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Capítulo 19

Luto e divórcio
Livro “Sentidos”
Nuno Lobo Antunes e a equipa do PIN
2018
Lua de Papel
Acontecimentos de vida
1. Introdução – O que nasceu primeiro: o ovo ou a galinha?
2. Luto em crianças e adolescentes
2.1 - Como falar sobre a morte? Mitos e medos
2.2 - As fronteiras do luto "normativo" e "patológico"
2.3 – Psicoterapia: o luto faz-se ou vive-se?

3. O divórcio
3.1 – É ou não um problema? Eis a questão
3.2 – Intervenção: os desafios no divórcio

4. E quando temos uma perturbação de desenvolvimento?


INTRODUÇÃO - O que nasceu primeiro: o ovo ou a galinha?
A Consulta do Luto nasce de uma necessidade de olhar além da patologia ou da
perturbação do desenvolvimento, da necessidade de inspeccionar à lupa o impacto dos
acontecimentos de vida.
Todos os casos que chegam à consulta, mesmo que sinalizados – por divórcio, doença,
luto – obrigam-nos a perceber sempre, ainda que dificilmente, o que nasceu primeiro: foram
estes sintomas e comportamentos ou terá sido este acontecimento que criou impacto
“maior”, naquela criança/jovem? Ou seja, a pergunta que se coloca deve ser: este
acontecimento de vida foi uma lupa e aumentou o que já existia? Foi uma bola lançada no
bowling e desfez tudo o que parecia estar artificialmente arranjado, a funcionar? Foi uma
pedra no lago, antes calmo, que despertou reacções esperadas?
Os acontecimentos de vida que implicam perdas (por morte, perda da saúde, de
rotinas, de pessoas significativas, da imagem da família…) poderão assemelhar-se ou integrar
processos de luto ainda que com características e intervenções diferentes.

Quando as preocupações que nos trazem são explicadas à luz do acontecimento de


vida parece mais fácil para as famílias empatizarem com isso, esperando ainda assim
resoluções. Mas, são também muitas as crianças e jovens que chegam à consulta com
comportamentos que os pais atribuem a um dado acontecimento de vida e, na verdade, são
melhor explicados por uma perturbação de desenvolvimento.
A avaliação inicial destes casos é sempre mais demorada e minuciosa. A procura de
informação junto de mais adultos (de vários contextos) é essencial, bem como a repetição das
mesmas perguntas para o antes e o agora. Por exemplo “é difícil separar-se de si, ficar na
escola?” (antes do acontecimento e agora).
Esta avaliação inicial, cautelosa e atenta tem de ser feita com conhecimento profundo
sobre o acontecimento de vida (e o seu impacto), bem como sobre as perturbações de
desenvolvimento, e outras emocionais, para melhor ajudar ao diagnóstico diferencial. A
intervenção será completamente diferente se reconhecermos um luto complicado, uma
depressão, uma perturbação de ansiedade ou uma perturbação de desenvolvimento
acrescida de outros sintomas em reação ao acontecimento.
Na minha práctica clínica respondo, sabendo o quão difícil é para a família processar
tanta informação, a perguntas como “nós somos os culpados?”, “isto é porque não tem
irmãos?”, “se não nos tivéssemos separado não aconteceria?”, “deveria ter contado logo a
verdade?”. O caminho faz-se caminhando. Acredito que fazemos o melhor com o que temos,
a cada momento. “Vocês fizeram o vosso melhor. Agora juntos já somos mais a pensar nisto”.
Luto
2.1 - Morte, mitos e medos
“Falar da morte não te vai matar” é o nome de um livro de Virginia Morris e obriga-nos
a confrontar com o que se calhar é mais difícil: não só o tema, mas o nosso medo. Tão real e
legítimo. Tão universal, quanto único para cada pessoa.
É-nos tão difícil pensar no fim. E no que é feito do que fica no meio, que é a vida. Falar
de morte e dos acontecimentos mais dolorosos é uma tarefa que muitos adultos evitam, como
se por serem crianças pudessem fazer “mini lutos” e com “mini dores”, desvalorizando o
impacto da perda nos mais novos.
Ao longo da minha experiência profissional tenho encontrado crianças mais
disponíveis para perguntar, para saber e sentir, para falar de saudades e da morte de alguém
com um “à vontade” que tantas vezes incomoda: “todos temos saudades: tenho saudades de
comer sushi, tenho saudades de chocolate e tenho saudades do pai”. Os adolescentes, por
sua vez, parecem debater-se pela vontade de não contaminar a sua vida com a tristeza e a
mudança que entrou dentro de casa (“na escola não, não quero ficar triste. Já chega em casa”).
Recordo-me de um jovem de 13 anos que me dizia “na escola ninguém sabe, não quero que
saibam, estou bem assim”. Possivelmente pedia-me, com isso, para o deixarmos sentir-se
normal, ainda, em algum lugar… como era antes e não “apenas” o filho sem mãe.

São muitos os mitos1 que nos vão orientando e que condicionam, necessariamente, as
primeiras vivências de perda: “ele nem percebe bem o que acontece”, “parece que nem ficou
triste”, “o funeral não é lugar para crianças”, “tens de ser forte, não fiques triste”, “o tempo
vai curar…”. Estas frases poderiam ser lidas, pelos mais novos, como: “ele nem percebeu que
eu estava triste com aquilo”, “é melhor ir brincar para não os deixar tristes”, “eu queria ter
ido vê-la e deixar flores, mas não deixaram”, “não posso chorar, para não parecer fraco”, “já
não me deveria sentir assim… passou tanto tempo!”.
Não existem receitas, mas não é por acaso que existem protocolos de comunicação de
más notícias, pensados para a comunicação de notícias médicas a doentes, tais como o SPIKES
e o protocolo de Buckman.
Cada família, cada escola e cada adulto encontrará a sua forma de dar nome à
experiência de perda, mas a verdade é que ter informação nos dá segurança. Na Consulta do
Luto parte do trabalho passa por ajudar os adultos a encontrarem formas, confortáveis para
si e sem prejuízo para os mais novos, de gerirem as informações e emoções. Ficam aqui
algumas orientações que habitualmente partilho:
o Quando precisar de comunicar a morte, um acidente, uma doença prepare-se
emocionalmente para isso (imagine-se a falar com a criança ou adolescente, escolha um
momento que não seja demasiado doloroso e exigente para si);

1
Para melhor explorar como comunicar com as crianças poderá consultar mais nas obras de Maria Trozzi
(“Talking with Children About Loss”).
o Escolha um local privado, sossegado e que evite mais estímulos, conseguindo proteger a
criança da contaminação com outras reacções (por exemplo pode escolher falar com uma ou
duas crianças de cada vez e não em grupo);
o Procure, primeiro, perceber a linguagem e o conhecimento de quem está consigo – “se calhar
já foste percebendo que estamos mais nervosos hoje, aconteceu uma coisa muito difícil de
explicar. Tens alguma ideia sobre isto?”
o É importante ir explicando, pouco a pouco, de forma simples e concreta os acontecimentos e
o que aconteceu à pessoa (que morreu, que foi para o hospital…). A morte pode ser explicada
às crianças de forma simples: “o nosso corpo deixa de trabalhar, já não sentimos dor, nem
frio, nem calor, nem fome. Isso aconteceu porque estava muito muito muito doente e não foi
possível ajudar o corpo a funcionar melhor”. Recordo-me de, numa consulta explicar as coisas
desta forma e finalmente, depois de outras abordagens em torno das estrelas, a criança
entendeu o que tinha acontecido ao avô e a sua tranquilidade foi visível quando chegou a casa
nesse dia.
Quando explicamos, é crucial conseguir fazê-lo sem metáforas mais complexas: a viagem
longa pode trazer o medo das separação e dos aviões, o sono para sempre pode acordar o
medo de adormecer, as estrelas no céu sempre que alguém morre acabam por saltar uma
etapa da explicação – o que acontece ao nosso corpo? À pessoa como eu a conhecia? – e
simbolizam a perda, antes de dar espaço para a tornarem real e para a expressarem.
Parece que quanto mais novas são as crianças, mais símbolos e metáforas criamos mas na
verdade – pelo seu desenvolvimento cognitivo – mais precisam da dimensão concreta e lógica
dos acontecimentos.
o Será importante dar espaço às perguntas e às dúvidas: “há mais alguma coisa que precises
saber?”, “percebeste o que te expliquei?”, preparando-se assim para acompanhar a exigência
do outro que poderá começar a colocar questões filosóficas e existenciais. Responder “não sei
ainda responder-te a isso, mas digo-te quando conseguir. Pode ser? Dás-me algum tempo?”.
o As emoções são todas legítimas: medo, tristeza, confusão (e a aparente apatia), zanga, culpa,
alívio… Num momento inicial podemos apenas dizer “é natural que te sintas assim…. São
muitas coisas a acontecer ao mesmo tempo, está a ser difícil para todos, mas vamos estar aqui
contigo”.
o Quando os mais novos pedem para ir ao hospital, por exemplo, esta é sempre uma decisão
dos adultos pesando os prós e os contras: o que vão encontrar, como está a pessoa, as
imagens serão muito difíceis de integrar? Perante isto, poderemos assumir que é importante
irem quando o pedem (principalmente adolescentes), que estarão acompanhadas e poderão
falar sobre isso ou “os médicos e os enfermeiros estão a tratar bem do pai, ele está diferente
do que estavas habituada a ver porque está muito doente, tem de ter alguns tubos para estar
bem, sem dores, para saberem ajudá-lo. Eu prefiro que não vás agora, mas posso levar um
desenho ou um recado, queres?”. As decisões não são unicamente das crianças, mas é
importante terem informação e irem acompanhando o que vai acontecendo.
o Dar segurança e ajudar a perceber o que vai acontecer a seguir também tranquiliza e organiza:
“agora vamos estar mais tempo na Igreja e depois há um funeral. Sabes o que é?”. Nesse
momento não podemos fugir à conversa sobre o que são os rituais fúnebres e a importância
dos mesmos. Em consulta são inúmeros os jovens, e até adultos, que recordam que “ninguém
me perguntou se queria ir”, “fui comer ao MacDonalds nesse dia mas não queria… não estava
a perceber”, “não consegui despedir-me dele, nem no hospital”.
É importante explicar o que vai acontecer “vamos ver muitas pessoas, se calhar vêm ter
connosco, fazem perguntas, algumas vão chorar muito, porque também estão muito tristes”,
dar a segurança de que não estará sozinha, mas que pode pensar se quer ir (mesmo que 5
minutos) ou se quer ficar em casa ou ir brincar com um amigo. Pode ainda perguntar-se à
criança se há algo que ela queira que seja enterrado com a pessoa, como desenhos, histórias,
algum objecto especial. Não é deixar a criança a decidir sozinha, é informar e dar espaço para
estar presente.
Nós temos de ir com eles procurar o sentido!
É urgente aprendermos a falar, a responder e a viver com os “não sei”. É mesmo
verdade: os mais novos já estão a viver a vida, connosco!, e não só a preparar-se para a vida.

2.2 - As fronteiras do luto "normativo" e "patológico"


O constructo de luto complicado e das propostas de diagnóstico que têm surgido, até
ao actual DSM V, têm sido alvo de profunda análise e reflexão crítica. Contudo, pouco se pensa
sobre o que é o luto nas crianças e adolescentes e o que seriam, ainda, as especificidades dos
seus lutos complicados. Quase como se nem fosse possível!
As fronteiras entre um luto saudável e um luto complicado são mais ténues do que
podem parecer, vão além do critério de tempo e dos sintomas expressos em manuais. Isto
porque, e a experiência clínica tem demonstrado isso, tendemos a encontrar duas realidades:
crianças e adolescentes que nos chegam à consulta com outras preocupações e que “pelo
meio” têm um luto, ainda que não se considere ou se tenha pensado muito sobre o impacto
do mesmo; e os que chegam com esse pedido específico, apontando uma perda/mudança
recente, expressando sintomas visivelmente preocupantes. Isso não significa, de todo, que
sejam estes últimos a acenar a bandeira de um “luto complicado”.
Entende-se, de forma simples, luto complicado por todo o processo de luto que limita
a integração da perda. Escolho sempre esta palavra – integrar – e não superar, aceitar, fazer
o luto. Em primeiro lugar, estes conceitos fazem reagir qualquer um que tenha sentido uma
perda (“não se aceita!”, “fazer o quê?”, “então faço sozinho, é com o tempo”); em segundo
lugar o conceito de integração ajuda a pensar no luto como um processo muito complexo e
abrangente que deixa marcas no corpo, no pensamento, na emoção e no comportamento; em
terceiro lugar a integração da perda ajuda a criar a imagem mental de massas de dor que se
criam dentro de nós e que se vão diluindo (não desaparecendo) dentro do que somos, do que
esperamos do futuro, do que guardamos de memórias… criando quase uma nova forma de
ser e estar.

Por esta ordem de ideias, um luto complicado é um luto cheio de gavetas intocáveis, ou
desarrumadas, é um polvo que estende os tentáculos e toca em todo o lado, quase sem
ninguém perceber. Um luto com gavetas que disparam alarmes cada vez que se fala disso, que
bloqueiam conversas, lugares, rotinas antigas, desejos de futuro, que se expressa também em
dores no corpo ou medos intensos…
É nesta linha de pensamento que chamo a atenção para dois perigos comuns, quando
recebemos crianças e jovens em luto (podem perfeitamente alargar este raciocínio aos
adultos, mesmo que tenham medo do que vão descobrir):
✓ Confundir resilientes com evitantes: quantos resilientes (avaliados como tal ao fim de
um mês ou mesmo de meia dúzia de consultas, não serão eventualmente evitantes no
auge da sua competência para apenas funcionar?
Os resilientes parecem capazes de superar, de forma adequada, situações adversas da
vida e manterem-se adaptados e sem sintomas, com crescimento e evolução. Os
evitantes atribuem significado e lógica aos acontecimentos “morreu, morreu”, “´tinha
de ser”, “já não penso muito”, há ausência de sintomas emocionais e comportamentais,
a adaptação é funcional, rápida, “eficaz” não é sinónimo de integração da perda.
✓ Esquecer o efeito iceberg, assim designado por ser tão ilustrativo do que encontro em
consulta: o adolescente que apresenta alterações de comportamento, baixo
rendimento, maior irritabilidade, isolamento… e esconde outras emoções que não
necessariamente a raiva (como a tristeza e o medo), que esconde recordações
constantes, aspetos traumáticos, projetos incompletos, entre outros. Este efeito iceberg
é como que uma verdade escondida que temos de explorar e avaliar bem.

Para melhor compreendermos o luto, podemos considerar várias ideias (com base na imagem
1):
▪ As variáveis que influenciam o luto
Sabemos que alguns factores têm impacto na elaboração do luto e devem ser
devidamente conhecidos, antes da intervenção. Estes são: a natureza da vinculação com
a pessoa perdida (o papel da pessoa que morreu, conflitos, relações cortadas antes da
morte, estilos de vinculação); circunstâncias da morte (imprevisibilidade vs
previsibilidade, violenta, ocorrência de perdas múltiplas, se é uma morte estigmatizada
como pode acontecer com o suicídio ou consumo de drogas, se é um morte ambígua
como quando não há corpo ou quando não se contou tudo sobre aquela morte);
antecedentes históricos e vulnerabilidades familiares (como era esta família, antes da
perda); variáveis da personalidade da criança (sexo, idade, problemas anteriores, perfil
cognitivo, existência de quadro médico anterior à perda…); variáveis sociais (que
suporte e recursos existem?) e as perdas secundárias (por exemplo a morte de uma
figura de suporte à família pode implicar mudanças económicas e até geográficas).
▪ As dimensões do luto
Numa perspectiva tridimensional: interpessoal (a minha relação com os outros, com o
meio e com a pessoa que eu perdi), intrapessoal (tudo o que eu sinto, penso, faço,
recordo) e existencial (que sentido tem a vida agora e as relações, o meu presente e o
meu futuro criando dois caminhos: o da desesperança ou o do crescimento após a
perda)
▪ O impacto do luto (como é que se expressa este sofrimento?)
Através de sentimentos (tristeza, raiva, culpa, ansiedade, solidão, desesperança,
choque, alívio, entorpecimento…), sensações físicas (buraco no estômago, aperto no
peito e na garganta, dificuldades em respirar, hipersensibilidade ao barulho, boca seca,
letargia….), alterações cognitivas esperadas (descrença, confusão, preocupação,
sensação de presença, alucinações….) e de comportamentos (alterações no sono e na
alimentação, isolamento, evitamento de conversas ou locais ou pessoas, maior agitação
motora, choro, arrecadação de objectos como um tesouro…)
▪ Como se faz o contacto com esta dor?
O contacto com a dor e com a realidade é idealmente feito dentro do que pode ser
chamado de “janela de tolerância” – como se fosse o espaço onde conseguimos estar
com a tristeza, com a raiva, o medo, a realidade… sem nos deixarmos assoberbar por
ela. Quando é difícil entrar neste patamar (onde se consegue a verdadeira regulação
emocional, treinando a nossa dor, tornando-a elástica) pode ser por evitamento (não
quero, não falo, não é nada de importante, não vale a pena, morreu morrer) ou por
hiperactivação (assemelhando-se a um ataque de pânico, sendo difícil controlar a
respiração, a invasão das memórias e das emoções, o comportamento).
▪ Haverá alguma verdade escondida?
Designo aqui como verdade escondida tudo o que fica por conhecer, além do que
circunda a perda e o luto, e que tantas vezes nos leva a considerar características da
criança que não foram antes consideradas (como na presença de uma Perturbação de
Desenvolvimento). Esta “verdade” terá de ser bem conhecida para contextualizar
reacções da criança que podem ser lidas como difíceis de entender, mas se enquadradas
num diagnóstico pré-existente, ganham novo sentido.
Ainda com a ajuda da imagem, os satélites que rondam todo o puzzle podem ser vistos
como os fatores que podem “complicar” o processo de luto:
▪ Fatores traumáticos: não é tanto o que acontece mas o significado dado, quando
aquele acontecimento e os seus contornos superam todo o sentido, quando não nos
conseguimos defender ou fazer algo para impedir o sucedido; quando os cheiros, os
sons e a imagens são fortes e repetidas como se tivessem cola na nossa memória. Ex.:
o pai de uma criança, ainda que preocupado com ela, descrevia-me
pormenorizadamente todo o cenário físico e do corpo do seu pai aquando da tentativa
de suicídio, parecia fotográfico sem falhas, cheio de pormenores, narrativamente
perfeito e cheio de aspectos traumáticos;
▪ Relação dependente ou ambivalente com a pessoa que morreu. Desenganem-se os
que pensam que quando havia conflito ou afastamento o luto é mais “´fácil”… Por
vezes traz assuntos pendentes, conflitos, mágoas, arrependimentos ou mesmo
inconsistentes “nem sei se me consigo zangar com ele”, “porque é que ele fez isto?
Não gostava de mim?”, ou grande idealização daquela pessoa, como quando uma
jovem me dizia que era “impossível pensar que a avó morreria, porque ela fazia tudo”,
como se no tudo não sobrasse mais nada, nem ninguém.
▪ É também nesta revisão da relação que podem surgir necessidades e tarefas que
ficaram por satisfazer e cumprir na relação com aquela pessoa que morreu (seja
expressar amor, perdão, sentir-se seguro, revendo o passado, “ele nunca viu os meus
jogos”) seja através do que fica por fazer, por dizer, por concretizar em conjunto (“ela
não me vai ver entrar na universidade… acho que não quero ir”). Mas também projetos
e necessidades emocionais que ficam por satisfazer na relação com as outras pessoas
e contextos em que vive (ex.: “o pai ficou diferente depois da mãe morrer, e anda
cansado e sem paciência, eu não choro para não o preocupar mais”, “os meus amigos
nunca me deixam falar disto, para eu não ficar triste…mas às vezes eu queria”, “eu não
vou continuar no conservatório de música, eu andava com o meu irmão e sem ele não
quero continuar”)
▪ E ainda, dificuldades marcadas na regulação da emoção quer no contacto com a dor,
quer com a realidade. Podemos contactar com a dor de perder alguém mas não com
essa realidade, como uma jovem que se emocionava muito ao falar do avô mas era
impensável a ideia de ele estar a morrer e nessa realidade não queria tocar, nem olhá-
lo, nem visitá-lo. Podemos, também, contactar com a realidade e não com a dor como
quando descrevemos de forma mais superficial os acontecimentos e “não paramos
para não ter de sentir”.
▪ Ainda podemos considerar o que chamo de ausência de movimento (ou rigidez), ou
seja: prevê-se, e é natural, que haja oscilação entre momentos de maior
funcionalidade e outras de maior contacto com a dor e com a realidade. Flexibilidade!
A imersão na dor e na realidade limitam a saúde física e mental, contudo a imersão na
rotina e funcionalidade impedem a integração do luto e da experiência real parecendo
ser adaptativo é, na verdade, um acumular de emoções e pensamentos por elaborar.

Em anexo encontra-se a referência a uma lista orientadora usada na Consulta do Luto e que
despista, de forma mais geral e mais abrangente o que são para nós indicadores de risco.

3.3- A psicoterapia: o luto faz-se ou vive-se?


“Posso dar-lhe o nome de alguém especializado na intervenção no luto.
O quê?... Mas é para ir lá só falar disso? Eu não sei se quero.
Não vou conseguir convencê-lo a ir”

Para aceitar procurar esta ajuda, não interessa o que estudámos, o que já lemos ou o
que ouvimos na televisão. Os mitos ganham, ainda, força e o medo de tudo ser “mais
sofrimento” faz-nos fugir. “Falar para quê?”, “isto é meu… é uma coisa que tenho de aguentar
não é?”, “o tempo cura”.
Habitualmente, os exemplos ajudam a perceber o porquê da intervenção terapêutica
especializada no luto. Para os adolescentes ajuda explicar que a dor do luto pode ser como o
fumo numa discoteca, entranha-se na roupa, no cabelo, na pele e fica em nós sem nos
apercebermos. É só quando saímos que reparamos que o cheiro ficou, bem forte, difícil de
sair mesmo arejando. Só lavando, bem e de novo, esfregando e tomando banho.
Ajuda, ainda, pensar no luto como uma ferida no corpo. A criança cai, queria tanto
brincar e divertir-se, mas os joelhos e as pernas ficaram esfoladas, em sangue, com pedrinhas
e se calhar mais qualquer coisa. É preciso desinfetar “não! Isso arde! Não quero! Nãaoooo!”.
E nós dizemos, e acreditamos, “tem de ser, vai arder mas é importante, vamos desinfectar,
com cuidado para não fazer pior”. Não basta tapar nem deixar a ferida ao ar.

A psicoterapia no luto (e que podemos alargar a outras perdas e mudanças) ajuda a


integrar tudo o que anteriormente fomos descrevendo (na imagem 1) e a regular
emocionalmente a dor de uma realidade intensa. O processo de terapia no luto é como o Cubo
de Rubik: transformar, passo a passo, uma dor densa e compacta numa reorganização
diferente, transformar o que parece ser só tristeza ou raiva ou indiferença em mais emoções,
mais pensamentos e vontades. Trazer a lume o que vamos guardando.

Será um processo mais ou menos longo, dependendo do que é tolerável a cada um.
Com adultos podemos abrir uma caixa de pandora bem maior e preparar-nos para, no meio
do luto, descobrir e trabalhar outros problemas e padrões. Os mais novos, esses, precisam de
muito mais do que histórias e brincadeiras porque não fazem mini versões de lutos, mas sim
o seu luto igualmente complexo e importante – consultar a tabela 2 para melhor enquadrar
os objetivos de intervenção. Não podemos simplificar e entregar este trabalho em mãos
alheias, quando existem especialistas.

3. O divórcio
3.1 – É ou não um problema? Eis a questão
O divórcio não é, em si mesmo, um evento traumático para os filhos, apesar dos lutos e
mudanças associadas. É um processo cuja adaptação depende de algumas variáveis, mesmo que
surjam problemas transitórios na adaptação a estas mesmas mudanças.
Sabe-se, pela investigação e a clínica faz jus a isso mesmo, que uma boa adaptação ao
divórcio depende de (1) características da própria criança/jovem (estádio de desenvolvimento,
autonomia, competência cognitiva, regulação emocional, flexibilidade), (2) de sintomatologia
psicopatológica dos pais (o bem-estar dos pais é um grande mediador neste processo e o próprio
divórcio pode aumentar vulnerabilidades), (3) das práticas parentais (a consistência e a
concordância das práticas entre pai e mãe, as mensagens educativas que passam, as prioridades
que definem, as regras, limites e afetos), (4) da intensidade e frequência do conflito parental
antes e após a separação (hostilidade, dificuldade de cooperação entre os progenitores,
dificuldades na comunicação e resolução de problemas, ofensas ou críticas do outro), bem como
de (5) outros fatores de stress concorrentes como pode ser o caso de problemas financeiros,
mudança geográfica, perda de amigos de referência, mudança de escola.
Assim, não se resume tudo à existência de conflito nem tão pouco ao divórcio per se, o que
significa que temos de ser hábeis e flexíveis na procura desta informação, bem como na detecção
dos sinais individuais de alerta, na criança/jovem, como: se há alterações no comportamento da
criança/jovem (se passou a fazer algo ou deixou de fazer), se há impacto no rendimento escolar,
se apresenta somatização intensa apesar de não surgirem outras queixas (por vezes, e mais ainda
em crianças mais novas, o corpo da sinais que os mais novos não conseguem expressar de outra
forma), uma idealização mais marcada e acentuada com um dos progenitores ou com os dois
(“eles são perfeitos, está tudo bem”), recusa no contacto com algum dos progenitores ou com a
família, sintomas novos ou mais intensos do que eram (irritabilidade, ansiedade, tristeza, apatia,
culpa, vergonha).
Muitas das manifestações psicológicas são esperadas, não podemos esquecer que estão a
reagir a um acontecimento muito significativo e com impacto na sua vida, contudo não significa
que devam estar sem ajuda para melhor elaborar estas emoções e alterações. Esta ideia é
transversal à resposta a todos os acontecimentos de vida (lutos, doenças, mudanças muito
significativas).
Mas… devemos preocupar-nos também quando não surgem manifestações! Sim! Se
sabemos que são esperadas, o que pensar quando parece não haver impacto? Pode tratar-se de
um bom ajustamento, de uma família altamente competente nesta gestão sim, mas também de
outras características individuais da criança que interferem ou ainda de um adiamento ou
camuflagem de sintomas.
O problema nasce quando os sinais de alerta são diversos, quando os problemas que seriam
transitórios neste ajustamento se cronificam (por exemplo será expectável que o desejo de
recuperar a família como existia se altere), ou quando as práticas parentais dividem os filhos ao
meio (“com o pai sou assim, com a mãe sou diferente”) e, ainda, quando todas as adaptações
têm de ser feitas “dentro” de uma perturbação de desenvolvimento ou de características da
criança que já a tornavam mais vulnerável num momento de crise.

Procurar ajuda é essencial, mas logo aí deparamo-nos com um obstáculo: e quando os pais
não estão de acordo quanto à ajuda? É muito importante, até para que o processo resulte, ter os
dois como aliados ainda que possam valorizar queixas diferentes e ter perspectivas diferentes.
Venham e partilhem-nas, são igualmente válidas. Quando isso não acontece o processo fica
imediatamente boicotado, mas pode ser importante manter a resposta de ajuda, se estiver em
causa o interesse maior desta criança/jovem e a necessidade de a ajudar.
Algumas orientações que ajudam, desde cedo, a prevenir problemas maiores neste ajustamento:

• Lembre-se das regras da comunicação sobre os assuntos difíceis, dê espaço para eles
colocarem dúvidas e dizerem o que sentem. Idealmente, quando os pais me procuram ainda
na fase de decisão ajudo-os a prepararem-se para a comunicação da notícia, em conjunto, com
uma versão da história confortável aos dois, a anteciparem as perguntas difíceis e a definirem
quem é que responde a quê.
• Deixá-los tomar a iniciativa e promover a autonomia não é o mesmo que deixá-los sozinhos a
decidir – as crianças não podem, nem devem, ter o dever (porque não sei se é direito… o
direito dá liberdade e não aprisiona) de escolher com quem “ficam”.
• Informem-se, como pais e definem um plano. Isolina Ricci no seu livro “Casa da mãe e casa do
Pai” aconselha a que se definam Planos Parentais onde tudo (mesmo tudo!) fica definido e
escrito ao pormenor. Quando maior o conflito ou discórdia, mais têm de escrever e definir.
Definir horários, dias, condutas dos pais, como são os dias festivos, quem vai à escola e ao
medico, quem trata de contas, que consequências são comuns nas duas casas, como
contactam sem ser presencialmente, o acesso dos dois a informação dos filhos, o contacto
com os avós, …
• Este plano pode até ser conhecido pelos filhos: saber o que vai acontecer, como vai ser, onde
vou estar, como se organizaram nesta separação. Isso dá segurança.
• Se for difícil procurem ajuda profissional: psicólogos, mediadores familiares e terapeutas. Não
nos procurem quando o fogo já fez arder metade da floresta.
• Faça das “tripas coração” mas não ofenda o outro. Uma menina uma vez dizia-me “será que
ela não percebe que eu sou metade de cada um? Quando ela diz que nunca se deveria ter
casado então eu não deveria ter nascido?”. Os adultos têm direito a todas as emoções e
pensamentos, nesta fase, mas devem partilhá-los com outros adultos. Se for difícil
experimente dizer “eu não me lembro só de coisas boas e às vezes é difícil para mim sentir
menos raiva, mas é o meu sentimento, não é o teu. Tu tens direito aos teus!”.
• Pedir desculpa também resulta! Todos os adultos vão desviar-se do que desejavam cumprir
como pais, mulheres e maridos. Se assim for, pedimos desculpa. É igualmente terapêutico os
filhos reconhecem a humildade e honestidade do adulto que assume as suas fragilidades.

4.2 – Intervenção: os desafios no divórcio


“Os meus pais é que deveriam estar aqui”, “às vezes não sei porque é que se separaram
se era para continuarem zangados, é que não tem lógica!”. Se os ouvirmos, aos que ficam no
“meio”, chegamos à verdade.
A intervenção em situações de divórcio revela-se, por vezes, a mais difícil de fazer com
sucesso. Ou com o sucesso desejado: que os filhos merecem e que os pais precisam. Qualquer
coisa há que faz com que, muitos casos, pareçam viver apenas de uma resposta paliativa e não
consigamos fazer melhor e diferente. Ficamos a cuidar das feridas e a impedir que agravem (e
sim, é importante!), a dar qualidade de vida no conjunto das novas dinâmicas e rotinas, mas
alguns males não erradicamos. Ultrapassam-nos.
Sem dúvida que é impossível trabalhar com crianças e adolescentes sem trabalhar os
pais. Em todas as áreas assim é. Mais ainda em situações de divórcio. Assim, a intervenção pode
fazer-se em três frentes de ajuda: individual com a criança/jovem, familiar e parental (consultar
a tabela 2 para melhor enquadrar a intervenção).

Nos pedidos de ajuda que nos chegam, deparo-me ainda com casos específicos que se
prendem com o conflito parental e a dificuldade de estabelecer uma boa comunicação e contacto
entre todos.
Não sou fã do conceito de Alienação Parental, não é uma doença nem síndrome e não
tem de ser definitivo. É preferível pensar em comportamentos alienadores ou, melhor ainda, em
consequências do conflito parental porque isso sim dá-nos espaço de intervenção.
Por vezes, estes casos surgem pela tentativa de reaproximar pais e mães aos seus
filhos. Os tribunais tendem a definir isto como uma meta, mas a verdade é que a reaproximação
não é o objetivo é, sim, o caminho. Da minha experiência são processos que exigem ainda mais
rigor, igual lealdade a todos e um trabalho tremendo com os filhos.
Ajuda seguir algumas orientações que o trabalho clínico me foi ensinando: (1) definir
objetivos com os pais e com os filhos, sendo estes as figuras principais no que definirem como
conforto (se para a mãe o objetivo for conviver fins de semana com o filho, para o filho pode ser
apenas conseguir voltar a almoçar com ela); (2) traçar uma hierarquia confortável aos filhos,
aproximações de contacto muito ligeiras e na medida do seu conforto com o tempo que lhes for
necessário; (3) nesta hierarquia é importante criar pequenos momentos de contacto, escrito,
telefónico, imagético (falar sobre e imaginar a falar com ele/a) e depois presencial. Esta
aproximação presencial pode até ser feita em sessão, muitos jovens preferem assim.
Nenhuma aproximação pode ser feita, principalmente depois de muito tempo de
afastamento, repentinamente! Não interessa quem “tem razão”, mas pedir isso é criar um
momento muito doloroso e que não será registado como positivo para estes filhos.
Claro que podem pensar: mas é isto? Estabelecer objetivos e pronto?
Não, não é só. Há um processo terapêutico com este filho. Mas em alguns processos é
importante proteger os mais novos revendo regras importantes. As regras protegem-nos. A regra
de que uma pessoa não desaparece nem deixa de existir só porque não falamos com ela; a regra
de que será sempre o teu pai/mãe; a regra de que para me explicares melhor o que é difícil na
relação com ele tens de ir e estar, pouco a pouco, não podemos basear-nos no que sabemos de
um dia mau ou do que foi há 2 anos; a regra de que algumas coisas não podes escolher, não tens
esse poder, são decisões maiores; a regra de que aproximar não é viver com e mudar
radicalmente a vida; a regra de que por vezes estamos zangados com uma parte da pessoa mas
não com a pessoa toda. A regra de que serás um jovem e adulto seguro e mais competente no
que queres afirmar se souberes explicar-nos, com exemplos teus, se tiveres vivido coisas
diferentes com os teus pais, se tiveres percebido o que até era mais fácil do que pensavas ou o
que é mesmo impossível de tolerar.

Por sua vez, à medida que se trabalha individualmente, o trabalho com os pais também
os ajudará a compreenderem melhor os filhos, os comportamentos, o perfil de funcionamento
deles, os significados possíveis para determinados acontecimentos e preocupações que têm
surgido. Ninguém melhor para fazer este trabalho do que o psicólogo que trabalha
terapeuticamente com essa criança /jovem. Contudo, a resposta que a família precisa pode ir
além deste trabalho.
Por vezes, ajudar os filhos e os pais a gerirem comportamentos, rotinas novas,
emoções não é suficiente e precisam – de forma mais alargada – de terapia familiar. A Terapia
Familiar pretende criar um espaço conjunto, onde pais e filhos possam comunicar e resolver
problemas. A maioria dos pais recusam esta ajuda por a imaginarem como terapia de casal (“mas
temos de estar juntos?”) mas é sem dúvida um passo importante este de conseguirem estar
fisicamente no mesmo espaço, comunicando sobre o mesmo, que é o bem-estar dos mais novos.
É como se na Terapia Familiar desfocássemos da criança, do pai, da mãe e nos centrássemos num
único paciente – a família como um todo.
Em alguns casos, faz sentido o encaminhamento para Mediação Familiar quando as
questões a resolver são efetivamente práticas: decisões a tomar, como gerir as rotinas e
comunicação, ajudar na definição das responsabilidades parentais, definir horários, o que cada
um quer e não quer de todo. É como se neste espaço se agilizassem respostas, necessárias ao
funcionamento desta nova família, sendo o mediador um ponto neutro que tem sempre em
mente chegar a uma decisão. A mediação familiar surge como uma alternativa credível à via
litigiosa. Ajuda os pais a não abdicarem da sua responsabilidade como pais e leva-os a assumirem,
eles mesmos, as suas próprias decisões.
Quando as famílias aceitam estas respostas, e colaboram, sem dúvida que há um salto
qualitativo no processo.

4. E quando temos uma perturbação de desenvolvimento?


Este é mais um factor que complexifica toda compreensão e o trabalho terapêutico. A
intervenção não será igual e a didática que passamos às famílias, sobre o que explica aquele
comportamento ou aquele sintoma, também não é a mesma quando temos uma perturbação de
desenvolvimento. Ficam aqui algumas ideias que se desfazem, quando temos uma PD e um
acontecimento de vida significativo.

Isto não é só sofrimento pelo que aconteceu


É muito doloroso retirar motivos para a dor. Ou seja, quando precisamos explicar aos pais que
os comportamentos que os preocupam se devem a um perfil maior e mais estrutural do que o
que este acontecimento fez, parece que retiramos a emoção. Mas não é isso que dizemos,
dizemos que nem tudo é explicado por este divórcio, ou esta morte ou a chegada dessa doença
à família… nem tudo se explica melhor por este processo. Explica-se melhor à luz de uma
perturbação de desenvolvimento.
Isto tem sido mais frequente em jovens com PEA e que vêm à consulta pelo divórcio dos pais.
Por exemplo, pode ser importante perceber que a dificuldade na regulação emocional, ou na
adaptação às novas rotinas ou na gestão de comportamentos é melhor explicada por uma PEA e
não pelo divórcio. Ainda se pode encontrar o contrário, o funcionamento mais rígido da PEA
ajuda na adesão a rotinas e novas normas “a partir de agora é assim que vamos funcionar, nós
decidimos que era melhor para nós, queremos viver de outra forma e a tua rotina vai ser
diferente. Vai ser assim…”.
Outra dimensão importante, a da saudade, é bem diferente nestes jovens: não tenho saudade
da pessoa, ou dos pais como estavam ou de os ver juntos e de poder crescer com eles aqui…
tenho saudade do que me faziam e diziam, do que costumava acontecer, do que fazíamos sempre
e eu gostava tanto. O processo emocional da mudança e da perda, faz-se nas crianças e jovens
com PEA sempre interligada com uma perspectiva mais egocêntrica (não é egoísta!) porque é
esse o seu parão de funcionamento: “eu quero a minha rotina”, “eu quero as minhas coisas”,
“não quero mudar o meu quarto”, “não quero que ele esteja doente porque já não joga comigo”.
Repetidamente este é o centro: “a minha necessidade”, porque é assim que se regulam e
encontram significado no mundo.
Recordo-me de um adolescente com Síndrome de Asperger e que perante a eminente
separação dos pais continuava a desconhecer tudo o que se passava em seu redor e mantinha-
se envolvido nos jogos e séries televisivas. Foi importante ajudá-lo a detectar o que estava a
acontecer. Atribuí-lhe, especificamente, a tarefa de todos os dias despender 5 minutos a
observar a família além do seu quarto: reparar nas mudanças à sua volta, saindo do mundo do
seu computador e olhando para a família: já não jantam, o pai já falou comigo, a minha irmã
também já me disse o que pensa, já não conversamos tanto… A constatação da realidade foi
parte terapêutica da sua adaptação, sem isso qualquer intenção que os pais comunicassem seria
um choque e uma notícia sem sentido.

Ele não é insensível, nem egoísta, só chora de maneira diferente


Invisto muito na explicação do sofrimento com a perda feito por crianças e jovens com
perturbações do espectro do autismo.
Recordo-me de um menino com PEA, cujo pai enfrentava uma doença oncológica e
“parecia não ser nada com ele”, “continua igual, não ajuda nada” mas cujos pormenores
visuais fixava inteiramente e partilhava comigo: o penso na cabeça, as cores do rosto do pai,
as ligaduras, as feridas, o cansaço. A preocupação media-se por efeitos concrectos (o que via,
o que ouvia e o que se alterava nas suas rotinas) e não tanto pela possibilidade de perder
aquela pessoa, de o ver sofrer (se sofrer fosse ter dores na cabeça seria mais fácil perceber)
ou por ver a mãe exausta.
Recordo-me, ainda, de uma adolescente que perdeu o irmão e que não falava disso. A
sua expressão não mudava, o tom de voz também não, a vida “continuava” mas as lágrimas
corriam pelo rosto sem que mais nada se alterasse e ela conseguia ficar assim muito tempo…
Não havia o que expressar, não havia mais nada a não ser lágrimas e silêncio. A dificuldade
destes jovens na expressão é muitas vezes o que os confunde com insensíveis. Da minha
experiência clínica, a vivência emocional e real da perda é intensa e com impacto, mas a
capacidade de o expressarem, de pedirem ajuda, de colocarem os pensamentos no discurso
directo, de conjugarem gestos com emoção com acção … essa sim é mais frágil.
Impossível esquecer um adolescente que perdeu o pai com cancro. Isolado, a
desinvestir na escola e mais dependente do computador. Sozinho ou no computador, o
mundo ainda era igual ao que era antes. O assunto do pai não era um assunto, porque falar
disso seria demasiado desorganizador. Quando nos aproximávamos era só o somático que
falava por ele e o comportamento: mãos mais agitadas, rubor na cara, dificuldade em engolir,
evitamento maior do contacto comigo, olhar que antes parecia perdido fica húmido mas não
havia nenhuma resposta. Nesta dificuldade de expressão, eles dão-nos outros sinais: ou
porque o assunto é doloroso e não se toca, ou porque o corpo se manifesta. Não são sinais de
“quero lá saber” mas sim “não vou aguentar se entrarmos aí, porque não sei o que fazer com
isto”. A ideia de conceber a vida e a rotina sem as pessoas que sempre lá estiveram é difícil
quanto mais para uma criança com PEA, cuja rotina e necessidades são eixos orientadores de
estabilidade.

Isto não é só ansiedade com toda a mudança… é um caos maior!


Impossível deixar as crianças e jovens com PHDA fora desta análise. Como é difícil gerir
novas rotinas, casas, horários, dois quartos, com roupas, sacos e sacolas, livros e materiais de
um lado para o outro, não esquecer de nada, lembrar de verificar… Uff. Lembro-me tão bem
de um menino que, entre a ansiedade e a PHDA, se esforçava tremendamente para ainda ter
de gerir novas regras e rotinas na sua vida. Ficava ainda mais cansado, pois em tudo tinha de
se certificar de tanta coisa: “não me posso esquecer de nada, se não têm de ir levar isso à
escola, e depois ficam chateados”, “não sei se trouxe tudo para casa da mãe, eu estudava
melhor com o pai, mas com a mãe tenho o meu quarto e há silêncio…” A rotina de estudo
era-lhe muito difícil de flexibilizar, perdia controlo sobre uma parte que já tinha conseguido
estruturar. Foi muito importante acrescentar as suas necessidades individuais a estas rotinas.
Mas não só com crianças! Lembro-me de um jovem adulto, com PHDA e sem
medicação há alguns anos. A escola cada vez mais difícil e a morte do pai a última gota do
copo. Não havia mais como gerir a rotina, não havia rotina! Não conseguia cumprir horários,
ter vontade de ir para a escola, lembrar-se do que tinha deixado por fazer, gerir o tempo, gerir
a música e o estudo, não conseguia não se criticar depois de tudo o que não conseguia (ainda)
fazer. Parecia um carrocel em roda livre, girava por si e sem ter rumo, entre o caos do que o
cérebro não o deixava fazer e a dor do luto agravava. A intervenção não começou pelo luto.
Não podia. “Eu quero a minha vida de volta”, “sentir-me eu”. E assim fizemos tudo o que
poderia ser funcional e estruturante: recuperar a rotina e objectivos a curto prazo, definir
horários e estratégias de ajuda, lembretes, ajudar no contacto com a escola para terminar o
curso. Criando experiencias de controlo e de sucesso reduzimos, e muito, os sintomas inicias
e depois disso poderíamos ir tratar o resto.
Anexos

Tabela 1 – Questões a acrescentar na entrevista inicial, avaliando o impacto dos


acontecimentos de vida

➢ Descrição do comportamento ou problema antes do acontecimento e agora – fazer esta


questão para todas as queixas (antes? Ou agora? Quando começou?)
Se surgiu anteriormente ao acontecimento, “descreva-me melhor como era, desde sempre
significa o quê?”
Se é só agora “descreva-me quando começou, o que costuma acontecer, verbaliza alguma
coisa, acontece em dias, datas ou momentos especiais? Ou no seguimento de algumas
rotinas (ida ao hospital, por exemplo)?”
➢ Pesquisar as mudanças decorridas após os acontecimentos ou procurar a relação com o que
já existia anteriormente: “o que mudou na família, na escola e nas rotinas desde então?
Como é que estas mudanças foram geridas? Que reações teve às mudanças?”
Por vezes, encontro adultos que referem que os filhos nem reagiram à notícia da doença ou
da morte, mas quando percebemos melhor, tal pode acontecer por três motivos: (1)
resposta de evitamento (e por isso mantém-se funcionais, disfarçando e desvalorizando o
impacto da notícia, evitando protegem os adultos, não os deixam tristes, não os preocupam);
(2) ausência de informação útil (ninguém falou com eles, não explicaram, inventaram uma
historia mais bonita, não viram ninguém triste ou mais preocupado); (3) estrutura base de
funcionamento, por vezes compatível com uma perturbação de desenvolvimento (como
acontece nas crianças e jovens com Síndrome de Asperger, em que a perda ganha significado
concreto quando é observável – por exemplo um penso grande na cabeça que foi operada -
ou sentida na rotina diária).
➢ Perceber a função do comportamento – ajudar a descobrir para que serve este
comportamento (às vezes só é possível com a própria criança e jovem), por exemplo: “tem
sido difícil estudar… mas consegues descobrir porquê? Podemos pensar em hipóteses:
porque estudar era uma coisa diferente antes, porque a cabeça parece que está cheia com
outras ideias, porque te sentes cansado, porque foi sempre assim…”. Recordo-me de vários
rapazes adolescentes para quem o estudo era um momento de relação com as mães, estudar
sozinho significava que ela não estava e não voltava. Fazê-lo diariamente poderia significar,
para outros, o mesmo que ir ao cemitério e confrontar-se com a realidade de que aquela
pessoa não voltará mais.
➢ Na avaliação de sintomas como humor depressivo e ideação suicida é também importante
perceber a diferenciação com os casos de luto (por morte, separação ou doença). Por
exemplo, em resposta a acontecimentos de vida muito significativos e dolorosos o humor
depressivo não é o mesmo que depressão, é sim a reacção à ausência, à saudade, ao medo
de perder mais alguém, ao medo de não se curar, ou até ao cansaço e solidão entre casas de
pais separados.
➢ O ponto anterior dá-nos uma orientação fundamental e que tantas vezes descuramos:
recolher, pormenorizadamente, as verbalizações de todos, esmiuçá-las para perceber as
causas escondidas. Por exemplo, a desatenção daquele adolescente é pela existência de um
défice de atenção ou por pensamentos intrusivos e relacionados com o acontecimento? Qual
é a natureza destas distrações, através da reencenação (recriação) de alguns momentos:
“em que costumas pensar, quando estás a fazer o isso? Conta-me uma dessas vezes, como
foi? Estavas no teu quarto, tinhas acabado de lanchar… vais buscar os livros e… “

Tabela 2 - Na Consulta do Luto orientamo-nos por algumas pistas, para identificar um luto
menos bem integrado e que não seguem apenas o que está proposto para um novo DSM

Documento a consultar no livro

Tabela 3 - Áreas a trabalhar terapeuticamente: aplicações na intervenção no Luto e no Divórcio

Documento a consultar no livro

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