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RICARDO TROULA

STORYTELLING NAS HISTORIAS EM QUADRINHOS


STORYTELLING NAS
HISTÓRIAS EM
QUADRINHOS: O ST
DESIGN DO NOVO HI
FORMATO GRÁFICO QU
E O CAVALEIRO DE
DAS TREVAS FO
EO
RICARDO TROULA
DA
mestrado em design
universidade anhembi morumbi
2008 são paulo, 2008
1

STORYTELLING NAS
HISTORIAS EM
QUADRINHOS: O
DESIGN DO NOVO
FORMATO GRÁFICO
E O CAVALEIRO
DAS TREVAS
RICARDO TROULA
orientadora: profa. dra. gisela belluzzo
mestrado em design
universidade anhembi morumbi
são paulo, 2008
2 3

banca examinadora

Prof. Dr. Francisco Homem de Melo, Examinador Externo


FAU - USP

Profa. Dra. Claudia Marinho, Examinadora Interna


Universidade Anhembi Morumbi

Profa. Dra. Gisela Belluzzo de Campos, Orientadora


Universidade Anhembi Morumbi
4 5

resumo abstract

O gibi “Batman O Cavaleiro das Trevas”, de Frank Miller, é The graphic novel “Batman The Dark Knight Returns”, by
o objeto de estudo desta dissertação que busca estudar Frank Miller, is the object of this dissertation. The main goal
o storytelling ou a narrativa visual nas histórias em is studying the storytelling on comic books and the graphic
quadrinhos e a evolução gráfica do meio nos Estados Unidos. evolution of the media in the United States. Through the study
Através de um resgate histórico da utilização dos recursos of the graphic resources and process of comic book history
e processos gráficos desde 1930 e da presença do design since 1930 and the application of graphic design in comics,
gráfico nos quadrinhos, objetiva-se analisar a introdução this dissertation has the intent of analyzing the introduction
do novo formato gráfico na década de 1980 e da utilização of the new format at the decade of 1980, its consequences
subseqüente deste nos demais quadrinhos publicados, até on the release of the further comic books of the 1990s and
a ampla e desmedida utilização na década de 1990 e a the graphic achievements of the market in the new century.
maturidade gráfica do meio no novo século. O storytelling The storytelling at the comic book’s language is also retreated
na linguagem dos quadrinhos também é abordado de forma historically making a comparison to the classical Hollywood
histórica comparando sua gênese com a do cinema clássico cinema and its specific narrative and the evolution of its
hollywoodiano e o desenvolvimento desta narrativa com a storytelling with the entrance of new kind of professionals
entrada de diferentes profissionais no meio pós-censura nas after the post-censorship at the decades of 1960, 1970
décadas de 1960, 1970 e 1980, dentre eles Frank Miller. E as and 1980, including Frank Miller. The new format suggests
mudanças causadas pela introdução do novo formato que different approaches in the classic narrative but it has never
permitiram uma alteração nessa narrativa, sem jamais negá- denied it. This dissertation also investigates the Miller’s point
la. A dissertação investiga também o resgate feito por Miller of view of character Batman when “Batman The Dark Knight
do personagem Batman quando da publicação de sua obra. Returns” was published. Through the recapitulated of Miller’s
Através de um resgate histórico da carreira do quadrinista e da career and the history of the character itself, I look at the
história do próprio personagem, investigo as conseqüências consequences of the graphic novel on the comic book field
do objeto de estudo no meio e para o Batman. Por fim, aplico and Batman. Finally, using the study above I analyze the
o estudo acima em uma análise no objeto de estudo. object of this dissertation.

Palavras-chave: Histórias em Quadrinhos. Design Gráfico. Keywords: Comic Books. Graphic Design. Cinema. Batman.
Cinema. Batman. Frank Miller. Frank Miller.
6 7

SU 2.
NARRATIVA
3.
CAVALEIRO


VISUAL E A DAS
LINGUAGEM TREVAS
DOS

RIO QUADRINHOS

Pg.72
Pg.
166

4.
CONSIDERAÇÕES
INTRO FINAIS: O QUE
DUÇÃO FICA E O QUE

6
MUDA
Pg.

246
Pg.
1. 5.
HISTÓRIAS EM REFERÊNCIAS
QUADRINHOS BIBLIO
E SEU
GRÁFICAS
DESENVOLVIMENTO

Pg.
GRÁFICO: A CAPA,
A EMBALAGEM E

250
O NOVO FORMATO

Pg.10
8 9

int
R odução

O objetivo dessa dissertação é discutir o storytelling nas leitores. Essa complexidade se evidencia ao observarmos que
histórias em quadrinhos investigando-a como uma forma quadrinhos interage com diversas outras áreas, apropriando-
narrativa e conduzindo uma análise de sua evolução gráfica se de elementos e soluções e, muitas vezes, transformando-
e tecnológica. Para isso, farei uso da HQ Batman The Dark as conforme as utiliza. Mas também emprestando recursos
Knight Returns (Batman: O Cavaleiro das Trevas) como estudo e técnicas características de sua linguagem a outros meios,
de caso, pois esta se insere em um momento de transição como o uso dos balões e onomatopéias, por exemplo. O meio
gráfica, narrativa e principalmente temática na história dos mais próximo das HQs é provavelmente o cinema, mas diversos
quadrinhos norte americanos. gibis já demonstraram que sua utilização da linguagem dos
quadrinhos sofre influências de outros meios, como a arte,
Uma história em quadrinhos é uma narrativa, majoritariamente a ilustração, a fotografia, a televisão, a literatura e o design.
visual, contada através de uma seqüência de imagens, com os Estas influências variam do emprego de elementos, até se
diálogos dos personagens incorporados através dos balões e os beneficiar do avanço tecnológico destas áreas. A linguagem
demais efeitos sonoros inseridos na forma de onomatopéias. dos quadrinhos possui essa riqueza de influências sem
Por ser uma forma hibrida, combinando imagem e texto, os perder sua identidade de narrativa seqüencial e visual, e o
quadrinhos oferecem um problema ao serem analisados. faz sendo uma linguagem popular e de cultura de massa.
Ao utilizar uma comparação com a ficção literária para tal A linguagem dos quadrinhos pode oferecer histórias para
análise, o pesquisador acaba por ignorar a narrativa visual quase qualquer público de qualquer idade disposto a ler,
do meio, sua principal característica. Por isso, optei por fazer suas soluções técnicas podem ser manipuladas para atender
uma comparação com o cinema objetivando investigar e os diferentes níveis de complexidade narrativa dependendo
estabelecer os princípios narrativos dos quadrinhos para em do tipo de leitor e, principalmente, do tipo de história a ser
seguida analisar as mudanças que ele sofreu. No entanto, contada. A diversidade de temas e gêneros nos quadrinhos
também considerei o texto nos quadrinhos pois, mesmo permite um maior acesso a leitores diferentes oferecendo
em menor proporção, ele também é parte fundamental da possibilidades variadas.
linguagem dos quadrinhos.
Para construir essa dissertação abordo, no primeiro capítulo, a
Essa dissertação procura demonstrar que quadrinhos é uma história gráfica dos quadrinhos desde seu início na década de
linguagem narrativa rica e complexa, tendo publicado histórias 1930, até o novo século. Estudo de forma aprofundada o processo
de diversos gêneros objetivando os mais variados tipos de de produção de uma história em quadrinhos e conduzo um breve
10 11

resgate histórico da evolução dos aspectos gráficos e do formato até sua solidificação e maturação no novo século. O objetivo de Quanto a arte me refiro as características que perfazem a E por fim, o terceiro capítulo, é dedicado a análise do
do gibi. Investigo especificamente a embalagem de uma HQ, ou estudar a evolução gráfica das HQs é investigar a importância linguagem do desenhista e sua produção que ocupa o interior objeto de estudo tomando como base o que foi discutido
seja as capas, considerando a presença cada vez mais intensa de deste novo formato na constituição do objeto de estudo do ponto dos quadrinhos em uma página. Abordo também o texto nas nos primeiros dois capítulos. Primeiro fiz um breve
profissionais especializados trabalhando com as questões gráficas de vista da utilização da linguagem em uma nova configuração HQs e sua aplicação através dos balões e onomatopéias e a resumo da história da série e abordei quatro elementos
e de composição visual nas mesmas. Para isso, selecionei três gráfica e em seu subseqüente sucesso de público. Além de estudar relação entre a combinação de imagens e texto. Por fim, analiso temáticos e técnicos da HQ que julguei pertinentes por
desses profissionais especializados em trabalhar com capas de as capas com o objetivo de analisar a intensificação da presença também os elementos narrativos do meio traçando um paralelo sua importância histórica e conceitual para o Batman. Em
quadrinhos e analiso algumas peças de seus trabalhos buscando do design gráfico nas histórias em quadrinhos que hoje não se entre a narrativa clássica das histórias em quadrinhos e sua seguida, abordo partes específicas da história utilizando
ilustrar esse estudo. Dei preferência a profissionais que fossem restringe apenas a parte externa de um gibi. evolução com a narrativa clássica do cinema hollywoodiano. A as seqüências para nortear a análise de acordo com os
responsáveis pela totalidade dos elementos em uma capa, tanto opção por utilizar o cinema se deu em função da proximidade temas abordados. Obviamente que a obra inteira não foi
textuais quanto visuais, e optei também por aqueles que tivessem Em seguida, no segundo capítulo, abordo o storytelling que estes dois meios possuem no que concerne seus objetivos analisada de forma detalhada, mas sim partes dela que
uma formação e uma experiência especifica em lidar com as na linguagem dos quadrinhos e sua forma visual. Para isso e algumas de suas soluções e técnicas, mesmo possuindo servirão ao estudo que esta dissertação se propõe.
necessidades de produzir uma peça gráfica como uma capa. Em investigo os elementos que compõe uma HQ e as técnicas, linguagens diferentes. Além disso, o cinema possui um estudo
seguida abordo os resultados dessa evolução gráfica através do soluções e estratégias narrativas usadas pelos quadrinistas mais amplo acerca de sua história narrativa oferecendo pontos O final da dissertação traz algumas considerações a
surgimento das graphic novels na década de 1970, da introdução para contar uma história visualmente. Selecionei elementos de reflexão que podem ser transpostos para os quadrinhos, que respeito das histórias em quadrinhos, do personagem
do chamado new format (novo formato) na década de 1980, e visuais que constituem e formam o produto da história em possui ainda pouca bibliografia disponível sobre o assunto. A Batman e do objeto de estudo, bem como da pesquisa e
da sua subseqüente difusão através do meio com a cacofonia de quadrinhos, que é a história contada nas páginas do gibi, bem base para discussão de narrativa nesta dissertação veio dos possíveis desdobramentos.
soluções de impressão e exageros gráficos da década de 1990 como a montagem destas páginas e a arte dos quadrinhos. livros de cinema presentes na bibliografia.
1.
12 13

QUADRINHOS
as histórias em
e seu desenvolvimento gráfico :
a CAPA a EMBALAGEM ,
e o NOVO formato

1.2. Histórias em quadrinhos e seu


desenvolvimento gráfico

formato e cor

O início dos quadrinhos nos Estados Unidos se deu nos jornais, (JONES, 2006, p.126). Ele publicou sua primeira revista, Famous
primeiro com as charges, como na Inglaterra (SABIN, 2003, pg.12), Funnies, que contava com uma generosa quantidade de tiras
no final do século XIX, e em seguida com as tiras. As primeiras coloridas organizadas nesse novo formato. Mais barato do que
tiras eram curtas, compostas de apenas alguns quadros, mas os anteriores (SABIN, 2003, p. 21), este novo formato distanciou
logo evoluíram para seqüências maiores e coloridas, geralmente as tiras dos livros, agradou aos leitores e abriu as portas para a
abordando sátiras políticas ou sociais, passando a fazer mais produção de material exclusivo para as revistas. Este formato
sucesso. Os editores dos jornais norte-americanos perceberam consistia em uma revista no tamanho citado anteriormente,
que as tiras em quadrinhos agradavam ao público e ajudavam com cerca de vinte a trinta páginas, uma dobra e grampeada. As
a vender mais jornais (WEINER, 2003, p.1), assim, as tiras histórias eram impressas em papel jornal e quadricromia. Quando
ganharam um suplemento publicado aos domingos dedicado Superman foi lançado em Action Comics #1 (figura 1), em 1938,
exclusivamente a elas (SABIN, 2003, pg.20). representando o início da Era de Ouro2 dos quadrinhos, este
novo formato já estava estabelecido. A revista em quadrinhos só
Logo, estas tiras começaram a diversificar sua temática, voltaria a sofrer mudanças na década de 1980, mas voltaremos a
emprestando boa parte das revistas pulp1 tão famosas na época isso mais tarde.
ou de adaptações de obras literárias como Tarzan. Com o sucesso
comercial das tiras, diversas editoras começaram a publicar Não foi apenas o formato que sofreu poucas modificações,
compilações de tiras de jornal em livros, mas estes obtiveram o processo de colorização dos quadrinhos e o papel utilizado
pouco sucesso, pois os leitores da época não queriam pagar a mais também mudou pouco. Desde sua inserção nas tiras de
por algo que eles já recebiam de graça em seu jornal (IBID, p.34). quadrinhos, a cor sempre foi um diferencial para o público,
Algumas tentativas foram feitas buscando encontrar um formato mas evoluiu pouco até a década de 1970. Desde as primeiras
que vendesse, até que em 1934, Maxwell C. Gaines, empresário revistas em quadrinhos, o colorista possuía apenas 63 cores
do ramo gráfico, dobrou um jornal que tem aproximadamente 60 para escolher, as quais ele aplicava de forma manual sobre
cm por 38 cm em quatro partes e criou o formato de revistas em uma cópia da arte em preto e branco, quase como um livro
quadrinhos norte- americanos, com cerca de 25,4 cm por 17,8 cm de colorir. As chamadas cores primárias, amarelo, magenta e

1 As revistas pulp foram publicadas nos Estados Unidos a partir da década de 1920 até a metade do século. Eram publicações baratas que traziam histórias de
ficção com temas diversos como o policial, a aventura, o velho-oeste e o romance, para citar alguns.
2 A Era de Ouro dos quadrinhos norte-americanos começou em 1939 com o lançamento de Action Comics #1 e o surgimento do Superman, e estendeu-se até
o final da década de 1940. Nela, o super-herói foi definido e a maioria dos personagens clássicos foram introduzidos.
14 15

(a direita e abaixo) Figura 1 Action Comics Superman Cover to Cover, 2006.

(abaixo) Figura 3 Fury DUIN, 1998.


Figura 2 Separação de cores CHIARELLO, 2004.
(a direita) Figura 4 Realismo Adams Superman Cover to Cover, 2006.

cyan são as bases para a composição de todas as outras cores. Na década de 1970, a entrada de desenhistas oriundos de
Elas também são chamadas de aditivas, pois quando somadas outros campos causou uma revolução na arte dos quadrinhos.
geram outras cores. Nos quadrinhos, seu uso era restrito O trabalho de Jim Steranko e Neal Adams mudou a forma
a 100%, 50% e 20%, o que significava que os coloristas só como o desenho nos quadrinhos vinha sendo feito até então
podiam utilizar três intensidades dessas cores, o que limitava a distanciando-a do traço de seus fundadores como Jack Kirby,
quantidade de tons possíveis a 63, somadas ao preto, a quarta Will Eisner e Winsor McCay. Como pioneiros, estes quadrinistas uma evolução no processo de impressão nos quadrinhos
cor. Depois de aplicar as cores sobre a página, o colorista então não só ajudaram a desenvolver a linguagem do meio, como se elevando para 124 a quantidade de cores à disposição dos
as indicava através de curtos códigos escritos na própria página desenvolveram dentro dele. Dessa forma, sua evolução artística e coloristas nas tabelas das editoras. Mas foi só na década de
para que o separador de cores pudesse, na gráfica, atingir os narrativa ficou contida no campo dos quadrinhos e foi quebrada 1980 que a mudança no processo realmente foi significativa,
mesmos tons que ele queria (figura 2). Cada editora possuía com a entrada desses novos quadrinistas. Steranko trouxe os com a introdução do computador na separação de cores e
sua própria tabela de cores e códigos correspondentes. movimentos de arte para suas revistas, introduzindo conceitos subseqüentemente na própria colorização digital das páginas,
da pop art, op art e surrealismo (figura 3) em suas capas e que tornou-se um padrão na década de 1990. Hoje, a grande
O visual destas cores impressas em papel jornal (do início páginas. Adams introduziu soluções e técnicas que tornaram o maioria dos quadrinhos são coloridos digitalmente através
dos quadrinhos) gerou um produto final sofrível, mas que foi visual dos quadrinhos mais realista e dramático (figura 4), com de softwares específicos como o Photoshop. Esta colorização
bem absorvido pelo público norte americano. Para compensar
sombras e figuras humanas próximas à ilustração clássica. beneficiou-se do avanço tecnológico tanto dos computadores
esse “efeito empobrecedor” do papel jornal e se destacar da
e periféricos gráficos como os tablets (mesa digitalizadora)
concorrência, os heróis foram trajados em uniformes que
possuíam cores primárias brilhantes, e foram inseridos num Oriundo da publicidade e acostumado com uma gama de cores e scanners, como das impressoras e parques gráficos que
mundo de cores primárias (McCLOUD, 2005, p.188). muito maior do que a dos quadrinhos na época, Adams forçou permitiram uma maior qualidade nas cores impressas.
16 17

a estrutura de produção de uma hq


Figura 5 Arte Final JANSON, 2003.

O projeto nas histórias em quadrinhos começa com o roteiro, anteriormente é mantida. O desenhista geralmente trabalha
definindo a história a ser contada e a melhor forma de fazê-lo. com grafite, seja através de um lápis ou de uma lapiseira, para
Dennis O’Neal estabelece que “uma história é uma narrativa construir a arte das páginas. Quando estas estão devidamente
estruturada e projetada para obter um efeito emocional, desenhadas, o arte-finalista assume o trabalho e aplica nanquim
apresentar uma proposta ou revelar um personagem” (2001, às páginas, fazendo com que elas sejam mais fáceis de serem
p.13). Assim, o objetivo do escritor é contar uma história reproduzidas. Esta era a função inicial dos arte-finalistas, pois
da melhor forma possível considerando a mensagem que quando os quadrinhos surgiram era muito difícil reproduzir o
ele quer transmitir e o efeito que ele quer causar. Essa grafite na impressão final. Durante a evolução da linguagem
responsabilidade para com o leitor segue para a arte, onde o dos quadrinhos, os arte-finalistas desenvolveram uma série de
modo de contar a história ganha um outro aspecto, o visual. técnicas, muitas emprestadas da ilustração, e aumentaram sua
É função do desenhista transmitir essa mensagem (a história), contribuição ao processo produtivo trabalhando texturas, a
ou informação de um modo interessante (JANSON, 2002, p.55) narrativa através do contraste e acrescentando dramaticidade
e, para isso, sua preocupação deve ir além da qualidade do alterando a informação expressiva do desenho. O Batman,
desenho. Não importa quão boa seja a arte dos quadros se a por exemplo, é um personagem sombrio, que atua a noite, e
relação entre estes e a sua organização na página não seguir o portanto é sempre representado com grandes áreas chapadas
propósito de melhor contar a história. de preto. Essa solução seria muito trabalhosa para se obter
no lápis, e muito menos eficiente do que quando é feita com
Depois que o roteiro é escrito, o desenhista passa a história nanquim, que é capaz de oferecer ao desenho esse tipo de
para a página tornando-a visual. São dele as opções de layout sombra (figura 5). Hoje, o nanquim ainda faz parte do processo,
de página e de enquadramento. Em muitos casos, o roteirista apesar de já existirem soluções digitais para a finalização e de
sugere algumas dessas opções como, por exemplo, quantos já, há algum tempo, ser possível imprimir páginas à lápis com
quadros a página terá, mas fica a cargo do desenhista a qualidade. Já existem alguns exemplos de arte-finalização
solução final. Obviamente que esta dinâmica entre escritor e digital, mas ainda são poucos e a forma tradicional de arte-
desenhista depende do status de cada um, se o escritor for finalizar ainda é bastante presente. Mais comum é a colorização
muito mais conceituado do que o desenhista, o segundo tende diretamente sobre o lápis, prática que vem sendo adotada
a seguir o roteiro de forma mais precisa. Se o contrário for com uma certa freqüência. Depois da arte-final, o processo
verdadeiro, o desenhista pode decidir mais livremente. Mas em migra de vez para o digital com os processos de colorização
uma situação onde as partes se equivalem, a dinâmica citada e letrerização. Ambos originalmente eram feitos de forma
18 19

manual, a colorização, que será abordada mais adiante, era a X-Men, entre outros; e a DC Comics, que publica Batman, e cinema, sendo extremamente detalhados e completos. ainda não existia nesta época. Se retomarmos a idéia de que
aplicação da tinta sobre as páginas, geralmente aquarela ou Super-Homem, Mulher Maravilha, e outros. Desde que foram Quando estes chegavam às mãos do desenhista, o enredo uma narrativa visual em quadrinhos acontece através da
ecoline, antes de seguir para a impressão. Desde a década de criadas, estas duas editoras estabeleceram modos diferentes já estava dividido por páginas, os quadrinhos sugeridos e os utilização entre texto e imagem, é fácil notar que o campo
1980, o processo de separação de cor é feito por computador, de abordar o roteiro e subseqüentemente o processo produtivo diálogos já escritos. Não que a DC não tivesse bons artistas ainda estava em formação. O processo ainda era muito
e um pouco mais tarde, a própria colorização passou a ser de uma HQ. Na década de 1960, a Marvel era comandada por como a Marvel, mas, a grosso modo, ela surgiu como uma individual e marcado por cada um desses artistas. Ainda
feita de forma digital. Existem gibis coloridos de outras formas, apenas um editor, Stan Lee, que escrevia a maior parte dos empresa maior e mais estruturada. A DC possuía mais gente não havia uma linguagem gráfica nos quadrinhos nem uma
mas o padrão da indústria e a grande maioria das revistas são roteiros da casa, e, por causa disso, não conseguia escrever em seu corpo de funcionários e mais roteiristas entre eles. estrutura ou um processo produtivo padrão a ser seguido. Na
coloridas assim. A letrerização também era originalmente feita roteiros completos. Assim, ele escrevia o enredo da história Estes tinham mais tempo para dedicar a seus roteiros e época, cada um dos artistas tinha o seu próprio arsenal de
de forma manual em processo semelhante ao da caligrafia. dividido em alguns parágrafos, mas sem entrar em detalhes conseqüentemente torná-los mais completos. soluções gráficas para aplicar nas páginas e, como a grande
Um letrista, como eram chamados os profissionais, escrevia os de separação por páginas, quadros e nem diálogos. Ele então maioria vinha de outras áreas, eles traziam consigo soluções
textos e desenhava os balões antes do arte finalista entrar no enviava esse roteiro para o desenhista e este fazia a divisão Hoje em dia, com diversos escritores trabalhando para as duas de outras mídias visuais como a publicidade e a ilustração.
processo. Hoje esta parte também é feita por computador, mas dos quadros e páginas e cuidava da narrativa visual. As editoras, e com a existência de diversas outras editoras no Cada artista trabalhava individualmente aplicando sua própria
voltaremos a isso mais adiante. páginas retornavam para Lee que escrevia os diálogos e as mercado, esta separação no formato dos roteiros não existe fórmula, o que não consistia em uma linguagem única para
enviava para o letrista que dava seqüência ao processo. Esse mais desta forma. Até por características do pós-modernismo os quadrinhos. Pode-se dizer que, nesta época nas HQs, não
sobre roteiro tipo de roteiro passou a ser conhecido na indústria como Plot- como a desconstrução da grade e a apropriação de elementos havia o uso consciente de uma linguagem visual como, por
First, que denotava a característica de se priorizar o enredo da externos (POYNOR, 2003), os roteiros de hoje são, em sua exemplo, no layout de página. A linguagem das HQs ainda
história. Isso era possível nas décadas de 1940 e 1950, pois maioria, híbridos destas duas formas se assemelhando mais estava nascendo e aqueles que a criaram estavam apenas
O roteiro de uma história em quadrinhos é semelhante a um os artistas que trabalhavam para a Marvel conseguiam extrair ao Full-Script, mas com diversas inserções de outros formatos, entrando no mercado.
roteiro de filme, porém adaptado à sua própria linguagem. dos parágrafos de Lee uma história inteiramente visual. inclusive de outras mídias.
Enquanto em um roteiro de filme cada página equivale mais Os primeiros mestres da forma dos quadrinhos eram muito
Stan trabalhava com artistas brilhantes como Jack Kirby e mais desenhistas do que contadores de histórias. Winsor
ou menos a um minuto de projeção, nas HQs a medida de o processo de produção e a linguagem das hqs
Steve Ditko, soberbos na arte de contar histórias visualmente McCay, Hal Foster (figura 6) e Alex Raymond, por exemplo,
tempo remete-se a página. Mas o formato dos roteiros de HQ
e trabalhar com narrativas (storytelling), e com décadas
não é tão homogêneo quanto no cinema e aqui cabe uma eram artistas clássicos que se preocupavam muito com o
de experiência no mercado que, ou não queriam ou não
explicação a esse respeito. precisavam de muitos detalhes (nos roteiros que recebiam) O processo de produção de uma HQ em seus primórdios ainda visual de suas histórias, cujos enredos serviam apenas de pano
(O’NEIL, 2001, p.26). era muito dependente dos artistas ou dos escritores, raramente de fundo para estas imagens.
O mercado de quadrinhos norte-americano possui inúmeras de ambos. Mesmo os roteiros da DC ainda dependiam muito
editoras, porém duas grandes dominam a maior parte dele: a A DC possuía uma outra forma de trabalhar conhecida como de quem os tornaria visuais, e se pensarmos em um processo Não que as histórias fossem ruins, não eram, mas a arte era muito
Marvel Comics, editora do Homem-Aranha, Capitão América, Full-Script. Os roteiros se assemelhavam mais aos de televisão de produção resultante de um projeto nas HQs, ele certamente mais sofisticada do que o texto. Todo o brilhantismo técnico
20 21

Figura 6 Prince Valiant DUIN, 1998. (a esquerda e abaixo) Figura 7 Little Nemo SABIN, 2003.

(a esquerda) Figura 8 Spirit DUIN, 1998.

(a abaixo) Figura 9 Kirby DANIELS, 1991.

atribuído à McCay em seu Little Nemo in Slumberland (figura 7), já a forma gráfica dos quadrinhos, através de layouts inovadores
explorando diferentes formatos de quadros e desenhos inspirados e diversificados em suas páginas e usando elementos criativos
na art noveau3, faltava a seu texto emocionalmente frio (SABIN, em suas composições. Kirby desenvolveu outras soluções, tidas
2003, pg.20). Talvez por serem de diferentes formações ou por se como cinematográficas e de expressividade de movimento,
tratar do início dos quadrinhos, cada artista possuía seu próprio trabalhando majoritariamente com super-heróis. E explorou
processo e gama de soluções. McCain, um dos pioneiros da a narrativa visual, buscando melhorar a representação da
animação, objetivava uma narrativa visual mais cinematográfica movimentação de seus personagens e o dinamismo de seus
no que diz respeito a movimentação de seus personagens. Já Hal quadros e páginas (figura 9).
Foster era um ilustrador cujo primeiro trabalho com quadrinhos
foi a adaptação do livro de Edgar Rice Burroughs, Tarzan. Kirby criou uma nova gramática para a narrativa visual e uma
movimentação cinemática. Personagens até então estáticos,
saltavam de um quadrinho para o outro – ou de uma página
No fim da década de 1930 começaram a surgir os primeiros
a outra – ameaçando sair da página e aterrissar no colo
grandes nomes que haviam se formado desenhando quadrinhos, do leitor. A força dos socos desferidos era visualmente e
notadamente Will Eisner e Jack Kirby. Ambos foram os principais explosivamente evidente. Mesmo parado, um personagem
responsáveis pela formação da linguagem de quadrinhos. Eisner de Kirby pulsava com tensão e energia de uma forma que
criou muitas das soluções narrativas e visuais utilizadas até hoje faz com que versões do mesmo personagem para o cinema
em sua tira, e depois revista, The Spirit (figura 8). Ele explorou pareçam estáticas se comparadas (STAPLES, 2007).

3 O art noveau foi um movimento internacional nas artes e na arquitetura que teve seu ápice na virada do século XX. O movimento buscava inspiração nas
formas orgânicas e naturais e nas pinturas japonesas. Eram comuns as linhas curvas, sinuosas e as texturas padronizadas.
22 23

a evolução e o estudo da linguagem dos quadrinhos


Com o passar dos anos, o meio foi vagarosamente evoluindo que lida com a disposição de figuras ou imagens e palavras para McCloud publicou mais dois livros dando continuidade ao desta linguagem na hora de empregá-la, pois tinham onde
após o baque da censura4 e o estabelecimento do Comics Code narrar uma história ou dramatizar uma idéia. Ela é estudada estudo da forma dos quadrinhos: Reinventing Comics: How aprender e possuíam os editores e os demais artistas mais
aqui dentro do quadro da sua aplicação, as revistas e as tiras de Imagination and Technology are Revolutionazing an Art Form estabelecidos para acompanhar seus trabalhos. Isso não
Authority. As soluções criadas por Jack Kirby, Will Eisner, entre
quadrinhos, onde é universalmente empregada (EISNER, 1995).
outros mestres, passaram a ser utilizadas por mais artistas, de 2000 (“Reinventando os Quadrinhos”) e Making Comics: significa dizer que eles perderam a individualidade em suas
especialmente na década de 1970, quando Eisner publicou o seu Storytelling Secrets of Comics Manga and Graphic Novels, de criações, mas sim que ganharam uma maior consciência do
A primeira publicação a abordar a forma dos quadrinhos
livro “Quadrinhos e Arte Seqüencial”, a linguagem das HQs já 2006 (Desenhando os Quadrinhos). processo como um todo. Desta forma, o mesmo tornou-se
foi importante, Eisner inaugurou a prática do estudo dos
se apresentava estabelecida, ajudada também pela solidificação mais homogêneo na indústria, o modo de fazer e produzir
quadrinhos como linguagem, mas ele não foi o primeiro a
das primeiras editoras e do papel do editor que contribuíram Os estudos sobre a linguagem dos quadrinhos, em especial uma HQ tornou-se conhecido e, a partir dessa época, os
escrever sobre quadrinhos. Jules Feiffer já o havia feito em seu
para a padronização dos processos produtivos. O livro de Eisner, o livro de Eisner, somado ao retorno já desde a década de quadrinhos passaram a ter um projeto aplicável a grande
The Great Comic Book Heroes (Os Grandes Super Heróis 1960), e
elaborado a partir de suas próprias experiências e das de seus 1960 de grandes profissionais, escritores e artistas, que maioria das revistas produzidas, independente do tema ou
felizmente não seria o último. Scott McCloud, em 1993, publicou
pares, defendia a existência de uma linguagem única para haviam se distanciado do campo dos quadrinhos durante a dos profissionais envolvidos.
Understanding Comics, lançado no Brasil anos mais tarde com
as histórias em quadrinhos. A partir de então, os quadrinhos censura e a instalação do CCA, além da entrada de artistas
o título “Desvendando os Quadrinhos”. McCloud escreveu e A maneira como eles (os quadrinhos) foram criados
possuíam um guia que permitia o estudo e a introdução à sua oriundos de diferentes meios, como os já citados Jim
desenhou uma graphic novel sobre quadrinhos em quadrinhos. evoluiu de um trabalho escrito e desenhado por um
linguagem. Eisner fez uso disso ao explorar essa linguagem de Steranko e Neal Adams no fim da década de 1970, aliado
único indivíduo para um casamento entre o trabalho
forma consciente em suas graphic novels , mas ele foi apenas um a profissionalização do processo produtivo de uma história
Understanding Comics é em parte uma análise de como os do escritor e do artista. Isto estabeleceu um processo
dos muitos a fazê-lo seguido por toda uma geração de artistas quadrinhos são feitos, em parte uma história dos quadrinhos, em quadrinhos e as evoluções tecnológicas que chegavam que empregou as habilidades de um escritor talentoso
que vieram depois. No prefácio de seu livro, Eisner define: em parte um estudo de como os quadrinhos (ou a arte aos quadrinhos na época (durante as décadas de 1970 e e um artista de grande sofisticação. Tudo isso atraiu
seqüencial, a narrativa com imagens seqüenciais) funcionava, e 1980), o meio tornou-se mais consciente de sua linguagem aprovação da crítica e elevou os padrões do meio
Este trabalho tem o intuito de considerar e examinar a singular principalmente uma leitura educativa, interessante e divertida e de suas possibilidades. A partir de então, os demais (EISNER apud WEINER, 2003, p. IX).
estética da Arte Seqüencial como um veículo de expressão que leitores de dentro e fora do mercado de quadrinhos jamais artistas de quadrinhos começaram a ter conhecimento
criativa, uma disciplina distinta, uma forma artística e literária tinham visto (WEINER, 2003, p.48).

4 Em 1954, o psicólogo alemão radicado nos Estados Unidos Dr. Frederic Wertham publicou um livro chamado “Seduction of the Innocent” (A Sedução do foram bem recebidas pelos parlamentares. Apesar da decisão final do Subcomitê não caracterizar os quadrinhos como responsável pela delinqüência juvenil, eles
Inocente). Nele, ele basicamente acusava os quadrinhos de serem responsáveis pela delinqüência juvenil. Em seu livro Wertham defendia que os quadrinhos indicaram que o meio deveria se preocupar mais com seu conteúdo. As editoras, temendo uma censura externa, trataram de criar seu próprio código regulador,
apresentavam violência, sexo, uso de drogas e outros temas adultos disfarçados em suas histórias, e que tal material encorajava as crianças a fazer o mesmo. o Comics Code Authority (CCA). O código estabelecia normas para a publicação de quadrinhos e determinava que certos temas e palavras não poderiam ser
Suas afirmações eram baseadas em relatos dos seus pacientes, que diziam ter lido quadrinhos quando crianças. Ele defendia em artigos e depois em seu livro, usados em uma HQ como, por exemplo, zumbis, lobisomens e a palavra crime. As normas do código eram tão subjetivas quanto as acusações de Wertham, mas
que o crime e a violência mostrados nos quadrinhos eram uma importante influência na mente dos jovens que entravam para a criminalidade (Lambiek). Suas se estabeleceram nos quadrinhos de forma implacável. Gerard Jones destaca em seu livro que o código foi usado como uma estratégia das grandes editoras para
alegações eram vagas e subjetivas, especialmente quando citavam sugestões sexuais em desenhos de músculos e de árvores, e ao caracterizar a relação de retirar do mercado um de seus mais ferozes concorrentes, a EC Comics, uma editora cuja temática era mais adulta e que publicava muitos títulos de terror, horror
Batman e Robin como homossexual. Mesmo apresentando poucas e duvidosas evidências de suas alegações, Wertham havia construído um nome para si, o que e suspense. O código passou a regular a publicação de quadrinhos e uma revista que não tivesse o selo do CCA na capa não poderia ser distribuída. A opressão foi
por si só já chamavam atenção para o livro, mas mais importante do que isso, o país vivia um momento turbulento durante a Guerra Fria e a caça aos comunistas. muito forte até a década de 1970, quando os primeiros criadores começaram a abordar temas mais profundos e relevantes para os jovens e optaram por publicar
Seu status o credenciou como um depoente no Subcomitê de Delinqüência Juvenil liderado pelo senador Estes Kefauver. Wertham repetiu suas acusações que seus gibis sem o código, que não permitiria tais assuntos. Mas a presença do código ainda levaria 20 anos para se dissipar.
24 25

(a direita) Figura 10 Capa Antiga DANIELS, 1991.

(a extrema direita) Figura 11 Batman Logos Batman Cover to Cover, 2005.

Este novo processo permitia que os profissionais envolvidos muitas vezes como um grande quadrinho introdutório
fossem especialistas em suas funções e pudessem contribuir ou apresentando um resumo do enredo (figura 10). Com
a melhor forma para este processo. E cabia ao editor o crescimento do mercado e o aumento da disputa entre
gerenciar todos estes profissionais cuidando para que o editoras por leitores, as capas tornaram-se importantes
projeto, que é criar, produzir e publicar uma história em chamarizes, e sua função primordial evidenciou-se: a de
quadrinhos, não se perdesse em meio as suas partes. ajudar a vender as revistas. Até hoje essa continua sendo sua
principal premissa, porém, com a entrada de profissionais
a capa e a importância da embalagem mais qualificados e especificamente conhecedores de design
gráfico, elas adquiriram maior visibilidade e passaram a ser
O processo de produção de uma HQ fora propagado e tratadas como uma parte individual no processo, tal qual o
aplicado pelos editores país afora fornecendo, por um lado, desenho, a arte-final ou a cor.
consistência à produção de quadrinhos norte-americanos,
mas por outro, estabelecendo um sistema que, em muitas Durante muitos anos, o artista que desenhava a HQ era também
ocasiões, permitiria que basicamente qualquer quadrinista responsável pela capa. Com algum ou nenhum conhecimento
trabalhasse nele. Com isso, os quadrinhos logo se tornaram de design, ele era chamado a criar uma arte individual que
uma indústria produtiva, pois financeiramente já o era era organizada em uma página com um logotipo, os dados de
há muito tempo. Porém, o que os editores e quadrinistas publicação5 e o código de barras. Esta organização era feita de
levaram mais tempo para ver foi a importância da modo a privilegiar a arte em detrimento dos demais elementos
embalagem de seu produto ou a valorização da capa e de e destacar o nome do gibi. E isso era feito à revelia de qualquer
como apresentá-la. projeto gráfico, pois fazia-se o desenho e depois “encaixavam-
se” as informações textuais. Nas décadas de 1960 e 1970, com
Durante a história das HQs, a capa teve diferentes funções. a entrada dos artistas acostumados a trabalhar em mídias
No início era apenas uma representação do conteúdo da gráficas como a publicidade e o design, como Carmine Infantino
história ou meramente uma amostra dos personagens que e os já citados Jim Steranko e Neal Adams, os quadrinistas
o leitor encontraria dentro da revista. Uma prova disso é a passaram a desenhar pensando mais no espaço que teriam
constante presença dos balões nas capas da Era de Ouro, que para trabalhar, considerando as demais informações já citadas,
auxiliavam nessa comunicação com o leitor, funcionando e começaram a criar desenhos que não atrapalhassem estas

5 Os dados de publicação são o número da edição, ano, mês e etc.


26 27

demais informações, que também sofreram mudanças, ou até Desde a década de 1990, o lançamento de múltiplas capas
que dialogassem com elas. Os títulos das revistas, que antes de uma mesma edição tem sido comum na indústria e
eram escritos apenas com fontes fantasia ou relacionadas ao funciona como uma estratégia das editoras para ganhar
gênero da história, tornaram-se logotipos e passaram a sofrer dinheiro através do mercado de colecionadores. Com a
renovações constantes como mostra a Figura 11. Este exemplo chegada dos capistas, estas capas extras permitem que,
será discutido na parte sobre letristas. mesmo quando o desenhista da HQ é famoso, os editores
possam fazer parcerias com estes profissionais e cobrar
Algumas inovações surgiram depois devido a essa entrada do mais caro por suas edições. Outra estratégia é usar o
projeto na produção de uma capa, como a integração entre capista em séries novas ou em títulos com personagens
arte e o logotipo do personagem, a diminuição do espaço que menos expressivos para atrair a atenção dos leitores. É
os dados de publicação ocupavam e a mudança de posição do muito comum inclusive a utilização de grandes capistas
código de barras6 em função do layout da capa. em títulos cujo desenhista seja bem menos expressivo,
prática que causa descontentamento na grande maioria
Tudo isso levou a criação da função do capista ou o dos leitores. Retornaremos a isso ao falarmos da mudança
entendimento e a afirmação de que era importante ter uma do produto. Para exemplificar essa evolução no processo
pessoa capacitada especificamente para fazer as capas, produtivo das capas e edições de quadrinhos, investiguemos
aumentando a importância destas para as editoras. Atualmente, três profissionais do meio: Chipp Kidd, por ser um dos mais
de um modo geral, os grandes e mais famosos desenhistas conceituados e atuantes no mercado de quadrinhos, e por
realizam suas próprias capas, mas os demais acabam cedendo ser um designer trabalhando no mercado de quadrinhos;
o espaço para um capista profissional. Este geralmente é um Brian Wood, por seu trabalho que abrange todas as etapas da
ilustrador oriundo dos próprios quadrinhos, da ilustração produção de uma HQ; e James Jean, por ser essencialmente
publicitária e de livros e, muitas vezes, é um designer gráfico um capista, mas que trabalha com a imagem e o texto.
ou ambos, como veremos a seguir. Na figura 12, a capa da Obviamente que nem todos os trabalhos de cada um deles
esquerda foi feita pelo próprio desenhista do gibi, Michael serão analisados ou entrarão no estudo, pois são muitos,
Lark, e a capa da direita pelo capista Marko Djurdjevic. Lark fez mas uma seleção será feita. Antes, é importante estabelecer
a capa apenas de sua edição de estréia no título, depois disso como eram as capas de quadrinhos historicamente para
apenas Djurdjevic trabalhou nas capas. auxiliar no entendimento da transformação.

6 O código de barras desde a sua aplicação na capa de um gibi costuma ocupar o canto inferior esquerdo. Figura 12 Daredevil Capas BRUBAKER, 2007.
28 29

(abaixo) Figura 14 Flash SCHUMER, 2003.

capas ontem e hoje

As primeiras revistas em quadrinhos estabeleceram um o novo visual do personagem, o já clássico uniforme vermelho
padrão no layout das capas que é seguido até hoje pela e amarelo com o relâmpago no peito, e desenvolveu novas
grande maioria das publicações: o logo do personagem ou do soluções gráficas para representar velocidade e movimento.
nome da revista no topo da página, as informações numéricas O Flash passou a ser retratado como uma mancha vermelha
da mesma dispostas próximas ao título e o personagem e amarela com muitas linhas de movimento, técnica que
protagonista necessariamente figurando na capa. Conforme permanece em uso até hoje (figura 14). O sucesso de seu
os gibis evoluíam, essa estrutura da capa se aperfeiçoou e se trabalho em Flash o credenciou a assumir o Batman, e o
padronizou. A capa estereotipada durante as décadas de 1950 trabalho que ele havia feito nas capas do homem mais rápido
e 1960 consistia em uma imagem icônica do personagem, do mundo, agora ele aplicava ao homem morcego. Em ambos os
mostrando-o em uma pose heróica e destacada, ladeada casos, Infantino fez uso de soluções de composição abusando
pelas informações textuais (como alguma chamada para a da interação do personagem com o logo (figura 15).
história), com o título do gibi ainda no topo da página e ao
lado esquerdo deste, um box retangular vertical que continha Mais de vinte anos depois, no final da década de 1980, a DC
o logo da editora e toda a informação da publicação (número Comics lançou sob seu selo adulto Vertigo, a série mensal
da edição, ano e até o selo do CCA). Mesmo as capas de artistas Sandman, criada e escrita por Neil Gaiman. O escritor inglês
mais inovadores não fugia desta estrutura, como o trabalho decidiu revitalizar um personagem da editora da década de
de Steranko no Capitão America (figura 13). Este formato se 1940, Sandman, que combatia o crime utilizando uma pistola
mantém funcional até hoje com algumas mudanças, o que não de gás do sono, porém com uma nova roupagem. A história
significa dizer que não existiram variações como, por exemplo, de Gaiman narrava a jornada heróica de Morfeu, a encarnação
no trabalho de Carmine Infantino e de Dave McKean. do sono, para retomar o seu reino. Símbolo de uma nova era
nos quadrinhos, o título, apesar de mensal, quebrou com uma
Na década de 1960, no início da Era de Ouro dos quadrinhos, característica quase imutável nos quadrinhos, terminando sua
Carmine Infantino, então desenhista da DC Comics, foi história em 1996. Além disso, Sandman era capitaneada por
escalado pelo editor Julius Schwartz para desenhar o Batman um escritor e possuía artistas rotativos que, segundo a opinião
em uma tentativa de resgatar o personagem depois do abalo de Gaiman e da editora, melhor se encaixavam na história.
sofrido em função da censura. Infantino estreara na DC em O único artista que permaneceu durante toda a série foi o
1956 como desenhista do Flash, primeiro personagem que a capista Dave McKean. Também inglês, McKean é o que se pode
editora apostou na renovação depois do CCA. Infantino criou chamar de um artista visual. Pintor, fotógrafo, desenhista,

(acima) Figura 13 Steranko Cap DUIIN, 1998. (acima) Figura 15 Infantino Batman Batman Cover to Cover, 2005.
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escultor, ilustrador e designer gráfico, ele é versado em todas capas de Sandman representaram uma quebra na estrutura
estas áreas visuais e as combina com freqüência em suas das capas de quadrinhos.
produções. Depois de apresentar este estilo virtuoso em Black
Orchid (Orquídea Negra) e Batman Arkham Asylum (Batman Depois de Sandman, da revolução iniciada por Infantino
(a esquerda) Figura 16 Arkham SABIN, 2003.
Asilo Arkham) (Figura 16), ambas no início da década de 1980, duas décadas antes, e a valorização do formato na década
McKean foi contratado para cuidar das capas de Sandman. de 1980 (que será abordado mais adiante), a década de 1990
(abaixo) Figura 17 Sandman DUIN, 1998.
viu uma supervalorização das capas como instrumento de
O resultado foram capas inovadoras que não possuíam seu venda. Marcada por uma super-exploração comercial dos
personagem principal em destaque, nem se conformavam com quadrinhos que quase levou a Marvel Comics à falência,
as estruturas estereotipadas da época. McKean combinava muitas estratégias foram empregadas para tirar proveito
ilustração com recortes fotográficos, com textos apresentados do novo status que o meio possuía após o sucesso das
em diferentes criações tipográficas, sem deixar de alinhar publicações da década anterior. A utilização de recursos
as informações da publicação, o código de barras e o logo gráficos e de impressão nas capas e a publicação de muitas
da editora, porém sem o box, como mostra a figura 17, em capas para uma mesma edição tornaram-se práticas
que ele trabalha com mídias e técnicas diferentes para criar amplamente utilizadas. Capas holográficas (figura 18), com
a capa. Grafite e aquarela no desenho de fundo, fotografia alto relevo (figura 19), com cores especiais (figura 20) e
e colagem nas correntes e cadeados. Esses elementos são papéis diferenciados foram empregadas à exaustão pelas
compostos na capa juntamente com as informações textuais. grandes editoras. A figura 18 mostra uma capa de The
Mesmo quando ele trabalha com menos técnicas, como na Amazing Spider-Man #385 (O Espetacular Homem-Aranha)
figura 24, o resultado é diferente do usual. Nesta capa ele que foi publicada com um cartão colado com uma imagem
fotografou toda a cena e inseriu as informações textuais holográfica do personagem. A figura 19 mostra uma versão
finalizando a composição. Ele não fugia por completo do da capa de The Amazing Spider-Men #400 que foi publicada
layout clássico, pois o título permanecia no topo da página e com um papel especial onde a imagem era valorizada através
as informações textuais à esquerda, porém as organizava de do alto relevo. A capa original desta edição, figura 20, foi
forma mais harmoniosa. Quanto a temática das capas, McKean impressa com cores especiais e papel de maior qualidade.
trabalhava imagens e composições que captavam a atmosfera
do gibi (WEINER, 2003, p.42) sem usar personagens que Revistas foram encerradas e reiniciadas sob o pretexto de
necessariamente apareciam nas edições que ele trabalhava. As um novo número 1 que atrairia mais leitores seduzidos pela
32 (a direita no alto) Figura 18 Spidey Holo COUPER-SMARTT, 2004.
33

(a direita no centro) Figura 19 Spidey relevo COUPER-SMARTT, 2004.

(a direita na base) Figura 20 Spidey cor COUPER-SMARTT, 2004.

possibilidade de ler um título desde o início e colecionadores demais possuíam fundo preto onde as teias e textos foram a linha contava com quatro títulos: Ultimates, uma versão
que, a esta altura, haviam invadido o mercado. O aumento impressos com cores especiais, em alto relevo ou ambos. Essa dos Vingadores (Supremos no Brasil), Ultimate X-Men
na popularidade dos quadrinhos na década de 1980, que proliferação de capas a longo prazo provou-se prejudicial. As (Marvel Milenium X-Men), Ultimate Spider-Man (Marvel
será abordado mais adiante, fomentou a formação de uma vendas foram absurdamente altas, mas irreais, e ao fim da Milenium Homem-Aranha) e Ultimate Fantastic Four (Marvel
grande base de fãs, que não eram mais apenas leitores, e sim década, as grandes editoras enfrentaram problemas financeiros. Milenium Quarteto Fantástico). Todas as capas consistiam
fãs. A proliferação de lojas especializadas em quadrinhos na Esses problemas não foram causados apenas pelas capas, mas em uma imagem ladeada por duas tiras em cada lateral da
década de 1970 (WEINER, 2003, p.13) ofereceu um espaço estas representaram uma das estratégias falhas aplicadas aos capa confinando a arte neste retângulo central. O logo com o
para que estes fãs se encontrassem, e estes encontros logo quadrinhos na época. A Marvel entrou em concordata e a DC nome do gibi ocupava o canto superior esquerdo e o número
se transformaram em convenções realizadas em hotéis. Hoje, Comics só não seguiu o mesmo caminho, pois sua estrutura é da edição, o canto superior direito. O código de barras e o
estas convenções se estabeleceram como grandes eventos da muito mais sólida7. logo da editora eram posicionados abaixo e à esquerda e os
cultura pop, e a convenção de San Diego é tida como o maior nomes dos criadores, prática que solidificou-se na década de
evento pop do mundo atraindo lançamentos da indústria Graficamente, estas experimentações e opulências foram 1990, ocupava a parte inferior direita. No exemplo abaixo,
cinematográfica e dos games. O meio dos quadrinhos voltou a importantes no novo século. Após o início da recuperação figuras 21, 22 e 23, este padrão é mostrado. As duas primeiras
movimentar muito dinheiro e atraiu colecionadores dispostos do mercado, em parte pela mudança do corpo editorial e imagens da esquerda apresentam duas edições diferentes
a pagar altas somas por edições antigas e raras, o que atraiu em parte por opções estratégicas melhores, as editoras não do titulo Ultimate, que mesmo com desenhos diferentes e
também especuladores dispostos a lucrar. Estas edições deixaram de fazer uso das soluções gráficas, porém com composição dos elementos diferente mantém o layout da
lançadas na década de 1990 se tornaram um chamariz para mais parcimônia. A Marvel, impulsionada pelo sucesso de série. A terceira imagem mostra essa identidade aplicada
estes especuladores. A Marvel, por exemplo, lançou uma nova seus personagens no cinema e pelo retorno que estes filmes à outro titulo, Ultimate Spider-Man #112. Todas as capas
série mensal do Homem-Aranha intitulada Spider-Man. O lhe traziam, lançou, no início do século, uma nova linha que Ultimate possuíam este layout, com pequenas variações,
número um foi publicado com oito capas, todas contando com visava rejuvenescer seus títulos e torná-los mais condizentes estabelecendo uma identidade muito clara para a linha.
o mesmo desenho, layout e arte, com o personagem envolto com a época. A linha Ultimates foi lançada com uma
em teias, porém com diferentes cores e acabamento. A capa característica inovadora no meio: todas as capas possuíam Esta preocupação com a identidade visual tem se tornado
original foi produzida e finalizada de forma usual, as sete uma mesma identidade visual. À época de seu lançamento, mais e mais presente nos quadrinhos, isto tem acontecido

7 O código de barras desde a sua aplicação na capa de um gibi costuma ocupar o canto inferior esquerdo.
34 35

Figura 21 Ultimates #4 MILLAR, 2002. Figura 22 Ultimates #7 MILLAR, 2002. Figura 23 Ultimate Spider-Man #112 BENDIS, 2008.

especialmente nas mini-séries8, mas já começou a ocorrer


também nos títulos mensais. Há algum tempo, as duas
grandes editoras realizam grandes sagas que se espalham por
todos ou quase todos os seus títulos. No início, estes eventos
eram mais esparsos e resumiam-se a grandes histórias
atreladas a grandes personagens como, por exemplo, a
história Death of Superman (Morte do Super-Homem).
Neste novo milênio, o acirramento da disputa entre as duas
editoras gerou uma maior preocupação com estes grandes
eventos que, potencialmente, podem gerar uma receita
maior. A Marvel, em 2007, escalou seus melhores escritores
para elaborar o grande evento do ano, a mini-série Civil War,
e demonstrou uma integração eficiente entre seus títulos
mensais e a mini-série. Geralmente estas grandes sagas
aconteciam principalmente na mini-série que as narrava e os
demais títulos mensais recebiam as pequenas conseqüências
destes eventos. Desta maneira, acabava por ser enfadonho,
sem falar em caro, acompanhar tudo o que acontecia em
uma determinada saga. Não valia a pena acompanhar os
títulos mensais e a sintonia dos escritores destes títulos
não era tão grande com os escritores da saga principal. Já
em Civil War, a Marvel conseguiu tornar a maior parte dos
títulos mensais interessantes, com histórias que interferiram

8 Existem três tipos de publicação no mercado americano: a publicação


mensal, a mini-série e as edições únicas (chamadas de one shot). A publicação
mensal é a mais comum e são os títulos que saem todo mês e possuem
histórias continuadas. As mini-séries são histórias contadas em um número
pré-estabelecido de edições. E as edições únicas são histórias que começam e
terminam em uma mesma edição.
36 37

e aparece em cima da área destinada a textos. Na base fica há anos. Além de uma inteligente solução gráfica do ponto
no evento principal, sem diminuir a importância do título e serifada, diferente da maioria das outras publicações. A o próprio logotipo da saga e o número da edição. Esta área de vista dessa identidade e, conseqüentemente do design
principal. E essa preocupação se refletiu na linguagem visual organização deste quebra o título em duas linhas e ainda separa para textos, branca no Civil War, varia a cor de HQ para HQ, gráfico que demonstra um planejamento gráfico para o
aplicada a esta saga. uma palavra para cada lado, sendo que a primeira palavra coerente com a cor predominante do super-herói (Figura 26). projeto como um todo, ela também o é do ponto de vista do
invade a arte. Esta separação de linhas e lados é mantida em Mas nos títulos mensais isso ocorre apenas na capa, pois a marketing, pois as capas com grandes tarjas de uma mesma
O título principal da Civil War recebeu um tratamento gráfico todos os textos diagramados, inclusive na frase da contra capa contra capa é destinada à publicidade. cor se destacam nas estantes de venda em meio a tantas
diferenciado. As capas, ao invés de privilegiar apenas a arte, “Whose side are you on?”, aludindo a temática da história que capas extremamente coloridas. Uma outra possibilidade de
também trataram de estabelecer uma linguagem visual para separa os super-heróis em dois grupos na guerra civil que dá Assim, através de uma identidade visual coesa em todos os identidade visual era, originalmente, unir as capas de uma
toda a série. Uma grande área branca ocupa a metade de baixo nome a série. A arte fica confinada a uma tira retangular na títulos, é fácil para o leitor identificar quais revistas fazem mesma coleção através da arte. Os desenhistas criavam em
da capa e da contra capa, dividindo-a em duas partes (figuras parte de cima da capa e contra capa funcionando como um parte da saga Civil War e também identificar as informações cada capa desenhos que funcionavam individualmente, mas
24 e 25). Na parte de cima há uma outra área destinada a pôster horizontal. Esta identidade visual é mantida durante os pertinentes para acompanhá-la (número da edição, por que, quando colocadas lado a lado, formavam uma grande
imagem. Nesta área branca são organizados o logotipo da sete números da mini-série. O mais interessante e, até então exemplo). Este tipo de solução gráfica nunca havia sido ilustração, como um cartaz. Na figura 28 é apresentado
revista, o subtítulo, os nomes dos profissionais trabalhando na inédito nos quadrinhos, é a idéia da editora de estender esta aplicada desta forma. Ela já havia sido feita em mini-séries, um exemplo recente desta prática na mini-série Gotham
revista e o número da edição. Na contra capa, um texto e uma identidade para todos os títulos mensais participantes da como é o caso da Superman Identity Crisis (Figura 27), por Unerground. Publicada em nove partes, cada capa é um
frase emblemática sobre o tema, além do código de barras. saga. Todos estes títulos mensais também tiveram suas capas exemplo, em que a mesma linguagem foi mantida para todas pedaço do grande cartaz formado pela junção de todas.
A organização visual demonstra um cuidado típico de livros divididas em duas áreas, a inferior com texto e a superior com as quatro edições da série, mas nunca se estendido para os Atualmente essa conexão ocorre também através do design
e até cartazes. O logotipo é composto de uma fonte sóbria arte. O título do gibi é escrito com a mesma fonte do Civil War, títulos mensais, que tem suas capas mais ou menos iguais gráfico, obviamente não da mesma forma.
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Figura 24 Civil War #1 MILLAR, 2006. Figura 25 Civil War #4 MILLAR, 2006.

Figura 26 Civil War titles MILLAR, 2006.


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Figura 27 Superman Secret Identity BUSIEK, 2004.

Um outro recurso herdado da década de opulência gráfica foi especiais, como o lançamento da terceiro ano da série Ultimates
o das chamadas “capa pôster”. Na década de 1990 as editoras pela Marvel no final de 2007. A série é um dos títulos mais
costumavam publicar títulos importantes com recursos vendidos da editora, e é tratada como uma série de televisão,
gráficos elaborados, como já foi visto, e uma das variações que pois é dividida em temporadas. A primeira, Ultimates, escrita
elas encontraram foram as capas compostas de mais de uma por Mark Millar, desenhada por Brian Hitch e arte-finalizada
página. Nestas o desenho da capa se iniciava na quarta capa e por Paul Neary, foi lançada em 2002 e durou 12 edições. A
terminava na capa. Ou então ele começava na própria capa e série naugurou o universo Ultimates que é uma espécie de
terminava em uma folha que funcionava como prolongamento versão alternativa do universo da editora com histórias mais
da capa e geralmente vinha dobrada para trás da capa. Hoje, realistas e com os personagens mais ambientados no mundo
este recurso continua sendo utilizado em títulos importantes, real. Mais violento e cínico, o universo Ultimates foi um sucesso
mas com algumas diferenças. Em Batman #619, último número de público e as vendas tornaram o título principal um dos mais
da saga Hush que opôs o protagonista à todos os seus vilões, a importantes da editora. A segunda, Ultimates 2, contando com
DC Comics publicou o gibi com duas capas diferentes, ambas o mesmo criativo foi lançada em 2004. Ela durou 13 edições e a
feitas pelo time criativo da história (Jim Lee desenhando e Scott última e aguardada conclusão da saga contou com um splash
Williams arte-finalizando). Uma estrelando o “time” dos heróis de 8 páginas, inédito no meio. Voltarei a ela ao falar de páginas
(figura 29), e uma o dos vilões. Em ambas as capas, o recurso splash no capítulo 2. Ultimates 3 foi lançado em 2007 e trouxe
foi utilizado, porém a capa tripla se iniciava na própria capa uma mudança significativa, saiu o time original, que além de
e se estendia por duas folhas anexas. Essa decisão permitia ter trabalhado por 25 edições no titulo, foram os criadores da
que a editora não perdesse o espaço de publicidade da quarta série. No lugar entraram Jeph Loeb no roteiro e Joe Madureira
capa, que é o mais valioso, e ainda utilizasse todo verso da nos desenhos, acompanhado de Christian Lichtner colorindo.
capa tripla também para anúncios. O escritor é bem diferente de Millar e foi recebido com duvidas
pelos fãs, mas o desenhista é um dos mais famosos da geração
Esse recurso é bastante popular entre os fãs e colecionadores, e que estourou no final década de 1990, e estava afastado do
apesar de não ser barato, costuma ser empregado em ocasiões meio ha alguns anos. A editora publicou a primeira edição

(a direita) Figura 28 Gotham Underground TIERRI, 2007.


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(figura 30), que marcou a estréia deles, com uma capa tripla
nos mesmos moldes da do Batman, com uma para os heróis
e uma para os vilões, mas a da Marvel começava na quarta
capa, continuava na capa e terminava em uma folha anexa a
capa. O objetivo era valorizar o retorno de Joe Madureira, que
no título, não contava com um arte-finalista, a colorização era
(abaixo) Figura 30 Ultimates 3 LOEB, 2007. aplicada diretamente sobre o traço à lápis.

Os títulos mensais ainda mantém parcialmente o design


(acima) Figura 29 Batman Capa Tripla LOEB, 2003.
clássico estabelecido na Era de Ouro e sacramentado na
Era de Prata, mas sofreram uma modernização. As imagens
interagem melhor com as informações textuais e com o logo e,
geralmente são pensadas para isso. O box com as informações
da edição está bem menor e ocupando muito menos espaço,
apesar de ainda se localizar no alto à esquerda. Mas a
principal característica das novas capas é a maior liberdade na
organização dos elementos. Com exceção do logo no alto da
página, que apesar de diversas capas terem trabalhado com
variações ainda é o mais comum, e o logo da editora do lado
esquerdo no alto, as demais informações tem sido organizadas
com mais liberdade criativa.

Ao longo desse processo, a natureza do profissional


envolvido com a produção de uma capa de quadrinhos
mudou. De um desenhista para um quadrinista, para um
capista e até para um designer. Investiguemos, como
já citado, alguns destes profissionais especialistas que
adentraram o mercado dos quadrinhos.
44 45

chip kidd
Um indicativo do aumento da importância dada a linguagem da série, impresso sobre um papel cinza, e criou uma sobrecapa No TPB Batman The Dark Knight Returns (figura 32), que é o posicionamento dos itens. Além disso, Kidd estruturou as
visual nas HQs é a contratação de designers para cuidar do recortada por uma faca especial10 (figura 31). Este corte na objeto de estudo desta dissertação, Kidd trabalhou com uma lombadas quadradas para que, quando dispostas lado a lado
projeto gráfico de certas edições. O pioneiro e o mais prolífico diagonal divide o próprio título da publicação revelando a figura grande imagem recortada da silhueta da cabeça de Batman em uma estante, formem o desenho de uma das personagens
destes designers é Chipp Kidd. Designer gráfico e escritor norte- do personagem ao fundo. A cuidadosa montagem permite destacando o personagem de forma grandiosa em sua maior tornando os TPBs facilmente reconhecíveis (figura 36).
americano que trabalha há anos criando capas de livros, Kidd é que o texto na lombada comece na capa sobre o desenho do obra; e, em uma área separada embaixo, todos os demais
diretor de arte da Alfred A. Knopf e editor associado da editora Batman e termine na sobrecapa. A cor cinza de fundo remete personagens. No TPB seguinte, Batman The Dark Knight Strikes Eu estava tentando atrair a atenção de Frank (Miller) há
Pantheon. Seu trabalho no meio quadrinístico é vasto; de autor Again, no lugar da cabeça do Batman, um close extremo do anos, primeiro nas páginas de Batman Collected, e depois em
a sobriedade do personagem enquanto a sobrecapa magenta
Batman: The Complete History, ambos com seções sobre seu
e designer do livro Batman Animated (1999) sobre a série de chama atenção para o título e as demais informações através olho do personagem. Além de ter um design ousado e pouco
trabalho. Mas foi o livro sobre o Plasticman que finalmente
desenhos animados do Homem Morcego, a designer de livros do contraste. Esta edição de luxo contém extras inéditos nos comum nos quadrinhos, o TPB mantinha a mesma identidade chamou sua atenção. Ele ficou bastante impressionado com
específicos sobre autores como Peanuts: The Art of Charles M. moldes de um DVD. Estes extras trazem ao leitor páginas do visual do TPB anterior, criado através do design gráfico e não o trabalho de retrabalhar arte de quadrinhos já existente e
Schulz (2003) e sua arte como o criador de Snoopy. Ele foi roteiro original e páginas originais a lápis de Mazzucchelli antes só do personagem, como era mais comum no meio. Depois para minha alegria me chamou para fazer o mesmo não só
responsável pelo design do livro Mythology (2003) sobre a arte de serem arte-finalizadas, bem como outras partes do processo, disso, Kidd cuidou do design dos novos TPBs de Sin City, na sua edição compilada de Batman: The Dark Knight Strikes
de Alex Ross, Batman Collected (2001), entre outros. Mas seus lançados em 2005, criando uma linguagem gráfica para toda Again, mas também para a edição correspondente de seu
e tudo isso também foi organizado e visualmente cuidado por
seminal Batman: The Dark Knight Returns. Se algum projeto
trabalhos não se limitaram a livros, pois Kidd foi responsável Chipp Kidd. Das páginas de informação e introdução, passando a série. Ele estabeleceu duas áreas muito claras no layout das
pedia escalas extremas, esse era ele, com Batman pairando
por uma série de projetos para a DC em sua linha de HQs. Ele pelas imagens usadas como quebra de capítulos aos extras, capas, uma para a arte e outra para as informações textuais enorme sobre o resto dos personagens reunidos. A Robin/
cuidou do design dos TPBs9 de Batman The Dark Knight Returns todo o design da publicação foi feito por ele. (figura 33). A arte é apresentada em preto e branco assim Catgirl de Miller, Carrie Kelly, está em ambas as lombadas,
(Batman O Cavaleiro das Trevas) de 2002 e Batman The Dark como ela é no interior dos TPBs, que é uma característica da já que ela é central para ambas as histórias. A DC estava
Knight Strikes Again (Batman O Cavaleiro das Trevas 2) de 2004, Esta capa apresenta uma sobrecapa cortada por uma faca linguagem em alto contraste de Miller para a série. O texto, bastante nervosa a respeito da capa de Strikes Again, pois
bem como a edição de luxo de Batman Year One (Batman: Ano especial, que se inclina para a direita e apara as letras, composto do título e das demais informações, é organizado eles não achavam que alguém fosse reconhecer o Batman.
imitando Bruce Wayne cortando a corrupção e decadência Frank lhes garantiu que funcionaria, e ele gostou tanto do
Um) de 2006. Em todos estes trabalhos, ele foi creditado nas em um retângulo em cor chapada. Durante a série, que é preto
que infesta Gotham City apresentado no enredo. A HQ resultado que me pediu para recriar as capas para todos os
edições como responsável pelo design da capa e da publicação e branca, Miller utilizou em alguns momentos inserções de cor seus Sin City (IBID, p.374).
recontando a história do Batman é, para mim, a melhor
(cover and publicaton design), o que é um fato não tão comum história do personagem já feita. A confluência da habilidade pontualmente. Em A Dame to Kill For, o segundo volume (figura
em uma obra de quadrinhos. Em Batman: Year One, ele se na escrita, desenho e colorização é suprema e ainda não foi 34), os olhos de Ava, uma das protagonistas, são azuis, e são No início do século XXI, a DC Comics encomendou a Chipp Kidd
utilizou de um desenho de David Mazzucchelli, artista original batida (KIDD, 2005, p.394). a única parte colorida em toda a história. No quarto volume a criação de um novo logotipo para todos os títulos mensais
(figura 35), That Yellow Bastard, o vilão, depois de inúmeras do Batman e uma identidade visual para todos. Kidd criou
cirurgias, passa a ser representado com a cor amarela, também uma área reservada para o título e as demais informações
9 TPB, que significa Trade Paperback, é uma publicação que compila diversas edições de quadrinhos em um único volume. Geralmente dedicado a publicar
a única parte colorida na série. Kidd faz uso desta estratégia da publicação, que passaram a ocupar o cabeçalho de todas
mini-séries em um só volume, os TPBs também são lançados compilando as edições mensais em pequenos lotes.
10 Faca especial é uma guilhotina no formato previamente estipulado por um projeto gráfico para recortar ou dobrar o papel ou qualquer outro material em nas capas, mas as mantém diversificadas e diferenciando o as capas mensais do personagem, estabelecendo uma inédita
formatos diferenciados. O formato da faca é o contorno em volta do recorte de papel.
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(a direita) Figura 31 Batman: Year One MILLER, 2005.

(abaixo) Figura 32 Batman DKR MILLER, 2002.


48 (a esquerda no centro) Figura 33 Sin City MELNICK, 2005. 49

(a esquerda) Figura 35 Sin City: That Yellow Bastard MELNICK, 2005.

(abaixo) Figura 36 Sin City lateral MELNICK, 2005.

identidade visual através do design gráfico em títulos deste caso do All Star Batman & Robin The Boy Wonder) membro
porte. Em 2005, a mesma DC Comics lançou uma nova da equipe criativa. O logotipo da revista, no caso o nome
linha mensal de HQs com seus dois principais personagens, do personagem, destaca-se do retângulo preto. Em ligeira
Superman e Batman, Intitulada All Star. O intuito da série diagonal e em perspectiva, o logo da All Star Superman transita
mensal era colocar grandes escritores ao lado de grandes de fora para dentro da capa, da esquerda para a direita, com
desenhistas e contar histórias livres, não necessariamente uma das extremidades recortada pela borda. No caso do
ligadas a cronologia atual dos personagens. Para ambas as All Star Batman & Robin The Boy Wonder, a orientação da
séries, All Star Superman (Figura 37) e All Star Batman & diagonal é de dentro para fora da capa, ou seja, os logotipos
Robin The Boy Wonder (Figura 38), a editora contratou Kidd são espelhados. Além disso, a própria tipografia dos títulos
para cuidar do design das capas de modo que elas tivessem é diferenciada, sendo sóbria, sem serifa, na cor branca, sem
uma identidade visual, ou seja, que os títulos pudessem ter nenhum efeito que dê volume as letras (recurso comum a
uma linguagem própria, mas que informassem visualmente grande parte dos títulos de quadrinhos) ou qualquer outro
ao leitor os gibis que fazem parte desta série. Kidd estabeleceu recurso de fantasia. Completam a capa, nos dois casos, o
uma área na parte de cima das capas ocupada por um logotipo da editora com uma pequena interferência do texto
retângulo preto que destaca o título e as informações da All Star circundando-o, e o número da edição em destaque.
(acima) Figura 34 Sin City: A Dame to Kill For MELNICK, 2005. publicação. Os nomes da equipe criativa que trabalha na HQ Ambos foram posicionados entre o título e a borda da revista.
geralmente são dispostos verticalmente na capa e organizados Esta concentração dos elementos textuais de informação
por sobrenome. Kidd colocou os nomes completos (nome e na capa facilita a identificação da revista e auxilia o leitor,
sobrenome) do escritor e desenhista em uma tarja no alto da deixando um espaço sem interferências para a arte.
capa, acima do retângulo preto organizados horizontalmente
(ela é vermelha no All Star Superman e amarela no All Star Chipp Kidd aborda um trabalho em quadrinhos como o designer
Batman & Robin The Boy Wonder). Dessa forma, ele destacou que é, analisando os elementos e combinando-os da forma mais
os nomes de acordo com o objetivo da série All Star que era eficiente de acordo com a proposta e sua própria criação. Ele
a parceria entre escritores e desenhistas conceituados, e produz tudo que aplica em suas capas e publicações, direta ou
ainda acrescentou um sinal de mais (+) entre os nomes para indiretamente. Seu trabalho é tão respeitado e valorizado no
enfatizar a colaboração. Abaixo destes nomes, em cinza e com meio dos quadrinhos que ele geralmente tem liberdade para
menos destaque, o nome do terceiro (ou quarto e quinto no decidir sobre a criação.
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(a esquerda) Figura 37 All Star Batman MILLER, 2006.

(a esquerda e abaixo) Figura 38 All Star Superman MORRISON, 2006.

brian wood

para a leitura do preto e vice-versa, com espaços positivos e


Outro designer gráfico a se estabelecer no mercado dos
negativos. Às vezes, ele se utiliza de sarjetas pretas diminuindo
quadrinhos foi Brian Wood. Ilustrador por formação, Wood
o tempo de leitura e fazendo com que a arte em branco se
fez seu primeiro trabalho para os quadrinhos em 1997,
destaque ainda mais.
quando escreveu e ilustrou Channel Zero, publicado pela
Image Comics. A mini-série em cinco partes fazia parte de seu
Eu tento criar meus gibis do mesmo jeito que eu imagino
trabalho de conclusão de curso na faculdade e era composta que algumas pessoas façam discos. Eu desenho muito,
de muitas fotos e montagens, bem como diversas soluções produzo muitas páginas; muito mais do que é necessário,
gráficas, logos e textos, todos de sua autoria, incluindo o com seqüências alternativas e múltiplas versões das mesmas
material de divulgação da série. Este foi publicado alguns páginas e, quando eu tenho todo esse material, eu começo
anos mais tarde em uma edição especial chamada Public a “misturá-lo”, montando a narrativa, cortando quadrinhos
desta página e colando-os em outras. Eu acrescento quadros
Domain (figura 39), apresentando todo material de produção
de transição e páginas novas quando preciso e, ao final do
e ainda peças não-publicadas, muito semelhante ao que se processo, me resta a história final e algo como duas ou cinco
faz como os extras de um DVD. A HQ, originalmente feita vezes mais material produzido do que eu usei sobrando
de forma manual, possui uma linguagem bastante gráfica, (WOOD, 2002, p.4).
com interferências tipográficas diversas – algumas vezes,
a tipografia transforma-se em imagem e/ou textura. Wood Depois de publicar Channel Zero, Wood passou alguns anos
mistura ilustração e fontes, imagens com bastante contraste, longe dos quadrinhos, trabalhando como designer gráfico
riqueza de detalhes e áreas chapadas de cor, acentuadas pela para inúmeros sites e para a Rockstar Games, estúdio que
arte em preto e branco. Algumas ilustrações parecem fotos produz jogos de vídeo game como Max Payne, Midnight
da cidade e várias descrevem cenas e lugares urbanos, um Club e, seu maior sucesso, a série Grand Theft Auto. Ele
dos pontos centrais de sua produção. O trabalho de Wood foi parte da equipe de designers por quatro anos até
faz questão de incorporar a experimentação gráfica, mas sair para retornar ao mercado de quadrinhos. Em 2004
considerando-a parte do processo e da criação. Ele explora assumiu o posto de diretor de arte da AiT/Planet-Lar, uma
várias opções de composição distribuindo os elementos de editora independente de quadrinhos, onde ficou por cerca
diferentes maneiras dentro dos quadros, com grandes espaços de oito meses e trabalhou em todas as frentes visuais da
brancos buscando dar maior tempo de leitura ao leitor ou com editora, criando o logo da empresa e de seus diversos selos,
o desenho saindo do quadro para expressar força e valorizar cuidando da identidade visual dos títulos e fazendo as
todo o sentimento do personagem destacado. Explora o branco capas dos gibis publicados por eles. Nesse período, Wood
52 53

Figura 39 Public Domain WOOD, 1997.

foi contratado para trabalhar como capista da mini–série Há áreas de imagens bem claras e separadas por assunto.
em doze partes Global Frequency, escrita por Warren Ellis O logo do gibi, que também é dele, foi criado através da
e publicada pela Wildstorm11, que trata de uma agência manipulação de fontes e, o subtítulo, remete a fontes
mundial liderada por uma ex-agente secreta que luta antigas de máquinas de escrever.
contra os mais diferentes tipos de ameaças. As capas dessa
mini-série lhe renderam prêmios no meio quadrinístico e Oito meses depois de entrar, ele deixou seu cargo de diretor
sacramentaram sua posição no mercado. Primeiro, por ser de arte da AiT/Planet Lar e, em parceria com a artista Becky (abaixo) Figura 40 Global Frequency ELLIS, 2004.
um título de uma grande editora, Global Frequency (figura Cloonan, lançou Demo (figura 41), uma maxi-série em
40) era publicado pela Vertigo - braço adulto da DC Comics; doze partes focando histórias curtas, mais dramáticas e (a esquerda) Figura 41 Demo WOOD, 2005.
segundo, por ser escrito por Warren Ellis, que já era um humanas, calcadas na realidade, diferentemente do que ele
roteirista de quadrinhos conceituado na época e estava a vinha fazendo em Channel Zero e outros títulos. Cloonan
caminho de tornar-se um dos principais; e terceiro, porque cuidou da arte e Wood dos roteiros, das capas e do design
o seu trabalho destacou-se das demais capas. Produzindo das edições. Além disso, Wood foi responsável pela capa e
a partir de fotos que ele mesmo tirou, Wood criou capas pela linguagem gráfica do gibi. O logotipo foi criado por ele
completamente diferentes do que já haviam sido feitas. a partir de manipulação de uma fonte, buscando expressar
Usando fotografia nas capas que criou, uma solução que visualmente um certo desgaste, com falhas e riscos
não era inédita nos quadrinhos, mas ainda não havia sido representados como interferências nas letras, remetendo
feita da forma como ele fez. Desde a década de 1960, alguns também ao processo de impressão tipográfica tradicional
quadrinistas como Jack Kirby e Neal Adams usam fotos em que, por ser feito manualmente, sempre estava sujeito
suas capas, mas o mais comum era aplicá-las em conjunto “falhas” na cor, na impressão e no próprio processo. Em
com um personagem, geralmente como fundo. O que Wood vez da letra “D” possuir o contorno interno usual da fonte,
fez foi trabalhar as fotos como elementos protagonistas em ela traz uma estrela vazada ou com cor, dependendo da
suas capas combinando-as com textos, cores e desenhos. cor do restante do logo. Em toda a série, o logotipo possui
Ele trabalhou também com bastante contraste, sempre em uma área delimitada, e com a mesma identidade visual
preto e branco ou em preto e alguma outra cor, algumas encontrada na tipografia “suja”, o traçado que separa a
vezes emulando luzes ou combinando cores vibrantes. fonte da arte parece desgastado também. Do roteiro,
11 Wildstorm é a editora fundada por Jim Lee, um dos mais influentes e famosos desenhistas dos quadrinhos norte-americanos, especialmente a partir
do final da década de 1980. Inicialmente parte da Image Comics, a Wildstorm separou-se da editora e foi vendida por seu criador para a DC Comics no
final da década de 1990.
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(acima) Figura 42 DMZ Showcase WOOD, 2007.

Wood privilegiou finais abertos - inclusive para oferecer Em 2005, ele retornou para a Vertigo e publicou DMZ (figuras 42
ao leitor a possibilidade dele mesmo decidir e interpretar a e 43), uma série mensal que aborda uma Nova York pós-guerra
continuação da história - e evitou finais felizes tradicionais. civil em pleno século XXI. Ricardo Burcelli foi escalado para
O foco da série é na vida nua e crua, tratando das escolhas, os desenhos enquanto Wood escrevia e era responsável pelas
muitas vezes difíceis, que as pessoas tem que fazer e que capas. DMZ possui um tom político no seu roteiro e na sua arte
irão mudar o resto de suas vidas. Em todo seu trabalho, onde suas capas retratam uma qualidade urbana, representada
Wood possui diversas referências, inclusive a linguagem do com símbolos, excessos, contrastes, fontes bold – incluindo a do
cinema, e Demo é um exemplo. logo - e outras que lembram placas de rua, texturas e grafite. No
ano seguinte, ele escreveu e cuidou do design da mini-série em
Depois de namorar uma diretora de cinema logo antes de quatro partes Supermarket, cuja arte ficou a cargo de Kristian
começar Demo, eu havia passado horas e horas assistindo Donaldson. A colorização remete a pop arte, com mistura de
a curta metragens (eu querendo ou não), e eu passei a
cores ácidas e fortes. E em 2007, Wood lançou seu segundo
gostar do formato. O melhor curta ou história não é uma
história em três atos espremida em um espaço pequeno, título pela Vertigo, Northlanders, que aborda um viking e sua
mas sim uma única cena ou um momento, que ainda jornada de volta para casa. Mais uma vez os roteiros e o design
funciona por conta própria. Se teve um mandamento que da série, que é mensal, ficaram a cargo de Wood, enquanto a
eu trouxe comigo para Demo foi o de escrever esses curtas arte é de Massimo Carnevale e Davide
em quadrinhos e explorar a forma. Para essa finalidade,
não importava qual era a história por trás ou o que os
Brian Wood caracteriza-se nos quadrinhos pelo design total,
personagens fizeram depois da página 24. Não importava
(WOOD apud BRADY, 2007). ou seja, por cuidar de todas as partes as quais ele tem acesso
da produção. Do roteiro a capa, passando pelo logo e qualquer
outro elemento visual da publicação.

(a direita) Figura 43 DMZ #20 WOOD, 2007.


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Figura 44 Jean Nike FENNER, 2007.

james jean

Por fim, o último dos exemplos que serão abordados é também James Jean é um dos mais requisitados e premiados capistas
o mais recente a entrar no mercado. James Jean, assim como do mercado, e seu trabalho não se concentra apenas nos
Brian Wood, é um ilustrador. Mas outro tipo de ilustrador. quadrinhos, ilustrando para grande parte das revistas norte
Enquanto Wood possui um estilo mais gráfico, com figuras americanas e para a publicidade, além de grandes clientes
estilizadas, cores sólidas e contrastes acentuados, Jean é um como Nike (figura 44), Atlantic Records, Time Magazine
ilustrador que possui um estilo clássico, porém moderno. e Prada. E sua produção não se concentra meramente
Ele possui um traço limpo, que beira o cartunizado, mas sua na arte, mas também no design, porém direcionado para
finalização é elaborada e realista como as pinturas classicistas a organização dos elementos textuais e visuais. Jean é
e suas alegorias. Seu trabalho é inspirado em artistas clássicos responsável pelo design das peças que trabalha, sejam elas
japoneses como Hokusai, Yoshitoshi e Hiroshige, mas possui capas, pôsteres ou embalagens.
características bastante originais. A arte de Jean é hiper-
realista, porém não representa a realidade como ela é, e sim Nos quadrinhos, ele é quase um homem de uma casa só, pois
como ele a vê, adicionado um caráter interpretativo à suas a grande maioria de sua produção foi feita para a DC Comics.
obras. Esse realismo extremo, em grande parte resultado de Seu primeiro grande trabalho para o meio, e sua estréia na
sua técnica apurada, é usado para representar interpretações editora, foi em 2000 como capista da série Batgirl durante
fantasiosas, que combinam diversos elementos gráficos a sua dezesseis edições. No ano seguinte, ele tornou-se capista do
arte, como arabescos e florais. Sua arte possui uma estranheza título Green Arrow (Arqueiro Verde), para quem fez quatorze
perturbadora em qualquer de suas composições, representada capas, e foi responsável pela capa da primeira antologia
através de temas e soluções. O quadrinista e ilustrador Paul Meathaüs, organizada por alunos da School of Visual Arts
Pope fala sobre essa característica na introdução do primeiro de Nova York, onde ele próprio se formou. Em 2002, Jean
livro sobre a arte de Jean: iniciou o trabalho pelo qual ganhou mais reconhecimento
e inúmeros prêmios, e que formará a maioria dessa análise.
A segunda estranheza é uma estranheza em Ele foi contratado como capista da debutante série Fables.
transformação, algo que em um primeiro momento nos Criada e escrita por Bill Willingham e desenhada, em sua
pega e então gradualmente deixa completamente de ser
maioria, por Mark Buckingham, Fables conta a história dos
estranho... uma estranheza que, eventualmente, se torna
familiar e invisível. Ao invés de ofender, ela permeia, personagens dos contos de fada e folclore que foram expulsos
torna-se parte da forma como vemos e pensamos (POPE de sua terra natal por um inimigo comum e formaram uma
apud JEAN, 2005, p.6). comunidade clandestina em Nova York. Publicada pelo
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Figura 45 Fables #60 WILLINGHAM, 2007.

selo Vertigo, Fables, desde o número um, teve James Jean Nas capas mensais de Fables, Jean trabalha os elementos
como capista, posto que ele ocupa até hoje, já tendo criado de composição tentando integrar todos. Desde o sketch até
e executado setenta e duas edições. Neste meio tempo, ele o layout final, todos os elementos estão presentes. O logo
criou diversas outras capas, notadamente Amazing Fantasy da revista é sempre escrito com a mesma fonte, mas Jean
(2004) e Runaways (2005), dois títulos da Marvel, para duas trabalha com diferentes formas de organizá-lo e apresentá-lo.
mini-séries do Batman, War Drums (2004) e War Games Seja horizontal, vertical, desarrumado ou integrado a imagem,
(2005), e para a Dark Horse Comics, onde fez uma capa o que é o mais comum, a fonte é sempre a mesma. A capa do
de The Escapist (2006) e foi o capista das seis edições da número 60 (figura 45), apresenta uma orientação vertical. A
mini série The Umbrella Academy (2007), escrita pelo cantor ilustração mostra o personagem, Fly Catcher (sapo cururu no
Gerard Way e desenhada pelo brasileiro Gabriel Bá. Brasil), de corpo inteiro limpando o chão. O logo é disposto
verticalmente com as letras dentro de círculos, e o número da
Seu trabalho em Fables oferece uma amostra de seu edição ao lado do “S”. O logo da editora, como é de praxe, está
processo de trabalho profissional. A partir do roteiro ou de no alto e à esquerda, e um pouco abaixo, o nome da história
um resumo da história, Jean começa esboçando soluções com sua própria fonte e disposição. Abaixo estão os nomes dos
para a capa. O sketch é parte fundamental de seu processo, criadores. As informações da publicação foram organizadas na
e ele os faz em profusão até atingir o ponto em que “a parte inferior direita, exatamente oposta ao logo da editora.
composição se acerta”. O último item, o código de barras, ocupa a parte inferior
esquerda. Jean usa os contrastes da cor da ilustração para
Eu recebo um roteiro ou um resumo do meu editor, e depois destacar elementos gráficos como o título sobre a parte mais
de absorver a informação começo esboçando em papel clara da parede e o número da edição na parte mais escura.
Bond (papel de alta gramatura e maior qualidade). Depois
de alguns thumbnails, eu dobro um pedaço de papel A4 em
dois e começo a trabalhar em um sketch refinado. Depois No número 61 de Fables (figura 46), a composição como um
que isso é feito, eu o scanneio e mando para aprovação (do todo também é vertical. A ilustração, com o macaco alado
editor). Quando aprovado, eu amplio o sketch na minha segurando um elmo e a corda presa a um galho no topo
impressora e o transfiro para um papel Bristol usando da página pendendo até a parte de baixo, é vertical em sua
uma mesa de luz. Depois que o desenho final está pronto, orientação. O logo, com as letras contidas em círculos, também
eu scanneio e no computador trabalho a colorização no
o é, bem como o número da edição estabelecido abaixo do “S”.
Photoshop (JEAN in ELLIS, 2005).
Por causa do galho, importante elemento na história, o logo
60 61
(a direita) Figura 46 Fables #61 WILLINGHAM, 2007.

(a extrema direita) Figura 47 Fables #65 WILLINGHAM, 2007.

da editora foi deslocado para a direita. Os nomes dos criadores


bem como o da história foram posicionados entre a cabeça do
macaco e o galho também de forma vertical. Tanto o código de
barras quanto as informações da edição foram posicionados
no canto inferior direito, formando uma tarja de informações
textuais à direita da capa. O rabo do macaco quebra esta faixa,
se enrolando no número da edição conectando ilustração e
texto. Jean é detalhista e suas capas refletem isso, o arabesco
que separa o título da história de sua numeração possui uma
mosca no meio, alusão ao protagonista da história.

A capa do número 65 (figura 47) utiliza as mesmas soluções


das anteriores, porém com pequenas mudanças e outra
orientação. A ilustração possui elementos horizontais, bem
como a informação textual. O cavaleiro na padiola sendo
carregado e o tigre em primeiro plano são horizontais. O
logo, ainda contido nos círculos, também está na horizontal.
A disposição dos elementos na capa é centralizada e a cor é
um importante elemento narrativo. O tigre é laranja e está
em primeiro plano. Para valorizar o logo do gibi, Jean coloriu
os círculos que contém suas letras também de laranja. A cor
ainda alude ao uniforme do protagonista na primeira capa da
série (número 60). A variação é outra tática utilizada por ele
para tornar suas capas dinâmicas.

O número 64 (figura 48), que mostra o aniversário dos filhos de


dois dos protagonistas, tem uma capa bem mais alegre que as
descritas aqui, com cores quentes e vibrantes. O layout circular
62 63

(a esquerda) Figura 48 Fables #64 WILLINGHAM, 2007.

(abaixo) Figura 49 Fables #71 WILLINGHAM, 2008.

(abaixo e a direita) Figura 50 Fables #72 WILLINGHAM, 2008.

torna a composição forte e coesa, representando o significado do logo não é alterada e divide as cores com o restante
de família. As informações textuais são mais discretas nesta dos elementos da capa. Tudo oscila entre o vermelho
capa do que nas outras. Jean se aproveita do fato do título e o branco. Outro exemplo desta integração, a capa do
já estar estabelecido no mercado, e cria variações na relação número 72 (figura 50), apresenta o logo “misturado” a
entre a imagem e o texto. Geralmente, a imagem tem mais imagem. A ilustração mostra uma briga, com personagens
destaque do que o texto como neste caso, mas essa relação espalhados pela capa. O logo quebrado ao meio possui uma
é mutante tornando-se às vezes mais igualitária. Em algumas organização irregular que se enquadra na ação. O “FAB”
capas, Jean procura integrar mais a imagem e o logo. posicionado diagonalmente sobre a cabeça do homem em
primeiro plano possui sangue espirrado da boca do homem
No número 71 (figura 49), o logo corta a capa em diagonal a sua frente. O “LES”, destacado do restante do logo, está
da esquerda para a direita, guiando o olhar do leitor para ligeiramente rotacionado sobre o braço da protagonista.
o número da edição posicionado no canto superior direito. Essas variações entre a disposição dos elementos e as
Muito maior do que ele costuma aparecer, o logo torna- soluções gráficas e técnicas empregadas sem perder a
se um elemento de composição do fundo, principalmente identidade do título tornam possível que um mesmo
porque a personagem, protagonista da história, está capista se mantenha durante tanto tempo em um mesmo
centralizada verticalmente e na frente do logo. A fonte gibi. Nesse caso específico, há mais de setenta edições.
64 65

a sutil mudança na “embalagem”


Figura 51 Contrato EISNER, 1995.

Até a década de 1980 muito pouco mudara no formato das espaço nos quadrinhos e expandindo as fronteiras criativas seus editores. O termo teve diversas aplicações na década de
revistas em quadrinhos criado por Maxwell C. Gaines cinqüenta que já haviam sido ampliadas por seus antecessores. Essas 1960, sempre buscando atribuir ao quadrinho uma suposta
anos antes ao dobrar um jornal em quatro partes. Durante todo experimentações geraram uma necessidade de novos tipos de qualidade narrativa de romance e não simplesmente de
esse tempo, a qualidade baixa do papel usado para impressão publicações em termos de formatação gráfica. Desde o final da quadrinhos, mas foi realmente popularizado pelo trabalho
manteve-se, a quantidade de cores utilizadas nas máquinas década de 1960, as HQs começaram a “flertar” com diferentes de Will Eisner, A Contract with God and other tenement
sofreu vagarosa evolução, como vimos anteriormente, e pouco formatos de publicação além do já clássico (25,4 cm x 17,8 cm), stories (Um Contrato com Deus e outras histórias de cortiço)
se fez para sair da lombada canoa12, organizada em cadernos como o romance em quadrinhos de Gil Kane e Archie Goodwin lançado em 1978 (figura 51). Eisner criou um novo tipo de
e presa por grampos. Quanto as razões para isso nos cabe His name is Savage publicado em formato de revistas, e as quadrinho abordando um tema adulto, incomum ao meio,
apenas especular, pois não há informações precisas sobre esse duas edições de The Spectacular Spider-Man publicadas no com histórias curtas e finitas, fugindo dos gêneros em voga
desenvolvimento. Mas é possível que seja em função da tardia mesmo formato e ano pela Marvel. His name is Savage é tido de super-heróis, como Superman e Batman, e quadrinhos
formação e profissionalização do meio, e também devido a por muitos como um dos precursores das graphic novels, ou infantis como os da Disney. A HQ contava quatro histórias
censura e ao código que certamente desaceleraram a evolução para alguns, a primeira graphic novel. curtas unidas tematicamente que juntas formavam um retrato
dos quadrinhos norte-americanos, quase parando-os. Assim da classe trabalhadora judaica durante a Grande Depressão
que a indústria se restabeleceu e começou a atrair de volta A autoria do termo graphic novel é bastante imprecisa, mas em Nova York (WEINER, 2003, p.17). Ela possuía lombada
aqueles profissionais que a haviam deixado e abriu espaço a primeira vez que ela foi usada em uma HQ foi em 1976 quadrada, também incomum nos quadrinhos e característica
para outros especialistas e, em alguns casos, mais capacitados por Richard Corben ao adaptar a obra literária de Robert E. de livros, um papel de melhor qualidade e recebera um
em diversas outras áreas, essa evolução foi retomada. Desde Howard, Bloodstar. O quadrinho é descrito pelos próprios tratamento editorial estampando na capa o termo graphic
a década de 1960, artistas com Gil Kane, então atuando no editores como “um conceito revolucionário, uma graphic novel novel, buscando diferenciá-la dos quadrinhos já existentes.
mercado de quadrinhos, começaram a experimentar a partir que combina toda a imaginação e poder visual da arte dos A lombada quadrada é mais cara do que a canoa, primeiro
da forma, testando, por exemplo, diferentes layouts de página quadrinhos com a riqueza do romance tradicional” (Brucke, por permitir publicações com mais páginas, e segundo, pois a
e soluções de composição novas, tornando-se cada vez mais 2003). O gibi era uma história em quadrinhos adaptando um lombada canoa demanda apenas um vinco e um grampo como
ousados, até atingir o ápice da experimentação artística nos livro, não possuía inovações em seu formato e, apesar de ser acabamento, enquanto a lombada quadrada requer cola ou
quadrinhos no fim da década de 1970. Durante a década de muito difícil precisar, possui a primeira citação do termo. até costura dependendo do tipo. O sucesso desta publicação
1980, através dos trabalhos de Jim Steranko e Neal Adams, Considerando o formato, a obra de Gil Kane Blackmark, de popularizou o termo e erroneamente creditou Eisner como
Bill Sienkiewicz, John J. Muth e mais tarde Dave McKean, 1971, é bem mais experimental do que a de Corben e foi, trinta criador do mesmo, o que ele próprio admite não ser. Eisner não
esse experimentalismo se espalhou pelo meio conquistando anos depois, reconhecida como a graphic novel original pelos criou o termo nem o novo formato, mas apropriou-se do que
já havia sido feito por alguns outros criadores e desenvolveu o
12 A lombada canoa é utilizada em publicações com um número de páginas não muito alto, pois emprega grampos, o que não é um acabamento indicado para formato de graphic novel que dominaria o meio desde então.
impressões com muitas páginas.
66 67

Figura 52 Watchmen MOORE, 1987. Figura 53 Maus SPEGELMAN, 2003.

Não pretendo aqui debater mais sobre a criação do termo ou heróis. De 1982 a 1988, a Marvel Comics publicou uma linha e cinco a trinta páginas passaram a ter cinqüenta, com lançados em edições mensais. Batman: The Dark Knight
não e sobre as características narrativas das graphic novel, e chamada de Marvel Graphic Novel em formato americano capas impressas em papel cartonado e maior qualidade na Returns continua sendo publicado até hoje, e teve edições
sim sobre o formato gráfico dos quadrinhos, mas abordarei as (25,4 cm x 17,78 cm). Essa primeira coleção não trouxe impressão. E esse formato não era apenas usado nas edições comemorativas encadernadas em seus aniversários de dez
mudanças estabelecidas por Eisner quando falar de narrativa nenhuma mudança propriamente dita no formato, pois era encadernadas lançadas depois desse boom das graphic novels, e vinte anos de publicação, todos eles publicados com a
visual nos quadrinhos. o mesmo dos gibis, mas possuía mais páginas, com uma mas também nas edições mensais. Batman: O Cavaleiro qualidade estabelecida pelas graphic novels.
qualidade comparativamente superior de papel, e fazia uso das Trevas, por exemplo, foi uma mini-série publicada em
O formato usual das revistas em quadrinhos, popularmente de mais cores, fato conquistado na década anterior. A DC quatro partes. Enquanto um gibi normal se estende por vinte A DC apoiou o trabalho de Miller com um pacote que
chamado de revista, era bem mais simples do que a graphic Comics seguiu o mesmo caminho lançando suas publicações e poucas páginas, Batman possuía cinqüenta por edição, incluiu mais páginas, lombada quadrada e papel brilhante
de alta qualidade para exibir a aquarela usada por Lynn
novel. Sem nenhum acabamento diferenciado, ele consistia mais importantes da década, Batman: O Cavaleiro das Trevas com lombada quadrada, capa cartonada, páginas mais bem
Varley. Os quadrinhos americanos nunca haviam tido
em alguns cadernos presos por uma lombada canoa e um ou e Watchmen13 (figura 52), ambas lançadas em 1986, no que impressas e papel couchê. Essa melhoria na qualidade do esse tratamento, mas uma nova geração de leitores que
dois grampos. Na época do surgimento das graphic novels, as viria a ser conhecido como novo formato (new format). E não produto aliada a histórias mais sérias cujo o público alvo era sabia distinguir e escolher o que queria, servidos por
revistas em quadrinhos ainda eram impressas em papel jornal foi a única. A Pantheon Books, uma editora que até então mais adulto, fizeram com que os quadrinhos chamassem a uma crescente rede de lojas especializadas, apoiaram o
de baixa qualidade e em uma quantidade limitada de cores. publicava livros, lançou Maus14 (figura 53) já nesse novo atenção da mídia não especializada. A graphic novel ganhou formato mais caro. The Dark Knight Returns atingiu vendas
formato, que consistia em papel de melhor qualidade, pois reviews em diversos jornais e figurou quarenta semanas impressionantes (DANIELS, 1999, p.149).
Depois do sucesso de “Um Contrato com Deus”, os editores as HQs sempre foram impressas em papel jornal e passaram na lista dos livros mais vendidos na Inglaterra. Além dela,
passaram a investir nas graphic novels, criando inclusive a figurar em papel couchê, em lombada quadrada, muito Watchmen foi revisado por críticos literários de diversos Essa melhoria gráfica foi aos poucos se estendendo para as
variações para o formato, que logo chegou aos super- mais páginas por edição – as revistas, que tinham de vinte grandes jornais americanos como, por exemplo, o New York edições mensais e, na década seguinte, com o surgimento da
Times, e Maus recebeu o prêmio Pullitzer. Toda esta atenção Image Comics, o new format estabeleceu-se definitivamente.
recebida representou um aumento expressivo nas vendas, Formada pelos mais famosos desenhistas da época, a Image
13 Wacthmen é uma mini-série publicada originalmente em 12 partes, e depois lançada como uma graphic novel, pela DC Comics, escrita por Alan Moore e
mas principalmente ajudou a desfazer o estigma que sempre Comics logo se tornou a terceira maior editora de quadrinhos
desenhada por Dave Gibbons. A série, que se passa nos Estados Unidos em uma versão alternativa de 1985, trata de uma América onde os super-heróis existem dos Estados Unidos, logo atrás da Marvel e da DC Comics.
de verdade e as conseqüências de sua presença interferem nos eventos históricos. A tensão nuclear entre russos e americanos está para explodir enquanto um acompanhou os quadrinhos, de subproduto cultural ou de
dos super-heróis do passado é assassinado, o que lança os demais em uma investigação. Os heróis de Moore são pessoas reais que tem de lidar com questões “coisas para criança”, estabelecendo o gibi como uma forma Comandada por artistas, o foco da editora era majoritariamente
éticas e sociais e enfrentar falhas e “neuroses”. A série foi a única história em quadrinhos a receber um prêmio Hugo, conferido todo ano as melhores publicações narrativa tão boa quanto qualquer outra. Outro benefício visual e suas histórias refletiam isso. Para valorizar suas HQs,
sobre ficção científica e fantasia, foi incluído na lista dos 100 melhores livros desde 1923 da revista Time e recebeu os maiores prêmios dos quadrinhos. Além os criadores fizeram uso das novas tecnologias gráficas, de
que as graphic novels trouxeram foi a possibilidade das
de ser um marco na indústria por sua inovadora abordagem dos super-heróis, Watchmen ajudou a enterrar o estigma de que quadrinhos era um produto para
editoras sempre terem material importante sendo publicado. impressão, não economizando nos custos e efeitos. Papéis
criança, e estabelecer o meio como uma forma narrativa apta a contar qualquer história para qualquer público.
14 Maus é uma graphic novel escrita e desenhada por Art Spiegelman que reconta a luta de seus pais, judeus poloneses, para sobreviver ao Holocausto nazista Ao lançar histórias em formatos mais bem produzidos e de qualidade, impressões de alta precisão e muitos efeitos
a partir das lembranças de seu pai. Paralelamente a isso relata, de forma autobiográfica, a conturbada relação do autor com seu excêntrico pai que, de muitas compilar edições mensais da mesma forma, elas podiam gráficos como, por exemplo, capas holográficas, colorização
formas, ainda revive a guerra (WEINER, 2003, p.35). E ainda, a própria luta do autor contra a trágica história de sua família. Inteiramente em preto e branco, a digital, utilização de cores especiais, vernizes e alto relevo
história apresenta todos os personagens de forma antropomórfica: os judeus são ratos, os poloneses são porcos e os nazistas são gatos. A graphic novel recebeu
manter em publicação suas histórias mais importantes, o
que não ocorria antes quando os quadrinhos eram apenas foram bastante utilizados. Logo, as demais editoras seguiram
todos os grandes prêmios de quadrinhos e um prêmio Pullitzer.
68 (abaixo) Figura 54 Asterix SABIN, 2003. 69
(a direita) Figura 55 Siegfried ALICE, 2007.
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um caminho semelhante e muitas capas de edições especiais de quadrinhos europeus publicados nos Estados Unidos era
passaram a utilizar efeitos de impressão ou de acabamento. As pequena como ainda é, mas é possível afirmar que os editores
graphic novels, que continuavam sendo publicadas e faziam norte-americanos sabiam que a tecnologia existia e que essa
mais sucesso do que nunca, não detinham exclusividade nos melhoria gráfica podia ser feita, mas demoraram a fazê-la. Isto
formatos mais bem cuidados. Esse tratamento foi estendido aconteceu provavelmente porque essa nova tecnologia não
à todos os gibis, que passaram a ser publicados em papel de seria bem recebida na década de 1970 quando os quadrinhos
maior qualidade e impressos da mesma forma. ainda eram uma indústria em crescimento, diferentemente da
forma como ela foi na década de 1990, quando este mercado
É válido ressaltar que o formato dos quadrinhos europeus já já estava estabelecido, preparado para essa mudança e que
se beneficiava de papéis de melhor qualidade e mais espaço colhia os frutos de duas décadas muito boas.
nas páginas desde seu surgimento. Na Europa, os títulos
geralmente surgiam em revistas que publicavam diversas Neste novo milênio, os quadrinhos descobriram
histórias curtas, como, por exemplo, a Pilot, e caso fizessem definitivamente as edições de luxo. Estas edições existem
sucesso, eram compiladas em edições encadernadas passando no mercado desde a década de 1990, quando as grandes
a ser lançadas direto nesse formato. Essas revistas como a obras de quadrinhos começaram a fazer aniversário, mas
Pilot, onde surgiram clássicos como Tin Tin e Asterix (figura recentemente ganharam um tratamento gráfico bem mais
54), serviam como um teste para os novos personagens. cuidadoso. Tomemos como exemplo Batman Dark Knight
Aqueles que agradavam ao público eram publicados em Returns, publicado em 1986. Dez anos depois, a publicação
grandes álbuns com uma qualidade superior aos quadrinhos ganhou uma versão comemorativa que trazia três TPBs em
americanos. Mas na Europa, os quadrinhos possuem um status uma luva especial. Um dos TPBs continha a HQ original, o
diferente e seus consumidores não se importam de pagar mais outro sketches15 originais de Frank Miller e o último o script
caro por eles. O custo de um álbum europeu é mais alto do original. Eles eram bem organizados, com um acabamento
que o de um gibi nos Estados Unidos, obviamente em função luxuoso, pois vinham em uma luva exclusiva, e eram
de suas estruturas formais – o álbum europeu, no geral, tem limitados a 1000 cópias, mas seu principal apelo não era
um formato maior, possui mais páginas, é impresso em papel o design da edição em si, e sim os extras que ela trazia (e
de melhor qualidade (figura 55) e geralmente encadernado e para o público colecionador norte-americano a quantidade
publicado com capa dura. Esses álbuns se assemelham muito limitada de cópias disponíveis no mercado). Dez anos depois
mais às graphic novels do que aos gibis mensais. A presença em 2006, a DC lançou uma nova edição comemorativa para

Figura 56 Absolute DKR O Autor, 2008. Figura 57 Absolute New Frontier O Autor, 2008.
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(a esquerda) Figura 58 Absolute Watchmen O Autor, 2008.

(a esquerda e abaixo) Figura 59 Complete Calvin and Hobbes O Autor, 2008.

celebrar os 20 anos da publicação, e não só contratou Chip de 1990. A publicação foi cuidada pelo escritório de design
Kidd para cuidar do design da edição, como anunciou em de Nova York Brainchild Studios. Mais três Absolutes já foram
propagandas que ele estaria encarregado da tarefa. Esta lançados, Absolute Watchmen (figura 58), de 2005, e Absolute
edição possui o formato maior do que a original (21,5 x 32 Sandman Vol. 1, 2 e 3, de 2006, 2007 e 2008 respectivamente.
cm contra 17 x 26 cm do original), e todas as páginas foram Porém, as edições com design especialmente cuidadoso não
ampliadas proporcionalmente. Ela conta com uma sobrecapa são exclusividade da DC Comics, o último trabalho do escritor
em papel especial, capa dura e é vendida em uma luva16. Alan Moore, Lost Girls, de 2006, foi lançado pela editora Top
Além disso, a edição traz não só a HQ Dark Knight Returns, Shelf diretamente em uma edição de luxo, separada em três
como também sua seqüência Dark Knight Strikes Again, além HQs com tamanho maior do que o usual, com papel especial
de muitos extras. Kidd foi responsável pela sobrecapa bem e capa dura, acondicionada em uma luva. Recentemente
como o design interno da publicação de mais de 500 páginas. uma edição comemorativa da tira de jornal Calvin and
Absolute Dark Knight Returns é uma edição luxuosa e com o Hobbes (Calvin e Haroldo) foi lançada compilando todas as
design cuidadosamente elaborado (figura 56). tiras já publicadas (figura 59). Três grandes volumes, com
mais de 500 páginas cada, lançados em uma luva especial,
A série Absolute, que foi lançada em 2006 pela DC, não todos com papel especial, cuidadoso design interno e capa
pára de crescer e, depois do Absolute Dark Knight Returns, dura. O acabamento tornou-se enfim importante em uma
a segunda mini-série foi Absolute New Frontier (figura publicação de quadrinhos, e isso não se resumiu às revistas
57) , publicada no mesmo ano. O interessante é que o em quadrinhos e o design gráfico tornou-se valorizado.
responsável pelo design da versão de luxo foi o próprio
escritor e artista da série original, Darwyn Cooke. Oriundo da A evolução do processo gráfico chegou tardiamente aos
animação, Cooke trabalhou como designer e ilustrador para quadrinhos nos Estados Unidos, mas foi um crescimento conciso
o mercado publicitário norte-americano antes de trabalhar que se espalhou pelo meio e veio para ficar e produzir obras
com quadrinhos. A terceira publicação de luxo foi Absolute melhores, tornando o produto quadrinhos mais interessante e
Kingdom Come, de 2006, versão da edição lançada na década pronto a atingir audiências maiores e mais adultas.

15 Sketches são esboços de desenhos, que podem ser preliminares para algum trabalho final, exercícios, idéias criativas ou até parte do processo de criação.
17 Luva é um tipo de caixa com um dos lados aberto que serve para acondicionar um ou mais livros. Ela costuma ter um visual compatível com o tema ou com
a própria capa do livro e sua função é tanto decorativa quanto funcional.
18 www.brainchildstudiosnyc.com
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2.
narrativa
VISUAL e
a linguagemdos
QUADRINHOS
Enquadramento, Composição e Storytelling

A narrativa nas histórias em quadrinhos acontece através O storytelling, que pode ser traduzido como narrativa, é a
da combinação de texto e imagem. A leitura de uma página parte da linguagem dos quadrinhos responsável por contar
de quadrinhos é feita, em sua maior parte, pelas imagens. A a história visualmente. Quaisquer que sejam as estratégias
importância do texto também não pode ser ignorada já que do quadrinista para atingir este objetivo, elas devem ajudar
é uma parte fundamental da história, ou seja, os diálogos, o leitor a ler a história e não atrapalhá-lo, a menos que esta
que carregam informações que nem sempre podem ser seja a intenção. O princípio e o guia do storytelling é o roteiro
representadas de forma visual, são inseridos na página em ou a história. É ela quem será o combustível para quaisquer
forma de texto com ou sem os balões. Assim, para efetivamente soluções gráficas criativas que o quadrinista empregará
se analisar a narrativa visual de uma HQ, é preciso pensar tanto buscando contar esta história visualmente da forma mais
no visual quanto no textual. Falarei mais detalhadamente interessante possível. Como ele contará essa história faz toda
sobre essa relação na parte a seguir sobre storytelling. a diferença, como sumariza Klaus Janson nesta analogia:

Visualmente uma página de quadrinhos possui diversos Todo mundo já deve ter tido a experiência de contar uma
elementos narrativos, mas os mais importantes podem ser piada sem sucesso – eu com certeza. Como uma pessoa
pode contar uma piada e ser muito engraçada, e outra
definidos como os quadros, a distribuição destes na página
contar a mesma piada e ser péssimo? Se os personagens
e o formato dos mesmos; e a arte ou a ilustração dentro dos e a conclusão são os mesmos, o provável é que a resposta
quadros. Textualmente existem duas principais utilizações esteja na maneira como a piada foi contada. Ou a seqüência
em uma página dentro da narrativa: os diálogos, geralmente de eventos estava bagunçada, ou o ritmo estava errado,
apresentados dentro de balões e as onomatopéias que ou talvez os personagens estivessem mal definidos, ou
representam os efeitos sonoros em uma HQ. São estes cinco a conclusão foi mal resolvida. Talvez o contador da piada
tenha apenas repetido as palavras, sem se comprometer
elementos que levarei em consideração na minha análise do
emocionalmente em contar a piada. Qualquer que seja o
objeto de estudo. problema, a falha é sempre resultado da inabilidade da pessoa
que está contando em organizar os eventos e apresentá-los
Para isso, vou estabelecer as bases do storytelling de maneira interessante (JANSON, 2002, p.82).
primeiro, para em seguida abordar o que estes elementos
são e quais suas funções e aplicações em uma história De acordo com Klaus Janson, a organização dos eventos é
em quadrinhos e, em depois, discutirei a narrativa em si e fundamental para contar uma história de forma eficiente.
como ela funciona em uma HQ. Esta organização, que parte do roteiro, é responsabilidade do
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(a direita) Figura 60 Espeífica de Palavras McCLOUD, 2005.

(a extrema direita) Figura 61 Espeífica de Imagem McCLOUD, 2005.

desenhista. Em uma história linear e clássica (veremos mais abordado aqui, mas sim a classificação que McCloud faz em utilizadas. É importante ressaltar que elas não constituem
sobre isso na parte sobre narrativa), uma forma de conseguir seu livro das sete formas existentes de trabalhar a relação entre uma fórmula, mas foram observadas nos próprios quadrinhos,
isto é assegurar constantemente que o leitor não se perca. texto e imagem (2005, p.152). A primeira é a que ele chama e a utilização das mesmas depende da necessidade da história
Para isso, o quadrinista deve contar visualmente em cada de combinação Específica de Palavras (IBID., p.153), nela a e da criatividade do quadrinista.
página quem, o quê, onde e quando. Ou seja, o leitor deve imagem serve apenas para ilustrar o que o texto está dizendo,
ser capaz de entender com facilidade quem é o protagonista não acrescentando nada ou muito pouco (figura 60). A segunda Em quadrinhos, as palavras e imagens são como parceiros
da cena que está se passando, o quê está acontecendo nesta combinação, ele denomina de Específica da Imagem que, ao de dança e cada um assume a sua vez conduzindo. Quando
cena e onde e quando ela está se passando. Se o leitor precisar contrário da anterior, é ditada pelo visual. O texto serve apenas os dois tentam conduzir, a concorrência pode subverter as
metas globais, embora uma pequena concorrência, às vezes, (acima) Figura 62 Duo McCLOUD, 2005.
voltar algumas páginas pois ele se perdeu, há uma quebra na como trilha sonora de uma seqüência visual (figura 61).
possa produzir resultados apreciáveis. No entanto, quando
continuidade da história, o que atrapalha a fluidez da mesma. cada parceiro conhece seu papel e se apóiam mutuamente, os (acima e a direita) Figura 63 Aditiva McCLOUD, 2005.
É um conceito semelhante ao de um filme em que voltar a uma A terceiro combinação é a Duo Específica (figura 62), onde quadrinhos podem se equiparar a qualquer uma das formas
cena anterior para entender alguma parte confusa subverte o texto e imagem transmitem a mesma mensagem (IBID., p.153). de arte da qual extrai de todo o seu potencial (IBID, p.156).
propósito. Para atingir este objetivo, o quadrinista conta com A quarta é a Aditiva, nela as palavras ampliam ou elaboram o
muitos recursos visuais e narrativos como o desenho, a arte significado que a imagem já carrega com ela (figura 63). De maneira geral, as duas formas que geram resultados mais
final, a cor, os balões e as onomatopéias, o estilo, o timing, interessantes ao storytelling, são a combinação Específica
o ritmo, entre outros, que podem tanto elevar uma história A quinta trata de Combinações Paralelas, em que as imagens e as de Imagem e a Interdependente. Como é uma mídia visual,
(acima) Figura 64 Paralelas McCLOUD, 2005.
quanto “derrubá-la”. Porém, nada disso terá qualquer serventia palavras não tem nenhuma relação aparente, seguindo caminhos se a narrativa acontece principalmente através da imagem,
se a história não sustentar a narrativa. Por mais que a arte diferentes que podem ou não fazer sentido dentro da história o storytelling é mais eficiente e interessante do que se ela (a direita) Figura 65 Montagem McCLOUD, 2005.
seja interessante ou belíssima, se a história for fraca e falhar (figura 64). A sexta é a que ele denomina de Montagem (figura ocorrer majoritariamente através do texto. Mas a melhor
em interessar o leitor, o storytelling não terá obtido sucesso. 65), onde as palavras fazem parte da imagem. Esta relação não combinação entre imagens e texto em uma narrativa de
Na verdade, o storytelling transcende a qualidade estética do é tão comum nos quadrinhos, a não ser quando onomatopéias quadrinhos é a Interdependente, pois ambas as partes se
desenho. É importante entender que o ele deve ressaltar a interagem com o desenho, mas ela existe em quadrinhos complementam. O texto é utilizado para contar o que não
história, e não o contrário (CAPUTO, 2003, p.26). experimentais assemelhando-se aos trabalhos dadaístas. seria possível fazer com a imagem (BYRNE, apud, CAPUTO,
2003, p.159), ou o que seria muito trabalhoso e consumiria
Uma relação fundamental para o storytelling é entre texto E a última combinação é a Interdependente (figura 66), nela páginas demais, enquanto a imagem funcionaria como o
e imagem. Scott McCloud dedica um capítulo em seu livro imagens e palavras se combinam para transmitir uma idéia principal veículo do storytelling. A opção por texto e imagem
“Desvendando os Quadrinhos” a essa relação, onde ele faz um que nenhuma das duas seria capaz de fazer sozinha (IBID., geralmente considera a história em primeiro lugar, alguns
resgate histórico do texto e imagem na nossa sociedade. Apesar p.155). Dessas combinações, a mais comum nos quadrinhos eventos e ações podem se beneficiar de serem apresentados
de extremamente importante, esse resgate histórico não será é a última, mas a primeira e a segunda também são muito de forma puramente visual, enquanto outros podem ser (acima) Figura 66 Interdependente McCLOUD, 2005.
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Figura 67 Ritmo 1 WIZARD #57, 1996. Figura 68 Ritmo 2 WIZARD #57, 1996.

mais compreensíveis se auxiliados por texto. A opção do da forma como ele controlar as opções como a distribuição
quadrinista sempre deve privilegiar a história a ser contada. de balões e as onomatopéias, a organização de página e a
disposição de quadros, a construção das cenas dentro dos
Quadrinhos é um meio majoritariamente visual, afinal, existem quadros e sua relação com os quadros anterior e o seguinte.
quadrinhos sem texto, mas não quadrinhos sem imagens. Por Essas opções determinam a fluidez ou não da leitura de sua HQ,
isso, o storytelling objetiva contar a história visualmente, ou seja, o ritmo de seu storytelling. E este ritmo pode e deve
sem que o texto tenha que explicar o que está acontecendo. ser manipulado dependendo das necessidades que a história
O quadrinista deve decidir quando contar algo somente de estabelece e da intenção do quadrinista. Isto também depende
forma visual, e quando contar através de imagens e textos do gênero em qual sua história está inserida. Tomemos como
ou quadrinhos e balões. Essas decisões cabem ao roteirista exemplo as duas páginas de Greg Capullo mostrando a mesma
na estrutura especializada de produção de uma HQ ou ao cena. O garoto-robô é recebido pela velhinha com um jarro de
próprio desenhista, dependendo de quanta liberdade ele tem biscoitos na mão. De dentro do jarro, ela saca uma pistola e
para interferir. Esse tipo de decisão, benéfica ao storytelling, dispara atingindo o garoto-robô. Ele montou a mesma cena
tende a acontecer com mais freqüência quando o escritor e o de duas formas diferentes. Na primeiro quadrinho da primeira
desenhista são a mesma pessoa. É importante que a história página (figura 67), ele apresenta os personagens. No segundo,
em quadrinhos funcione como narrativa visual, o texto pode um close na mão da velhinha, e no terceiro, ela disparando
ser usado para acrescentar, como diálogos e narrações, por sua arma despedaçando a cabeça do garoto. Esta página busca
exemplo, mas a ação deve se desenrolar visualmente. dar um susto no leitor, ela começa e termina abruptamente
sem qualquer valorização do tempo. Tudo acontece muito
Um dos elementos essenciais do storytelling é o ritmo. Nos rápido e a ação é resolvida quase de imediato. A resolução
quadrinhos, o ritmo pode ser entendido de duas formas: é apresentada logo depois de estabelecer o evento e o leitor
o ritmo de leitura, ou seja, o tempo que o leitor leva para não tem tempo de se preparar. O quadrinho de apresentação e
ler e absorver as informações de uma ou mais páginas e a principalmente o de finalização são os mais importantes.
intencionalidade do quadrinista em guiar o leitor em sua
leitura. Quanto a primeira, o quadrinista tem pouco ou nenhum No segundo exemplo (figura 68), Capullo usa muito mais
controle, podendo apenas estimar considerando a cultura e quadros para dramatizar a cena. Enquanto na primeira são três,
as referências de seu leitor, mas jamais ter certeza. Já sobre na segunda são quatorze quadros. O quadrinista faz do leitor
o segundo, o autor pode exercer total controle dependendo um cúmplice da ação, apresentando a cena e cada momento
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separado construindo a tensão até o clímax. O primeiro e o O ritmo pode ser constante em uma história ou sofrer variações 2002, p.56). O quadrinista está no controle não só das de choque e suspense (particularmente se o carro for visto se
último quadrinhos são os mais importantes, mas são bem dentro da própria dependendo da necessidade ditada pelo imagens dentro dos quadros como também sugere ao leitor deslocando em direção ao leitor visto de um ângulo baixo),
roteiro. Para trabalhar o ritmo nas HQs, o quadrinista pode que sugere que o bebê está no caminho do carro, mesmo
menores do que no outro exemplo. Os quadros estreitos são o que acontece entre os quadros, ou seja, na sarjeta, onde a
que eles possam estar em lugares diferentes. Apesar de não
lidos de forma mais rápida e ajudam a criar essa tensão. O ritmo manipular o layout de uma página, os quadrinhos e sarjetas assimilação da justaposição acontece. Essa participação do existir qualquer evidência de proximidade, a mente do leitor
da primeira, que pode ser entendido como parte do gênero que ela contém: muitos quadrinhos em uma página tornam leitor é única dos quadrinhos. faz uma conexão narrativa, criando um terceiro significado
de terror, é mais rápido, enquanto o segundo, uma página de essa mais difícil de ler e também mais demorada, enquanto completamente diferente que pode ser derivado das imagens
suspense, o ritmo é mais lento. Esta relação de gêneros e ritmo poucos quadros aceleram a leitura tornando-a mais objetiva. A qualidade da narrativa depende da organização de texto individualmente (STERANKO in CAPUTO, 2003, p.173).
é bem descrita por Hitchcock em sua entrevista para Truffaut: Essa opção pela quantidade de quadros considera o ritmo e imagem. Espera-se que o leitor participe. “Ler as imagens”
requer experiência e permite que o próprio leitor determine
relevante na construção da história e é permeada pela A relação de um quadro para o outro é importante na
o ritmo de absorção das mesmas. O leitor deve fornecer som
A diferença entre suspense e surpresa é muito simples, e preocupação do quadrinista ao organizar a página. justaposição, e por isso a opção do quadrinista quanto à
e ação em sua própria mente (EISNER, 2002, p.69).
costumo falar muito sobre isso. Mesmo assim, é freqüente quais quadrinhos justapor é fundamental para ajudar o leitor
que haja nos filmes uma confusão entre essas duas noções.
O layout de uma página deve servir a duas finalidades básicas: Para que a justaposição seja eficiente, é importante que o a acompanhar a história. Na figura 69, há seis quadrinhos
Estamos conversando, talvez exista uma bomba embaixo desta
mesa e nossa conversa é muito banal, não acontece nada de
apresentar a história através dos quadros, organizados de conteúdo de cada quadrinho seja pensado pelo quadrinista, numerados de 1 a 6. Considerarmos a seguinte ordem de
especial, e de repente: bum, explosão. O público fica surpreso, forma compreensiva se for essa a intenção, e guiar o leitor que ele conduza a história e faça sentido com seu quadrinho leitura: 6, 1, 5, 2, 3 e 4. O primeiro quadrinho, 6, funciona como
mas, antes que tenha se surpreendido, mostraram-lhe uma de acordo com a história. Guiar a leitura é uma das premissas anterior e posterior. um estabilishing shot dizendo ao leitor onde a cena se passa. O
cena absolutamente banal, destituída de interesse. Agora, básicas do storytelling e a melhor forma de fazê-lo é segundo quadrinho, o 1, apresenta um pássaro voando. O leitor
examinemos o suspense. A bomba está embaixo da mesa e trabalhando a organização da página através dos já citados entende, através da justaposição, que ele está voando na local
Eu faço distinção entre dois tipos primários de percepção
a platéia sabe disso, provavelmente porque viu o anarquista
grids. Ao decidir que tipo de grid vai ser usada, o quadrinista (nos quadrinhos) – intrínseco e extrínseco: estabelecido pelo quadrinho anterior, mesmo não existindo
colocá-la. A platéia sabe que a bomba explodirá à uma hora e
sabem que falta quinze para uma – há um relógio no cenário.
o faz sabendo que tipo de imagens ele terá que desenhar qualquer relação visual explicita entre os quadros. Nenhum dos
dentro dos quadros. E antes de fazê-lo, ele tem que considerar Percepção intrínseca remete especificamente aos elementos visuais apresentados no primeiro quadrinho pode
De súbito, a mesma conversa banal fica interessantíssima
componentes da imagem. Uma foto de um bebê sentado
porque o público participa da cena. Tem vontade de dizer aos a relação das imagens que ele está posicionando lado a lado. ser visto no segundo. O terceiro quadrinho é um close de um
no chão, segurando um ursinho de pelúcia e olhando
personagens que estão na tela: “Vocês não deveriam contar Isso porque o leitor entenderá dois quadrinhos lado a lado garoto chorando segurando uma arma, e o leitor entende que
para cima surpreso de forma inocente sugere felicidade e
coisas tão banais, há uma bomba debaixo da mesa, e ela vai como uma continuidade, se a ação se inicia no primeiro e ele está no mesmo ambiente, e que possivelmente o pássaro
contentamento, nada mais do que é – uma imagem neutra.
explodir!”. No primeiro caso, oferecemos ao público quinze
termina no segundo, ele fará a conexão entre os dois criando é seu alvo, ou possui qualquer tipo de relação entre eles, em
segundos de surpresa no momento da explosão. No segundo
em sua mente a ação intermediária. Este processo ocorre em Percepção extrínseca se desenvolve quando a imagem função da justaposição das duas imagens. O quarto quadrinho,
caso, oferecemos quinze minutos de suspense, donde se
função da justaposição entre os dois quadros, que força uma descrita acima é justaposta à uma imagem de um carro 2, mostra o garoto preparando seu rifle e o quinto, 3, atirando.
conclui que é necessário informar o público sempre que
em movimento, que por si só é uma imagem neutra
possível, a não ser quando a surpresa for um twist, ou seja, assimilação da informação dos dois. Os leitores de quadrinhos E por fim a cena termina com a conclusão obvia da morte do
(denotando pouco mais talvez do que sua idade e estado de
quando o inesperado da conclusão construir o sal da anedota assimilam os quadrinhos de uma página, somando-os, para pássaro. Essa versão não traz muita informação sobre o enredo,
conservação). Juntas, no entanto, elas geram uma resposta
(HITCHCOCK apud TRUFFAUT, 2004, p.77). obter um entendimento mais completo da história (JANSON, não transmite nenhuma outra certeza a não ser que a história
82 83

Figura 69 Justaposição 1 JANSON, 2002. Figura 70 Justaposição 2 JANSON, 2002.

se trata de um garoto que matou um pássaro. Qualquer outra a informação de onde tudo isso ocorreu, mas funciona como leitor entenderá que os quadros maiores são as partes mais Porém, guiar a leitura é sim uma das premissas básicas do
interpretação é especulativa. Para o storytelling clássico essa um quadrinho reflexivo sobre a cena, que pode ser resumida importantes da história (figura 72). A organização dos quadros, storytelling, e para fazê-lo o quadrinista deve primeiro
quantidade de incertezas e variáveis é incomum e dificilmente como a perda da inocência (JANSON, 2002, p. 60). As imagens a relação entre eles, seus tamanhos e formas já transmitem considerar a cultura para qual ele está produzindo a HQ, pois
seria o objetivo do quadrinista. A disposição de uma história são rigorosamente as mesmas, mas a simples mudança na informações ao leitor mesmo sem pensarmos nas imagens esta determinará o sentido de leitura que guiará as opções de
estruturada visualmente seria: 2, 1, 3, 4, 5 e 6 (figura 70). A disposição das mesmas altera completamente, a partir da no interior deles (JANSON, 2002, p.61). A opção por qual grid leiaute e composição da página. Nos quadrinhos americanos,
cena abre com o garoto observando algo com um rifle na justaposição, o sentido da história. usar deve ser baseada no conteúdo a ser passado, ou seja, na a leitura acontece da esquerda para a direita e de cima para
mão. Em seguida um pássaro é mostrado e o leitor conecta história. O quadrinista pode manipular essa opção por grids baixo, e essa é a informação principal que o quadrinista
as duas imagens justapostas entendendo que o garoto está Voltando aos grids, abordados anteriormente, a opção de acordo com os interesses da história, e pode alternar o uso possui ao organizar uma página. O layout em forma de “Z” é
olhando para o pássaro. A terceira mostra um close da arma do quadrinista ao escolher o grid que ele usará na página de grids dependendo do que ele precisa contar. Cenas mais o mais básico e utilizado, que leva essa ordem de leitura, da
disparando, o leitor pode supor o que ocorreu. Suposição essa deve considerar a informação a ser passada. O layout do tensas podem pedir mais quadros por página, com ou sem esquerda para direita em consideração. Mas existem muitas
que é confirmada pelo quadrinho seguinte, o 4, que mostra o grid clássico não oferece nenhuma informação inicial valorização em algum deles como vimos no exemplo anterior outras possibilidades de layout, seja de cima para baixo, na
resultado do tiro. O quinto quadrinho oferece uma imagem ao leitor quanto aos quadros, pois todos são do mesmo de Greg Capullo e como mostra a figura 71. Cenas de ação diagonal, ou em qualquer outra solução visual. Independente
mais dramática do garoto chorando e o leitor entende que tamanho (figura 71). Já o free form tende a estabelecer uma podem ser trabalhadas com quadros maiores cujo espaço da escolhida, o critério mais importante a ser seguido é o da
ele se arrependeu do que fez, e o último quadrinho oferece hierarquia de importância nos quadros da página, assim o possa ser aproveitado para valorizá-las, como na figura 72. clareza. O storytelling clássico, como será abordado a seguir,
84 85

(a extrema esquerda) Figura 71 Grid Clássico BOLLAND apud CHIARELLO, 1996.

(a esquerda) Figura 72 Free Form LOEB, 2007.

preconiza que, para este ser bem sucedido, precisa seguir


dois critérios: clareza e entretenimento. Se a organização dos
quadros dificulta a leitura, o leitor pode se perder na história. É
possível controlar a clareza de uma página explorando leiautes
diferentes e inovadores, mas o risco do leitor se perder é
grande, o que pode ser prejudicial ao entendimento.

Desde que as pessoas contam histórias umas as outras,


storytellers como eu e você queremos duas coisas do
nosso público. Nós queremos que eles entendam o que
nós temos para contar, e queremos que eles se importem o
suficiente para continuar prestando atenção até acabarmos
(McCLOUD, 2006, p.8).

Desde a década de 1960, os quadrinistas começaram a explorar


soluções visuais diversas de layout e narrativa, mas a maior
parte da produção de quadrinhos permanece muito próximo do
clássico. Exemplos como a página de 1967 de Neal Adams para
a HQ Deadman (figura 73), e seu trabalho de 1969 para X-Men
(figura 74), de 1969 mostram layouts inovadores. No primeiro,
ele trabalha o layout da página de forma conservadora, mas o
estrutura de forma ousada, compondo os desenhos dos quadros
para que eles formem uma outra figura, a cabeça do protagonista.
No segundo, Adams trabalha a diagonal da página de forma
dinâmica, mudando a ordem de leitura da mesma. Semelhante ao
que Adam Kubert fez em Action Comics Annual #11, ao trabalhar
a diagonal formando um arco crescente dos quadros da página
(figura 75). Kubert também explorou a ordem de leitura (figura
76), fazendo com que o leitor primeiro lesse o quadrinho longo da
86 87

(acima ) Figura 76 Kubert 1 JOHNS, 2008. (acima ) Figura 77 Kubert 2 JOHNS, 2008.

(acima) Figura 74 Deadman DUIN, 1998. esquerda, depois siga a seqüência do centro da página e por fim característicos de sua cultura e da diversidade muito maior de A composição das imagens dentro dos quadros é fundamental
leia o quadrinho final a direita da página. gêneros abordados, enquanto os quadrinhos europeus (figura para a compreensão dos mesmos, e esta composição passa por
(acima e a direita) Figura 75 Adams X-Men DANIELS, 1991.
78), que sempre foram considerados produtos narrativos duas questões: o que mostrar e como mostrar. O que mostrar
O layout sofreu uma evolução visual devido a diversos fatores, de qualidade desde seu surgimento, são obras de qualidade depende da seleção feita pelo quadrinista do momento da ação
porém a grande maioria dos quadrinhos permanecem presos artística e estética e graficamente superiores a qualquer outra que ele está representando. A escolha do momento decide o
as soluções da narrativa clássica, que será abordada a seguir. A publicação de quadrinhos. Essa contaminação positiva que os que incluir e o que deixar de fora visualmente em uma história.
entrada de quadrinistas com formações artísticas, gráficas e quadrinhos americanos sofreram ofereceu novos horizontes A grosso modo essa escolha representa a quantidade de
narrativas mais especializadas certamente contribuiu para esse narrativos, especialmente visuais e técnicos. Soluções e técnicas quadros que serão necessários para apresentar a ação e quais
desenvolvimento. A exploração visual das páginas que esses narrativas foram absorvidas e combinadas a antigas formas de quadros serão esses. Ela determina também a forma como
profissionais realizaram, potencializou as soluções gráficas das contar histórias visualmente, o que resultou em produtos mais a história será contada, quanto mais direta, provavelmente,
páginas de quadrinhos. A entrada de produções estrangeiras elaborados e inovadores. Parte dessas soluções se deu dentro menos quadros. Cada quadrinho avança o enredo em direção
no mercado americano também contribuíram para esse dos quadros, parte na justaposição dos quadros lado a lado e nas a sua conclusão. Mas o quadrinista também pode valorizar
desenvolvimento do storytetlling. Mangás (figura 77) possuem transições, e as opções que o quadrinista tem que fazer para criar partes dessa narrativa optando por usar mais quadros e contar
diferentes técnicas narrativas oriundas das soluções e padrões uma narrativa visual envolvem ambas. a história de forma mais demorada, como visto anteriormente.
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(a direita ) Figura 77 Blade SAMURA, 2007.

(a extrema direita ) Figura 78 Blacksad CANALES, 2000.


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Figura 82 Cena-Para-Cena MIGNOLA, 2003.

(abaixo ) Figura 79 Momento-Para-Momento MIGNOLA, 2004.


Cada quadrinho mostra uma ação individual que é parte de ideal para manter o enredo avançando de forma rápida, pois
(acima e a direita ) Figura 80 Ação-Para-Ação MIGNOLA, 2004.
uma ação maior ou evento e, dependendo do que o quadrinista o quadrinista seleciona e apresenta um único momento
(abaixo e a direita) Figura 81 Tema-Para-Tema MIGNOLA, 2002.
quer fazer, pode ser manipulada de acordo com a necessidade, por ação, como o ataque do personagem ao soldado no
seja ela, por exemplo, diminuir a velocidade da narrativa exemplo abaixo.
para valorizar um determinado momento, ou saltar para um
momento chave. Para essa manipulação, existem seis formas A terceira é a Tema-Para-Tema (figura 81). Essa transição
de transição entre quadros, segundo a catalogação de Scott pressupõe um grau de envolvimento muito maior do leitor.
McCloud em seu “Desvendando os Quadrinhos” (2005, p.70). A As cenas não são diretamente seqüenciais em uma ação, mas
primeira, que ele denominou Momento-Para-Momento (figura permanecem dentro de uma mesma idéia ou cena. Ela também
79), demanda pouca conclusão por parte do leitor, pois o tempo é bastante eficiente em acelerar o enredo, pois muda o enfoque
que se passa entre um quadro e outro é muito pequeno. Nela, sem sair da cena ajudando a manter o leitor interessado. No
uma única ação é representada por uma série de momentos exemplo abaixo, o personagem no segundo quadrinho comenta
(McCLOUD, 2006, p.15). Essa transição pode ser usada para a discussão realizada no primeiro. Ele não esta presente na
capturar uma movimentação mais realista nos quadrinhos, cena, mas sua participação é parte da seqüência.
mais próxima dos filmes, ou para agregar suspense ou drama
a uma ação diminuindo a velocidade da narrativa, ou ainda A quarta, exige uma capacidade de conclusão e assimilação
dando mais atenção a algum detalhe. Como mostra o exemplo, maior do leitor. Na transição Cena-Para-Cena (figura 82),
os quadros sofrem pequenas alterações na seqüência. ele é conduzido por distâncias significativas de tempo e
espaço (McCLOUD, 2005, p.71), o que permite ao quadrinista
A segunda é a Ação-Para-Ação (figura 80), que apresenta trabalhar longas passagens de tempo na história, e ambientá-
um único assunto em uma série de ações (IBID.). Ou seja, se la em cenários distantes e ainda manter o gibi dentro de uma
comparada a anterior, se passa mais tempo de um quadro quantidade de páginas razoável. Na figura abaixo passa-se o
ao outro. A ação é apresentada em uma progressão direta, tempo suficiente para que os personagens mostrados andando
92 93

na neve no primeiro quadrinho, se tornem as caveiras que são ser menosprezadas. No exemplo que se passa entre o primeiro, conclusões bastante interessantes, mas as que nos interessam
mostradas no segundo. A justaposição das imagens faz com segundo e terceiro quadros é difícil precisar o tempo, mas o aqui são as relacionadas aos quadrinhos americanos. Ao
que o leitor faça tal conexão. leitor consegue compreender que do primeiro para o segundo analisar um quadrinho de Jack Kirby de 1966, ele encontrou
quadro, o quadrinista representa a destruição do monstro uma predominância de transições Ação-Para-Ação (IBID.,
O quinto tipo de transição, denominada Aspecto-Para-Aspecto transformado em caveira e consumido pelo solo, no quadrinho p.74), o que condiz com o trabalho de Kirby que é, como visto
(figura 83), não oferece informações tão claras sobre a 2. O terceiro quadro não tem relação clara com o que vinha anteriormente, norteado pela ação, objetividade e movimento
passagem do tempo, mas requer um olhar atento por parte do sendo mostrado, mas funciona como um quadrinho de pausa dramático e exagerado característico de um animista. Mais da
leitor para detalhes e características migratórios de uma cena para que o leitor absorva o que aconteceu, antes de retornar metade das transições do gibi, cerca de 65%, são Ação-Para-
a outra sobre diferentes aspectos, sejam através de lugares, para a narrativa cronológica (quadrinho 4). Ação, o restante divide-se entre Tema-Para-Tema e Cena-
idéias ou atmosferas. Originária dos quadrinhos japoneses Para-Cena. Essa proporção, na verdade, pode ser observada na
e hoje amplamente usadas nos americanos, esta transição Dependendo do tipo de história a ser contada, a opção pela grande maioria das HQs americanas, e até européias, pois as
oferece a chance do quadrinista ignorar a passagem do tempo, transição a ser usada é bastante clara. Em histórias guiadas transições descritas são as mais eficientes para se contar uma
possivelmente congelando-o, e deixar o olhar do leitor vagar pelo avanço do enredo, transições de Ação-Para-Ação serão história de forma objetiva e clara. Obviamente existem diversos
pelos quadros, muitas vezes, mais poético do que objetivo. bastante úteis para tornar dinâmico o avanço da história, quadrinistas com diferentes abordagens, mas a grande maioria
(acima) Figura 83 Aspecto-Para-Aspecto MIGNOLA, 2004.
No exemplo abaixo, não é possível precisar quanto tempo se bem como algumas Tema-Para-Tema e Cena-Para-Cena. Se o da produção de quadrinhos americanos se encaixa nestas
(no alto) Figura 84 Non-Sequitur MIGNOLA, 2004. passa do primeiro para o quadrinho, que é o estabilishing shot objetivo for contar uma história com apelo emocional maior, as transições em função de grande parte das histórias funcionarem
da próxima seqüência. transições Momento-Para-Momento e Aspecto-Para-Aspecto como uma série de eventos cronológicos interligados por um
serão mais utilizadas pois permitem mais clareza nos detalhes enredo. A primeira transição não é tão empregada, pois ela faz
E a sexta e última forma de transição é chamada de Non- e também uma poesia maior nas passagens. Essa dinâmica basicamente o mesmo do que a segunda, só que requer mais
Sequitur (figura 84), que não oferece nenhuma seqüência entre as transições nos quadrinhos clássicos, como veremos quadros o que, um quadrinista produzindo um gibi mensal de
lógica entre os quadros (IBID., p.72), ou pelo menos nenhuma a seguir, deve funcionar por trás da história, permitindo que o vinte e poucas páginas, nem sempre pode se dar ao luxo de
lógica tradicional na narrativa, pois suas conseqüências conteúdo apareça. McCloud, em seguida, analisou a utilização usar. Já a quinta, é uma transição em que, efetivamente em
poéticas e abstratas nos quadrinhos experimentais não podem dessas transições em diferentes publicações chegando a termos de progressão de história, nada “acontece”. E a sexta não
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(a esquerda) Figura 86 Baixo LOEB, 2005.

(abaixo) Figura 87 Alto JOHNS, 2008.

(acima) Figura 85 Normal MILLER, 1996.

se preocupa com eventos ou qualquer proposta mais objetiva posicionamento das figuras no quadro, como, por exemplo, ao
de narrativa. Essa preocupação com o objetivo que guia as mostrar um personagem depressivo isolado na composição.
histórias é melhor expressa pelas três transições já citadas. E trabalhar a dramaticidade e emoção no quadrinho variando
Essa dinâmica vem mudando aos poucos com a exposição às a proximidade do personagem ao quadro, alternando entre
técnicas narrativas dos quadrinhos orientais, onde o uso de closes, que permitem uma proximidade maior do leitor,
transições é mais equilibrado. ou mais distantes, revelando mais da cena. O quadrinista
também pode manipular a orientação do leitor de acordo com
Com as transições estabelecidas, o quadrinista pode se os interesses da narrativa variando o ângulo do conteúdo
concentrar em como mostrar o que ele precisa. A opção do quadrinho, que representa, a grosso modo, a visão que o
pelo enquadramento envolve a composição do quadro, o leitor terá da cena quando olhar o quadro, ou, analogamente,
ângulo e o equilíbrio da cena. A composição permite que seria o ângulo de visão da câmera no cinema. Ele pode variar
ele monte os elementos visuais do quadrinho para guiar o da altura dos olhos, que é a mais comum (figura 85), a uma
olhar do leitor mantendo a história interessante, como visto, visão de baixo que confere grandeza a cena (figura 86), ou
o eye movement. Para isso, ele pode também trabalhar a de cima (figura 87), que oferece uma panorama mais claro
variação do ponto focal na cena, tornando mais dinâmica da cena para o leitor dando mais informações de onde se
a leitura e fugindo da monotonia das figuras centrais. O encontram os elementos. Essas opções dependem muito do
quadrinista pode também expressar significados através do que o quadrinista precisa mostrar.
96 97

Figura 88 Jim Lee MEADOWS, 2008.

O estabilishing shot, que será aprofundado na parte sobre história que lhe cabe, o quadrinista terá que reavaliá-lo. Se o outros desenhistas passaram a “imitar” sua linguagem, ou ilustração, representando os personagens de forma realista e
narrativa, quadrinho que apresenta basicamente um storytelling transcende a mera qualidade estética da arte nos pelo menos tentar. Jim Lee19, por exemplo, ficou famoso pouco caricatos. Immonen trabalhou o lápis de forma a não
cenário, é muito comum e amplamente utilizado para situar quadrinhos, a opção pela imagem dentro do quadro deve ser desenhando o gibi do Punisher (Justiceiro) na Marvel, mas precisar de arte final, a cor é aplicada diretamente sobre o
o leitor, especialmente em transições de Cena-Para-Cena. relacionada a história em primeiro lugar. Um artista habilidoso sua fama realmente atingiu níveis impressionantes quando grafite. Em Ultimate Spider-Man (figura 90), seu mais recente
Independente do ângulo usado, ele tende a apresentar o lugar é um grande beneficio para qualquer narrativa visual, seja desenhou os X-Men (figura 88), um dos carros chefe da trabalho, ele usa toda a estrutura tradicional dos quadrinhos,
onde a ação a ser mostrada se passa ou, em alguns casos, onde qual for a sua linguagem, se ele consegue fazer com que os editora. Logo, diversos artistas surgiram tentando imitar seu desenhando à lápis e arte-finalizando à nanquim. Seu traço
a ação já mostrada se passou, e dependendo da quantidade elementos nos quadros pareçam o que elas são, já permitem trabalho com algum ou nenhum sucesso, e passaram a ser é bem mais definido e os personagens muito mais caricatos.
de informação que ela contiver, pode oferecer uma sensação que o leitor entenda o que está representado. É aqui que usados pela editora tentando pegar carona no sucesso de Lee. Já em sua tira online, Moving Pictures, Immonen utiliza um
de lugar ao leitor que o situará inclusive nas demais cenas. toda a teoria de arte dos quadrinhos é aplicada: anatomia, Essa prática não é exclusividade da Marvel, e nem da década traço bastante estilizado, com alto contraste e poucas linhas.
Muitos quadrinistas utilizam o estabilishing shot bem perspectiva, luz e sombra, e etc. Tudo isso é utilizado de acordo de 1990, mas ficou bastante em evidência nesta época em A opção de como mostrar as imagens dentro dos quadrinhos
caracterizado, para poderem abrir mão do fundo em quadros com a linguagem do quadrinista. Alguns poucos conseguem função da quantidade de desenhistas nesta situação. é importante para o storytelling, mas ela geralmente é feita
onde os personagens aparecem conversando, o que faz com variar seu estilo dentro da própria linguagem dependendo levando-se em conta as características do quadrinista, a
que a mensagem dita por eles seja mais facilmente absorvida, da necessidade da história, mas a grande maioria possui um Por outro lado, alguns quadrinistas são praticamente menos que ele consiga suplantá-las em prol da história que
sendo mais valorizada. Estratégias como essa são o cerne do mesmo traço e um mesmo conjunto de soluções que ele inimitáveis, pois adaptam sua linguagem de acordo com ele decidir contar.
storytelling e podem representar muito para compreensão, aplica para cada história em que trabalha, independente do a história, variando o traço, a técnica e o estilo. Stuart
mas o uso excessivo de alternâncias de ângulo de visão podem gênero ou tema. Esta linguagem torna-se a ser característica Immonem20 é um deles. Ao trabalhar em Superman Secret A disposição dos balões pode ser uma importante aliada
confundir o leitor e atrapalhar a história. daquele quadrinista e passa a ser seguida por muitos leitores. Identity (figura 89), seu traço se aproximou muito mais da do quadrinista no storytelling, contanto que ele não
Nem todos os desenhistas trabalhando nos quadrinhos
19 Jim Lee é um desenhista de quadrinhos nascido na Coréia, mas que imigrou muito cedo para os Estados Unidos. Lee ingressou no mercado em 1986 e,
Quanto às imagens dentro dos quadros, o quadrinista tem possuem linguagens elaboradas, na verdade, muitos apenas trabalhando para a Marvel, desenhou a HQ Tropa Alfa. Em seguida, trabalhou com o Justiceiro e X-Men. Na década de 1990, ele deixou a Marvel para fundar junto
uma gama grande de opções para trabalhar. O princípio seguem soluções e traços estabelecidos por outros. Na com mais seis desenhistas, a Image Comics. Sob o selo Wildstorm, Lee publicou co-escreveu e desenhou WildC.a.t.s., título de estréia de sua editora. No início do
norteador continua sendo o da clareza, mas neste caso, década de 1990, por exemplo, a Marvel possuía um grupo novo século, ele vendeu sua editora para a DC Comics e passou a trabalhar como desenhista para a editora em títulos do Batman e Superman.
20 Stuart Immonen é um quadrinista canadense que entrou no mercado de quadrinhos em 1988 com a Playground, uma série que ele mesmo publicou. Em
ele refere-se à comunicação. Nos quadrinhos, um desenho de artistas que se tornaram muito reconhecidos e passaram
1993, ele entrou nas grande editoras e trabalhou com personagens diversos como Superman, Hulk, Legion of Super Heroes e X-Men. Recentemente, Immonen
bem feito ou um quadrinho bem construído pode chamar a a atrair uma legião de fãs, e depois saíram da editora para trabalhou no universo Ultimate da Marvel nos títulos Ultimate Fantastic Four e Ultimate Spider-Man, além da série alternativa Nextwave, escrita por Warren Ellis.
atenção dos fãs, mas se ele falhar em comunicar a porção da formar a Image Comics. Depois do surgimento deles, muitos Ele mantém também duas tiras online, de co-autoria de sua mulher, chamadas Never as Bad as You Think e Moving Pictures.
98 99

Figura 89 Immonen 1 BUSIEK, 2004.


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Figura 91 Distribuição de Balões CHIARELLO, 2004.

sobreponha partes importantes da arte com ela. Ao dispor do balão, no quadrinho e na página inteira (KLEIN, 2004,
os balões, é importante que nenhuma parte fundamental da p.101). Quando o layout da página é fácil de ser lido, a
arte seja coberta, e é indicado que a ordem dessa disposição disposição dos balões não apresenta grandes dificuldades,
seja pensada para o balão de quem fala primeiro esteja mas quando a distribuição de quadros é mais complicada, o
posicionado na frente dos demais considerando o sentido posicionamento de balões pode ser mais difícil de ser feito,
da leitura, ou seja, que quem fala primeiro esteja à esquerda porém eles podem auxiliar a leitura (figura 91). A melhor
do quadro. Geralmente os balões são posicionados dentro forma de fazer essa distribuição é deixar uma trilha de
de um quadro acima dos personagens que estão falando, balões para o leitor seguir ao ler a página (IBID., p.103).
mas ele pode ser colocado basicamente em qualquer
lugar se esses cuidados forem tomados. Além disso, os Para garantir que o leitor não tenha que parar nem
balões também podem ser usados para auxiliar a leitura por uma fração de segundo para tentar entender qual
balão é o próximo, o quadrinista deve fazer os balões e
da página como um todo. No ocidente, a leitura, como já
onomatopéias considerando a fluidez da narrativa e o
foi dito, é feita da esquerda para a direita e de cima para caminho da leitura desejado (CAPUTO, 2003, p.38).
baixo e, em uma página de quadrinhos, isto ocorre dentro

Figura 90 Immonen 2 BENDIS, 2008.


102 103

quadros em uma página

A organização dos quadros em uma página parte do roteiro passou-se a produzir material específico para este formato apresentados já ocorreram; ou em alguns casos, pode remeter
da HQ. O desenhista, a partir dele, divide a história em de revista, aplicaram essa disposição de quadros clássica a algum estado de inconsciência do personagem representado
imagens e as distribui na página de acordo com a necessidade a suas páginas. Com o desenvolvimento da linguagem e a no quadro. Existe ainda o requadro com traçado “dentado”
que esta história apresenta. Muitos escritores já dividem entrada de artistas oriundos de outros meios, os layouts de que denota tensão, o requadro duplo, que oferece mais
seus roteiros nos quadros, descrevendo o que acontece página sofreram mudanças e tornaram-se cada vez mais destaque ao quadro, e o requadro rompido pela arte. A opção
em cada um deles e sugerindo uma quantidade destes em irregulares e diferenciados. pelo tipo de requadro depende da necessidade da história
cada página, enquanto outros optam por descrever o que e de quem a conta. Dependendo do que o quadrinista quer
acontece na página e deixam a cargo do desenhista fazer a O próprio formato dos quadros também passou a ser modificado informar, ele pode optar pelo tipo de requadro que melhor
divisão em quadrinhos. Ao pensar o layout de uma página, e começou a carregar diferentes significados, tornando-se se adequa a cena que ele está desenhando, mas é importante
o desenhista considera a distribuição dos quadros21 como ainda mais parte da linguagem não-verbal dos quadrinhos, considerar a informação que cada requadro transmite ao
um todo, mas deve considerar também o que eles significam oferecendo ao leitor informações a respeito do que ele está leitor, o requadro rompido pela arte, por exemplo, chamará
individualmente, levando em conta o que o formato de cada mostrando e da própria disposição dos elementos da página. toda a atenção da página para si em detrimento dos demais
quadro representa e como a disposição destes influência a Geralmente, quanto maior o tamanho do quadrinho em uma quadrinhos da página (CAPUTO, 2003, p.170). Se esta não for
leitura e o entendimento da própria página. Ou seja, ele deve página, maior a sua importância em termos de história. A intenção, a página carregará uma informação errada e pode
pensar na página toda como um produto gráfico formado figura 93 mostra uma página de Bill Sienckiewicz para a HQ atrapalhar a leitura.
por elementos, mas também deve pensar cada um destes Daredevil onde o último quadrinho claramente se destaca,
elementos individualmente e as relações entre eles. ao contrário da página de Springer para a HQ Volunteer 2 A função fundamental da arte dos quadrinhos (tira ou
(figura 94), nela o tamanho dos quadrinhos não possui muita revista), que é comunicar idéias e/ou histórias por meio
diferença, conferindo a mesma importância a todos eles. Mas de palavras e figuras, envolve o movimento de certas
A organização dos quadros em uma página pode partir de
imagens (tais como pessoas ou coisas) no espaço. Para
uma estrutura pré-definida regular ou irregular, chamada este tamanho também pode representar sensações espaciais,
lidar com a captura ou encapsulamento desses eventos
de grid. No início das HQs era comum a utilização do que quadros estreitos para ambientes fechados e quadros largos no fluxo da narrativa, eles devem ser decompostos em
hoje denominamos de grid clássico ou simples que denota para espaços abertos. O próprio traçado do requadro carrega segmentos seqüenciais. Esses segmentos são chamados
uma disposição de quatro quadros do mesmo tamanho significado. O quadrinho cujas bordas são regulares determina de quadrinho (EISNER, 2002, p.38).
divididos igualmente na página (figura 92). Sua origem vem que a ação se passa no presente, a menos que o texto diga
das primeiras HQs, onde tiras de quadrinhos oriundas de o contrário. Um traçado mais sinuoso ou ondulado tende a Além do tipo de quadrinho, a relação entre os quadrinhos em
jornais eram organizadas no formato de revista. Quando expressar que a ação se passa no passado, que os eventos ali uma página e o espaço existente entre eles também carrega
Figura 92 Grid JANSON, 2002.

21 A palavra quadrinho, no singular, denota um quadro preenchido em uma página com uma imagem e/ou texto. A moldura do quadro sem conteúdo é chamada
de requadro.
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Figura 93 Figura 94
Sienckiewicz Daredevil Volunteer
MILLER, 1986. SPRINGER, 2004.
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(a direita) Figura 95 Sarjeta Branca DINI, 2007.

(a extrema direita) Figura 96 Sarjeta Preta SIENCKIEWICZ apud CHIARELLO, 1996.

informações narrativas. O espaço entre um quadro e outro é


conhecido como “sarjeta” (gutter no original), e é nele que ocorre
a maior participação do leitor na narrativa. O que acontece entre
um quadro e outro depende do que foi mostrado no quadro
anterior e no seguinte, mas depende também da largura da
sarjeta e da cor. Se em um quadrinho é apresentada uma pessoa
pondo a mesa e no seguinte a mesma pessoa sentada satisfeita,
o leitor entenderá que houve uma refeição neste intervalo. É no
limbo da sarjeta que a imaginação humana capta duas imagens
distintas e as transforma em uma única idéia (McCLOUD, 2005,
pg. 66). A conexão entre as imagens será feita na mente do
próprio leitor. A quantidade de tempo que se passa na sarjeta
é completamente variada e determinada pela história, podem
se passar minutos como o exemplo citado acima, podem se
passar segundos ou até eras. Para trabalhar esta passagem de
tempo o desenhista tem diversas opções, muitas na disposição
dos quadros, que discutirei no próximo parágrafo, e algumas no
que concerne a manipulação da sarjeta. Uma delas é aumentar
o espaço da sarjeta fazendo com que o leitor leve mais tempo
de um quadro a outro. Outra solução é mudar a cor da sarjeta,
que geralmente é branca (figura 95), ao torná-la preta (96), ou
seja, da mesma cor dos requadros, o desenhista torna a leitura
mais rápida. Essa manipulação também pode ser feita através
do formato ou da repetição dos quadros. Um quadro mais longo
tende a levar mais tempo para ser lido, bem como um mesmo
quadro repetido mais de uma vez comunica ao leitor a passagem
mais demorada do tempo. Manipulando o quadro e a sarjeta, as
possibilidades da linguagem visual das HQs se multiplicam.
108 109

(acima) Figura 97 Balões O’NEIL, 2001. (acima) Figura 98 Balão de Pensamento BENDIS, 2008. (a esquerda) Figura 99 Balão de Personagem CHIARELLO, 2004.

A participação do leitor em uma história em quadrinhos é ativa, estabelecidos pelo desenhista. Os balões (figura 97) são Alguns escritores pedirão para que você desenvolva uma
Adquiriu significado e passou a contribuir para a narração. À família tipográfica única e exclusiva para uma história ou um
sem sua atuação a narrativa não acontece. É ele quem vira as parte da linguagem pictórica dos quadrinhos e sua forma é medida que o uso dos balões foi se ampliando, seu contorno personagem específico. Este pode ser uma forma eficiente
páginas, quem conecta os quadros e que comanda o ritmo conhecida dos leitores que sabem identificar o tipo do balão passou a ter uma função maior do que de simples cercado de destacar tal personagem, mas o estilo da fonte precisa
da leitura. As opções que o quadrinista faz manipulando os com o tipo da mensagem. O mais comum desses balões é o de para a fala. Logo lhe foi atribuída a tarefa de acrescentar combinar com a personalidade do personagem, e não pode
elementos visuais de uma página ajudam a conduzir a leitura, fala, que apresenta o que o personagem diz, e é representado significado e de comunicar a característica do som à ser tão incomum visualmente a ponto de distrair o leitor da
tais como a disposição dos balões, o formato dos quadros, por uma elipse ou um círculo. Ele é ligado ao personagem narrativa (EISNER, 2002, p.27). história, ou torná-la difícil de ler. Os estilos das letras podem
a composição das páginas e o enquadramento dos quadros, que está falando por um triângulo curvo chamado de ser sutis como uma borda ligeiramente mais grossa ou uma
mas se o leitor não atuar, a narrativa não acontece. Por isso, “ponta” ou “cauda”. O balão de pensamento originalmente Além do formato dos balões e do texto dentro deles, a letra em uma forma alternativa do alfabeto usual. Ou eles
própria disposição dos balões é função do letrista, porém podem ser tão elaborados a ponto de ter um personagem
essas opções visuais na criação, desenvolvimento e montagem era representado por uma elipse com a borda ondulada,
em conjunto com o desenhista. Esta organização é parte melodramaticamente teatral falando através de uma fonte
da página são tão importantes, pois é possível contar uma como uma nuvem, cuja cauda era composta de elipses em floreada e com um estilo decorativo de um pôster de circo.
história com poucos ou muitos quadros, em muitas ou poucas tamanho decrescente em direção ao personagem. Na década do storytelling, como foi abordada anteriormente. O
Alguns exemplos são mostrados e você encontrará mais em
páginas, e cabe ao quadrinista decidir como fazê-lo. de 1980, com a prática de explorar mais os pensamentos texto dentro dos balões originalmente era escrito com seu gibi favorito, mas lembre-se de não abusar. Uma história
dos personagens e usar os mesmos para narrar as histórias, fontes semelhantes que estabeleceram um padrão e em que cada personagem possui um estilo diferente em sua
os letristas passaram a usar o balão de narrador também geraram diversas fontes conhecidas por nomes ligados fala pode ser um pesadelo para ler (KLEIN, 2004, p.99).
balões e onomatopéia aos quadrinhos, como, por exemplo, a Comic Sans, a
como o de pensamento. Apenas recentemente o balão de
pensamento original voltou a ser usado especificamente mais famosa delas. Com a evolução da linguagem dos Em alguns casos, e isto vem tornando-se cada vez mais
O balão nos quadrinhos é um recurso que busca captar a no título The Mighty Avengers (figura 98). Além desses três quadrinhos e a especialização do meio, o cargo de letrista comum desde a década de 1990, a fonte utilizada no gibi
fala e representá-la de forma gráfica. A onomatopéia ou mais característicos, existem diversos outros que buscam começou a ser ocupado por designers e por tipógrafos que de um artista renomado é feita a partir da escrita manual
o efeito sonoro faz a mesma coisa com o som. Ambos são representar diferentes tipos de dispositivos de comunicação passaram a empregar as mais diversas fontes e também do próprio artista. Isso remete ao início dos quadrinhos,
responsabilidade do letrista que, segundo Todd Klein, um ou fala como o balão de grito, com as bordas pontiagudas a criar famílias tipográficas para personagens e títulos. quando apenas uma pessoa cuidava de todas as partes do
dos primeiros a ser creditado pela função, é responsável por e irregulares, o de sussurro, com o contorno tracejado, o Estas fontes buscam revelar a identidade do personagem, processo e o desenhista letrerizava suas próprias histórias
colocar as palavras do escritor na arte do desenhista (2004, de rádio, com o contorno ondulado emulando eletricidade o que já é feito através do visual do mesmo, e tem e, sem treinamento tipográfico algum, acabava por sempre
p.83). Mas ele divide com o desenhista a responsabilidade estática, e até alguns criativos, como o balão de telepatia continuidade na fonte presente em seu balão, emulando a empregar sua própria escrita. Hoje, estas fontes são criadas por
de posicionar e muitas vezes até elaborar as onomatopéias. que não se conecta ao personagem e possui as bordas do voz e/ou a forma como ele fala. Isto acontece geralmente estúdios especializados em tipografia, alguns até trabalhando
Depois que toda a arte já está pronta, as páginas da HQ contorno vazadas. A forma e a linha de contorno do balão para o protagonista da história, para o grande vilão ou especificamente com tipografia para quadrinhos, que fazem
chegam ao letrista que é responsável por desenhar os sempre buscam representar as características dessa fala. até algum personagem mais importante (figura 99). Mas uma fonte digital a pedido do artista, e que depois poderá ser
balões, escrever os diálogos e onomatopéias e escolher ou dificilmente ocorre para todos os personagens de uma usada por qualquer letrista que venha a trabalhar em seu título.
criar as fontes a serem usadas nesse processo. Ele também Com o desenvolvimento do balão, ele também foi se HQ, pois a informação visual seria excessiva e por demais A figura 100 mostra dois exemplos dessa prática, o da esquerda,
organiza os balões na página, geralmente em espaços pré- aprimorando, e deixou de ter a forma de um requadro. dispersiva para o leitor. apresenta a fonte baseada na escrita manual do desenhista
110 111

Figura 100 Fontes STARKIINGS, 2001. Figura 101 Thump MIGNOLA, 2001.

Joe Madureira, e o da direita, a baseada na escrita do capista Além desses exemplos do uso de tipografia entre as funções Além da onomatopéia, quaisquer textos existentes nas páginas Outro indicativo de que o letrista por vezes faz o trabalho
Travis Charest. Ambas foram feitas pelo estúdio especializado do letrista também estão as onomatopéias, que são palavras e nos quadrinhos são função do letrista, a menos que elas de um designer gráfico, são os logotipos das revistas e
em tipografia e design para quadrinhos Comicraft. O estúdio usadas para representar algum efeito sonoro cujo visual sejam feitas por outros. Textos inseridos na composição dos personagens. Quando as revistas em quadrinhos surgiram,
foi fundado na década de 1990 por Richard Starkings, letrista auxilia nessa função. Elas são tratadas de forma semelhante a quadros como outdoors, letreiros de lojas ou quaisquer outras os logotipos eram criados por funcionários das editoras,
inglês com uma longa carreira no meio. logotipos com sombras, diferentes fontes e soluções gráficas, informações textuais em uma cidade, por exemplo, podem geralmente responsáveis pela impressão ou com algum
porém, elas muitas vezes servem para auxiliar a narrativa ser feitos pelo desenhista. Se isso ocorrer, eles passarão pelo contato com a parte gráfica do processo produtivo. Com a
Todas as preocupações de um designer gráfico ou tipográfo visual. Em inglês, a grande maioria das onomatopéias restante do processo como qualquer outro desenho, sendo entrada dos letristas no mercado para a assumir a função, a
ao diagramar um texto também existem em um balão: espaço utilizam a palavra relacionada ao som que ela representa. arte finalizados e coloridos. Caso eles não sejam feitos pelo criação ou remodelação dos logos passou a ser feita por eles.
entrelinhas, kerning, opções por caixa alta e baixa, viúvas e Por exemplo, a onomatopéia de uma chicotada é “whip”, que desenhista, cabe ao letrista acrescentá-los ao espaço deixado Hoje, as editoras costumam contratar estúdios especializados
alinhamento. Porém, a existência de alguns deles são menos em inglês significa chicote. A própria representação visual da pelo desenhista. O título da história e os créditos também em design e tipografia para cuidar de seus logos. A figura
problemáticos nos quadrinhos, como as viúvas e o alinhamento onomatopéia é condizente com o seu efeito sonoro na história. são criados e aplicados na página pelo letrista. Tanto os 11, já mostrada antes, apresenta as mudanças sofridas pelo
do texto, que nos balões de fala quase que exclusivamente é Letras grossas e blocadas são utilizadas para o som pesado de letreiros, outdoors quanto os títulos e créditos são criados logotipos da HQ do Batman, desde seu lançamento quando
central e nos balões de narrador alinhados à esquerda. Além um impacto, cuja palavra em inglês é “thump”, que significa como qualquer produção gráfica que envolva letras de forma ele ainda era feito por funcionários da empresa, até o
da fonte, a forma como o texto é escrito ajuda o entendimento pancada (figura 101). Letras finas e tremidas são para um grito semelhante a criação de um logo. A opção pela fonte, a número 9, e o criado por Chip Kidd na década de 1990 para o
do leitor. Recursos como negrito, itálico e o tamanho da fonte fantasmagórico e assustador (KLEIN, 2004, p.95). Expansivas e preocupação com a organização e a utilização do espaço, bem personagem, número 10, e o mais recente de todos.
podem auxiliar a caracterizar uma frase ou uma fala. grandes para uma explosão ou um impacto muito forte, como como a legibilidade e a estética também são pontos relevantes
mostra a figura 102, e assim por diante. neste trabalho. Uma complicação para o letrista é ter que Em 2005, a DC Comics realizou uma remodelação em seu logo,
Variando o estilo, tamanho e a espessura das letras é possível realizar essa criação sobre uma página já preenchida que pode que era o mesmo desde a década de 1970. A história do logo
sugerir tipos de discurso. Pra mim ISTO É UM GRITO, ISTO É UM Onomatopéias são invenções visuais que você pode ou não estar preparada para receber sua criação. No exemplo da editora começou em 1940 quando apareceu pela primeira
SUSSURRO, isto é uma frase tensa, esta palavra é pronunciada improvisar como louco. Não há certo e errado, mas existem da figura 103, o letrista uniu os créditos a imagem, dispondo- vez em uma edição do Batman composto apenas pelas letras
com ênfase, um pouco mais alto do que o normal. Antes era algumas variações com as quais você pode improvisar,
uma prática comum dos editores rechear os balões de palavras os na placa da lanchonete mostrada nesta página. Os números “DC”. O logo passou por algumas pequenas mudanças desde
incluindo altura, geralmente indicada pelo tamanho, pela
em negrito, muitas vezes sem se preocupar com o conteúdo grossura das letras, inclinação e pontos de exclamação, de página também podem ser feitos pelo letrista que, como já sua criação, até que na década de 1970, a editora contratou
do diálogo. A idéia era de oferecer algo interessante para timbre, a qualidade do som, sua textura, ondulação, agudeza foi dito, acaba atuando também com a finalização gráfica da Milton Glaser para reformular seu logo. Glaser é um dos mais
o leitor visualmente – para variar a presumida monotonia e etc. Associação, o estilo da fonte e sua forma podem edição, ou seja, como um designer responsável pela publicação famosos designers gráficos americanos, tendo trabalhando em
do letreiramento comum. Pode ter havido algo válido nesta remeter ou imitar a origem do som e integração gráfica, que que cuidará da finalização da mesma acrescentando os títulos, inúmeros projetos. Ele é conhecido por sua prolífica produção
teoria, mas quando palavras ilógicas eram enfatizadas, a são considerações puramente relacionadas ao design como créditos, números de página e quaisquer outras informações de capas de livro, por cartazes e publicações diversas como
prática causava mais danos à qualidade literária e narrativa a forma, a linha e a cor – assim como o efeito interage com
do trabalho do que benefícios (O’NEIL, 2001, p.20). necessárias ao gibi. Em muitos casos, os letristas ainda são New York Magazine, fundada por ele. O resultado, que teve
a imagem (McCLOUD, 2006, p.147).
responsáveis por finalizar o contorno e a borda dos quadros. sua estréia em 1976, foi um logo forte, utilizando uma fonte
angulosa e com as letras “DC” dentro de um círculo cujas bordas
112 113

(acima e a esquerda) Figura 104 Bullet DUIN, 1998.

(acima e a direita) Figura 105 Novo DINI, 2008.

azuis possuem quatro estrelas brancas (figura 104). O logo, que


ficou conhecido como the bullet (a bala) por se assemelhar a
base de um projétil, marcou a editora e permaneceu em uso
até 2005, quando foi substituído por uma versão criada por
Josh Beatman do estúdio Brainchild (figura 105). A razão
para a remodelação, além da modernização natural do visual,
foi a necessidade de uma marca que pudesse ser usada em
diversas mídias. Quando Glaiser criou o antigo logo, o único
produto da editora eram revistas em quadrinhos e artigos de
merchandising, que podiam acomodar o logo sem alterações
em suas embalagens. Hoje em dia a editora estampa seu logo
em muitos produtos e em diversas produções, inclusive em
filmes e desenhos animados. Assim, ela julgou precisar de um
logo que servisse a todas as mídias e procurou um estúdio
de design para remodelação. O logo é mais dinâmico que o
anterior, apesar de não ter a mesma força, possui uma fonte
mais curvilínea que a anterior e mais suave. O círculo foi
mantido, mas ele é apresentado na diagonal e sem envolver
o nome, e apenas uma estrela completa o logo. Apesar de ter
contratado um estúdio de design para retrabalhar seu logo,
a DC Comics costuma utilizar seus letristas para cuidar dos
logos internos, sejam de revistas ou de personagens.

Dos recursos exclusivos da linguagem dos quadrinhos, o balão


e a onomatopéia são dois dos mais característicos e únicos
do meio. Além de serem dois elementos gráficos e visuais
da linguagem, eles também são empregados no storytelling,
como veremos mais adiante.

(a esquerda) Figura 102 Choom JOHNS, 2008. (acima) Figura 103 Letreiro Thor JOHNS, 2008.
114 115

Tempo, enquadramento e composição

Também é opção do quadrinista manipular as soluções visuais o leitor está representa o presente (McCLOUD, 2005, p.104). dificilmente ele mostrará uma ação inteira, mas fará uso dos
de layout para melhor exprimir o que a história tem a contar, Todos os quadros que antecedem este são passado, e aqueles quadros para fragmentá-la e contá-la ao leitor em menos espaço
e entre estas opções, uma das mais importantes e eficientes que estão depois dele são o futuro. Mas nos quadrinhos, do que ela provavelmente tomaria em termos reais. Eisner, figura
é a manipulação do tempo e do ritmo na narrativa. Contar em uma mesma página, o leitor pode ver todos os quadros, 107, estabelece um exemplo onde um casal chega separado a
uma ação visualmente permite que o desenhista trabalhe a fixando-se no agora, mas captando também o passado e um carro e o toma para seguir caminho juntos (2002, p.39). Para
passagem do tempo da forma que achar mais condizente com futuro. O quadrinista pressupõe que a leitura se dará sempre a representar esta cena inteira, o quadrinista poderia mostrar os
a história e com o objetivo que ele queira atingir. Ele pode ser caminho do futuro, lendo os quadros um atrás do outro, mas dois personagens indo em direção ao carro, se encontrando nele,
mais realista ao representar a passagem do tempo, ou pode o leitor pode simplesmente olhar para o lado e verá os quadros entrando, e depois saindo com ele, mas precisaria de pelo menos
manipular essa passagem para valorizar ou explorar melhor a passados, “quebrando” assim a ordem desejada de leitura. Por quatro quadros, se considerarmos que ele conseguiria mostrar
ação, o que é chamado de timing (figura 106). isso, as opções de formato de quadros e a disposição deles lado ambos indo para o carro no mesmo quadro. Se esta for uma (acima) Figura 106 Timing EISNER, 2002.
a lado deve ser cuidadosa para não “perder” o leitor durante a cena principal, ele pode valorizá-la usando muito mais do que
A habilidade de expressar tempo é decisiva para o sucesso história, bem como a imagem dentro do quadro. quatro quadros, mas se não for, ele tem que ser capaz de contá-
de uma narrativa visual. É essa dimensão da compreensão
la com a menor quantidade de quadros possível. Para tanto, ele
humana que nos torna capazes de reconhecer e de Quando aprendemos a ler quadrinhos, aprendemos a deve escolher o que mostrar, ou seja, qual parte dessa seqüência
compartilhar emocionalmente a surpresa, o humor, o perceber o tempo espacialmente, pois nas histórias
terror e todos no âmbito da experiência humana. Nesse melhor representaria toda a cena. A opção de Eisner neste caso
em quadrinhos, tempo e espaço são uma única coisa. O
teatro da nossa compreensão, o narrador gráfico exercita específico é pelo momento em que o casal chega no carro. Se
problema é que não há diagrama de conversão. Os poucos
sua arte. No cerne do uso seqüencial de imagens com centímetros que nos transportam de segundo para segundo ele decidisse mostrar o antes, caso os personagens não tivessem
o intuito de expressar tempo está a comunidade de sua numa seqüência podem nos levar por centenas de milhões sidos apresentados, ou não tivesse sido caracterizada uma relação
percepção. Mas, para expressar o timing, que é o uso dos de anos em outra. Assim sendo, como leitores, nós temos entre eles, o leitor não compreenderia que eles estão se dirigindo
elementos de tempo para a obtenção de uma mensagem a vaga sensação de que, movendo-se pelo espaço, nossos para o mesmo carro, ou nem mesmo que eles estão se dirigindo
específica, os quadrinhos tornam-se um elemento olhos estão se movendo pelo tempo – só não sabemos
fundamental. Uma história em quadrinhos torna-se “real” para um carro. Se ele optasse por enquadrar a terceira imagem,
quanto (McCLOUD, 2005, p.100).
quando o tempo e o timing tornam-se componentes não ficaria claro que o casal acabou de se encontrar e entrou no
ativos da criação (EISNER, 2001, p. 26). carro, o leitor poderia entender que eles já estavam no carro. Por
O elemento básico em uma página de quadrinhos para a
isso, a segunda imagem da seqüência, neste caso, é a ideal.
manipulação do tempo é o quadro. Ele é o instrumento de divisão
As histórias em quadrinhos são um meio único na forma
do tempo e age como um indicador desta fragmentação de uma
como lida com o tempo, pois o faz manipulando-o através do O quadrinista pode também, caso ele tenha espaço para fazê-
ação ou evento (McCLOUD, 2005, p.99). A forma como o quadrinista
espaço, utilizando a página, os quadros nela distribuídos e as lo, apresentar uma seqüência em mais quadros. Neste caso
decide representar uma passagem do roteiro visualmente envolve
imagens que compõem estes quadros e a relação entre elas. ele deve optar por quais partes da ação mostrar. É importante (abaixo) Figura 107 O que mostrar EISNER, 2002.
a opção do que mostrar no quadro e como mostrar. Isso porque
Nos quadrinhos como no cinema ou na televisão, o quadro que
116 117

considerar o entendimento e a compreensão do leitor e Essa mudança do ponto focal pode ser controlada guiando
escolher os quadros que melhor a representem, mas também o leitor pela página. É claro que não é uma regra e que,
é importante pensar quais quadros carregam mais emoção. dependendo da história, o quadrinista pode construir os quadros
No exemplo a seguir, figura 108, Eisner desenhou a ação em como achar melhor, mesmo que isso signifique trabalhar com
três quadros e, do lado direito, indicou os demais momentos pontos focais seguidamente no mesmo local dependendo da
que compõe a totalidade dessa ação. Nele é possível ver os necessidade. Mas esta variação pode ser empregada para tornar
quadros-chave, que são aqueles capazes de contar a história, a leitura mais dinâmica e auxiliar a narrativa. No exemplo da
e os intermediários. Aqui, uma ação que poderia levar até uma figura 109, Steranko compõe os quadrinhos para conduzir o
hora, ou mais, é contada em alguns segundos. olhar do leitor. O segundo quadrinho possui uma orientação
diagonal para baixo, indicada pelo punho cerrado do homem
Outra estratégia utilizada pelos quadrinistas para manter no segundo plano. Essa orientação leva a base do terceiro
a atenção do leitor “presa” na página é variar o ponto quadrinho, que por sua vez tem uma composição diagonal
focal de cada quadrinho em uma seqüência, o que é para cima, indicada pela mão que leva ao quarto quadrinho
chamado de eye movement (que pode ser traduzido cuja cabeça do personagem forma uma diagonal para baixo. A
como a movimentação do olhar). Existe uma teoria em mesma sequencia se repete nos quadrinhos 5, 6 e 7.
quadrinhos que diz que o interesse do leitor em uma
página pode ser medido pela movimentação de seus Essas opções constituem a base da narrativa, pois é a partir
olhos ao lê-la (JANSON, 2002, p.90). Obviamente que delas que esta é composta. Porém, a simples opção por qual
não há dados científicos ligados a isso, mas meramente parte da ação mostrar não constitui o todo, pois existe ainda
uma intencionalidade do quadrinista de tornar a leitura a possibilidade do quadrinista manipular essa apresentação
mais dinâmica através da variação do ponto de interesse de acordo com a necessidade ditada pela história. Ao
em cada quadrinho. Assim, se em uma seqüência de três manipular o tempo em uma determinada seqüência, ele
quadros o ponto focal estiver sempre no meio de cada deve auxiliar o leitor a entender e identificar essa passagem
quadrinho e a imagem, conseqüentemente, for trabalhada de tempo, a menos que sua intenção seja confundi-lo. No
a partir disso, ela será menos interessante do que se os exemplo à seguir, figura 110, os elementos apresentados
pontos tivessem variações. Nela os pontos representam o no quadro são familiares a qualquer leitor, pois tratam de
Figura 108 Sequência EISNER, 2002. foco de cada quadrinho. A primeira linha de quadrinhos é uma conversa. Isso torna mais fácil para ele determinar a Figura 109 Steranko Eye Movement CAPUTO, 2003.
mais monótona do que a segunda e a terceira. duração desta seqüência. No primeiro e no último quadro
118 119

existem falas, o que torna fácil a identificação da passagem Chamarei de linguagem todas as opções visuais do autor,
do tempo. O quadro do meio, que na ação é o de pausa, não sejam de estilo, soluções gráficas ou formas de representação.
tem nenhuma indicação aparente, mas por estar entre os Tzevetan Todorov define que a linguagem é a matéria do poeta
outros dois é facilmente entendido como alguns segundos, ou da obra (2003, p. 54), podemos traçar uma analogia e dizer
pois ele é o único sem balão e isso torna sua leitura mais que a linguagem é aqui definida como a matéria do autor.
rápida. Caso o quadrinista quisesse manipular esta pausa, ele Portanto, toda solução visual empregada por ele faz parte de
poderia reproduzir o quadro de pausa mais vezes, e isso faria sua linguagem.
com que o leitor, ao ler mais de uma vez o mesmo quadro,
entenda a repetição do momento. Ou poderia manipular com
Ilustração ou cartum?
a sarjeta, aumentando a distância entre os quadros e fazendo
com a leitura seja mais demorada, indicando ao leitor que a
passagem de um quadro para o outro não é comum. Ou ainda O desenho nos quadrinhos é uma das bases da narrativa
poderia explorar o formato do quadro tornando-o maior do visual, e é através dele que o roteiro é transformado
que os demais fazendo com que o leitor levasse mais tempo visualmente em uma HQ. Mas basta folhear algumas revistas
para lê-lo e entendesse que mais tempo em quadrinhos para se perceber a diversidade de estilos e
linguagens nos mais diferentes títulos. Nos quadrinhos,
Além das opções relacionadas a passagem do tempo e do um desenho pode ser classificado, de acordo com Scott
que mostrar no quadro, o quadrinista deve escolher como McCloud, dentro de um escala que vai do cartum ao realismo
fazê-lo. Já que dificilmente ele vai mostrar uma ação inteira, dependendo do seu nível de abstração (figura 111). Esta
ele deve escolher o que mostrar e como mostrar. variação tem o desenho realista como ícones que mais se
aproximam da representação da realidade (figura 112),
e no extremo oposto, o cartum, que, em sua abordagem
A arte dos quadros mais extrema, simplifica ao máximo a imagem, eliminando
detalhes e concentrando nas características gerais (figura
113). O desenho realista opta por mostrar características
No que concerne as opções dentro do quadro, vou considerar específicas de forma trabalhada e habilidosa a ponto de
duas, a arte, ou seja, o desenho, a arte-final e a cor; e a se confundir com o objeto representado. O cartum escolhe
composição e o enquadramento. O texto, através dos balões e mostrar características gerais de forma universal, reduzindo
onomatopéias, será considerado parte da composição. a imagem quase ao seu significado puro. Figura 110 Tempo McCLOUD, 2005.
120 121

Figura 111 Escala McCLOUD, 2005.


(abaixo) Figura 112 Realismo DINI, 2005.

(a esquerda) Figura 113 Cartum WATTERSON, 2006.

Cada artista possui uma abordagem variando dentro desta exploração. E o último grupo, os iconoclastas, cujo compromisso
escala, mas há mais na linguagem do que simplesmente a forma principal é com a representação da realidade crua e da forma
como o artista representa a realidade. Scott McCloud, ao buscar mais verdadeira possível. Esta abordagem remete mais a
uma classificação para o estilo de arte de um quadrinista, temática de suas histórias do que a representação gráfica, mas
definiu quatro grupos em que, segundo ele, basicamente eles tendem a ter linguagens que representam bem sua visão de
todos os artistas podem ser encaixados, e alguns possuem mundo. McCloud define estes grupos, de forma análoga, como
características de mais de um dos grupos (2006, p.230). Para fogueiras onde os quadrinistas se reúnem em volta, e explicita
definir esses grupos, ele enumera uma coleção de valores para o fato de que a maioria dos artistas busca ter um pouco de
cada um. O primeiro, que ele chama de classicistas, em alusão cada um dos grupos, mas que em quase todos os casos, é
ao movimento de arte, é o grupo dos artistas cuja preocupação possível distinguir qual destas fogueiras brilha mais, ou seja, a
primordial é com a beleza estética de sua arte e com a extrema qual grupo ele se remete mais, e a qual destas fogueiras ele
habilidade técnica. Estes possuem uma tradição de excelência raramente ou nunca vai (2006, p.232). E que, por isso, é comum
e domínio das técnicas do desenho e, muitas vezes, também encontrar características de dois grupos em um só artista. Essa
da arte-final. Seu objetivo é produzir arte que sempre será classificação de McCloud engloba não só a linguagem visual de
apreciada, atemporal, e sua busca será sempre em direção um quadrinista, mas também sua capacidade narrativa como
a perfeição dos traços precisos e formas bem construídas. um storyteller. É importante ressaltar que qualquer sistema de
O segundo grupo, é denominado de animistas, que remete a classificação de arte, por si, só pode ser visto como reducionista,
doutrina filosófica e científica de animar o inanimado, de dar e muitas vezes o é, mas neste caso, não há qualquer objetivo
alma a alguma coisa. Seu foco principal é no conteúdo de de taxar os quadrinistas, e sim auxiliar a análise que será feita.
suas criações muito mais no que na forma. Sua habilidade Obviamente que os artistas classificados a seguir são mais do
está a serviço do propósito e eles acreditam que se a força da que a soma de suas virtudes, mas para efeito desta análise, me
história e dos personagens for passada, nada mais importará concentrarei nestes quatro grupos.
(IBID., p.230). O terceiro grupo, chamado de formalistas, é o dos
quadrinistas adeptos da exploração das possibilidades da forma Assim, tomarei alguns exemplos para aplicá-la e melhor
dos quadrinhos. Seu objetivo é testar possibilidades de todos entendê-la e depois analisarei Frank Miller, autor do objeto de
os tipos buscando compreender este potencial. Eles se dispõem análise deste estudo. Alex Toth, conhecido por suas criações
a colocar a história e a técnica em segundo plano em prol da visuais para o estúdio de animação Hanna-Barbera, trabalhou
122 123

(a direita) Figura 114 Toth DUIN, 1998.

(a extrema direita) Figura 115 Eisner Invisible EISNER, 2002.

muito tempo nos quadrinhos em diversos títulos. Entre seus por suas publicações sobre o tema, denota algumas
trabalhos mais famosos estão sua passagem pela DC Comics características de um formalista, mas em menor escala,
desenhando personagens como The Flash e Green Lantern principalmente porque suas explorações se concentram na
(Lanterna Verde), e sua adaptação de Zorro (figura 114) para narrativa mais do que na forma em si.
os quadrinhos. Alex Toth possui um traço cartunizado, e sua
preocupação primordial sempre foi com a história em primeiro Jack Kirby, por outro lado, é completamente animista. Com uma
lugar. Mas ele era um desenhista habilidoso que jamais produção nos quadrinhos inteiramente dedicada aos super-
descuidou da forma. Ele seria um animista com preocupações heróis, Kirby foi um pioneiro nas soluções narrativas durante a
de um classicista, contanto que estas preocupações não década de 1960 e 1970. Sua arte e técnica existem em função
interferissem na história. da história, e todas as soluções narrativas que ele desenvolveu,
assim como as de Eisner, foram sempre em prol das histórias.
Will Eisner, de quem muito já foi dito, é um dos principais Sua linguagem visual é bastante gráfica, pouco rebuscada e
nomes da história dos quadrinhos. Sua tira e depois revista completamente objetiva. Suas tentativas e sucesso em tentar
The Spirit, publicada na década de 1940, foi laboratório representar graficamente conceitos abstratos como poder e
de muitas criações que até hoje são utilizadas pelos energia (figura 116) são recursos utilizados por quadrinistas
quadrinistas. E criou as graphic novels como elas são até hoje (SCHUMER, 2003, p.72).
conhecidas, como Invisible People (figura 115). Para ele,
assim como Toth, a história está em primeiro lugar, mas Já Robert Crumb, ícone do movimento underground dos
sua técnica e preocupação com o visual são inegáveis. Ele quadrinhos da década de 1960, é um iconoclasta. Sua
também é um animista com traços de um classicista. Mas preocupação é com a representação crua da realidade
sua preocupação com a forma, como é bem evidenciada caracterizada por sua visão satírica da sociedade americana.
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(a direita) Figura 117 Crumb ROSEKRANZ, 2008.

(acima) Figura 121 Spiegelman DUIN, 1998.

O traço de Crumb (figura 117) é um símbolo da arte Seu traço realista trouxe uma gama de emoções humanas
(a esquerda) Figura 116 Kirby Power SCHUMER, 2003. underground, finalizadas com canetas nanquim baratas, com diferentes dos padrões do meio até então. Adams é a definição
muitas hachuras e sombras pesadas. Sua representação das do classicista com traços de animista.
(abaixo) Figura 118 Steranko Cap SCHUMER, 2003.
figuras é caricatural e crítica.
Bill Sienkiewicz, quadrinista que ficou famoso na década de
Jim Steranko foi um dos símbolos da ressurreição dos 1980 pelos trabalhos com os personagens Batman, Moon
quadrinhos durante a Era de Prata desenhando Nick Fury, Knight, Daredevil (figura 120) e Elektra, segue a linha de
Agent of S.H.I.E.L.D.. Desenhista oriundo da ilustração Steranko. Ilustrador e pintor, Sienkiewicz experimentou
publicitária, Steranko trouxe para os quadrinhos uma técnica diversas técnicas nas páginas que desenhou.
apurada e soluções oriundas da arte, de movimentos como,
por exemplo, o surrealismo, a op art e a pop art. Com sólidas Art Spiegelman, que surgiu como um quadrinista underground
noções de design gráfico, ele explorou o layout da página de na década de 1960 e depois se consagrou com o já citado Maus
forma inovadora. Ele fundiu os conhecimentos de um designer na década de 1980, é um dos patronos dos formalistas (IBID.,
gráfico com uma abordagem de ilustração no meio do p.233). Suas experimentações com a forma em suas publicações
storytelling seqüencial (IBID, p.137). Steranko é um classicista, underground, como a revista RAW (figura 121), trouxeram
possui traços dos formalistas no que concerne as soluções de diversas inovações para o meio. Porém, sua preocupação com
organização de página e layout, mas sua característica mais a cuidadosa representação da realidade, seja da sociedade
marcante é a preocupação técnica (figura 118). americana em seus quadrinhos underground e os publicados
depois de Maus, ou dos judeus e alemães durante a Segunda
Neal Adams, como Steranko, foi instrumental na recuperação Guerra, o classificam também como um iconoclasta.
do meio pós-código de censura. Recém-chegado do mercado
publicitário, Adams desenhou personagens importantes na A arte de Dave McKean, já citado ilustrador, fotógrafo, escultor
DC Comics como Batman (figura 119) e depois Green Arrow e designer, combina experimentações dos formalistas com a
& Green Lantern. Sua linguagem de anatomia dinâmica e busca pela excelência visual dos classicistas (figura 122).
impressionantemente real foi um marco nos quadrinhos.
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(a direita) Figura 119 Adams O’NEIL, 2004.


(acima) Figura 120 Sienkiewicz MILLER, 1986.
128 129

(a direita) Figura 122 McKean MORRISON, 1987.

(a extrema direita) Figura 123 Mignola MIGNOLA, 1998.

Mike Mignola, criador de Hellboy (figura 123), construiu experimentação da forma dos quadrinhos. Suas edições variam
sua arte sempre preocupado em submetê-la a história, o de formato e tamanho e contém histórias de diferentes estilos
que o caracterizaria como um animista. Porém, seu estilo e linguagens. Mesmo sua graphic novel explora bastante
gráfico de sombras pesadas e largas áreas chapadas, e suas a forma, com grandes seqüências sem texto e páginas cujo
experimentações com layouts e soluções visuais demonstram objetivo é a composição gráfica. Sua arte geométrica e precisa
traços dos formalistas. é eclética e reflete seu interesse na arte americana e no design
gráfico do século XX. Ware possui traços dos iconoclastas, pois
Alex Ross inaugurou uma nova categoria de artistas nos suas histórias exploram a vida real.
quadrinhos, o pintor de quadrinhos. Com uma arte foto-
realista, Ross surgiu na década de 1990 com a série Já Frank Miller, autor do objeto de estudo desta dissertação,
Marvels abordando o início do universo Marvel, mas foi e cuja história é contada com mais detalhes no capítulo
na DC Comics trabalhando com os principais personagens dois, é um animista. Sua grande preocupação é a história e
da editora que ele se consagrou (figura 124). Apesar de ser a forma de contá-la. Quando ele entrou nos quadrinhos, sua
também escritor, o foco de Ross como artista é na qualidade arte ainda estava em desenvolvimento, ainda era bastante
visual da arte, cada quadro de uma página é como uma classicista, pois remetia muito aqueles que o inspiraram.
pintura, o que faz dele um classicista. Porém, ele gradativamente foi migrando para uma linguagem
mais gráfica e objetiva, concentrando-se primordialmente na
Chris Ware, que surgiu nos quadrinhos no fim da década história e na narrativa. Ronin (figura 126) foi um momento
de 1980, mas se destacou pela criação de The Acme Comics de experimentação técnica combinando influências da arte
Library, publicada pela Fantagraphics Books em 1993 e já está oriental e européia. Em Batman The Dark Knight Returns
na sua décima oitava edição, e pela inovadora graphic novel (figura 127), ele iniciou sua caminhada rumo a uma maior
Jimmy Corrigan, the Smartest Kid on Earth (figura 125), Ware estilização, passando a construir corpos mais angulares e
é um dos principais formalistas nos quadrinhos atuais. Sua usando sombras mais pesadas em suas composições. Esta
revista, The Acme Comics Library, é dedicada exclusivamente a linguagem se solidificaria e se estabeleceria em Sin City (figura
130 131
132 133

(página anterior) Figura 124 Ross DANIELS, 2001.

(acima) Figura 125 Ware MELNICK, 2005.

(a direita) Figura 126 Miller Ronin MILLER, 1987.

(a extrema direita) Figura 127 Miller DKR MILLER, 1986.


134 135

Figura 128 Miller Sin City MILLER, 1996.


136 137

128), onde a arte em preto e branco e de contraste exagerado opção, o quadrinista passa a considerar o roteiro em cenas e
tornou-se sua marca e caracterizando um estilo único para não mais em páginas, isso porque a colorização assume um
ele. Sua exploração classicista foi escrava de sua preocupação caráter informacional. No exemplo abaixo, figura 129, a cor
animista e cada vez mais ele busca referências cartunescas auxilia o leitor a entender onde a cena se passa. Quando a ação
para compor sua linguagem. ocorre dentro da sala, a colorização é esverdeada. Quando
acontece fora, ela é azulada.
Com a passagem dos anos, eu me vejo mais e mais apaixonado
por coisas que se assemelham a cartunização exagerada. Eu
Além de estabelecer um guia de cores através das páginas,
quero que o suor das pessoas voe de suas cabeças quando
elas estiverem nervosas. Isso é algo que os quadrinhos a cor pode também ajudar a dar foco a um quadrinho
podem fazer (MILLER in BROWNSTEIN, 2005, p.39). destacando planos e personagens. E por fim, a cor
complementa o desenho e por isso, deve dialogar com a
Todas essas etapas, a criação das páginas à lápis, a arte- linguagem do artista. Qualquer sombra deve ser linear,
finalização à nanquim e a colorização digital, na maioria das gráfica e não muito rebuscada (CHIARELLO, 2004, p.31).
vezes, são ditadas pela linguagem do artista, sendo ele uma Enquanto páginas desenhadas por artistas detalhistas, com
pessoa só responsável por todas as etapas, ou mais de uma, onde muitas hachuras e adeptos de linhas intensas requerem uma
geralmente impera o estilo do desenhista, a menos que alguém colorização altamente renderizada e detalhista, explorando
mais conceituado ocupe alguma das duas outras posições. assim todas as suas características. Obviamente que nem Figura 129 Narrativa por Cor MILLAR, 2002.
todos os quadrinhos são coloridos, muitos são em preto e
cor branco, seja por opção criativa ou debilidade financeira. A
forma como ambos são trabalhados difere muito em termos
A cor também é um elemento importante do storytelling que, se de processo, pois no quadrinho preto e branco, geralmente, a
usado de forma consciente, pode ajudar o leitor a ler a história. arte final é o último passo que a imagem sofre e também em
A cor como elemento narrativo e não simplesmente como termos de resultado final para o leitor.
complemento da arte é um poderoso aliado do quadrinista ao
A diferença entre quadrinhos em preto e branco e em cores
contar uma história. Ela pode ser usada para colorir as coisas
é profunda, afetando cada nível da experiência de leitura. Em
como elas são e, dessa forma, apenas traduzir as informações preto e branco, as idéias por trás são comunicadas de maneira
básicas do que está sendo mostrado em uma página, ou pode mais direta. O significado transcende a forma. Em cores planas,
ser usada para comunicar melhor a história. Nesta última as formas assumem mais significância. O mundo torna-se
138 139

um playground de forma e espaço. E, através de cores mais a quantidade de quadros em cada página, a disposição dos do thumbnail não é engessar o processo, mas sim ajudar a
expressivas, os quadrinhos podem transmitir sensações que elementos em cada quadro e o posicionamento dos balões e guiá-lo. É comum mudanças acontecerem na passagem de
só a cor é capaz de proporcionar (McCLOUD, 2005, p.192). onomatopéias. A principal razão para a universalidade desta uma página em thumbnail para seu tamanho final, mesmo
prática é a facilidade que os thumbnails oferecem para que porque existe uma diferença entre um sketch e um desenho
O storytelling depende de todos esses elementos, e como o quadrinista visualize a página como um todo, e a relação finalizado, assim como existe entre o projeto e o produto
muitos sistemas de comunicação, ele é mais do que a soma desta com as demais, podendo até ter um entendimento de final, mas esta diferença, se o processo for respeitado, pode
de suas partes, pois depende principalmente, da forma como todo o gibi. É muito mais fácil ter esse controle com versões ser uma evolução da idéia inicial. No exemplo (figura 130), as
eles são usados e combinados. O processo de produção de reduzidas das páginas do que com elas em tamanho natural, duas primeira imagens da esquerda mostram os thumbnails
uma história em quadrinhos nada mais é do que a montagem além de ser mais rápido e prático de se trabalhar layouts de de Juanjo Guarnido para uma página de Blacksad. No
de uma história contada visual e textualmente. O sucesso das alguns centímetros ao invés de páginas inteiras. Se um dos primeiro, o traço é solto e livre, mais preocupado em planejar
soluções usadas pelo quadrinista dependem do planejamento objetivos do storytelling é conduzir o olhar do leitor através os espaços do que definir as imagens dos quadrinhos. A
realizado por ele. Muito do storytelling é resolvido na parte do layout da página e da organização de seus elementos, ter imagem seguinte mostra um segundo thumbnail já mais
inicial, no planejamento das páginas. Grande parte dos uma visão geral da mesma é sempre benéfico. Em muitos definido e com os quadrinhos mais resolvidos. O quadrinista
quadrinistas começa a elaborar uma página visualmente casos, se o artista e o roteirista são a mesma pessoa, o alterou o ângulo do quadrinho maior e direção da cabeça do
através de sketches pequenos das próprias páginas chamados quadrinista opta por escrever e trabalhar o layout ao mesmo personagem no quarto quadrinho. A página finalizada a lápis
de thumbnail. Nestes sketches de planejamento ele estabelece tempo, desconsiderando o roteiro tradicional. O objetivo aparece na figura 131, e a versão final da mesma na 132.
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(acima) Figura 130 Thumbnail CANALES, 2005. (acima) Figura 131 Lápis Final CANALES, 2005.

(a direita) Figura 132 Página Final CANALES, 2000.


142 143

Figura 133 Splash STARCZIINSKY, 2007.

Trabalhar a partir do thumbnail permite que o quadrinista não funciona como uma porta de entrada na história, mas
decida como organizar as páginas em termos da quantidade sim para ilustrar uma parte dramática da história que pode
de quadrinhos por página, pois ao ter uma visão geral da beneficiar-se de uma página inteira (IBID).
HQ ele pode balancear esse uso. Um recurso à disposição é
a página splash, que pode ser dupla ou individual. A página Existem também as páginas duplas que podem conter um
splash consiste em uma página inteira sem quadrinhos com splash duplo ou quadrinhos contínuos. No primeiro caso,
apenas uma grande imagem, mais ou menos como um pôster funciona como uma splash normal, porém o resultado é muito
(figura 133). Ela pode contar com balões e onomatopéias, mas mais dramático pela amplitude do espaço (figura 134).
geralmente não com quadrinhos. Existem casos de páginas
splash com um ou dois quadrinhos inseridos, mas essa solução No segundo caso (figura 135), o quadrinista pode compor
diminui o impacto, que é o propósito principal desse artifício. a organização dos quadros considerando duas páginas ao
Existem dois tipos de página splash, a no começo do gibi e a invés de uma. Isso oferece uma gama de novas possibilidades,
no interior dele. A página de abertura de uma HQ geralmente mas pode também desnortear o leitor. O layout pode ser
é um splash, que ainda pode conter o título da história e os pensado de forma contínua com os quadrinhos seguindo
créditos (JANSON, 2002, p.77). Nos primórdios dos quadrinhos, de uma página para outra na horizontal, ou podem seguir
ela sempre era usada na primeira página para capturar a sua estrutura de leitura normal, mas ambas as páginas
atenção do leitor, o que não mudou, mas não é incomum que devem funcionar juntas. O perigo aqui é usar esse elemento
o quadrinista postergue a aparição da página splash até no inadvertidamente, especialmente se as páginas seguintes
máximo a quarta página da HQ para assim valorizá-la. Quando voltarem ao layout de uma página só, pois o leitor pode
ela é usada no interior do gibi, sua função e composição é tentar ler novamente as páginas como se fossem duplas, o
outra. Ela não possui o título da história nem os créditos e que certamente não funcionará.
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(abaixo) Figura 135 Splash Duplo 2 JOHNS, 2008.

(acima) Figura 134 Splash Duplo McFARLAINE, 1996.


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Figura 136 Kubert Pg. 1 JOHNS, 2008.


Figura 137 Kubert Pgs. 2 e 3 JOHNS, 2008.
Para melhor exemplificar todas estas soluções citadas,
olhemos uma seqüência do gibi Action Comics Annual #11
escrito por Geof Johns, roteirista de quadrinhos, Richard
Donner, o cineasta diretor de filmes como Superman I e II,
Goonies e Lethal Weapon (Máquina Mortífera), e desenhado
por Adam Kubert. Na primeira página (figura 136) do gibi, o
layout é bem cinematográfico em termos de organização de
página, com quadros longos horizontalmente. As imagens
mostram closes de jornais e já apresentam os créditos de
forma gradual distribuindo-os pelos quadrinhos. Ao virar a
página o leitor se depara com um splash duplo apresentando
a cidade, funcionando como um grande estabilishing shot que
ainda contém o restante dos créditos e o titulo da história
(figura 137). Continuando com splashs duplos visando não
desnortear o leitor e fazer uso da dramaticidade que este
recurso oferece, Kubert organiza os quadros nas páginas 4 e
5 do gibi (figura 138). O layout é livre (free form) e faz uso de
formas irregulares nos quadrinhos. Nas páginas seguintes o
quadrinista mantém o uso de páginas splash duplas, porém
variando o layout das mesmas e a forma dos quadrinhos bem
como as transições. Nas páginas 6 e 7 as transições são bem
mais pontuais, passando-se muito pouco tempo de um quadro
ao outro (figura 139). Kubert mantem esse uso dos splash
duplos com quadrinhos por toda a HQ, como nas páginas 20 e
21 (figura 140), mas ocasionalmente retorna ao splash duplo
sem quadros, como na página 27 (figura 141).
148 149

(a esquerda e acima) Figura 138 Kubert Pgs. 4 e 5 JOHNS, 2008.

(a esquerda e abaixo) Figura 139 Kubert Pgs. 6 e 7 JOHNS, 2008.

(abaixo) Figura 140 Kubert Pgs. 21 e 22 JOHNS, 2008.

(próxima página) Figura 141 Kubert Pgs. 27 e 28 JOHNS, 2008.


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152 153

As páginas splash permitem diversas soluções criativas, e


geralmente são usadas pelos quadrinistas para trabalhar as Figura 142 Hush LOEB, 2006.
partes mais dramáticas da história de forma grandiosa. No
exemplo da figura 142, extraído da mini série Hush publicada
na HQ Batman do número 608 ao 619, vemos a utilização da
página splash no começo do gibi com os créditos dos criadores
e da história. O letrista, Richard Starkings, estabeleceu um grid
para as informações textuais que se repete em todas as edições
da série. Trabalhando juntamente com o quadrinista, Jim Lee,
ele cria um padrão de identidade para a série facilitando o
entendimento do leitor, funcionando analogamente como
uma apresentação do episódio de uma série de televisão.

Frank Miller também faz uso de soluções originais no emprego


das páginas splash duplas em sua mini série em 6 partes Sin City
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That Yellow Bastard (1996). O início de toda edição possui uma


splash dupla composta da segunda capa e da primeira página
do gibi. Sempre uma imagem continua que introduz a história
dando inicio a narrativa. A figura 143 mostra o splash do número
1 do gibi, enquanto a figura 144 a do número 2. Em ambas o
titulo da história é apresentado de acordo com a composição
da imagem, que já estabelece a história através do conteúdo
(acima) Figura 143 Yellow 1 MILLER, 1996. (abaixo) Figura 145 Yellow 3 MILLER, 1996. (acima) Figura 144 Yellow 2 MILLER, 1996. (abaixo) Figura 146 Yellow 4 MILLER, 1996. das imagens, estabilishing shot, e da presença dos balões de
texto. As figuras 145 e 146 mostram as splashs da terceira e
da quarta edição, seguindo o mesmo padrão de imagem, texto
e o titulo da história, que é sempre apresentado com a mesma
fonte dando continuidade a identidade. O quadrinista se utiliza
desse recurso narrativo para reforçar um acontecimento da
história. No final da quinta edição o protagonista é subjugado
pelo vilão. Este o prende a uma corda amarrada no ventilador
e o deixa para morrer enforcado. No começo da sexta e última
parte da história, figura 147, Miller abre o gibi com uma cena
do protagonista enforcado, ao virar a página o leitor se depara
com a mesma imagem, figura 148, porém o personagem esta
morto, e para reforçar isso, Miller insere os créditos da edição.
Durante toda a série estes créditos sempre aprecem no fim
da HQ, ao colocá-los na quarta página ele brinca com o leitor
sugerindo que o protagonista esta verdadeiramente morto. O
que é reforçado pelo fato do mesmo ser um personagem mais
velho, que quase havia morrido do coração duas vezes durante
a história. Ao virar a página o leitor vê que mais uma vez ele
volta a vida (figura 149). Uma solução técnica utilizada para
reforçar um momento dramático da história.
156 157

(acima) Figura 149 Yellow 7 MILLER, 1996.

(acima) Figura 147 Yellow 5 MILLER, 1996.

(a direita) Figura 148 Yellow 6 MILLER, 1996.


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As soluções citadas e exemplificadas acima, e as demais quadrinhos se encaixam nesta estrutura, apesar de diferir na
Os quadrinhos como uma forma de arte narrativa cujo principal Uma das grandes diferenças entre filmes e quadrinhos é que
existentes na linguagem de quadrinhos para contar uma forma, assemelhando-se mais a estrutura de séries televisivas.
objetivo é contar uma história, mostra-se ilimitada em suas as histórias em quadrinhos não precisam necessariamente ter
história funcionam se forem usadas pensando na história Isso porque o roteiro de um filme é criado para uma narrativa
possibilidades, pois conta com três formas para fazê-lo: texto, um processo colaborativo. Nos chamados quadrinhos de autor,
e na força de seu resultado. Qualquer dos recursos do completa a ser contada no período de duração do filme. O de
imagem e a justaposição de ambos. Ao contrário de um filme, a produção toda é feita por uma única pessoa. Da concepção
storytelling, se usado em demasia, perde sua intensidade. uma história em quadrinhos também o é para a duração de
por exemplo, quadrinhos não tem orçamento de produção, não ao roteiro, dos desenhos à finalização, tudo é feito por um só
A soluções de layout, técnicas e artísticas atingem seu uma revista, mas é muito comum que a história se estenda
sofre cortes em função de verba e sua única limitação reside na quadrinista, como Sin City de Frank Miller, Strangers in Paradise
efeito desejado se forem equilibradas. Usar páginas splash por diversas edições, neste caso, cada revista deve funcionar
criatividade do autor. Quadrinhos, assim como cinema, é uma de Terry Moore, Hellboy de Mike Mignola ou qualquer trabalho
em toda página fará com que o recurso perca a sua força, como um episódio da história maior, semelhante a uma serie
forma narrativa que pode ser palco de qualquer temática ou de Eisner. Os quadrinhos oferecem um tipo de liberdade
o que não significa dizer que não pode ser feito. Stan Lee de televisão. Cada um desses episódios geralmente obedece a
gênero. Além disso, a narrativa nos quadrinhos guarda muitas criativa em todas as etapas que o cinema raramente consegue
e Jack Kirby publicaram uma história do Surfista Prateado estrutura de três atos, mas avança um pouco mais na trama
semelhanças com a narrativa cinematográfica, e não só na igualar. Talvez apenas o cinema documentário em seus mais
na década de 1960 composta apenas por páginas splash. principal. No roteiro de cinema, cada página corresponde
forma como os seus roteiros são construídos, mas também extremos exemplos pode ser comparado. Os quadrinhos
A solução foi criada para ilustrar de forma visualmente mais ou menos a um minuto de filme enquanto o roteiro de
em termos de montagem e até historicamente. Will Eisner, o mensais das grandes editoras se assemelham ao processo
emblemática a melancolia do personagem no vasto espaço quadrinhos é dividido em páginas. Cada página de roteiro
primeiro a publicar um estudo da forma dos quadrinhos como produtivo colaborativo dos grandes estúdios de cinema, mas
sideral. Eles sabiam o que estavam fazendo e o fizeram corresponde a uma página de quadrinhos, dependendo do
uma linguagem única, relata ter baseado-se na linguagem de os quadrinhos de autor oferecem uma forma do storyteller
de forma experimental. Muito poucas coisas não podem tipo de roteiro (como visto anteriormente). Alguns roteiristas
cinema para nortear a sua busca por uma específica para os visual trabalhar livre de exigências de software, hardware e
ser feitas, tudo depende da intenção do quadrinista e da são mais detalhistas ou algumas páginas demandam mais
quadrinhos (EISNER in BROWNSTEIN, 2005, p.88). Ele baseou- de orçamento (CAPUTO, 2003, p.55). Isso porque, ao contrario
necessidade da história. descrição e podem ocupar mais páginas do roteiro. Apesar de
se em diversos conceitos do cinema clássico para criar suas de um filme que precisa pagar por tudo que é vai aparecer
bastante próximos, os dois meios são formas bem distintas,
histórias, que acabaram por gerar seus estudos da forma das na tela, dos atores aos efeitos, nos quadrinhos o limite é a
como veremos a seguir.
Narrativa Cinematográfica HQs. Mas, apesar de Eisner ter estudado cinema clássico e ser habilidade do desenhista.
fã declarado da forma, ele definiu a linguagem de quadrinhos
Os quadros em um filme são temporalmente contínuos. Tudo
que o público tem que fazer é se recostar na cadeira e prestar como uma forma narrativa única, e não um subproduto do Eisner, além de ter estruturado suas próprias narrativas a
A narrativa nas histórias em quadrinhos guarda muito mais atenção a ação se desenrolando na tela, seguindo os personagens cinema como já se chegou a acreditar. Apesar de possuírem partir dos princípios de storytelling do cinema clássico quando
semelhanças com a narrativa do cinema do que com a literária. conforme ele cruzam um quarto, cometem um assassinato, ou semelhanças, suas formas narrativas são diferentes. escreveu “Quadrinhos e Arte Seqüencial”, o primeiro livro a
apenas olham pela janela. Quadrinhos, por outro lado, não são oferecer uma análise do modo de produção, da estrutura
A estrutura de roteiro dos filmes clássicos hollywoodianos
contínuos da mesma forma, e não existe verdadeiramente uma Ele (Eisner) foi um pioneiro ao definir quadrinhos como
de três atos é seguida nos roteiros de quadrinhos. Esta, visual e narrativa dos quadrinhos, estabeleceu estes mesmos
movimentação. Por exemplo, os leitores vão “ligar os pontos” quadrinhos, e não simplesmente como um filme de quinta
organiza uma história em três partes: começo, meio e fim, princípios como válidos para uma produção de HQs. Ele
entre os quadros no seu próprio ritmo. Alguns podem ler uma categoria. (...) Quadrinhos e filmes possuem gêneses semelhantes
ou a apresentação dos personagens e locais (the setup), a cena de combate em slow motion, outros podem lê-la em um definiu que o princípio básico ao se contar uma história em
e objetivos narrativos parecidos, mas são duas formas de contar
confrontação e a resolução. Grande parte dos roteiros de piscar de olhos (CAPUTO, 2003, p.38). histórias diferentes (MILLER in SALISBURY, 2000, pg. 162 e 164). quadrinhos era ter uma narrativa clara e objetiva (EISNER,
160 161

2002, p.11), princípio encontrado também na base do cinema seu objetivo maior era contar uma história de forma clara e produzidos em Hollywood, isto fica ainda mais evidente. começou a sofrer mudanças mais significativas no final da
clássico norte-americano, que visa uma narrativa com objetiva para o leitor, o que, obviamente, não implica em uma Por mais não lineares que sejam algumas das histórias década de 1970 e início da década de 1980, com a entrada de
unidade e clareza (THOMPSON, 2001, pg. 12). Narrativa esta história simples (THOMPSON, 2001, pg. 10), como pode ser em quadrinhos modernas, diversos preceitos clássicos da artistas oriundos de diferentes áreas que passaram a trazer o
que pode ser considerada uma cadeia de eventos de causa e observado em The Spirit ou mesmo em suas graphic novels, linguagem ainda são usados, mesmo em obras marcantes experimentalismo para o mainstream dos quadrinhos norte-
efeito ocorrendo em tempo e espaço (BORDWELL, THOMPSON, como a já citada Um Contrato com Deus, e Outras Histórias de que trouxeram muitas mudanças, atenção para o meio e o americanos e realizar pequenas mudanças no modo de contar
2003, p. 69). O cinema clássico hollywoodiano, segundo David Cortiço. Em The Spirit, Eisner diversas vezes contava histórias fizeram sem se distanciar tanto das normas estabelecidas na uma história visualmente, e também pela mudança no tom das
Bordwell, estende-se, de forma geral de 1917 até 1960, e cuja estrutura encaixava-se no modelo clássico, mas as década de 1970. Obviamente que existem diversas histórias histórias contadas. É possível argumentar que esta estrutura
consiste em uma forma de fazer filmes que se utilizam de um trabalhava de forma visualmente inovadora. E fez isso mais que trabalham com estruturas diferentes, mas o mais comum clássica tenha se mantido apenas durante a Era de Ouro dos
mesmo estilo, tanto visual quanto sonoro, e buscam sempre vezes em suas graphic novels, que permitiam histórias mais das produções tidas como inovadoras é ocorrer uma mescla quadrinhos que terminou no fim da década de 1940, mas seria
contar uma história de forma continuada cuja narrativa visual complexas e visuais ainda mais ousadas. Mas, apesar de toda a de soluções novas com soluções clássicas, como veremos no leviano deixar de fora as contribuições à linguagem clássica
é “invisível”, ou seja, sem que a presença da câmera seja notada ousadia que ele mostrava nestas HQs, as histórias mantinham- capítulo da análise. dos quadrinhos feitas pelos pioneiros da Era de Prata como Gil
pelo expectador (1985, p.3). Além desse estilo homogêneo e se claras e objetivas. Kane e Carmine Infantino.
distinto em seus filmes que manteve-se constante durante É sempre complicado estabelecer datas de início e fim para
décadas, gêneros, estúdios e funcionários (IBID, p.3), o O princípio mais básico do cinema clássico hollywoodiano movimentos e sistemas de normas, mas se a estrutura clássica Tanto os quadrinhos como o cinema, como qualquer mídia
cinema clássico hollywoodiano também caracterizou-se por é o de que uma narrativa deve consistir em uma cadeia de do cinema hollywoodiano caracterizou-se e estabeleceu- narrativa visual que produza entretenimento, se preocupa
causas e efeitos que sejam fáceis para o espectador seguir
padronizar o modo de produção dos filmes. Esse conjunto de se no período de 1917 a 1960, a dos quadrinhos pode ser e busca a imersão de sua audiência no produto, seja ele um
(THOMPSON, 2001, pg. 10).
normas que perfaz o estilo clássico de cinema hollywoodiano entendida do final da década de 1930 até o final da década de filme, uma história em quadrinhos, uma animação ou um jogo.
é seguido até hoje, apesar das inovações e novas soluções 1970. O início do cinema clássico hollywoodiano aconteceu, Para que uma história entretenha seu espectador, segundo
O objetivo deste sistema de normas nos quadrinhos é contar a
narrativas e produtivas, e também depois do fim do período segundo Kristin Thompson, com o fim do cinema mudo e o Tony C. Caputo, ela precisa ter clareza, dinamismo, realismo
história, e se ele é aplicado de forma eficiente, o leitor passará
ao qual ele pertence (THOMPSON, 2001, p.44). Isso acontece estabelecimento de Hollywood como o maior produtor de e continuidade (2003, p.66). Clareza, como visto, é o principio
pelos balões, pelas onomatopéias, pelos quadrinhos e pelas
devido a solidez e eficiência do estilo clássico, o que não cinema no mundo, e seu fim ocorreu no pós Segunda Guerra básico tanto do cinema quanto dos quadrinhos clássicos. Essa
imagens e entenderá e guardará simplesmente a história, e
significa dizer que o cinema não mudou desde então, mas Mundial com a quebra no sistema tradicional de estúdios clareza não implica em soluções simplistas, mas sim em ter a
não a forma. Este era o preceito defendido por Eisner que é
sim que, mesmo depois de todas as mudanças tecnológicas que caracterizara a época. Nos quadrinhos, o início pode ser história como primeiro plano da narrativa, e soluções técnicas
valido para a grande maioria das HQs até hoje, como pode
e na narrativa, diversas normas estabelecidas pelo sistema atribuído ao surgimento dos super-heróis e o estabelecimento em segundo. A imersão no cinema é mais profunda do que nos
ser observado também no cinema, onde as narrativas atuais
clássico ainda são seguidas nos filmes hollywoodianos, o que da produção de material específico para o formato de quadrinhos, o filme conta com uma estrutura propícia para
hollywoodianas ainda guardam muitas das características
se assemelha bastante a linguagem dos quadrinhos. Quando revistas em quadrinhos, cujo representante principal pode ser tanto, a sala de cinema, e possui mais recursos que permitem
da forma clássica. Mesmo o pós-cinema clássico e todos os
Eisner reconheceu uma linguagem coesa para a forma dos entendido como a HQ Action Comics #1, de 1938, que marca essa imersão como o som, por exemplo. Nos quadrinhos, a
sistemas que o seguiram ainda guardam características do
quadrinhos e descreveu suas regras iniciais, ele definiu que o nascimento oficial de Superman. Esta estrutura clássica imersão depende da qualidade da narrativa e da história, mas
cinema clássico hollywoodiano, e se tomarmos os filmes
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Figura 150 ES BUSIEK, 2004.

depende muito também do leitor. Como já foi discutido, se etc. (CAPUTO, 2003, p.81). Nos quadrinhos, essa imersão espaço para o leitor, e é geralmente um quadrinho largo que
ele quiser saber o que acontecerá depois, basta dirigir o olhar depende da qualidade das imagens oferecidas ao leitor, do diz ao leitor onde ele está (IBID., p.160).
para a página ao lado. O dinamismo pode ser obtido em ambas storytelling, das soluções gráficas adotadas e da qualidade
as mídias, mas através de recursos diferentes. As soluções de da história a ser contada. Em ambos os casos, a imersão O princípio desta técnica é, além de estabelecer onde está
montagem são semelhantes, mas as de movimento diferem. depende de soluções técnicas e narrativas misturadas a ocorrendo a ação, economizar trabalho e valorizar tomadas
Enquanto o cinema mostra o movimento, o quadrinhos uma solução estética acertada de acordo com a proposta no mais dramáticas. Isso porque, depois que o ambiente está
emula. O cinema possui um dinamismo narrativo dentro de resultado final. A representação e a busca por esses quatro estabelecido, o quadrinista pode, ao trabalhar com closes e
um mesmo espaço, a tela, enquanto os quadrinhos possuem itens existem em todas as mídias visuais, mas ela pode enquadramentos mais próximos dos personagens, apenas
o dinamismo da página que se beneficia de todas as soluções variar de intensidade dependendo de quão interpretativa sugerir esse ambiente através de partes do cenário. Além
gráficas já citadas. O realismo é bastante variado em ambas for a obra produzida. de economizar tempo, pois desenhar o cenário inteiro é
as mídias, mas o cinema é uma mídia realista simplesmente bem mais demorado do que apenas fragmentos, ajuda a
por mostrar imagens fotograficamente reais, ou seja, filmadas. Realismo, clareza, continuidade, dinamismo – o objetivo concentrar os quadrinhos nos protagonistas, especialmente se
As cenas de um determinado filme podem ser irreais e máximo de qualquer storyteller visual é usar essas ferramentas estes estiverem falando. Neste caso, muito cenário pode ser
para criar um mundo onde a imersão é completa, um em que
impossíveis de acontecer, mas elas parecem verdadeiras, pois dispersivo. A utilização do estabilishing shot pode ser variada,
o leitor, espectador, ou jogador “caia” e, uma vez lá, não queira
o meio as faz possíveis (IBID., p.72). Os quadrinhos interpretam sair. Qualquer coisa que não funcione no contexto da história e com resultados diversos. O quadrinista pode optar por
essa realidade através dos traços do desenhista. Porém, a sendo contada, do estilo e da produção do meio sendo usado mostrá-lo no início da cena, e depois seguir com a ação, mas
construção do ambiente nos quadrinhos pode suprir essa para contá-la, pode interferir na imersão (IBID., p.80). pode também optar por começar a cena e somente revelar o
necessidade através de cenários realistas e bem construídos. lugar onde ela se passa depois. Ele pode durar mais do que um
Muitas técnicas são semelhantes entre quadrinhos e cinema, quadrinho, como pode também ser feito em um quadrinho
Se esforçar para colocar todos os detalhes de um cenário algumas são muito parecidos, outras bem diferentes em suas pequeno. No cinema clássico, o estabilishing shot faz parte da
pode fazer a diferença entre desenhar uma página em seis aplicabilidades e muitas possuem a mesma denominação. primeira fase da anatomia de uma cena, que Bordwell chama
horas ou em vinte, mas para os leitores, pode ser a diferença
Duas técnicas podem ser usadas para comparar como o cinema de expositiva, sendo a segunda a de desenvolvimento (1985,
entre saber onde a história está se passando e estar lá
(McCLOUD, 2006, p.159). e os quadrinhos abordam a narrativa, e quão semelhantes p.63). Com o mesmo objetivo dos quadrinhos, ele serve para
as duas mídias são mesmo sendo em meios individuais: o situar o espectador dizendo onde ele está. Aqui ela é ditada
A imersão no cinema depende de diversos fatores, entre estabilishing shot e a continuidade. O estabilishing shot pela história e serve meramente como um espaço que contém
eles, a cinematografia notável, a beleza cênica, as grandes basicamente é uma cena que apresenta o espaço onde a ação o personagem, e geralmente é a parte mais rápida da cena
atuações ou as estrelas carismáticas, os efeitos especiais está se passando, vai se passar ou já se passou (figura 150). (IBID.). Desde que o cinema passou a usar múltiplas tomadas
de última geração, a construção do suspense ou medo, e Nos quadrinhos, ela é utilizada para dar uma sensação de em uma mesma cena, no início do século XIX, o estabilishing
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shot ganhou a incumbência de mostrar ao leitor onde a e de composição. Tanto nos quadrinhos quanto no cinema clássica dos quadrinhos, como já citados anteriormente, ainda considerarmos quadrinhos e a televisão, a animação e também
cena está se passando (THOMPSON, 1985, p.196), para que o cuidar da continuidade visual significa manter uma coerência são amplamente usadas, mesmo pelos mais revolucionários os jogos de vídeo game. Essa discussão é claramente ampla e
diretor tenha mais liberdade de montar a seqüência e possa entre os objetos e elementos presentes em uma cena (figura gibis. O próprio Eisner explorou a forma já em sua primeira tema para um outro trabalho, mas basta observar as produções
usar enquadramentos mais dramáticos, como close up22, por 151). A grande diferença é que nos quadrinhos esses objetos graphic novel, “Um Contrato com Deus e outras Histórias de ou profissionais para notar que essas trocas vem acontecendo
exemplo. Em ambos os casos, tanto nos quadrinhos quanto são gráficos, ou seja desenhados, e no filme eles são reais, Cortiço”, onde a arte carregava a maior parte da narrativa da há um bom tempo. Winsor McCay, autor e criador de Little
no cinema, o estabilishing shot é um recurso narrativo que filmados de objetos do mis-en-scene23. Mas o princípio é o história (WEINER, 2003, p.17). Scott McCloud e sua série de Nemo in Slumberland, foi um dos pioneiros da animação
permite ao quadrinista/diretor montar a cena da forma que mesmo do estabilishing shot: o cenário que foi estabelecido quadrinhos Zot! focam mais a forma dos quadrinhos do que com seu desenho Gertie the Dinossaur. Jim Steranko, famoso
melhor servir a história, tendo que apenas uma vez mostrar deve ser reproduzido nas demais cenas/quadrinhos, mesmo a história em si, o que não quer dizer que ele não cuida do nos quadrinhos, trabalhou em todos estes campos aplicando
onde ela se passa. Ela oferece a possibilidade de uma maior que seja apenas uma parte dele. É possível usar esses enredo, como também o faz Chris Ware em Jimmy Corrigan, técnicas da fotografia nos quadrinhos, técnicas de quadrinhos
dramatização das cenas com personagens sem correr o risco elementos da composição do cenário de forma narrativa The Smartest Kid on Earth. O próprio McCloud, que é um dos no cinema, técnicas de cinema em ilustração e técnicas
de desorientar o leitor/espectador. como, por exemplo, caracterizar um determinado ambiente principais defensores da inovação e da exploração na forma de ilustração em seu trabalho em animação (SPURLOCK in
por alguma peça de sua decoração e sempre que ele aparecer dos quadrinhos, defende em seu mais recente livro a respeito CAPUTO, 2003, p.46). Hergé, criador de Tin Tin também utilizou
O estabilishing shot não precisa ser o primeiro quadrinho, na história enfocar tal objeto auxiliando o leitor/expectador da linguagem do meio que, o mais básico princípio de qualquer técnicas de cinema em seus gibis (CAPUTO, 2003, p.46). A
mas ele tem que estar lá em algum lugar, para que nós a acompanhar a história. Além disso, um dos objetivos desse quadrinista deve ser a clareza em suas narrativas, independente série 24 Horas usa muito da linguagem de quadrinhos em
saibamos onde estamos, quem está na cena, o que está
continuísmo gráfico no cinema clássico é oferecer um senso das soluções técnicas adotadas (2006, p.9). Mesmo se olharmos suas soluções narrativas para apresentar eventos ocorrendo
acontecendo e o por quê. Clareza, clareza, clareza... e afaste
a câmera (BYRNE in CAPUTO, 2003, p.66). de realismo as cenas e convidar o espectador a olhar através da os quadrinhos na internet, uma categoria de HQs defendida e ao mesmo tempo. Kevin Smith, que é diretor e roteirista de
tela (BORDWELL, 1985, p.55), como se ele estivesse assistindo incentivada pelo próprio McCloud, perceberemos que a maior cinema, escreveu uma importante série nos quadrinhos
Já continuidade é uma regra da imersão ou um esforço no algo real. Nos quadrinhos, essa pretensão também existe, mas parte delas foca suas experimentações narrativas na forma e abordando o personagem Daredevil (Demolidor). Quando a
sentido de manter os elementos visuais de uma cena coerentes em menor escala e faz parte do processo de imersão constituir na estrutura, mantendo a clareza da história em seu cerne. oitava temporada da série televisiva Buffy foi cancelada na
com a seguinte e com as demais que virão para que o leitor/ uma cena de forma plausível com o roteiro e a história. televisão, seu criador, o diretor e roteirista de quadrinhos Joss
espectador não seja desconectado, a menos que algum evento A inter-relação entre os campos apresenta-se quando Whedon, levou a série para os quadrinhos. E cada vez mais
na história os altere. Sendo assim, a continuidade visual, que é Como o cinema, a produção de quadrinhos se distanciou aos pensamos na narrativa visual. Quadrinhos emprestou técnicas filmes sobre personagens de quadrinhos tem sido feitos, e
a que nos interessa aqui, é uma extensão do estabilishing shot. poucos do clássico, mas nunca o abandonou. Diversas das e elementos de cinema, que nos últimos anos vem buscando cada vez mais elementos da linguagem dos quadrinhos tem
Ela representa a narrativa visual através de objetos de cenário soluções e técnicas do cinema clássico bem como da linguagem referências em quadrinhos para soluções narrativas em seus aparecido nestas produções. Essa troca poliniza todos os
filmes. Essa troca dentro de um mesmo tema também é válida se meios beneficiando suas respectivas linguagens.

22 O close up surgiu nesta época e solidificou-se com o estabelecimento do chamado star system (BORDWELL, 1985, p.201), que foi a época onde os filmes
passaram a contar com atores importantes e reconhecidos, com elevado status de estrelas, que valorizavam e davam importância aos closes.
23 Mis-enscene é a manipulação do espaço cinematográfico de tudo aquilo que aparece na frente da câmera. O termo trata da disposição e a organização de
figuras, formas, espaços e da iluminação em uma cena.
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Figura 151 Continuista CANALES, 2000.


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cavaleiro

3. trevas das

Uma leitura do quadrinho

‘Batman O Cavaleiro das Trevas’ conta a história de um Knight Returns enfoca um Batman cinquentão que abandona
Batman mais velho reassumindo o manto para limpar sua sua aposentadoria para pôr fim a uma crescente onda de
cidade. Escrito e desenhado por Frank Miller, arte-finalizado crimes na cidade de Gotham, decisão que o leva a batalha final
por Klaus Janson e colorido por Lynn Varley, a série foi um contra seus maiores inimigos e até seu maior aliado.
sucesso que beneficiou não só seu autor, mas também o
próprio personagem e o meio. Os quadrinhos nunca tiveram A HQ chamou atenção pela releitura que trouxe do personagem
tanta atenção dos meios de comunicação externos ao universo e de seu universo, ao caracterizá-lo como um combatente do
das HQs. Batman, criado em 1939 por Bob Kane, sofria crime cínico guiado por seus demônios internos cada vez
criativamente nos gibis desde a implementação do Código, mais incontroláveis. Tudo aquilo que Miller havia trazido para
com as vendas despencando. O resgate ao personagem havia Daredevil24 ele agora aplicava ao Homem-Morcego. Porém, em
sido iniciado na década de 1960 pelo editor Julius Schwartz Daredevil ele recriou o personagem ou a forma como ele era
e o artista Carmine Infantino, e havia sido continuado por abordado e compreendido, tornando-o um produto da época.
Denny O’Neil e Neal Adams na década desguinte. A dupla fez Com Batman, o resultado foi uma história extremamente
do Batman um personagem mais sério e sombrio novamente violenta cujo protagonista passa a agir como juiz, júri e
retornando-o a suas origens. Mas coube a Miller caracterizar o carrasco em sua cruzada. Miller tornou Batman uma criatura
personagem de acordo com a época em que ele vivia. The Dark assustadora novamente, não só como uma figura gótica

24 Daredevil é uma HQ que conta a luta do personagem homônimo contra o crime. Matt Murdock, o alter ego de Daredevil, é um advogado que perdeu a visão
ao tentar salvar um idoso de ser atropelado por um caminhão transportando material radioativo. Murdock conseguiu salvá-lo, mas foi atingido no rosto por um
frasco que caiu do caminhão. O frasco lhe tirou a visão, mas a radiação aguçou seus demais sentidos de forma sobre-humana, conferindo-lhe inclusive um radar.
Na época, um personagem de segunda linha da Marvel, Daredevil foi a porta de entrada do então jovem Frank Miller no mercado de quadrinhos. Ele assumiu
os desenhos na edição 158 e dez números depois também passou a escrevê-lo. Logo introduziu uma atmosfera noir na história, caracterizando-a como uma
espécie de HQ de crime urbana com super-heróis. Somando a isso cenas de ação dinâmicas e uma boa dose de artes marciais, Miller modificou completamente
a abordagem do personagem. A forma como ele abordou o personagem retratando-o sob um olhar mais realista para os padrões de sua época, ajudaram a tirar
a Marvel de sua era de inocência. Drogas, ninjas, máfia, misticismo, prostituição e assassinatos frios não eram temas comumente abordados em gibis da editora,
muito menos ao mesmo tempo. O grande apelo do personagem até então era sua disposição de lutar contra o crime mesmo à luz de sua deficiência, ele era um
advogado bom moço e estudioso durante o dia e um combatente do crime jocoso a noite. A empatia que o personagem gerava vinha de seu passado sofrido,
pois seu pai havia sido assassinado por gângsteres, e de sua deficiência física adquirida ao ajudar um estranho. Miller tratou de mudar essa visão do pobre Matt
Murdock para o destemido combatente do crime. E ele fez isso acabando com a diferenciação entre o advogado e o herói, pois não havia mais o bom samaritano
de dia e o justiceiro implacável à noite, ambos eram a mesma pessoa e seus conflitos estavam expostos. Miller “abriu a mente” do personagem para os leitores
como um psicólogo, revelando questionamentos complexos e muito mais reais.
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Figura 152 DKR 1 MILLER, 2002.

envolta em sombras, mas também por sua brutalidade. Fruto a relação de Batman e seus pares no mundo dos super-heróis, por seus crimes. Esse perfil foi abrandado durante os anos por
do olhar de Miller para a vida nova-iorquina na década de notadamente Superman, que na representação de Miller uma série de razões, até atingir seu ápice na série de televisão
1980 com o aumento dos desabrigados e da violência nas se aliara ao governo e passara a ser nada mais do que um da década de 1960, mas nunca com sucesso absoluto. A versão
ruas, o personagem que emergiu da série era violento, frio e fantoche da extrema direita americana, uma clara antítese que Miller introduziu em Dark Knight foi um retorno às origens
psicologicamente complexo como ele jamais fora. O Batman ao posicionamento anárquico e quase terrorista do Morcego. do personagem à luz de uma sociedade mais cínica e suja. Esta
de Miller fazia exatamente o que os leitores da época queriam As posições conflitantes dos dois maiores personagens da interpretação do personagem atingiu em cheio as expectativas
que ele fizesse, ele reagia a uma realidade cada vez mais DC Comics se chocariam no eletrizante final da história. de muitos leitores, mas não de todos, pois para alguns a versão
violenta e assustadora. Batman enfrentou a corrupção em todos os níveis, das ruas de Miller beirava o fascismo (Ibid, 1999, p. 151).
ao governo, de Superman a TV (DANIELS, 1999, p. 151). Miller
Obviamente que essa versão era trabalhada dentro do universo retornaria ao tema anos mais tarde em Sin City . Voltarei aos A seguir, farei uma abordagem mais específica sobre alguns
do personagem dos quadrinhos, pois o próprio Miller foi o personagens e sua abordagem no Cavaleiro das Trevas, bem aspectos desta história e seus personagens. É importante
primeiro a admitir que o personagem não duraria cinco minutos como a relação de Batman e Superman um pouco adiante. É denotar que caso o leitor ainda não tenha lido Batman O
no mundo real (Comic Book Superheroes Unmasked, 2003). importante notar também que, o que Miller fez com Batman, Cavaleiro das Trevas, sugiro que o faça pois esmiuçarei a
Mesmo profundamente influenciado pela realidade que cercava difere do que ele fez com Daredevil em um ponto. Como vimos história e revelarei partes do enredo, e isso pode estragar a
seu autor, Batman ainda foi tratado como um personagem anteriormente em Daredevil, Miller retratou um personagem futura leitura.
ficcional que é, e Miller fez questão de representá-lo como tal, que era um advogado certinho que se transformava em
porém levando-o ao extremo dentro deste universo ficcional um combatente do crime acrobata e despreocupado e o Miller estrutura a história como a última aventura do
realista. Todos os personagens coadjuvantes importantes na transformou em um violento e profundo personagem. Ele personagem e, para isso, a trata como uma ópera (MILLER
história do Batman são representados dentro da realidade introduziu uma nova abordagem que acabou por se tornar a apud SALISBURY, 2000, p.176). Fora da cronologia normal do
da HQ, Gordon, comissário de polícia e principal aliado dele, forma como este é representado até hoje. O Batman sempre foi Batman, a mini-série parte do princípio de que Bruce Wayne
está a beira da aposentadoria; Alfred, seu fiel mordomo, é um o que se mostra em O Cavaleiro das Trevas, e o que Miller fez “pendurou o manto” depois da morte do segundo Robin.
idoso que ainda conserva seu afiado senso de humor inglês; foi explicitar seus métodos de forma crua e clara para leitores Depois de anos afastado, e já tendo vivido mais de meio
e Robin, surge através de uma menina adolescente. E Miller que esperavam por isso e cuja realidade permitia. A própria século, ele retorna para uma última missão, limpar Gotham
não esquece de Gotham, a cidade de Batman, representada origem do personagem já impõe certas condições ao seu dos vermes que a infestam. Essa estrutura de ópera que Miller
como uma versão exagerada da Nova York que o próprio perfil. O assassinato de seus pais que foi o início de tudo, fez cita, refere-se a dramaticidade do gênero, pois ele queria
quadrinista vivia. A história é uma investigação da mente com que ele partisse em busca de vingança. Em suas primeiras retornar o personagem a sua origem e dar a ele um fim digno
torturada do personagem (DANIELS, 1995, p. 190), e sua histórias, ele carregava uma pistola e pouco se importava se do seu começo, e ele divide as quatro partes da história com
relação com a cidade que ele jurou defender, além de explorar os bandidos viviam ou morriam, contanto que eles pagassem esse objetivo. A primeira edição, The Dark Knight Returns (A
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Figura 153 DKR2 MILLER, 2002.

Volta do Cavaleiro das Trevas) (figura 152), apresenta um Bruce plástica, prova que o monstro na verdade está dentro e não na o lixão e o vence diante de sua gangue. Usando mais a
Wayne tentando afogar sua culpa e suas memórias em álcool superfície do personagem, exatamente como Batman. estratégia do que a força bruta, Miller mostra um Batman
e passatempos perigosos, e financiando a cirurgia e o processo violento e cínico que transmite uma mensagem eficiente
de recuperação de seu ex-amigo e depois inimigo Harvey Dent, A segunda edição, The Dark Knight Triumphant (O Cavaleiro aos criminosos de sua cidade apelando para truculência e
o Duas Caras. Aliado a isso, o gibi apresenta a situação caótica das Trevas Triunfa) (figura 153), mostra a luta de Batman a inteligência. Ao lutar com o líder em um lamaçal, Batman
de Gotham e o fim do tempo de serviço de seu mais notório contra os Mutantes e a substituta de Gordon, a Capitã Ellen diz ao subjugado oponente: “Você não entende garoto, isso
defensor público, o Comissário Gordon. Batman demora Yindell, que não é a favor de um vigilante em sua cidade. não é uma poça de lama, mas uma mesa cirúrgica... e eu sou
a aparecer, pois Miller foca boa parte da edição no conflito Miller mostra o herói atacando a corrupção ao desmascarar o cirurgião.” Após extrair o câncer de sua cidade, Batman
interno de Burce Wayne revivendo as situações que o levaram um general que fornecia armas aos Mutantes. Batman vê, no encerramento da edição, Gordon se aposentando.
a se tornar o que é. Mas quando ele aparece, lá pela metade da enfrenta o líder dos Mutantes no lixão da cidade quando eles
edição, o leitor não o vê. Notícias e flashes são apresentados, se organizavam para atacar a central da polícia de Gotham. Na terceira edição, Hunt the Dark Knight (Caça ao Cavaleiro
mas ainda demora um pouco para que o Homem Morcego A luta com o monstruoso líder do grupo serve para mostrar das Trevas) (figura 154), apresenta Batman e Robin atuando
apareça em toda sua glória e em uma página inteira. O que os efeitos do tempo sobre o personagem. Ele toma uma como um time enquanto a jovem parceira recebe treinamento
acontece a seguir é que é Bruce Wayne quem desaparece surra e sofre ferimentos graves nas mãos do mais jovem, já no campo de batalha. Superman contata Batman a mando
da história. Miller faz da primeira edição uma batalha entre mais rápido e mais violento inimigo. Então surge a Robin do governo buscando uma solução pacífica para a situação.
Wayne e Batman com o único resultado possível, a vitória do aparece para salvá-lo e levá-lo de volta a Batcaverna, onde O governo teme que alguém atuando fora de seu controle se
segundo, pois o primeiro morreu há quarenta anos junto com ele a aceita como sua parceira. O líder dos Mutantes vence, torne perigoso. Batman se recusa a aceitar e Superman parte
seus pais. O retorno do Batman suscita todo o tipo de reação mas não sai ileso e é preso por Gordon e seus homens. para “policiar” o mundo. Enquanto isso, a nova Comissária de
dos mais diversos personagens e setores sociais, e Miller Miller continua mostrando as reações da sociedade e, polícia não poupa esforços na caça ao Homem Morcego, e o
toma o cuidado de representar todos. O Coringa também principalmente, as da mídia, às ações do Batman. A presença Coringa revela seus planos ao assassinar uma platéia inteira
retorna do estado catatônico em que se encontrava desde o de Superman é citada e ele aparece conversando com o de um programa de entrevistas cuja atração principal era ele
desaparecimento do Batman. Miller reafirma a idéia de que presidente dos Estados Unidos, mas o leitor não o vê, apenas mesmo. O debate dos grupos pró e contra Batman toma conta
o vilão não existiria sem o herói. A edição também apresenta acompanha o diálogo. O prefeito incapaz de Gotham tenta da sociedade e da televisão. Em uma conclusão explosiva,
os Mutantes, um grupo criminoso que assola a cidade e seu fazer um acordo com o aprisionado líder dos Mutantes e Batman, ajudado pela Robin, enfrenta o Coringa, seus capangas
líder. Ela termina com o retorno do supostamente recuperado é assassinado. A derrota mostra a Batman que ele deve e a polícia em um parque de diversões lotado. A seqüencia tensa
Harvey Dent ao crime, que é preso em seguida pelo Batman, assumir o controle da situação e manipulá-la ao invés de chega ao seu clímax com a briga final entre Batman e Coringa. O
marcando a sua volta em definitivo. A recaída ao crime de tentar vencer seus oponentes na força física. Ajudado por Homem Morcego fura um dos olhos de seu inimigo, mas recebe
Duas Curas, que havia sido regenerado por uma cirurgia Gordon e Robin, ele reconduz o líder dos Mutantes para um tiro na barriga. Ao fim, Batman torce o pescoço do vilão
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Figura 154 DKR3 MILLER, 2002. Figura 155 DKR4 MILLER, 2002.
deixando o paralítico, mas incapaz de trair seu voto de nunca
matar ele hesita. Por mais violenta que seja a representação de nuvem atômica, alista tanto os Mutantes presos quanto os
Miller, ele jamais traí os princípios do personagem. Ao fim da Filhos do Batman e os disciplina como um pequeno exército.
edição, Coringa, literalmente, morre de rir. Miller trabalha o poder de liderança do personagem enquanto
seu exército luta para conter o caos nas ruas de Gotham.
A quarta e última edição, The Dark Knight Falls (A Queda do Gordon oferece uma visão civil dos eventos ajudando outros
Cavaleiro das Trevas) (Figura 155), começa onde a última cidadãos em meio a crise. A parte final da edição é dedicada ao
terminou, no campo de batalha que se transformou o parque inevitável enfrentamento entre Batman e Superman. Batman
de diversões. Batman enfrenta a polícia e a Comissária e é, representa uma alternativa ao governo totalitário do presidente
mais uma vez, salvo pela Robin. Seu corpo envelhecido sofre Ronald Reagan, que se vende como a única opção provedora
danos significativos que são reparados dentro do possível por da nação, especialmente depois da nuvem nuclear que aleijou
Alfred. Um novo grupo de jovens violentos surge, entitulando- o país. Mas não Gotham, graças aos esforços de Batman. Na
se Filhos do Batman, e eles buscam fazer justiça com as crítica de Miller ao governo americano durante a Guerra Fria,
próprias mãos. Superman é enviado para impedir que um Superman é o cão de guarda desse governo e é enviado para
míssel atômico disparado pela União Soviética chegue aos suprimir essa ameaça ao domínio. A batalha que se segue é um
Estados Unidos. Os dois governos, em uma das muitas disputas dos momentos mais memoráveis da história dos quadrinhos e
na Guerra Fria, tentavam obter o controle da ilha Corto o fim de uma era na relação entre os personagens, que será
Maltese no Caribe – Miller da nome a ilha de um importante abordada mais a frente. Batman vence o duelo da estratégia
personagem dos quadrinhos italiano criado por Hugo Pratt. contra o poder, ele bate o Superman, que abertamente não
Superman consegue desviar a bomba para um deserto, mas quer enfrentar uma disputa inevitável, mas morre em seguida.
a nuvem eletromagnética se espalha pelo país criando uma O fim da edição e da série mostra que a morte de Batman foi
espécie de inverno nuclear. Superman é testado contra o encenada e que a luta continuará mesmo sem os holofotes,
poder de uma explosão nuclear e sobrevive. Em Gotham, um de acordo com o planejado. Miller apresenta Batman como o
Batman parcialmente recuperado luta contra a disseminação grande estrategista, que emprega seus recursos em prol de seu
dos Filhos de Batman e, prevendo o caos com a chegada da plano e vence desafios maiores do que ele.
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Figura 156 Nightwing LOEB, 2006.

particularidades

Quatro elementos são importantes e ainda não foram tentou um novo Robin, o segundo. Jason Todd foi apresentado
propriamente abordados aqui: a Robin, Gotham, os narradores aos leitores como um órfão vivendo nas rua. Todd era um
e Superman. O primeiro é a presença de uma Robin na história. Robin mais arrogante e nunca fez sucesso com os fãs. Em
Muitos fãs da fase mais violenta do Batman não gostam do 1988, a DC resolveu matá-lo. Surrado pelo Coringa e deixado
Robin por acreditarem que ele tira um pouco desse caráter do para morrer em um galpão prestes a explodir, a vida de Jason
personagem, o que não deixa de ser verdade, afinal, quando Todd estava nas mãos dos leitores. A editora disponibilizou
Bob Kane introduziu um parceiro mirim para o Batman foi um telefone para que estes ligassem e votassem se o Robin
exatamente para suavizar sua representação e aumentar o deveria ou não morrer. No mesmo ano, a mini-série A Death
apelo com as crianças. Criado por Jerry Robinson na década in The Family marcou o fim do segundo Robin (figura 157).
de 1940, Robin sempre fora um personagem controverso no Atualmente existe um terceiro Robin, que surgiu em 1991
universo do Batman. A presença de um garoto nas HQs do e dura até hoje com alguns intervalos de ausência. A Robin
Homem Morcego tirou gradativamente o peso das histórias, de Miller em The Dark Knight Returns é uma menina. Miller,
abrandando o personagem e o tom de suas aventuras. E a mesmo 30 anos depois da censura, ainda buscava claramente
DC nunca soube muito bem o que fazer com o personagem. distanciar o personagem das acusações sofridas na época do
O primeiro Robin, Dick Grayson, foi um sucesso e conseguiu CCA (figura 157). Além disso, ele reconhece a importância de
atrair fãs mais jovens para o personagem, mas sua participação Robin para o Batman ao estabelecer que, na história de sua
foi afetada pelo ataque da censura. Depois das acusações série, depois da morte de Jason Todd ele abandonaria a luta, e
de homossexualismo a editora tratou de buscar soluções ao determinar como Robin é importante para o personagem.
para desmenti-las e sua participação nos títulos do Batman Essa parceira não funciona sempre, mas dependendo de como
nunca mais foi a mesma. Na década de 1970, quando O’Neil ele é tratado, pode oferecer soluções interessantes para a
e Adams trabalhavam com o retorno de um Batman mais história. Batman é um personagem forte o suficiente para ser
sombrio, a DC tratou de envelhecer e emancipar o Robin, trabalhado sozinho, mas seu universo não está completo sem
pois é difícil imaginar um Batman sombrio com um garoto os personagens coadjuvantes que o cercam. Miller reintroduz
como parceiro no combate ao crime. Grayson crescera e se Robin na história como uma menina, Carrie Kelley, como uma
tornara um personagem independente líder de um grupo de resposta final as acusações de Wertham e uma solução para
jovens super-heróis chamado New Teen Titans (Novos Titãs). a temática da história. Conforme ele retorna para combater
Como resultado ele abandonou o manto de Robin e tornou-se o crime, Batman é cada vez mais frio e implacável em sua
o Nightwing (Asa Noturna) (figura 156). Em 1983, a editora luta, e cabe a Robin oferecer o lado humano na história. Ela
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(a esquerda) Figura 157 A death in the Family DANIELS, 1991.

(acima) Figura 158 Carrie Kelly MILLER, 2002.

(a direita) Figura 159 Gotham MILLER, 2002.


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Figura 160 Wayne MILLER, 2002. Figura 161 Batman MILLER, 2002. Figura 164 Robin MILLER, 2002. (acima e a direita) Figura 162 Comissário 1 MILLER, 2002.

(acima e a extrema direita) Figura 162 Comissário 1 MILLER, 2002.

(a esquerda) Figura 165 Coringa MILLER, 2002.

(acima) Figura 166 Superman MILLER, 2002.

representa ainda a incerteza da juventude, como todos os mente torturada do personagem (DANIELS, 1995, p. 190), e sua 161). Quando ele reassume o manto, seus balões passam a ser
Robins, mas o faz do ponto de vista de uma menina, fato inédito relação com a cidade que ele jurou defender Em O Cavaleiro cinza até o fim da história.
no universo masculino do personagem. Carrie é também um das Trevas Gotham é o palco de toda a ação e é utilizada por
retrato social da época, pois ela também é a única Robin a não Miller como um elemento narrativo. De tempos em tempos No início da história o Comissário Gordon também oferece
ser órfã, mas a ter pais ausentes. Eles mal são mostrados na ele utiliza uma visão panorâmica da cidade para quebrar o seus pensamentos ao leitor, e sua visão é diferente da do
história, e quando são, servem apenas para reforçar a idéia de ritmo frenético da história (figura 159), além de trabalhar Batman, principalmente quando ele deixa de ser Comissário
descaso. Ela encontra em Bruce Wayne uma figura paterna e constantemente a relação do personagem com a cidade. e oferece uma visão das ruas de Gotham no desenvolvimento
uma forma de lutar contra o sistema opressor e criminoso que dos eventos. Seu balão é branco (figura 162), mas torna-se
infestara a cidade. Visualmente ela também reforça o tamanho Miller utiliza-se de diversos narradores na história, e faz isso preto durante o caos que se segue à explosão da bomba (figura
do personagem, que comparado a ela é um gigante. dando acesso para o leitor aos pensamentos dos personagens, 163), manifestando sua revolta, decepção e medo.
característica do quadrinista em todos os seus títulos, e uma
A cidade de Gotham é um personagem na história. Quando das características que destacou seu trabalho em Daredevil. Os Robin aparece também como narrador de suas partes na
Bill Finger caracterizou a cidade do Batman como Gotham personagens e seus balões de pensamento são diferenciados história e possibilita ao leitor acompanhar mais de perto
ao invés de Nova York ou qualquer outra cidade real, ele pelo modo como pensam e pelas cores. O principal e mais sua situação, os pais ausentes, e seu desenvolvimento até se
criou um dos mais importantes personagens do universo do constante narrador na história é o Batman, como não poderia tornar Robin. Seu balão é amarelo como sua capa (figura 164).
Homem Morcego. Além de abrir uma porta criativa para todos deixar de ser. Sua presença é constante na história inteira e Até o Coringa, com seu balão destacadamente verde (figura
aqueles que trabalhariam com o personagem depois, Finger a utilização dessa narrativa através dos pensamentos do 165), oferece uma breve visão em seus pensamentos em uma
criou uma bandeira para que o personagem defendesse. personagem oferece um interessante recurso para o leitor curta passagem que antecede seu retorno criminoso, bem
Gotham é a cidade do Batman. E Miller não esquece de dela, acompanhar a história. Enquanto Bruce Wayne está no como Superman, cujo balão é azul (figura 166). Miller faz uso
representado-a como uma versão exagerada da Nova York que controle, seu balão de pensamento é branco (figura 160), mas da possibilidade de manifestar os pensamentos do Homem de
o próprio quadrinista vivia. A história é uma investigação da sempre que ele pensa como Batman, o balão fica cinza (figura Aço para caracterizar bem as diferenças entre ele e Batman.
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E por fim, Miller fez uso de um recurso de narrativa incomum Miller utiliza esse recurso dos quadrinhos televisivos como
nos quadrinhos, mas bastante presente na época: a televisão. As uma narrativa secundária, por vezes paralela a primeira
páginas do Cavaleiro das Trevas são recheadas de quadrinhos que é a cruzada do Batman, como ao mostrar o discurso
que remetem ao formato da tela de uma televisão, e esse de despedida do Comissário Gordon introduzindo a nova
recurso é introduzido logo no início, na primeira página da Comissária que se tornaria um problema para o personagem
primeira edição. Miller usou a televisão para retratar grande (figura 169). Por vezes até terciária ou até mais distante da
parte da repercussão que o retorno do herói tem na sociedade, primária, como os incessantes debates entre os médicos de
revelando os mais diversos personagens (figura 167). Por Harvey Dent e os contrários a sua volta ou os favoráveis ou
diversos momentos, o que é dito na televisão avança em muito contrários a volta de Batman (figura 167). Mas por vezes
pouco, ou em quase nada a história, contrariando um preceito torna essa narrativa protagonista, como ao mostrar o ataque
básico da narrativa clássica, mas serve ao propósito de ilustrar do Coringa à platéia do programa de entrevistas do qual
a cacofonia de opiniões que a mídia televisiva suscita. Das mais ele é o convidado. A apresentadora do noticiário é uma das
absurdas e irrelevantes as mais cruas, essas opiniões oferecem personagens mais presentes na história, e as entrevistas
ao leitor um interessante olhar da sociedade de Gotham e, com diversos personagens que ela apresenta também são
porque não, da sociedade americana na década de 1980. interessantes do ponto de vista narrativo, pois oferecem uma
base de comparação entre o que eles dizem e o que pensam.
Esse excesso de quadrinhos por páginas, que será abordado a Miller, ao tornar o leitor cúmplice dos personagens dividindo
seguir, dificulta a leitura, e a presença dessa grande quantidade os pensamentos dos mesmos, consegue uma proximidade
de quadrinhos televisivos também não ajuda, algo que pode com a narrativa e com a temática do gibi que lhe permitiu
ser notado na grande maioria dos relatos dos fãs que leram seguir o caminho que seguiu. É interessante notar que, como
o gibi quando ele foi lançado. Mas a solução de Miller tem um resultado disso, ele consegue a simpatia e a aprovação
um propósito narrativo mais intrínseco a história, o de elevar do leitor em relação aos métodos questionáveis do Batman,
a tensão. As constantes entrevistas de pseudo-profissionais ou pelo menos da maioria dos leitores. Além disso, ao
das mais diversas áreas analisando os acontecimentos servem alternar o nível de importância para história das informações
para tumultuar o ambiente da narrativa, bem como os debates apresentadas nos quadrinhos televisivos, Miller busca impedir
acalorados dos prós e contras ao Batman que preenchem que o leitor disperse da história. Eles não podem ser ignorados,
quadros e mais quadros (figura 168). pois o leitor nunca sabe se informação terá relação direta com Figura 167 Balões Televisivos MILLER, 2002.
184 185

(abaixo) Figura 170 Spawn TV McFARLAINE, 1994. a história ou não. Esse recurso inovador, apesar de não ser
inédito, foi rapidamente absorvido pelo meio e pode ser visto
(acima) Figura 168 Anti Batman MILLER, 2002.
em diferentes histórias, como em Spawn, por exemplo (figura
(a direita) Figura 169 Adeus Gordon MILLER, 2002. 170), porém com muito menos uso para a história.

A relação entre Superman e Batman merece uma atenção


especial, pois Miller a transformou para sempre. Desde o
surgimento dos dois personagens na década de 1930, eles
foram amigos. Depois do estabelecimento de ambos e da
condição de principais personagens da editora, Superman
e Batman se tornaram aliados e amigos aparecendo juntos
em diversas histórias e inúmeras capas de gibis. Na década
de 1940, a DC criou um título estrelado pela dupla chamado
World’s Finest (Os Melhores do Mundo) (figura 171), que
apresentava aventuras vividas por eles, muitas vezes com
inúmeros personagens do universo DC. Eles eram apresentados
como melhores amigos.

Mas isso só foi possível pela suavização na representação do


Homem Morcego, pois sua versão original diferia sensivelmente
da visão de mundo do Homem de Aço (figura 172). Superman
é um alienígena que foi adotado por pais terráqueos depois
que seu planeta explodiu, ele fora enviado para a Terra por
seus pais biológicos como o último sobrevivente. Na Terra,
possuidor de poderes sobre humanos, ele decide usá-los a
serviço da humanidade e combater o crime e a injustiça no
mundo. Ele assume uma identidade secreta entre os humanos,
a do atrapalhado repórter Clark Kent, completamente oposta
186 187

Figura 171 World’s Finest DANIELS, 1995.


ao seu eu verdadeiro. Superman como personagem é um mito Ele era humano, não tinha super poderes e podia se machucar. e a distorce mostrando-o como um fantoche do governo. O
que representa todas as boas qualidades da sociedade norte- Além disso, ao contrário do Homem de Aço, Batman era motivo, segundo ele, é evitar uma guerra entre humanos e não
americana, ou pelo menos as que seus criadores entendiam um personagem violento, que carregava uma arma de fogo, humanos. A versão de Miller deturpa por completo o conceito
como tais. Ele é honesto, justo, se importa com os outros a casualmente matava e não se importava se seus inimigos original do personagem, e desagradou muitos fãs, mas ela faz
ponto de tomar atitudes, não se importa em se colocar em morressem durante o combate. Um personagem era pura sentido dentro da história por dois motivos. Primeiro, para o
perigo para ajudar as pessoas e respeita a vida acima de tudo. esperança e o outro puro cinismo (WAGNER apud DUIN, 1998, Batman ser o supremo desafiador, o Superman tinha que ser o
Ele é um dos mais poderosos personagens dos quadrinhos, p.44). Ele havia surgido de uma tragédia e buscava vingança. grande pilar de sustentação da situação. Miller relatou em mais
mas usa esse poder em prol do bem geral, mesmo ao custo de Quando o personagem se provou no mercado e suas vendas de uma ocasião que esta não é sua visão do Superman, mas
sua própria segurança. Ele representa um otimista, daqueles subiram, a editora tratou de tentar suavizá-lo. Ele perdeu uma licença criativa que ele tomou por sua série não se passar
que acreditam que as pessoas são boas por natureza. Ele é o a arma e Kane foi encorajado a acabar com as mortes. Seu em nenhuma cronologia oficial da DC. Com o Homem de Aço
cidadão perfeito, o ser humano exemplar, mesmo sendo um mais importante voto passou a ser o de não matar, mas como cão de guarda do governo que o Batman seguidamente
alienígena. Batman (figura 173), por outro lado, possui um antes disso tudo é válido. Ele não é cruel, mas também não desafiava e ignorava, Miller alinhou ambos em uma batalha
outro olhar. Ele é um personagem nascido da vingança, e que é misericordioso, ele faz o que tem que fazer para atingir final inevitável, que gerou o aclamado clímax de sua história.
não poupa esforços para punir os criminosos. seus objetivos. A versão de Miller para ambos os personagens
é bastante curiosa. Ele mostra que o personagem Batman é Em segundo lugar, a versão de Miller faz sentido de acordo com
Ao voltar para casa, vindos do cinema, Thomas Wayne, sua por demais forte, e esse lado desafiador e não subserviente a o Batman que ele estava criando. A versão dele do personagem
mulher e seu filho são surpreendidos por um assaltante ninguém é muito presente, e que qualquer tentativa de ajustá- é quase um anti-herói, cujos métodos são questionáveis, mas
armado que exige o colar da mãe de Bruce. O pai tenta
lo aos padrões e regras da sociedade estará fadada a falhar. Ele o resultado é benéfico. Essa versão de protagonista, que ditou
defendê-la e é morto. Ela grita, chamando pela polícia, e
é baleada também. O pequeno Bruce Wayne vê pai e mãe surgiu para os quadrinhos combatendo a polícia, passou a ser o modo como o Batman passou a ser representado, e que é
morrerem na sua frente. Dias depois, rezando ao pé da cama aliado do Comissário Gordon, mas não possui a aceitação de completamente contrária ao conceito do Superman, estava
ele diz: “Juro pela alma de meus pais que vou vingar a morte todos os órgãos da lei. A grande maioria, na verdade, preferia alinhada com o que os leitores da época pensavam sobre um
deles e passar o resto da vida em guerra contra todos os vê-lo preso, pois eles não tem qualquer controle sobre ele ou herói. Essa versão de herói, que é a valorizada até hoje, não
criminosos”. Durante 15 anos, ele se exercita para ser um sobre o que ele faz. O Batman não precisa da lei, mas a lei é a do herói certinho e bom moço, mas sim a do herói sujo e
grande cientista e um atleta. Mas precisa de um disfarce:
precisa do Batman, e a versão de Miller deixa isso bem claro. Já violento, que não poupa esforços para obter seus objetivos e
“Bandidos são covardes supersticiosos. Então meu disfarce
tem que ser capaz de infundir terror neles. Preciso ser o Superman lutou a vida inteira para se encaixar nos padrões que escancara o lado humano, amargo e vingativo. Hoje em
uma criatura noturna, negra, terrível... um... um...””Como sociais. Como um forasteiro, ele se esforçou para se tornar dia, o herói correto e respeitador de leis “está em baixa”, a
resposta um enorme morcego passa voando diante da janela um cidadão exemplar e, por suas crenças e caráter, virou pureza de caráter e de coração que fizeram sucesso e eram
aberta.””Um morcego! É isso! Esse é o sinal. Eu hei de me um modelo de “bom moço”. Miller eleva essa representação vistos como virtudes na Era de Ouro, hoje são entendidos
tornar um MORCEGO!” (IBID, p.186).
188 189

como fraquezas. Os personagens dominantes de antes, como ter confiado a última pedra de kriptonita28 na Terra ao juntamente com Watchmen, por dar início a uma era grim Cavaleiro das Trevas.
Superman e Captain America25, deram lugar aos Wolverines Batman por saber que se ele, Superman, algum dia saísse and gritty (que pode ser traduzido como severo, inflexível, sujo
26
(figura 174) e Spawns27 (figura 175). O resultado dessa do controle, o Homem Morcego não hesitaria em tomar as e violento) nos quadrinhos de super-heróis que estendeu-se Dentro dos quadrinhos, os resultados (do Cavaleiro das
representação de Miller foi o fim da amizade cristalina entre providências necessárias. até a metade da década de 1990. Nesse período muitos temas Trevas) foram misturados e sua influência ainda pode ser
Superman e Batman como existia, e a transformação desta adultos foram abordados à exaustão, geralmente violência sentida. O Cavaleiro das Trevas incitou alguns criadores
a seguir em direções idiossincráticas com seus trabalhos,
para uma amizade difícil e um respeito ressentido, cercada O legado do trabalho de Miller no Cavaleiro das Trevas já está explicita e sexo, independente dos personagens envolvidos.
enquanto outros foram inspirados à cultivar a estética
de tensão. Ambos os personagens se respeitam e confiam um profundamente enraizado no personagem. As representações Em muitos casos, essa interpretação tinha muito pouco a suja, violenta e visceral dos super-heróis que tomou conta
no outro, mas sabem que seus métodos são completamente do Batman que vieram depois foram invariavelmente sombrias, ver com o personagem, mas foi realizada do mesmo jeito por do final da década de 1980 e começo de 1990. Enquanto
diferentes e ambos desaprovam a posição um do outro, mas violentas e obsessivas como a de Miller, incluindo a versão do se enquadrar naquilo que vendia na época. Nos quadrinhos os resultados do Cavaleiro das Trevas são variados, seu
as toleram. Essa visão do relacionamento dos dois tornou-se já citado filme de Tim Burton. Esse resultado ajudou a formar de hoje, depois da febre inicial, ainda é possível identificar impacto no meio quadrinistico e em sua linguagem é
a padrão no mercado de quadrinhos e ainda é presente até o personagem, mas espalhou uma febre pelos quadrinhos traços do que estes títulos introduziram, e a representação inegável (BROWNSTEIN, 2000).

hoje. Um exemplo dessa nova relação é o fato de Superman cujos resultados são questionáveis. A HQ de Miller é creditada, de Batman deve até hoje muito ao que Frank Miller fez no

25 Captain America (Capitão América), cuja identidade secreta é Steve Rogers, é um personagem da Marvel Comics. Criado em 1941 por Jack Kirby e Joe Wolverine é um mutante que possui um olfato sobrehumano e uma capacidade de regeneração que o faz se recuperar de qualquer dano. O último, chamado
Simon, ele foi concebido e lançado no início da Segunda Guerra Mundial. Ele é o soldado perfeito, mais forte e rápido do que um humano normal graças a um de fator de cura, permitiu que, em um experimento do governo canadense, ele tivesse seu esqueleto revestido com o metal indestrutível Adamantium. Seu
experimento militar, Captain America é o combatente supremo e o maior patriota. Sua primeira aparição, em Captain America#1, o mostrava na capa dando temperamento explosivo e selvagem, aliado a sua natureza bestial que ele luta para controlar, fizeram dele um perfeito candidato para qualquer interpretação
um soco em Hitler. Seus gibis eram enviados para o front de batalha para incentivar os soldados. Depois da guerra, em sua última missão, ele caiu em um lago mais violenta e extrema. Ele se tornou o X-Men mas famoso e hoje é um dos personagens mais populares dos quadrinhos, eleito o primeiro dos 200 personagens
gelado e ficou congelado até a década de 1960 quando ele foi descoberto pelo super grupo de heróis Avengers (Vingadores). Desde então ele tem sido o líder mais importantes em uma recente edição da revista Wizard (2008, 200, p.27).
do grupo formado originalmente por Iron Man (Homem de Ferro), Thor, Hulk, entre outros. O personagem luta pelos ideais da justiça e verdade para todos, e 27 Spawn é um personagem criado por Todd McFarlaine no nascimento da Image Comics em 1992. Ele era um soldado que ao morrer faz um acordo com o
sua posição tem sido bastante delicada no atual cenário mundial. Recentemente ele foi morto por um de seus maiores vilões, e sua morte chamou atenção da demônio Malebolgia para retornar e ver sua mulher uma última vez. Ele retorna como um enviado do inferno (hellspawn) descarnado e possuidor de poderes
mídia não especializada. mágicos ilimitados e força sobrehumana. Ao descobrir que cinco anos se passaram e que sua mulher está casada com seu melhor amigo e tem uma filha, Spawn
26 Wolverine, cuja identidade é Logan, é um personagem canadense da Marvel Comics criado por Len Wein e John Romita Jr. como um adversário do Hulk tenta renegociar seu acordo acusando o demônio de traição, mas não tem sucesso. Ele passa a lutar para não perder sua humanidade enquanto combate forças
em 1974. O personagem foi recrutado no ano seguinte para integrar o grupo de mutantes X-Men. Depois de um inicio incerto, o personagem se desenvolveu, místicas e reais. O título é bastante violento e o personagem pode ser considerado um anti-herói.
em parte graças ao trabalho de Chris Claremont e John Byrne, e em parte ao trabalho de Frank Miller, e se tornou um dos principais personagens do grupo. 28 Kriptonita é um minério oriundo de Kripton, planeta natal do Superman. O minério é sua maior fraqueza, pois sua exposição a ele pode matá-lo.
190 191

Figura 172 Superman Atual Superman Cover to Cover, 2006. Figura 173 Batman Atual Batman Cover to Cover, 2005. Figura 174 Wolverine BENDIS, 2005. Figura 175 Spawn McFARLAINE, 1996.
192 193

4.1. Cavaleiro das Trevas: uma análise visual

Frank Miller estruturou sua narrativa visualmente a partir da utilizando uma quantidade menor para não cansar o leitor.
história, mas o fez pensando na temática e no impacto das Quando Miller chegou aos quadrinhos, essa prática já estava
soluções visuais, mesmo, em alguns momentos, sacrificando a em transição, diversos quadrinistas como Neal Adams, Jim
clareza e a objetividade pregada pela narrativa clássica. O que Steranko, Steve Ditko, já trabalhavam com layouts de página
não significa dizer que ele inovou. Na verdade, seu trabalho mais ousados, variando a quantidade de quadros. O próprio
era bastante clássico em muitos sentidos, mas com soluções Miller já fizera uso dessas soluções abusando da quantidade
diferentes. A análise que se seguirá abordará uma parte destas de quadros por página em prol da tensão na narrativa em
soluções, mas não objetiva abordar todas pois seria inviável Daredevil e em Ronin. Em Batman The Dark Knight Returns,
nessa dissertação e desnecessária ao estudo. Os assuntos ele elevou isso ao extremo aplicando um grid inicial de 16
estão divididos em subtítulos, mas é importante ressaltar que quadros que se repete em todas as páginas durante a toda
as soluções e técnicas são utilizadas em conjunto umas com mini-série. Ele trabalha com variações, utilizando menos
(acima) Figura 176 Grid 16 O Autor, 2008.
as outras e dificilmente uma página possui apenas uma. A quadros em algumas páginas, mas sempre dentro desse grid.
divisão foi feita para facilitar a análise e o entendimento. Ele faz uso de elementos clássicos como as páginas splash (a direita) Figura 177 DKR 1 Pg. 1 MILLER, 2002.
com bastante propriedade, utiliza as onomatopéias com os
Miller queria criar uma história do Batman que fosse extrema, elementos narrativos e visuais e manipula os textos e imagens
que remetesse o personagem aos seus melhores momentos e para criar um storytelling tenso como a temática da história.
ainda fosse inserida no contexto social da década de 1980. Ele
queria que o tema de sua história fosse mitológico, dramático
grid
como uma ópera (MILLER apud SALISBURY, 2000, p.176). A
forma que ele encontrou para representar essas qualidades de
forma visual foi trabalhar com layouts caóticos e extremamente Miller apresenta esse grid (figura 176) logo na primeira página
cheios, com uma profusão de textos e quadros em cada (figura 177), em que ele introduz o protagonista Bruce Wayne
página. No modelo clássico de narrativa, aquele estabelecido em closes se acidentando. Dos 16 quadros da página, 13
por Eisner em seu Quadrinhos e Arte Seqüencial, a quantidade são idênticos em tamanho e formato, apresentando Wayne
de quadros por página deveria seguir um equilíbrio em sua pilotando e em seguida se acidentando, mas os três últimos
distribuição, sempre levando em consideração a clareza e quadros introduzem os já citados quadrinhos televisivos e
fluidez da história. Não era comum utilizar muitos quadros a âncora do telejornal, personagem que aparecerá na série
por página, e se o autor o fizesse, compensaria nas demais inteira. É interessante notar que o texto é sempre colocado
194 195

fora desses quadrinhos, acima deles, e nunca dentro. Miller apresentar o clima da cidade, nesse caso um calor infernal
representa a televisão como ela é, separando texto e desenho, introduzido na primeira vez que Miller apresenta a cidade
representando a separação entre som e imagem. (página 2). Ele usa a cidade de novo para comentar o clima
na página 18 da mesma edição (figura 180), uma tempestade
A segunda página traz a cidade de Gotham quebrando parte desta vez. Essa repetição de formato e tema, além de cumprir
do grid, ocupando o espaço de 6 quadros em uma página a função de quebrar o ritmo, como já foi dito, ajuda a situar
infestada de quadrinhos televisivos (figura 178). Essa imagem o leitor durante o avanço da história funcionando como um
de Gotham se repete por toda a série, sempre oferecendo um estabilishing shot recorrente. As únicas vezes que ele usa esse
respiro ao leitor do tenso ritmo estabelecido pelo grid de 16 recurso de forma diferente são nas páginas 31, da primeira Figura 178 DKR 1 Pg. 2 MILLER, 2002. Figura 179 DKR 1 Pg. 5 MILLER, 2002.
quadros. Acontece de novo na página 5 (figura 179), porém edição, e na 40, da segunda edição. Na 31, Miller mostra
de forma inversa, na base da página, retornando ao alto na Gotham amanhecendo e, no quadrinho televisivo inserido, a
18 (figura 180), e na 34 da primeira edição (figura 181). No ativista pró Batman faz menção a expectativa de ver o batsinal importância do último quadrinho da página da direita, pois ele mencionados pela âncora de televisão na página anterior, Bruce
decorrer da série, Miller usa muito menos esse recurso de projetado nas torres gêmeas da cidade, o que é exatamente deve ser interessante o suficiente para fazer com que o leitor Wayne e o Comissário Gordon. Miller trabalha todos os quadros
manipulação do ritmo. mostrado na visão da cidade apresentada na página 40 da vire a página. Miller faz isso mostrando no último quadrinho da mesma forma, com closes e enquadramentos parecidos.
segunda edição, o símbolo do personagem projetado sobre as a âncora do telejornal falando em tom de despedida, como O foco é nos personagens e no que eles estão dizendo, por
Na segunda edição, ele quase não o faz, e Gotham aparece torres da cidade (figura 182). se o leitor estivesse para desligar a televisão. A proximidade isso o fundo é composto apenas pela cor. A cena é simples,
apenas na página 40, representada como uma silhueta dela da “tela” também ajuda a chamar atenção para o quadro. mas ele usa técnicas da narrativa clássica para torná-la ainda
ocupando metade da página. Na terceira edição, ele não usa, e A segunda página da primeira edição, na verdade, oferece uma Ao virar a página, ele é conduzido para o mundo “real”, fora mais compreensível, como manter o posicionamento dos
na quarta, a cidade faz uma breve aparição na página 17 e na amostra do que está por vir (figura 178). Ela é composta por da televisão. A transição funciona pois Miller cumpre o que personagens em relação um ao outro, Gordon sempre aparece
página 20, mostrando um avião em queda e o resultado dessa dez quadrinhos televisivos que Miller usa para introduzir três promete, ao desligar a televisão o leitor “retorna” ao mundo olhando para a direita e Wayne para a esquerda. Quando ele
queda na cidade. A cena toma os quatro quadrinhos de ambas informações vitais para a história: Gotham sofre com uma onda real (figura 183). introduz um elemento característico do personagem, o charuto
as páginas. Ele só volta a mostrar Gotham da mesma forma de violência, o Comissário Gordon está prestes a se aposentar de Gordon, ele o utiliza para solidificar as posições entre os
na mesma edição na página 31, exibindo os efeitos do inverno e Batman está ha dez anos sem ser visto. Essa quantidade As páginas 3 e 4 (figuras 183 e 184) oferecem uma possibilidade personagens, no sétimo quadrinho onde o charuto aparece em
nuclear com a neve caindo sobre a cidade (figura 159), e um grande de informações é passada de forma eficiente ao leitor de analisar a forma como Miller manipulará esse grid de 16 primeiro plano recortando Wayne, e aproveita para mostrar a
quadrinho televisivo inserido sobre ela. Essa tomada da cidade com o dinamismo da televisão, onde notícias são transmitidas quadros em seus layouts por toda a série. Ao olhar a página três, resposta de Wayne a incômoda pergunta de Gordon sobre Dick
é usada por Miller para trabalhar a passagem de tempo na em alta velocidade. E o último quadrinho da página faz a o leitor identifica que o quadrinho mais importante é o último Grayson, o primeiro Robin, de frente. Miller já usava as sombras
história, e é exatamente igual a trabalhada por ele na quarta conexão com a próxima página e com a cena seguinte. Um da página, pois ele é o maior ocupando metade do grid. Os oito pesadas e largas que aparecem na série, e que caracterizariam
página da primeira edição, onde ela também é usada para dos preceitos básicos da narrativa de quadrinhos é o da primeiros quadros focam a conversa entre os dois personagens o seu trabalho daí para frente, em alguns desses quadros.
196 197

Figura 180 DKR 1 Pg. 18 MILLER, 2002. Figura 181 DKR 1 Pg. 34 MILLER, 2002.

(acima e a direita) Figura 182 DKR 1 Pg. 40 MILLER, 2002.

(a direita) Figura 183 DKR 1 Pg. 3 MILLER, 2002.


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Figura 184 DKR 1 Pg. 3 MILLER, 2002.

Notadamente o segundo, o terceiro, o quarto e o oitavo. Como sob um poste de luz no Beco do Crime, local onde seus pais
não é importante para esta parte da cena que o leitor saiba foram mortos quarenta anos atrás. O beco é emblemático na
onde os personagens estão, Miller não mostra nenhum indício, história do personagem e também o é nesta história, pois é aqui
e guarda o estabilishing shot para o último quadrinho da que o Batman se manifesta pela primeira vez como uma fera
página. Na verdade, esta imagem também estabelece o cenário clamando por liberdade. Nos quadrinhos que se seguem, do
da próxima página, mostrando Wayne caminhando pelas ruas sexto ao décimo, Miller enfatiza o personagem. Ele apresenta o
sujas e caóticas de Gotham. Miller deixou um espaço lateral ao perigo através dos balões dos ladrões, os mostra brevemente no
lado do quadro para o texto letrerizado por John Constanza. A oitavo quadrinho como figuras enquadrando Wayne, mas eles
imagem, sem nenhuma interferência textual, oferece ao leitor são meros coadjuvantes na ação. Os ladrões funcionam como
a primeira chance de ver por completo o envelhecido Bruce catalisadores do ressurgimento do Morcego, e Miller mostra
Wayne e de vivenciar a decadência de Gotham. O quadrinho isso graficamente. O foco é completamente no protagonista, a
maior permite que o leitor leve mais tempo nele e absorva de presença dos bandidos é sentida nas reações de Wayne cada
forma mais demorada a situação melancólica e conflituosa vez mais próximas no enquadramento, e nos balões de fala dos
do protagonista. O texto complementa a informação como ladrões. E o balão cinza do Batman faz sua primeira aparição
uma combinação interdependente, e em parte duo específico. diferenciando-o do de Wayne. A cor também é trabalhada em
Na página 4, os primeiros quadrinhos apresentam o primeiro prol da narrativa, nos primeiros quadros da página 3 as cores
contato do leitor com os pensamentos do personagem são mais quentes e ajudam a compor o fundo do quadrinho,
conforme ele dá a si mesmo desculpas por ter abandonado o demonstrando uma sensação de aconchego do espaço interno.
combate ao crime. Os enquadramentos vão ficando cada vez A partir do nono quadrinho, as cores ficam frias e quase
mais próximos e apertados representando essa luta interna do monocromáticas, representando a desolação da cidade e sua
personagem, enquanto quem continua a história é o texto em aspereza emocional. Elas escurecem gradualmente conforme
uma combinação específica de palavras. Miller muda o ângulo a narrativa progride rumo a página seguinte, mas Lynn Varley
do enquadramento do quarto quadrinho, o último da seqüência, trabalha a valorização de alguns quadrinhos importantes
abordando o personagem de cima, como se fosse a visão do tornado-os mais claros, quase brancos, como o quarto e o
poste de luz do quinto quadrinho da página, trabalhando sétimo da página quatro. Essa identidade visual de cores é
com a antecipação. O quinto quadrinho é o mais importante mantida sempre que a cidade é mostrada como uma metrópole
da página, pois ele mostra o velho e bigodudo Wayne parado melancólica sob os olhos do protagonista.
200 201

Figura 185 DKR 1 Pg. 6 MILLER, 2002.

quadrinho

Miller usa a relação do quadrinho com a mensagem em quadrinhos televisivos conecta as duas cenas.
diversos momentos. Um exemplo disto está na página 6 (figura
185), quando o cirurgião plástico e o psiquiatra de Harvey A cena a seguir é importante para explicar a formação do
Dent, ex-Duas Caras, se preparam para retirar as bandagens personagem. Ela já havia sido feita antes, mas brevemente,
do rosto recém operado de seu paciente. Duas Caras possui não com tamanha exploração visual e dramaticidade como fez
metade do rosto desfigurado devido à um acidente com ácido, Miller. Ela é tão forte que foi reproduzida no recente filme de
e essa condição se reflete em sua dupla personalidade. Miller Christopher Nolan Batman Begins. A cena mostra um sonho
explora essa dualidade do personagem na disposição dos de Wayne relembrando seu primeiro contato com os morcegos
quadrinhos a partir do oitavo. Todos os quadrinhos até o fim que habitam as cavernas abaixo da mansão de sua família. Ela
da página são divididos ao meio sendo compostos por dois começa na metade da oitava página (figura 187), e Miller usa
quadros. E a divisão sempre cai estrategicamente no meio do três quadrinhos para fazer um estabilishing shot dramático
rosto de Harvey Dent. Isso se repete até o último quadrinho e temático apresentando uma silhueta da mansão Wayne
da página quando a totalidade da imagem é restabelecida de contra a lua cheia, que é cruzada por um morcego voando.
forma análoga à reconstituição do rosto do personagem, que O estabilishing shot, usado de forma inovadora e diferente da
ainda não é revelado ao leitor escondido por um espelho. A narrativa clássica, apresenta o lugar, mas também dá o tom
curiosidade impele o leitor a virar a página, valorizando o último à seqüência. Através da justaposição das imagens, o leitor
quadrinho, e ele é recompensado pelo primeiro quadrinho da entende que Wayne, mostrado no décimo segundo quadrinho,
página 7 (figura 186), que mostra o rosto completo de Dent. está no lugar estabelecido no quadrinho anterior, a mansão. A
cor ajuda a dar unidade a cena, pois o azul é mantido durante
Os quadrinhos televisivos fazem o papel de transição na história a passagem. O texto auxilia a passagem seguinte, do décimo
conectando a cena de Dent com a cena do sonho de Wayne, segundo para o décimo terceiro quadrinho. Wayne murmura
que é a seguinte (figura 187). Essa conexão funciona para ao dormir “...mais rápido do que um coelho...”, e no quadrinho
avançar a história ao mesmo tempo que oferece explicações seguinte aparece ainda criança correndo atrás de um coelho. O
adicionais e reflexões sobre os eventos recém apresentados. A leitor entende que o garoto mostrado é o pequeno Wayne em
televisão mostra a repercussão do caso de Dent ao entrevistar função também da justaposição de imagens e da informação
os médicos, o próprio Dent já recuperado, o Comissário Gordon textual. A cores desaturadas e claras destacam o sonho da
e termina com as declarações de Wayne, que foi o patrocinador realidade até o último quadrinho da página que mostra o
da operação de Dent. Ao terminar em Wayne, a seqüência de pequeno Wayne caindo em um buraco. Miller vazou o preto
202 203

do quadrinho para o fim da página dando continuidade a A próxima imagem é um close extremo do rosto de Wayne
imagem, e o balão de um dos pais do garoto gritando seu dividido em quatro partes. Esse recurso dramatiza a imagem
nome ajuda a tornar a cena forte. Na página seguinte (figura ao diminuir a velocidade de leitura do quadro, forçando o leitor
188), Miller continua a narrativa com um longo quadrinho a absorver cada parte da imagem por vez, que mostra Wayne
vertical ocupando todo o lado esquerdo da página. Ele assustado olhando para algo. O último quadrinho da página
representa a profundidade da caverna com o formato vertical é completamente preto, quebrado por dois olhos e narinas
do quadrinho e ao desenhar o garoto pequeno em relação alaranjados. O quadro é precedido por um texto narrado por
ao tamanho do quadrinho. A onomatopéia é fundamental Wayne. A narração é feita da mesma forma que anteriormente
nesta seqüência. A base do quadrinho é povoada de palavras quando o personagem já mais velho foi apresentado pensando,
repetidas que surgem da escuridão. Elas representam os sons e isso serve para conectar os dois Waynes. A décima página
emitidos pelos morcegos. Miller repete o recurso no segundo (figura 189) começa com uma seqüência de oito quadrinhos
quadrinho, porém invertendo as posições do garoto e das mostrando a aproximação do morcego em direção ao garoto,
onomatopéias reforçando a idéia de que ele caiu e aterrisou. O consumindo-o com sua sombra. Miller mostra a cena ritmada,
balão de Wayne auxilia a leitura conectando os dois quadros. com os quadrinhos todos do mesmo tamanho e a ação se
Ele compõe os dois quadrinhos seguintes de forma bastante desenrolando seqüencialmente interrompida apenas no
gráfica variando a posição dos morcegos entre o primeiro quinto quadrinho por um close assustador do morcego. O
e o terceiro plano mantendo Wayne no segundo, dando texto continua fora dos quadrinhos até o último da seqüência,
(acima) Figura 186 DKR 1 Pg. 7 MILLER, 2002. a sensação de que o garoto está cercado pelos animais. A o oitavo, quando o texto é inserido em um balão de narração
onomatopéia ocupa todo fundo dos quadros ajudando a dentro do quadro e já na cor cinza característica do Batman.
(a direita) Figura 187 DKR 1 Pg. 8 MILLER, 2002.
demonstrar a desorientação. Conforme os morcegos passam A página termina com um grande quadrinho ocupando a
pelo garoto, no quinto quadrinho, as onomatopéias diminuem metade de baixo mostrando o Wayne mais velho observando
de tamanho e intensidade, demonstrada pela mudança da a caverna. A cena é mostrada de cima com o intuito de revelar
cor vermelha para cinza usando um recurso técnico de forma a base do Batman completamente desativada, com todos
narrativa. Miller distancia a “câmera” do garoto mostrando a os veículos e equipamentos cobertos por lençóis. O texto
amplitude da caverna e valorizando a condição solitária em se estabelece do lado esquerdo do quadro, sem interferir
que ele se encontra. No quadrinho seguinte, ele amplifica esse na imagem, deixando a mensagem visual bastante clara. O
sentimento com um close em Wayne, mas sem ocupar o quadro quadro é igual ao mostrado na página três, quando vimos
todo, o garoto aparece no canto inferior direito do quadrinho. Wayne por inteiro pela primeira vez, porém é invertido. A cor
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(a extrema direita) Figura 188 DKR 1 Pg. 9 MILLER, 2002.

(a direita) Figura 189 DKR 1 Pg. 10 MILLER, 2002.

(abaixo) Figura 190 DKR 1 Pg. 12 MILLER, 2002.

(página 206) Figura 191 DKR 1 Pg. 13 MILLER, 2002.

(página 207) Figura 192 DKR 1 Pg. 14 MILLER, 2002.

(página 208) Figura 193 DKR 1 Pg. 15 MILLER, 2002.

(página 209) Figura 194 DKR 1 Pg. 16 MILLER, 2002.


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também transmite uma mensagem interessante e importante do velho Wayne assustado com a lembrança, e imagens da o disparo que vitima Thomas. Primeiro o leitor acompanha âncora do telejornal, que enfim traz boas noticias sobre o
para a história. Wayne e a caverna são representados com tons própria lembrança. Conforme a memória assume o papel o gatilho sendo pressionado e depois a trajetória da cápsula tempo (do quadrinho nove ao dezesseis). As onomatopéias
frios e desaturados, cinzas e marrons, enquanto o morcego, o central na narrativa, Miller concentra as imagens nas reações da bala sendo ejetada da arma. No décimo quadrinho Miller presentes nos quadrinhos que mostram Wayne trocando de
agente transformador da mudança do personagem, é sempre do pequeno Wayne brincando. Seus pais são apresentados retorna para o enquadramento do garoto e da mão do pai, canal ajudam o leitor a entender que ele está operando o
representado com cores quentes e vivas, laranjas e vermelhos, nos três primeiros quadrinhos da lembrança, respectivamente para mostrar indiretamente a morte do mesmo. Os últimos controle remoto. Ao retornar para o grid padrão, o quadrinista
destacando-o em detrimento do personagem. o sexto, o oitavo e o nono da página, mas em seguida, as quadrinhos da página apresentam enquadramentos de partes mostra cenas de Wyane sucumbindo a tristeza intercaladas
atenções são voltadas para o garoto. Miller antecipa o assalto do corpo do pai caindo e da mãe sendo atacada pelo assaltante, por um quadrinho das contas do colar de sua mãe ainda
Nas páginas 13 e 14, Miller aborda o momento mais famoso da através da expressão nas mãos de Thomas Wayne, pai de Bruce, remetendo a confusão instaurada na cena. Miller potencializa intactas. O último quadrinho da página apresenta um close
história do personagem, o assassinato de seus pais. Desde sua agarrando a camisa do filho e puxando-o para trás de si. No a dramaticidade da cena através de closes e super closes. do protagonista com a mão na frente do rosto, a imagem e a
introdução na cronologia do Batman, a cena é provavelmente penúltimo quadrinho da página, o leitor vê o rosto assustado posição da mão fazendo uma menção à ele mesmo vestindo
a passagem mais visitada por quadrinistas em toda a sua do garoto e em seguida o cano da arma. O quadrinista Enquanto o ladrão busca o colar de pérolas da mãe, o leitor a máscara do Batman. A décima sexta página (figura 194)
história. Toda HQ dele remete a esse evento que marcou o compôs as imagens dentro dos quadrinhos de modo que elas passa para a página seguinte, décima quinta (figura 193), começa com um quadrinho amplo, onde o grid faz as vezes
nascimento do Batman. Miller trabalha sua interpretação da ficassem uma de frente para outra, para estressar a relação e onde Miller inicia a conclusão da cena voltando a intercalar das janelas da mansão enquanto um Wayne transtornado
seqüência como o restante da história, de forma dramática. a justaposição, Bruce Wayne olha para a direita enquanto a imagens da lembrança com as do presente. A morte da mãe esbarra e derruba uma estátua em sua casa quebrando-a. O
É um dos poucos momentos da mini-série em que Miller arma aponta para a esquerda. Nos dois primeiros quadrinhos é mostrada também de forma indireta, mais até do que a do movimento de queda da estátua é repetido pelos balões de
utiliza o grid de 16 quadros por completo por mais de uma da página seguinte (figura 192), Miller retorna ao mesmo pai, pois o leitor vê o bandido apontar a arma para o pescoço pensamento do personagem dando mais dinâmica a cena e
página. O leitor é forçado a ler as duas páginas sem respiro, e enquadramento da mão do pai sobre o filho. Novamente, o dela enroscando seu braço no colar, e entende que o tiro ajudando a conduzir o olhar do leitor. Na metade de baixo da
a ação se desenrola vagarosamente como uma seqüência em leitor vê as reações do pai através da expressividade das mãos, foi disparado ao ver as contas do colar se separarem. Essas página, Miller intercala imagens de Wayne no chuveiro com
slow motion. Miller obtém esse efeito através da quantidade neste caso, o pai cerra o punho indicando que ele não aceitará últimas cenas são gradativamente intercaladas por imagens imagens do flashback, a cápsula da bala ejetada, ele quando
de quadros por página. A cena começa na página anterior, 12 pacificamente o assalto. No terceiro e quarto quadrinhos, do rosto do velho Bruce assustado. Miller acrescenta balões jovem em pânico e as contas do colar voando, tudo isso com
(figura 190), com Bruce Wayne assistindo televisão e o filme Miller inverte o ponto de vista fazendo um contra plano, como do som da televisão reportando crimes cometidos em Gotham, balões de pensamento fora dos quadros documentando a luta
lhe desperta lembranças perturbadoras. A Máscara do Zorro é chamada essa inversão no cinema. O leitor agora está atrás como o seqüestro de crianças pela gangue dos Mutantes. A interna do personagem. Ao virar a página mais uma vez, o leitor
é o mesmo filme que ele fora assistir com os pais no cinema do garoto e do pai vendo o assaltante pela primeira vez. A seqüência termina com um último quadrinho focando um é confrontado pelo grid quase completo de novo. Miller mostra
quando estes foram assassinados. O primeiro quadrinho da cabeça do jovem Wayne está em primeiro plano, a silhueta do apresentador de televisão. Miller quebra o grid preenchendo a uma imagem de Wayne no escritório de sua casa, a grade da
página 13 (figura 191) mostra o velho Wayne bebendo vinho braço do pai é mostrada no segundo plano, e o assaltante em composição de quadros emulando Wayne zapeando entre os janela está em primeiro plano representando o aprisionamento
em frente à televisão. Nos três quadrinhos seguintes, a câmera terceiro. No quarto quadrinho, o braço do pai está mais alto canais tentando fugir das notícias ruins que estão em todos do Batman dentro de Wayne. O quadrinista intercala imagens
se aproxima do rosto de Wayne enquanto ele percebe o filme mostrando a reação ao assaltante. Nos cinco quadrinhos que os canais. Ele intercala imagens do protagonista com diversos do protagonista sofrendo ao ouvir mensagens de sua secretária
que começa. Na linha de baixo, Miller intercala quadrinhos se seguem, Miller usa closes extremos da arma para mostrar apresentadores de televisão até culminar na já conhecida eletrônica, uma de Harvey Dent, ex-inimigo supostamente
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reformado, uma de Clark Kent, amigo distante, e Selina Kyle, ex- esta seqüência tornou-se uma referência da passagem na
rival e amante, todos relacionados primariamente ao Batman história do Batman.
e não a Wayne, com imagens da janela e de um morcego se
aproximando desta. A iluminação é sombria e escura, recortada onomatopéia
apenas pelos relâmpagos. Conforme a câmera se aproxima do
personagem e da janela, as imagens quase se unem, e Wayne
abandona o rosto desesperado se conformando e abraçando a O som, emulado através da onomatopéia, é um elemento muito
mudança. No último quadrinho da página, o maior ocupando importante no storytelling do Cavaleiro das Trevas, tanto para
quatro quadros do grid, Miller mostra um morcego destruindo o layout das páginas, como para a narrativa visual, como para (acima) Figura 195 DKR 1 Pg. 23 MILLER, 2002.

a vidraça da casa. A imagem é simbólica pois representa o andamento da história. Na página 23 da primeira edição
(a direita) Figura 196 DKR 1 Pg. 24 MILLER, 2002.
a primeira vez que ele se tornou o Batman, e é usada aqui (figura 195), Miller abre com uma grande onomatopéia de um
para marcar sua ressurreição. As cores de toda a seqüência trovão ocupando toda primeira parte horizontal de cima do
seguem uma identidade, o flashback transita entre o cinza e o grid. Mas a própria onomatopéia faz as vezes do quadrinho já
marrom, semelhantes aos do outro flashback, as imagens de que o próprio relâmpago é mostrado dentro dela. A narrativa
Wayne em sua casa são majoritariamente azuis com exceção progride mostrando Carrie, a futura Robin, e uma amiga
das que mostram o efeito do relâmpago na iluminação, e as da andando por uma região iluminada por neons na cidade. Ele
televisão são coloridas e mais saturadas. A seqüência de Miller usa o neon de um desses lugares para caracterizar o corte na
é muito original e faz uso eficiente do seu grid e da temática eletricidade (quadrinhos sete e oito), e reforça essa situação
mais dramática e exagerada da série. Não foi por acaso que trabalhando apenas com silhuetas (a partir do quadrinho nove
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até o fim da página e na próxima). Na página seguinte (figura sensação conhecida por qualquer habitante de uma metrópole
196) mantém consistente esse uso de silhuetas para escuridão, do alto som e da barulheira do trânsito, especialmente com
mostrando cores e detalhes apenas quando os quadros são uma sirene por perto. Miller trabalha a composição dos
iluminados por relâmpagos. Miller usa a onomatopéia como quadros combinando as imagens e os textos da onomatopéia
elemento visual condutor da narrativa no quinto quadrinho, de forma dinâmica, usando-as para reforçar a movimentação
e do sexto para o sétimo, quebrando a borda do mesmo com das figuras. Na perseguição, ele focou os dois policiais de
o grito do bandido. Ele repete essa solução na passagem do dentro da viatura, um novato e um experiente. Conforme a
nono para o décimo quadrinho com a onomatopéia do braço cena chega ao fim da página 26, ele confirma o retorno do
do outro bandido se partindo. Esse uso do efeito sonoro ajuda protagonista usando a experiência do policial mais velho que
a conduzir a leitura. desliga a sirene, ato reforçado pelo fim da onomatopéia, e
antecipa a entrada do Batman, que é consumada na página
Na página 25 (figura 197), Miller continua usando as seguinte (figura 199), na primeira página splash da série.
onomatopéias na narração. Nos dois primeiros quadros, ele
faz a conexão visual através dela, e no sétimo e oitavo elas Miller mostra o personagem em toda sua glória, usando
são utilizadas para mostrar a sirene do carro de polícia e para um ângulo baixo para enquadrá-lo caindo do céu e com
conectar dois quadros (o balão de transmissão do rádio da aspecto grandioso. A combinação da imagem com o texto é
(acima) Figura 197 DKR 1 Pg. 25 MILLER, 2002. polícia). Na história, o leitor já leu metade da edição, sabe que interdependente oferecendo ao leitor acesso aos pensamentos
Batman retornou, já viu alguns indícios desse retorno, mas do personagem. A página não é um splash clássico pois possui
(a direita) Figura 198 DKR 1 Pg. 26 MILLER, 2002. ainda não foi apresentado a ele. Miller constrói esse retorno três inserções de quadrinhos televisivos e seus balões, que
aumentando a tensão e espalhando a informação de sua volta. mostram pessoas dando depoimentos sobre uma criatura
Os quadrinhos televisivos nas páginas 25 e 26 (figura 198) sobrenatural ao comentarem sua experiência quando foram
relatam os telejornais através de diferentes âncoras dando salvas pelo Batman. Os depoimentos servem à dois propósitos:
notícias de seu aparente retorno, mas ainda sem nenhuma valorizar o personagem em sua aparição, comparando os
fonte confiável. Os informes da televisão são intercalados por comentários com a imagem e a visão do próprio Batman, e
cenas de uma perseguição policial à um carro com bandidos. As inseri-lo definitivamente no universo da história dominado
cores, sempre laranja, além do formato dos quadrinhos, ajudam pela televisão. No primeiro quadrinho da página seguinte
o leitor a diferenciar as transmissões televisivas do mundo (figura 200), o leitor é apresentado ao carro dos bandidos da
“real”. As onomatopéias são amplamente usadas aqui dando a seqüência anterior e suas caras espantadas, e é sobre ele que
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(acima) Figura 200 DKR 1 Pg. 28 MILLER, 2002. (acima) Figura 201 DKR 1 Pg. 31 MILLER, 2002.

(abaixo) Figura 202 DKR 1 Pg. 32 MILLER, 2002.

Figura 199 DKR 1 Pg. 27 MILLER, 2002.


218 219

silhuetas

o Batman cairá. A página é composta apenas por quadrinhos Miller abusou do uso de silhuetas e da variação de áreas
horizontais quebrando o grid original, que valorizam a coloridas para algumas com poucas cores, e até preto e
movimentação e a narrativa cinematográfica. A onomatopéia brancas na série. Nas páginas 45 e 46 (figuras 203 e 204),
é fundamental assegurando a sensação de movimento do que concluem a primeira edição mostrando o embate final do
carro nos quadros. A do segundo quadrinho, que é o maior da Batman com o Duas Caras, ambas as páginas possuem duas
página, é bastante inovadora ao mostrar a palavra segmentada grandes áreas horizontais, no topo e na base, e um intervalo
por círculos emulando o impacto do Batman aterrisando no no meio. Na primeira, a 45, Miller começa com uma tomada
capô do carro. Os demais quadrinhos da página são estreitos e interna de um escritório cuja janela está sendo quebrada por
dinâmicos acelerando a leitura e a movimentação. Nas páginas Batman e Duas Caras se atracando. A cena é toda construída
31 e 32, Miller faz uso das onomatopéias de forma mais direta. por silhuetas que são quebradas apenas pela onomatopéia
Na primeira (figura 201), os quadros longos e verticais tornam branca do som dos vidros estilhaçados. O que se segue são
a ação ágil e rápida de ler e remetem ao ambiente fechado em oito quadrinhos intercalados com cenas da briga entre os
que ela se passa, onde os bandidos estão a mercê do Batman. personagens, e um helicóptero se afastando. Os quadrinhos
Nos primeiros dois quadrinhos, a onomatopéia comunica ao Figura 203 DKR 1 Pg. 45 MILLER, 2002. Figura 204 DKR 1 Pg. 46 MILLER, 2002. com a briga (três, cinco e sete), que são todos do mesmo
leitor o barulho do chão de madeira, que mascara a sorrateira tamanho, são mostradas apenas silhuetas também quebradas
movimentação do Batman. No quarto, a posição das letras pelas onomatopéias dos golpes, mas Miller usa as bandagens
ajuda a caracterizar o movimento do bandido sendo puxado do rosto do Duas Caras para ajudar o leitor a entender as
pelo Homem Morcego. A cor branca da onomatopéia a largas áreas pretas. Já os quadrinhos do helicóptero, também
destaca do restante do quadrinho. No quinto quadrinho, ela é usando puramente silhuetas, vão diminuindo cada vez mais
posicionada exatamente abaixo da metralhadora disparando, conforme ele se distancia. A própria onomatopéia também
funcionando como um prolongamento da ação. E por fim, no diminui dando continuidade a mensagem, e as sarjetas ficam
quinto quadrinho da página 32 (figura 202), a onomatopéia cada vez maiores conforme ele se distancia. Este é um recurso
ajuda a potencializar os efeitos da cena. O efeito sonoro de interessante para resolver o problema do tempo, pois os três
quebra no chute do Batman faz do golpe muito mais potente golpes da briga levam menos tempo para se desenrolar do que
do que ele seria sem ela. o distanciamento do helicóptero. Essa solução ainda ajuda a
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criar um senso de expectativa no leitor que leva mais tempo


se deslocando de um quadrinho ao outro. O clímax da página
é a grande explosão do último quadrinho, que também é a
imagem mais colorida da página. No primeiro quadrinho da
página seguinte, Miller mostra o resultado desta explosão de
cores no universo monocromático das páginas. O quadrinho é
preto e branco com as figuras em alto contraste. Os balões são
amarelos destacando-os da composição e facilitado a leitura.
Esse alto contraste e o grande balão amarelo com a fala do
Batman também valoriza o momento em que ele descobre que
o homem por trás das bandagens é mesmo Harvey Dent, ou o
Duas Caras, apesar de sua torcida para que fosse apenas um
imitador. O meio da página retorna ao grid básico da história
(acima) Figura 205 DKR 2 Pg. 3 MILLER, 2002.
e Miller abre espaço para mais nuances e tons fugindo do alto
contraste, mas termina o último quadrinho com a escuridão,
(a direita) Figura 206 DKR 2 Pg. 40 MILLER, 2002.
refletindo a conclusão soturna da primeira edição.
(acima e a direita) Figura 207 DKR 4 Pg. 24 MILLER, 2002.
Ele usa o recurso da silhueta de forma dramática por toda a
série, como ao apresentar Batman patrulhando a cidade pela
primeira vez na segunda edição (página 3) (figura 205), ou na
conversa de Batman com Gordon no topo da delegacia (página
40) (figura 206). Ele faz variações na silhueta de diversos
personagens, como ao mostrar a capa amarela da Robin na
página 8 da terceira edição, ou a capa vermelha do Superman
em diversos momentos (figura 207). Esse uso da silhueta é um
marca registrada de seu trabalho e ele elevou a prática com
maestria em Sin City, sua HQ em preto e branco.
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balões

O quadrinista também recorre aos balões para conduzir a


narrativa dependendo da necessidade. Na página 10 da segunda
edição (figura 208), Miller usa os doze últimos quadrinhos
da página para trabalhar de forma criativa um evento na
história. Os quadrinhos são todos pretos, a exceção dos três
últimos que começam a revelar gradativamente uma cidade,
através do que parecem ser dedos. Ao virar a página (figura
209), o leitor se depara com Batman, que capturara um do
integrantes dos Mutantes, interrogando o criminoso no topo
de um prédio. Ele o prendeu em um gárgula amarrado pelos
pés de cabeça para baixo. A visão que os últimos quadrinhos
da página dez oferecem ao leitor é a visão do próprio Mutante
pendurado. Visão esta que é descortinada pelos dedos da mão
do Batman. Nesses quadrinhos pretos, Miller usa os balões
para dar continuidade a narrativa. Caracterizando dois tipos
(acima) Figura 208 DKR 2 Pg. 10 MILLER, 2002.
de balão diferentes, um cinza e sólido, que o leitor já sabe
(a direita) Figura 209 DKR 2 Pg. 11 MILLER, 2002. ser do Batman, e um magenta e irregular para o bandido.
Miller coloca o leitor na posição do Mutante desde o início,
(a extrema direita) Figura 210 DKR 2 Pg. 41 MILLER, 2002. ambos estão desorientados e não sabem o que aconteceu, e
a situação é revelada a ambos ao mesmo tempo aumentando
o impacto para o leitor. Miller utiliza esse recurso novamente
quando o líder dos Mutantes escapa da prisão por um duto
de ventilação em uma estratégia do Batman (página 41 da
segunda edição) (figura 210). Mas neste caso, ele faz uso das
onomatopéias para caracterizar o espaço e as mudanças de
local do personagem.
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(a direita) Figura 211 DKR 2 Pg. 16 MILLER, 2002.

(a extrema direita acima) Figura 212 DKR 2 Pg. 17 MILLER, 2002.

(a extrema direita abaixo) Figura 213 DKR 2 Pg. 18 MILLER, 2002.

ritmo e construção de página

Miller mostra interessantes soluções de ritmo e construção de no arsenal do carro, as onomatopéias grandes extrapolam
página dentro de seu grid nas duas brigas de Batman com as bordas do quadrinho e as explosões tomam conta. As
o líder dos Mutantes, ainda na segunda edição. Na primeira, cores se mantém consistentes às já estabelecidas na página
iniciada na página 16 (figura 211), ele começa com um anterior. Na página 19 (figura 214), em meio a cacofonia de
grande quadrinho, o maior da página, apresentando o líder sons e cores representando a batalha, Miller introduz dois
aos leitores. Até então ele só havia aparecido em silhuetas. Em quadrinhos, sexto e sétimo da página, sem qualquer relação
um quadrinho ocupando metade da página, Miller introduz com a mesma e completamente diferentes. Eles mostram os
o personagem de forma definitiva. Usando o mesmo recurso pais da Robin se lembrando da existência da filha, que havia
de separar o pensamento do Batman em uma tarja lateral sido mostrada no quadrinho anterior já no campo de batalha
da imagem, ele adiciona os balões do personagem ao lado (no quinto quadrinho especificamente). O interlúdio oferece
do quadrinho do líder. Nos três quadrinhos que se seguem, um respiro ao leitor antes da briga realmente começar. Mas
ele apresenta closes extremos do vilão discursando a seus Miller se certifica de manter o leitor dentro da cena principal
comandados, e só no quinto quadrinho da página, mostra o ao mostrar a metade de baixo da página a escala do Batmóvel
Batman observando a cena de dentro do Batmóvel - um close cara a cara com o líder. Na página seguinte (figura 215). Ele
na mão dele apertando um gatilho no sexto quadrinho, e um oferece uma visão do Batman dentro do carro cercado por
maior, o último da página, com o líder tomando um tiro na painéis, controles e gatilhos. Ele enxerga o lado de fora através
tocha que ele empunhava. A onomatopéia funciona como um de um monóculo tecnológico. Miller usa o formato deste
último quadrinho convidando o leitor a mudar de página. As para destacar o líder em pequenos quadrinhos circulares que
cores de Varley servem à narrativa mantendo-se quentes nas quebram o grid, intercalados à closes do Batman.
cenas do líder, e frias dentro do Batmóvel.
Ao virar a página, o leitor se depara com uma página splash
Nas duas páginas que se seguem Miller apresenta a sua versão do Homem Morcego saindo do Batmóvel para enfrentar
do carro do Batman, mais realista, ela se assemelha a um o vilão (figura 216). Ele sorri enquanto cerra os punhos
descomunal tanque de guerra. A versão serviu de inspiração a caminho da briga. A cena serve como um respiro ao
para o Batmóvel do recente filme do Homem Morcego, leitor, depois de cinco páginas de antecipação ao combate.
Batman Begins. As páginas possuem poucos quadrinhos, Quando a briga realmente começa (figura 217), Miller varia
quatro na primeira, na página 17 (figura 212), e um splash entre quadros compridos horizontalmente e menores,
na segunda, na página 18 (figura 213). O foco de Miller é dentro do grid, apresentando detalhes e resultados de
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golpes, e cenas abertas mostrando chutes e socos por


completo. A cor é mais escura, ainda dentro da mesma
cromia, mas representando o fim das explosões e tiros.
O clima sombrio ajuda a construir a atmosfera da cena
quebrada apenas pelas onomatopéias brancas dos golpes e
ossos se partindo. Miller as distribui pela página auxiliando
a leitura e valorizando a movimentação dos personagens
e a intencionalidade dos movimentos. Mesmo os dois
personagens sendo bastante diferentes, ele caracterizou
o líder com óculos cujo visor vermelho o destaca nos
quadrinhos tornando qualquer confusão improvável. Miller
também usa silhuetas diversas vezes criando uma variação
de soluções gráficas, como a do sétimo quadrinho da
página 23 (figura 218), onde ao representar o líder da visão
do já surrado Batman, ele o desenha como um contorno
disforme e embaçado emulando a condição física abalada
Figura 214 DKR 2 Pg. 19 MILLER, 2002. Figura 215 DKR 2 Pg. 20 MILLER, 2002. Figura 216 DKR 2 Pg. 21 MILLER, 2002. do protagonista. A variação no tamanho dos quadros
cria um ritmo frenético, mas possível de ser aproveitado
pelo leitor conforme a briga se desenrola. E em alguns
momentos, Miller valoriza alguma cena específica, como o
último quadrinho da página 24 (figura 219) quando o líder
fratura o braço de Batman. É um quadrinho sem requadro e
com o fundo branco, a variação chama atenção e aumenta o
impacto da cena, ajudada pela única onomatopéia colorida
de toda a seqüência. As últimas duas páginas (figuras
220 e 221) não tem onomatopéias, como se o Batman já
estivesse por demais ferido para conseguir ouvir qualquer
barulho. Conforme o espancamento termina e a Robin
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Figura 217 DKR 2 Pg. 22 MILLER, 2002. Figura 218 DKR 2 Pg. 23 MILLER, 2002. Figura 220 DKR 2 Pg. 25 MILLER, 2002. Figura 221 DKR 2 Pg. 26 MILLER, 2002.

(acima e a direita) Figura 219 DKR 2 Pg. 24 MILLER, 2002.


230 231

Figura 222 DKR 2 Pg. 42 MILLER, 2002. Figura 223 DKR 2 Pg. 43 MILLER, 2002. Figura 224 DKR 2 Pg. 44 MILLER, 2002. Figura 225 DKR 2 Pg. 45 MILLER, 2002.

entra em cena para ajudar o protagonista, o único “som” se enfrentar, na página 42 (figura 222), ele usa sua inteligência e como os personagens que a ocupam, e a platéia é uma grande grid, ela é quase toda ditada pelo Batman conforme sua estratégia
são os pensamentos de Batman. A cena termina em um estratégia superiores ao líder para vencer. Miller representa essa silhueta coletiva e preta recortada pelos visores vermelhos dos funciona (figura 224). Ele repete algumas soluções reforçando
quadrinho sem fundo nem bordas com o Homem Morcego mudança de duas formas. A segunda briga é bem mais rápida do Mutantes. O objetivo do personagem é humilhar o líder para acabar a narrativa, o golpe final é a única onomatopéia colorida do
extremamente ferido no chão, ajudado pela Robin. que a primeira e Miller dá atenção à platéia. Enquanto a primeira com a gangue, já que eles são muitos para serem presos, por isso combate, mas desta vez quem o aplica é o protagonista. A luta
se estendeu por onze páginas, a segunda leva apenas quatro. a importância da platéia. No decorrer da briga, Miller posiciona termina em um grande quadro ocupando metade da página 45
Na história, depois do primeiro embate perdido pelo Batman, ele Começando na página 41 (figura 210) da segunda edição, ela alguns quadros com comentários de membros da gangue, e (figura 225) mostrando Batman em pé e seu oponente caído,
chega a conclusão de que seu erro foi lutar como um jovem, mas também é visualmente mais clara e colorida do que a primeira. como não importa quem eles sejam individualmente, os trata ambos cercados por Mutantes atônitos. Miller enquadra a cena de
sendo um velho, foi tentar igualar a selvageria e a ferocidade de O céu é azul (figura 223), a lama, parte da estratégia do Homem como silhuetas. A segunda briga também possui muito menos cima apresentando-a em sua totalidade. Ela é quebrada por um
seu inimigo quando ele não mais podia. Quando eles voltam a Morcego para tornar seu oponente mais lento, é marrom, bem quadrinhos abertos e longos e mais quadros que se mantém no único quadrinho televisivo com os novos Seguidores de Batman.
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Figura 226 DKR 2 Pg. 26 MILLER, 2002. estabilishing shots

Miller usa uma interessante solução para introduzir o televisivos cobrindo a repercussão do retorno do Homem
Morcego nos diferentes escalões de poder e na sociedade, e deles em toda a série. Eu fiquei muito satisfeito com o efeito,
Superman na história sem mostrá-lo, como é sua estratégia
especialmente depois que Lynn a coloriu, porque eu senti
para todos os grandes personagens. Na página 26 da segunda pela aparição de Superman como um raio. Depois de quase
que esse era uma de parar o trânsito e era exatamente isso
edição, ele mostra a Casa Branca em um quadrinho horizontal uma centena de quadros em apenas sete páginas, a oitava que eu queria. Eu queria que todos respirassem, absorvessem
ocupando toda a fileira do topo (figura 226). O estabilising termina com uma silhueta de Batman e da Robin correndo a cena e pensassem sobre ela, e eu acho que funcionou
shot apresenta o espaço através das grades e mostra uma pelo topo dos prédios de Gotham (figura 227). Batman chama (MILLER apud SALESBURY, 2000, p.178).
bandeira americana tremulando acima da casa. Nos oito a atenção dela por tê-lo desobedecido durante o combate e
quadrinhos que se seguem, cada um se aproxima mais um ela o questiona a respeito da existência ou não de Superman. Mas nem sempre as soluções funcionam tão bem. O Cavaleiro
pouco da bandeira, até ela se tornar apenas listras vermelhas, O início do diálogo acontece nesse quadrinho, mas ele é das Trevas é um gibi mais difícil de ser lido do que a média
e então curvas vermelhas e brancas, que se tornam vermelhas interrompido por uma página splash da dupla em pleno ar dos quadrinhos, pois em alguns trechos, a narrativa pode ficar
e amarelas e se caracterizam, no nono quadrinho da página, (figura 228). Sem qualquer palavra, o leitor é convidado a bem complexa. Na página 35 da terceira edição (figura 230),
como o emblema no peito do Homem de Aço. Além de contemplar a primeira aparição da dupla dinâmica em uma Miller mostra em uma mesma página, o Coringa distribuindo
apresentar o personagem de forma sutil, Miller já estabelece splash. O diálogo continua no primeiro quadrinho da página algodão doce junto de seu capanga para crianças em um
a condição dele de fantoche do governo totalitário. Os textos 10 (figura 229). A página splash oferece uma quebra no ritmo parque de diversão, três quadrinhos televisivos discutindo
funcionam como uma Combinação Paralela às imagens, os dando ao leitor uma chance de respirar e aproveitar a arte. a onda de crimes do vilão, o resultado dos algodões doces
balões organizados nos quadros mostram a conversa entre envenenados, Batman chegando na cena com a Robin e mais
Superman e o presidente dos Estados Unidos Ronald Reagan, Quando eu estava criando o layout o Cavaleiro das Trevas, a dois quadrinhos televisivos apresentando um partidário e
primeira coisa que eu fiz foi estabelecer o grid de dezesseis um contrário ao Batman discutindo. Além de ser bastante
e as imagens reforçam gráfica e indiretamente essa relação de
quadros que toda a série se basearia. Era eu tentando tratar
subserviência. O presidente pede ao Homem de Aço que fale informação para uma única página, existem balões de narração
os quadrinhos como notas musicas em uma tentativa
com o Batman, pois ele está “passando dos limites’. para controlar o ritmo. Era um gibi muito denso, eu estava à exaustão: os da televisão, os do Batman e os do Coringa. O
aglutinando muita coisa naquele ponto, mas você vai notar quadrinho do vilão, que é o maior da página, é profusamente
splashes que a tensão daqueles pequenos quadrinhos staccato é colorido por ser um parque de diversões, e ainda conta com os
quebrado de vez em quando por uma imagem inteira de meia balões de pensamento verdes do Coringa. Os demais quadros
Miller trata os splashes em suas páginas como interrupções página ou página inteira que foram elaborados não para possuem os balões cinzas do Batman e os brancos da televisão.
tirá-lo da história, mas para fazê-lo parar e entender em que
no ritmo frenético da história. Na seqüência que se inicia na As imagens são sempre cheias e a única que oferece algum
parte a história está. Minha favorita está na terceira edição,
página 8 da terceira edição, ele, depois de sete páginas de quando você vira a página e da de cara com uma imagem respiro, a das crianças mortas, possui uma pesada sombra e
um combate entre Batman e um grupo nazista em uma loja do Batman e Robin sobre a cidade, e você esta olhando para dois balões de pensamento do Batman. O leitor não se perde,
de conveniência, é entrecortado por inúmeros quadrinhos cima para vê-los e é provavelmente a cena mais heróica mas a página demanda bastante esforço para ser lida.
234 235

(a esquerda) Figura 227 DKR 3 Pg. 8 MILLER, 2002.

(a extrema esquerda) Figura 228 DKR 3 Pg. 9 MILLER, 2002.

(abaixo) Figura 229 DKR 3 Pg. 10 MILLER, 2002.


236 237

sarjeta preta

Conforme a história atinge seu clímax, próximo do fim da mostram um Superman quase cadavérico levantando dos
quarta edição, Miller intensifica o uso da sarjeta preta, como na escombros da explosão da bomba (figura 232). As cores que
página 23 (figura 231). Essa solução torna a leitura mais ágil, completam a página nos três quadros que faltam são as mais
pois o leitor conecta os quadrinhos mais rapidamente, e para diferentes em toda a série, as que mais fogem da linguagem
ajudar nesse processo, ele usa muitas silhuetas nos quadros aquarelada da HQ. Para representar os efeitos do coração
tornado-os mais gráficos. Os três primeiros quadros da página da explosão nuclear, Varley emprega cores extremamente
são coloridos normalmente, pois eles se ligam diretamente saturadas e quentes. Quando o leitor vê o Homem de Aço no
aos eventos anteriores. A partir do quarto quadrinho, o leitor sexto e maior quadrinho da página, ele é apenas uma fração
passa a acompanhar a luta de Jim Gordon, ex-comissário, para do que ele já foi, seu corpo consumido pela radiação e pela
ajudar as pessoas na rua em meio ao caos que se segue a explosão. Ele é reconhecível apenas pelo uniforme e por seus
detonação da bomba nuclear. Gordon aparece liderando os balões de pensamento que se mantém azuis auxiliando o
civis, ajudando uma enfermeira, e por fim toma parte em uma entendimento. O último quadrinho da página mostra o herói
linha de pessoas que carregam baldes para conter o fogo da distante e pequeno tentando subir para o sol em meio ao céu
queda do avião paralisado pela descarga eletromagnética violeta. Ao virar a página (figura 233), Miller atrai a atenção
emitida pela bomba. As cores de Varley são mais poéticas e do leitor com uma visão de Superman sendo atingido por um
recortam as silhuetas negras com detalhes em branco dos relâmpago. O quadrinho é o maior da página ocupando duas
personagens. Os balões de pensamento do Batman são pretos colunas do grid e segue a mesma cor dos últimos. E não há som
e mais pesados como a situação, e os de Gordon surgem em meio à nevoa, somente os pensamentos do personagem.
sem nenhum recorte, como palavras soltas sobre a imagem, Os oito quadrinhos que se seguem mostram o Homem de Aço
exatamente como as do Superman que ocupam os três últimos caindo e atingindo o solo ainda intacto, distante da explosão e
quadros da página. O laranja e o amarelo do fogo chamam a sendo gradativamente regenerado pela força do sol. Superman
atenção para estes quadros que se destacam do grid básico, se recupera por completo nos primeiros quadrinhos da página
e conectam com os quatro primeiros da página seguinte, que seguinte, voltando a sua cor e forma originais (figura 234).
Figura 230 DKR 3 Pg. 35 MILLER, 2002.
238 239

Figura 232 DKR 4 Pg. 24 MILLER, 2002. Figura 234 DKR 4 Pg. 26 MILLER, 2002.

Figura 233 DKR 4 Pg. 25 MILLER, 2002.


Figura 231 DKR 4 Pg. 23 MILLER, 2002.
240 241

A última parte a ser analisada é o embate final entre Batman pela Robin (figura 236). Quando ele chega ao Beco do Crime A imagem, que ocupa metade da página, só é possível graças do Batman enquanto o Homem Morcego se aproveita da
e Superman. Além de ser o clímax da história, Miller sabia (figura 237), Batman o espera trajando uma armadura de a sua armadura especial ter sugado a força da cidade para se fraqueza causada pela kriptonita para surrar o Homem de
da importância da cena porque, entre os fãs, sempre houve batalha, empunhando uma arma e com fios conectando-o fortalecer. O restante da página é preenchido com mais cenas Aço, que quase não reage. A página possui doze quadros,
um acirrado debate sobre quem venceria em uma luta, o ao poste de luz. A cena é apresentada em um quadrinho do combate e dos desdobramentos da Robin enfrentando os metade dos quais dedicados ao combate, os demais tratam
poder do Homem de Aço ou a inteligência do Homem longo e alto, o maior da página. Superman é apenas uma militares, e apresenta os primeiros balões de pensamento da Robin resgatando o Arqueiro Verde. A cor ajuda a
Morcego. A resposta de Miller é mais complicada do que silhueta com uma capa vermelha. Ele fala, mas o leitor do Superman. A página seguinte (figura 239) retorna ao distinguir bem as cenas. A última página do combate abre
isso, pois ambos representam os dois extremos do universo não pode ouvir, pois o Batman não pode ouvir, ele tem combate principal enquanto ambos trocam golpes. Batman com uma imagem enorme, tomando quase a página inteira,
do Cavaleiro das Trevas. Superman chega para o combate os ouvidos protegidos, e Miller dá acesso apenas aos seus narra a maior parte com seus pensamentos, mas o maior do Batman desferindo um chute no queixo do Superman e
sem querer lutar, tentando racionalizar, mas Batman tem pensamentos. A briga se inicia e o Homem Morcego dispara quadrinho é do Superman ao quebrar três costelas de seu arrancando sangue (figura 242). A imagem é mais forte do
um plano e sua estratégia foi cuidadosamente preparada uma carga sônica e em seguida uma magnética conforme adversário. A página 40 (figura 240) mostra a entrada do que a primeira, assim como os pensamentos do Batman. Os
para atingir seu objetivo. A questão não é o combate em si, Superman destrói seus equipamentos. Esse desenrolar é velho Green Arrow (Arqueiro Verde) no combate disparando últimos quatro quadrinhos na base da página mostram um
pois ninguém é páreo para o Superman, mas o “homem” do mostrado em diversos quadrinhos estreitos, como frações a última cartada do Homem Morcego, uma flecha com a Superman vencido e um Batman triunfante, mas derrubado
“super” pode ser derrotado. Miller monta a cena com uma da briga. Muitos closes extremos, interrompidos apenas por ponta revestida de kriptonita. Superman a impede de atingi- por um ataque do coração. O terceiro e quarto quadrinho
multiplicidade de quadrinhos e soluções e a espalha por oito um quadrinho preto e o batimento do coração do Batman, lo, mas a flecha explode no primeiro quadrinho da página possuem o mesmo enquadramento e são separados pelo fim
páginas cuidadosamente montadas. O combate começa duas elemento introduzido antes como motivo de preocupação seguinte (figura 241). A cor, que era bastante quente nas dos batimentos do Batman. A briga termina com a suposta
páginas antes deles se encontrarem, na página 35 da quarta do velho personagem. A briga é congelada em um dos páginas anteriores, torna-se verde em função da kriptonita, morte do Homem Morcego. As duas últimas páginas do
edição (figura 235). Superman enfrenta mísseis teleguiados momentos mais épicos da história dos quadrinhos, um soco tornado o combate mais dramático conforme ele fica cada combate não possuem onomatopéias, retornando ao silêncio
disparados por Alfred, e uma carga do Batmóvel pilotado do Batman no primeiro quadrinho da página 38 (figura 238). vez mais pessoal. Superman percebe a condição do coração utilizado pelo autor nos momentos mais dramáticos.
242 243

Figura 236 DKR 4 Pg. 36 MILLER, 2002. Figura 237 DKR 4 Pg. 37 MILLER, 2002.

Figura 235 DKR 4 Pg. 35 MILLER, 2002.


Figura 238 DKR 4 Pg. 38 MILLER, 2002.
244 245

Figura 239 DKR 4 Pg. 39 MILLER, 2002. Figura 240 DKR 4 Pg. 40 MILLER, 2002. Figura 241 DKR 4 Pg. 41 MILLER, 2002.
246 247

Figura 242 DKR 4 Pg. 42 MILLER, 2002.

Recapitulação
Miller combinou em seu trabalho soluções clássicas e la graficamente. As cores de Lynn Varley foram valorizadas
algumas inovadoras, e as aplicou em um personagem pelo papel de melhor qualidade e pela impressão superior
importante de uma grande editora. Ele não criou os aos quadrinhos da época, que reproduziam com precisão as
quadrinhos televisivos, por exemplo, eles já haviam sido manchas de aquarela. E a qualidade do produto Cavaleiro
empregados por Howard Chaykin em seu American Flagg das Trevas permitiu que ele atingisse uma audiência
(1983), mas os utilizou de forma mais intensa e presente muito maior do que as histórias em quadrinhos estavam
na narrativa. Outros quadrinistas já haviam feito uso de acostumadas. A narrativa do Cavaleiro das Trevas é por
páginas com muitos quadrinhos, mas poucos sustentaram vezes caótica por seus elementos excessivos, e foi confusa
um grid como o do Cavaleiro das Trevas durante toda uma para alguns leitores que a leram à época de seu lançamento,
série. Miller também fez uso de alguns elementos clássicos mas ela não se distancia demais dos princípios clássicos da
porém dentro da coerência de sua narrativa, como o narrativa dos quadrinhos e mantém a história como seu
estabilishing shot prolongado dramaticamente por três foco principal. Depois da primeira edição, quando os leitores
quadrinhos na seqüência em que o jovem Bruce Wayne cai se acostumaram as páginas mais cheias e a narrativa mais
na caverna. Ou o uso das páginas splash estrategicamente frenética, a leitura se tornou objetiva e direcionada pela
posicionadas para quebrar o ritmo frenético e dramático história. A série foi um marco nos quadrinhos e estabeleceu
da história. Miller valoriza a narrativa clássica através da uma nova forma de trabalhar com super heróis e de conduzir
utilização criteriosa das soluções e técnicas de acordo com uma narrativa visual. Miller trouxe questionamentos para
a história que ele queria contar, manipulando-as em prol o Batman, modificou para sempre a relação deste com o
do enredo, mas não se limitando a elas e criando novas. outro grande ícone da editora, criou uma obra inserida
Além das soluções narrativas, ele fez uso do novo formato em seu tempo e atualizou o personagem para toda uma
gráfico a sua disposição, explorando a maior quantidade de nova geração. Mais do que isso, Miller recuperou o Batman
páginas para ditar o ritmo de sua história e melhor distribuí- devolvendo-o ao seu lugar.
248 249

4.considerações
o QUE
FINAIS :
e o que
fica MUDA
As histórias em quadrinhos nos Estados Unidos sofreu um troca de elementos, técnicas e soluções entre as mídias, e
processo de transição em sua linguagem, em sua narrativa desenvolvendo tantas outras.
visual e em sua estrutura gráfica que iniciou-se no final
da década de 1960 e culminou no ano de 1986 com a Todas essas modificações refletiram-se também nas histórias,
publicação de três títulos: Batman The Dark Knight Returns que se tornaram mais realistas em seus temas e mais
(Batman o Cavaleiro das Trevas), Watchmen e Maus. Todas as conectadas a situação social de sua época, ambientando o
inovações introduzidas na linguagem no período pós-código super-herói no mundo real da década de 1980 e abrindo seus
de censura pelos quadrinistas que voltaram para a indústria pensamentos para o leitor, apresentando todos os problemas e
no final da década de 1960 e durante toda a década de a complexidade desses personagens. Os próprios super-heróis,
1970 e aqueles que entraram no meio neste mesmo período, desde a introdução do Homem-Aranha, passaram a refletir
foram agregadas pelos quadrinistas que entraram no mais a sociedade. Batman e Superman, melhores amigos
mercado na década de 1980, como é o caso de Frank Miller. durante quarenta anos, tiveram sua amizade reestruturada.
Todas as experimentações técnicas e gráficas que vinham O super-herói puro e cristalino dos quadrinhos tornou-se um
sendo feitas, aliadas ao surgimento das graphic novels, espécime em extinção e, cada vez mais, anti-heróis e heróis
culminaram em um novo formato gráfico introduzido em violentos passaram a dominar o meio. Essas histórias atraíram
1986. Este, foi instrumental no sucesso comercial dos títulos um publico mais velho para os quadrinhos o que credenciou
citados acima e particularmente no Batman de Miller, porém o meio a explorar novos gêneros e temas adentrando o
sua contribuição ao meio não foi apenas financeira, mas mercado que, desde a década de 1970 e da graphic novel
também criativa. Materiais e técnicas melhores permitiram “Um Contrato com Deus”, está aberto a temas sociais que não
reproduções com maior qualidade e mais fidedignas ao que necessariamente abordem super heróis.
era criado, inspirando quadrinistas a desenvolverem trabalhos
mais complexos. Essa maior qualidade atraiu profissionais Combinando imagens e textos de um modo único, os quadrinhos
mais especializados que, depois de uma fase de adaptação podem ser utilizados para diversas funções, mas sua principal
do meio à essa qualidade, agregaram muito aos quadrinhos, aplicação é como uma forma de entretenimento de massa.
seja na produção de capas, na identidade das revistas ou no Desde seu surgimento, as histórias em quadrinhos tem sido
cuidado gráfico com o produto quadrinhos. Essa maturidade relegadas a condição de subproduto e de entretenimento
gráfica permitiu maiores experimentações e contaminações barato para crianças, particularmente nos Estados Unidos e
de linguagens como, por exemplo, o cinema, promovendo a conseqüentemente no Brasil. Porém, desde a década de 1980,
250 251

esta visão vem se modificando, com a expansão dos gêneros que se pensa e se “vende” em grande parte das escolas e nos uma contribuição importante para os quadrinhos, no que
contemplados pelo meio, com a diversificação do público cursos de quadrinhos, a habilidade de um quadrinista está em concerne as soluções gráficas, de impressão e acabamento, e
leitor de quadrinhos e com o amadurecimento desse público. contar uma boa história sabendo usar todos ou quase todos por isso, o meio tem representado nos últimos dez anos um
Essa nova condição dos quadrinhos permitiu um aumento das os elementos narrativos e visuais que o meio oferece. Todas as campo fértil para o trabalho de designers gráficos, tipógrafos
trocas com outros meios, oferecendo conteúdo para diversas soluções técnicas, estéticas e especializadas são importantes e ilustradores. E tanto o mercado e os profissionais quanto os
mídias e recebendo de tantas outras. e agregam muito à uma história em quadrinhos, mas de nada produtos evoluem e com esse amadurecimento conjunto.
servirão se a história não for boa.
Em termos narrativos, muitas mudanças surgiram no meio, mas Esta dissertação abriu diversos caminhos de pesquisa possíveis
estas não inibiram a presença das soluções e técnicas da narrativa Essa especialização de funções e o reconhecimento da que poderão ser explorados no futuro, aprofundando ainda
clássica dos quadrinhos que ainda forma a base da grande necessidade de certos tipos de profissionais que nem mais a história gráfica do meio, possivelmente tomando
maioria das HQs, sendo também utilizada pelos mais criativos sempre foram presentes nos quadrinhos, abriu espaço para a como base as capas de quadrinhos, fazendo um levantamento
e inovadores autores, como o próprio Miller. Não obstante, participação de novos especialistas. As editoras hoje procuram histórico e uma reflexão sobre as mesmas, o que não existe
estes mesmos quadrinistas provaram que é possível fazer uma bons capistas com a mesma intensidade que procuram dentre as publicações do meio. Bem como investigar de forma
história em quadrinhos que não se prenda por completo aos desenhistas e roteiristas, o que não ocorria há vinte anos atrás. mais aprofundada as relações entre cinema e quadrinhos e,
padrões de clareza e objetividade pregados na Era de Ouro, se O mesmo acontece com profissionais do meio gráfico, como por que não, outras relações pertinentes com outros meios.
o compromisso com o storytelling for mantido. Muitos desses designers e tipógrafos. As grandes editoras têm buscado cada Além disso, outra possível pesquisa futura, seria estudar a
quadrinistas acabaram por valorizar a narrativa clássica dos vez mais estúdios de design para criar soluções para os seus arte nos quadrinhos, com ênfase na ilustração dos quadros,
quadrinhos ao usar suas técnicas e soluções de forma criteriosa produtos, assim como mais estúdios têm se especializado em investigando os recursos técnicos e criativos e relacionando
e categórica. Esta pesquisa demonstrou que, ao contrário do lidar exclusivamente com quadrinhos. O design gráfico tem com a História da Arte.
252 253

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