ela existe, com certeza. É uma das razões pelas quais os filmes históricos de Rossellini,
aqueles dos anos sessenta, me deram tal impressão. Começando por O Absolutismo: A ascensão de
Luís XIV (La Prise de Pouvoir par Louis XIV, 1966). O poder absoluto do Rei é mostrado pelo
modo como ele faz suas refeições; e não necessariamente quando ele se ocupa dos assuntos do país.
E aí, eu disse a mim mesmo: a História, é isso. A História fala das pessoas. Sempre fiquei fascinado
pela forma como a História era registrada. Em Heródoto, por exemplo; há imagens que acho
magníficas. Em Tucídides também, mesmo eu tendo dificuldade ao lê-lo.
SS: No meu curso, faço uma espécie de enquete. Com quem vocês adorariam passar seu
final de semana? E sempre há um estudante que responde Tucídides. Mas em geral é um aluno em
dez. Tento também falar para eles sobre Tácito. Porque ele é incrivelmente irônico. Há quadros
históricos inesquecíveis em sua obra. Ele descreve, por exemplo, a Armada romana retornando para
se vingar de um massacre que os Germânicos haviam cometido sobre suas tropas seis anos antes.
Tácito descreve o comandante das tropas marchando intensa e nervosamente entre um pântano e
uma floresta. Ele chega ao local da batalha. Como as tribos dos Germânicos passaram por lá,
nenhum corpo foi enterrado. E ele descreve como ficam as ossos humanos sobre o solo, conta como
exatamente esses homens foram abatidos e estão mortos. Ele explica como os ossos que estão
espalhados pelo solo são, na verdade, aqueles dos homens que, durante a batalha, correram para não
serem mortos. E lá onde os homens foram postos de costas ao muro para serem mortos, os ossos se
amontoam uns sobre os outros. E Tácito os descreve como as cristas de uma onda.
MS: Essa seria uma cena de filme extraordinária.
SS: Que grande diretor. Não é verdade?

Вам также может понравиться