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36 I os CAMINHOS DO ATO ADMINISTRATIVO

SILVA, Vasco Manuel Pascoal Pereira da. Em bttsca do ato administrativo perdido.
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(org.) Dirítto Amministrativo. BoLONHA: Monduzzi,l998. vol. li.
VmGA, Pietro. Il Provvedimento amministrativo. Milão: Giuffre, 1972. PARADIGMAS DO DIREITO ADMINISTRATIVO

ALEXANDRE SANTOS DE ARAGÃO


Doutor em Direito do Estado pela USP. Mestre em Direito Público pela UERJ. Professor-
-adjunto de Direito Administrativo da UERJ. Professor do Mestrado em Regulação e Con-
corrência da Universidade Candido Mendes. Professor-visitante do Instituto de Economia
da UFRJ. Professor de Pós-graduação da FGV (Rio de Janeiro e São Paulo). Procurador do
Estado do Rio de Janeiro. Advogado.

REsuMo: O presente artigo põe-se a tratar de AasTRACT: The following paper aims at discuss
aspectos concernentes à Teoria Geral dos Atos the main aspects concerning the Theory of the
Administrativos sob uma visão atualizada dos Administrative Acts under an updated review of
princípios que regem o Direito Administrativo, a the principies that guide the Administrative law
partir de uma reflexão à vista das diferentes cor- as well as the different academic points of view
rentes doutrinárias que já se debruçaram sobre o regarding this subject. We also intend to take into
tema. Considerando, ainda, a evolução legislati- consideration the progression of the positive !aw
va e de posicionamento dos tribunais, buscou-se and court's decisions in order to analyze the key
analisar os principais pontos tangentes à matéria, points concerning this matter, such as the concept
tais como o conceito de ato administrativo, seus of administrative act, its elements, attributes and
elementos, atributos e classificações, bem como classification, along with the hypotheses of its
as hipóteses de seu desfazimento, revogação e termination, cancellation and nullification.
invalidação.
PAlAVRAS-CHAVE: Ato- Administrativo- Evolução KEYWonos: Administrative - Act - Evolution -
- Conceito- Elementos -Atributos- Classifica- Concept - Elements - Attributes - Classification
ção - Desfazimento - Revogação - Invalidação - Termination- Cancellation- Nullification
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SuMARIO: 1.1ntrodução- 2. Conceito- 3. Silêncio administrativo- 4. Elementos: 4.1


Agente; 4.2 Forma; 4.3 Finalidade; 4.4 Motivo; 4.5 Objeto- 5. Mérito do ato adminis-
2. CoNCEITO
trativo (discricionariedade x vinculação) - 6. Atributos - 7. Classificação: 7.1 Quanto Ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Adminis-
à situação jurídica gerada; 7.2 Quanto à vontade formadora; 7.3 Quanto à exequibi-
tração Pública que, agindo nesta qualidade, tenha por fim imediato criar, modi-
lidade; 7.4 Quanto ao âmbito de repercussão- 8. Desfazimento dos atos administra-
tivos: 8.1 Revogação; 8.2 Invalidação; 8.3 Cassação; 8.4 Decaimento. ficar ou extinguir direitos ou obrigações.
A vontade que constitui o substrato do ato administrativo não é uma "von-
tade" subjetiva, na acepção tradicional civilista do termo, mas sim uma manifes-
tação concreta, impessoal e objetiva da Administração Pública na execução das
1. INTRODUÇÃO finalidades a ela outorgadas pela lei e pela Constituição.

Os atos administrativos possuem grande importância na garantia dos direi- Se não houver manifestação de vontade administrativa, estaremos, quando
tos fundamentais dos indivíduos e para a própria concepção do Direito Admi- muito, diante de um fato administrativo, de caráter meramente material, mas
nistrativo. Antes de surgirem, o Estado atuava por meio de atos materiais dire- não diante de um ato administrativo. Por exemplo, o fato material de demolição
tamente oriundos da vontade ilimitada do soberano. Foi apenas com a sujeição pela Administração Pública de uma construção irregular é um fato administrati-
da Administração Pública à legalidade que se tornou possível a construção de vo decorrente do precedente ato administrativo de determinação da demolição:
uma Teoria dos Atos Administrativos, essencial para juridicizar e intermediar a ele decorre, mas não contém, em si, uma manifestação de vontade.
mera vontade do Estado e a sua execução material, propiciando o seu controle. 1 Difere o ato administrativo, portanto, do fato administrativo, mera ativida-
O ato administrativo surge, então, como mediação entre a vontade estatal de pública material, sem conteúdo jurídico imediato (assim, por exemplo, uma
e a modificação da esfera jurídica dos indivíduos por ela provocada, verdadeiro operação cirúrgica realizada em hospital público, os atos concretos da realização
filtro de legalidade entre estes dois momentos. Os atos administrativos juridici- da obra pública, a aula em escola pública, a troca de lâmpada na repartição etc.),
zam e consequentemente limitam as manifestações de vontade do Poder Públi- e que só gera reflexos indiretos no campo do Direito (dirigir uma viatura oficial
co. Com isso, passam a existir limites, formalidades e requisitos- e, com isto, 0 é um fato administrativo, mas pode gerar o dever de indenitãr no âmbito de
controle- para o exercício do poder do Estado. uma responsabilização civil se causar um acidente). Às vezes, um ato adminis-
À luz da Teoria Geral do Direito, os atos administrativos são espécie de ato trativo precede o fato administrativo (a licitação e a contratação de empreiteira
jurídico stricto sensu,' ou seja, de manifestação unilateral de vontade destinada precedem a realização da obra pública); outras vezes, face a circunstâncias emer-
a produzir efeitos jurídicos (criação, modificação ou extinção de direitos e obri- genciais, o ato administrativo é praticado a posteriori (a apreensão emergencial
gações). A peculiaridade dos atos administrativos em relação aos atos jurídicos de produtos alimentícios fora da data de validade, pelas autoridades sanitárias,
em geral é o fato de serem praticados no exercício da função de administração é seguida da lavratura do respectivo auto de apreensão).
pública, isto é, de busca, com base no ordenamento jurídico, da realização dos Feito este primeiro balizamento conceitual, também deve ser firmado que
objetivos incumbidos ao Estado pela Constituição, com todas as prerrogativas, a vontade manifestada no ato administrativo é unilateral, ou seja, o efeito pro-
privilégios, limitações e controles que esta peculiaridade acarreta. duzido na esfera jurídica do administrado deve decorrer tão somente da vontade
da Administração Pública, independentemente da anuência do particular.
Pelo ato administrativo a Administração Pública de per se modifica a esfe-
1. Durante muito tempo os atos administrativos foram considerados a figura central do
ra jurídica de outrem (aplicando-lhe uma multa, proibindo determinada cons-
Direito Administrativo, mas hoje perderam parte desse protagonismo para figuras mais
contemporâneas como o processo administrativo e as relações jurídicas administrati- trução, concedendo aposentadoria, interditando estabelecimento, convocando
vas, que focam a atenção não apenas no ato isolado que dá origem a uma relação jurídi- para prestar serviço militar etc.). Caso a vontade manifestada seja bilateral, ou
ca entre o particular e o Estado, mas no processo obrigacional como um todo anterior seja, decorra da conjunção de vontades da Administração Pública e do particu-
e posterior a ele. lar, tratar-se-á de contrato administrativo ou outra modalidade de ato bilateral
2. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico. 7. ed. São Paulo: Saraiva 1995 (ex.: convênio administrativo), mas não de ato administrativo.
40 I os CAMINHOS DO ATO ADMINISTRATIVO
TEORIA GERAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS I 41
Note-se que nem todo ato administrativo é gravoso ao particular; há tam- Como a expedição do ato administrativo pressupõe o exercício de ativida-
bém os atos administrativos que ampliam a sua esfera jurídica (ex.: concessão de administrativa, caso a Administração Pública pratique atos sem ser no exer-
de licenças, autorização para o exercício de atividades econômicas, autorização cício de função propriamente administrativa não praticará ato administrativo.
de uso de bem público, concessão de subsídios fiscais). Nesses casos não faria Em outras palavras, para praticar atos administrativos, a Administração Pública
sentido que o particular fosse obrigado a receber do Estado benefícios, razão tem que agir nesta qualidade, ou seja, com supremacia de Poder Público. Ao se
pela qual, como explica Sérgio Andréa, apesar de o ato não perder a sua unilate- nivelar ao particular, pratica um ato de Direito Privado, e não um ato adminis-
ralidade, tem a sua eficácia condicionada à manifestação positiva do particular trativo (por exemplo, são atos privados as emissões de cheques pelo Estado),
anterior, concomitante (às vezes até mesmo no mesmo instrumento, sendo for- não possuindo, em relação a ele, qualquer prerrogativa própria da função admi-
malmente muito parecido com um contrato) ou posterior ao ato administrati- nistrativa: não poderá, por exemplo, revogá-lo ou anulá-lo unilateralmente. Os
vo3 Caberia um paralelo com o testamento, que, apesar de ser um ato unilateral princípios constitucionais da Administração Pública se aplicam, no entanto, a
do testador, depende, para gerar efeitos, da aceitação dos herdeiros beneficiados. todos os seus atos, sejam eles de direito público ou de direito privado.
Todos que exercem funções administrativas praticam atos administrativos. Assim, podemos constatar haver tanto atos praticados pela Administração
Desse modo, todos os Poderes do Estado podem praticar atos administrativos. Pública que não são atos administrativos -são atos privados da Administração
Naturalmente que o Poder Executivo é o que mais os pratica, por ser o que mais -, como atos administrativos não praticados pela Administração Pública (por
exerce funções administrativas, mas os Poderes Legislativo e Judiciário, no exer- exemplo, os atos das concessionárias privadas de serviços públicos praticados
cício de suas funções administrativas, também praticarão atos administrativos. com poder de autoridade delegada).
Assim, o ato do desembargador presidente de um Tribunal de Justiça que homo- Há uma dúvida quanto a se os chamados "atos políticos" devem ser inclu-
loga o resultado final de concurso público destinado ao provimento de cargos
ídos ou não no conceito de ato administrativo. A opinião depende da posição
de juiz é ato administrativo; também é ato administrativo a concessão de férias
que seja adotada quanto a se a chamada função política ou de Governo - que
a servidor da Assembleia Legislativa.
é a oriunda, diretamente, de competências outorgadas pela Constituição, com
Considerando o mesmo critério - de que todos os que exercem funções elevada margem de discricionariedade (por exemplo, o indulto, a sanção e o
administrativas praticam atos administrativos-, quando particulares exercerem veto legislativo etc.) - configura, ou não, uma função estatal autônoma. Para
excepcionalmente funções administrativas a eles delegadas (como, por exem- os que, como nós, consideram o caráter político um aspecto que reveste, com
plo, os particulares concessionários de serviços públicos), eles podem praticar maior ou menor intensidade, todas as funções e atos do Estado, e que ele não
atos administrativos. Assim, por exemplo, a concessionária de energia elétrica importa exceção absoluta ao controle jurisdicional, os atos políticos praticados
pode sancionar o cidadão que realizou ligação clandestina; a concessionária de pela Administração Pública também teriam a natureza de atos administrativos,
transporte de passageiros pode determinar a expulsão de passageiros que não se ainda que dotados de elevadíssima discricionariedade. Já para quem acredita
comportem adequadamente. que a função de Governo é distinta da função administrativa, os atos políticos
seriam categoria naturalmente autônoma em relação à dos atos administrativos,
insuscetíveis de controle.
3. "Daí ser possível a prática do ato de permissão e o de aceitação num mesmo instru- Quanto aos atos normativos da Administração Pública, para os que re-
mento, do que decorre uma bilateralidade instrumental, cristalizada em um termo- de duzem o conceito de função administrativa à execução concreta da lei, esses
permissão - com duas partes. É o que indica Pontes de Miranda, ao realçar a distinção atos, que por definição são gerais e abstratos, não seriam atos administrativos.
entre forma e instrumento do ato jurídico: a comunidade de instrumentalização de
Já para os que - e estes são majoritários - adotam conceito mais amplo de
dois atos não os unifica. (. .. ) '{'. interferê.ncia do particular não integra o ato da Ad-
ministração', eis que 'este se apresenta como ato unilateral'. A 'prévia manifestação
função administrativa, à luz, principalmente, de sua submissão à lei, os atos
de vontade privada pode constituir um pressuposto jurídico de sua validade'; ou, se a normativos expedidos pela Administração Pública são uma das espécies de ato
manifestação for a posteriori, poderá ter influência na vigência' (. .. )." (FERREIRA, Sérgio administrativo. Para eles, com os quais concordamos, a Administração Pública
de Andréa. Alguns aspectos da permissão de uso público. Revista de Direito Administra- pode executar, isto é, implementar a lei, tanto de forma imediatamente concreta,
tivo- RDA. v. 216, p. 28-29. grifamos).
como essa atuação concreta pode ser mediada por um ato anterior geral e abstra-
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to. O regulamento simplesmente densifica, detalha, as normas da lei para a sua ministração Pública no exercício de suas prerrogativas e a incompatibilidade
posterior aplicação concreta pela Administração Pública. entre o silêncio administrativo por um longo período e a segurança jurídica,
vêm prevendo que, decorrido determinado prazo sem o pronunciamento da
Administração, o pleito considera-se aprovado.'
3. SILÊNCIO ADMINISTRATIVO
Não nos parece que as leis que equiparam o decurso de prazo sem respos-
Dissemos no tópico anterior que a manifestação de vontade é inerente à ta à aprovação pela Administração Pública de pleitos elo administrado sejam,
existência do ato administrativo. Surge com isto uma interessante questão: e os como defendem alguns, inconstitucionais por permitirem a "clisponibiliclacle
casos em que a Administração Pública pura e simplesmente se silencia diante? elo interesse público por decurso elo prazo" ou a geração sem motivação ele
Qual o sentido e os efeitos do silêncio administrativo? efeitos jurídicos, constituindo, ao revés, ponderação razoável entre os prin-
cípios constitucionais envolvidos (prerrogativas do poder concedente versus
O silêncio administrativo é uma ausência de manifestação de vontade por
segurança jurídica), realizada pelo órgão primariamente competente para tanto
parte da Administração Pública, constituindo, muitas vezes, omissão ilícita
-o Parlamento.
da Administração Pública em relação a um ato administrativo que deveria ser
editado em resposta a um requerimento do cidadão. Neste caso - de haver O STF, na AD!n 3.273, considerou constitucional essa modalidade ele apro-
requerimento do cidadão-, o silêncio da Administração já é, por si só, omissão vação de pleitos de particulares (no caso, ele concessionários de exploração ele
ilícita por violar o direito de petição constitucionalmente assegurado (art. 5. 0 , petróleo e gás, não de serviços públicos), ao julgar dispositivo ela Lei elo Petró-
XXXIV, a, CF/88- a Constituição assegura o direito ele petição aos órgãos e en- leo- Lei 9.478/1997- que a contemplava. Vejamos excerto do voto do Min.
tidades públicas, o que abrange o direito ele o pedido ser apreciado, afastando Eros Roberto Grau sobre a questão: "Quanto ao § 3. 0 do art. 26, 6 seria incons-
até mesmo respostas meramente formais e burocráticas). titucional por traduzir conduta negativa ela Administração (aprovação tácita

Em regra, o silêncio administrativo, apesar ele poder ser atacado judicial-


mente, forçando-se a Administração a emitir o ato, não gera, por si só, efeitos
5. Por exemplo, a Lei 2.752/1997, do Estado do Rio de janeiro: "Art. 10- O descumpri-
jurídicos, salvo nos casos em que a lei expressamente atribuir efeitos ao silêncio
mento, pela Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos do Estado do Rio
por vezes para considerar indeferido o pedido elo particular (efeitos negativo~ de janeiro- ASEP-Rj, dos prazos a ela conferidos na presente Lei, ou no contrato de
do silêncio administrativo). concessão, para pronunciar-se a respeito de propostas de revisão de tarifas, de reajus-
Há outros casos, no entanto, em que o silêncio significa deferimento do te de tarifas ou de alteração da estrutura tarifária, facultará à concessionária colocar
em prática as condições constantes da respectiva proposta, até que a referida Agência
pedido, também por expressa determinação legal: assim, por exemplo, os atos
Reguladora de Serviços Públicos Concedidos elo Estado do Rio de Janeiro- ASEP-RJ
ele concentração econômica empresarial- fusão, cisão, incorporação etc. -que venha a se pronunciar. Parágrafo único - Pronunciando-se a Agência Reguladora de
possam prejudicar a livre concorrência, e que não sejam apreciados pelo Con- Serviços Públicos Concedidos do Estado do Rio de janeiro- ASEP-RJ fora do prazo a
selho Administrativo de Defesa Econômica em sessenta dias, consiclerar-se-ão ela conferido, a concessionária estará obrigada a observar, daí em diante, as condições
automaticamente aprovados (art. 54, § 7. 0 , Lei 8.884/1994). O mesmo se diga constantes do pronunciamento, operando-se as compensações necessárias, no prazo
do deferimento elo pedido de parcelamento ele débitos com a União que não que lhe for determinado".
for apreciado em sessenta clias. 4 Nesses casos teremos os "efeitos positivos elo 6. "Art. 26. A concessão implica, para o concessionário, a obrigação de explorar, por sua
conta e risco e, em caso de êxito, produzir petróleo ou gás natural em determinado
silêncio administrativo". De fato, algumas leis, considerando os atrasos ela Ad-
bloco, conferindo-lhe a propriedade desses bens, após extraídos, com os encargos re-
lativos ao pagamento dos tributos incidentes e das participações legais ou contratuais
correspondentes.§ 1. 0 Em caso de êxito na exploração, o concessionário submeterá à
0
4. Portaria Conjunta PGFN/SRF 2/2002 (com base na Lei 11.941/2009): "Art. 10. Con- aprovação da ANP os planos e projetos de desenvolvimento e produção. § 2. A ANP
siderar-se-ão automaticamente deferidos os pedidos de parcelamento instruídos com emitirá seu parecer sobre os planos e projetos referidos no parágrafo anterior no prazo
a observân~ia desta Portaria, após decorridos noventa dias da data de seu protocolo máximo de cento e oitenta dias. § 3. o Decorrido o prazo estipulado no parágrafo ante-
ou do vencimento do prazo para cumprimento da exigência prevista no art. 25, sem rior sem que haja manifestação da ANP, os planos e projetos considerar-se-ão automa-
manifestação da autoridade". ticamente aprovados."
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TEORIA GERAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS I 45
dos planos e projetos de desenvolvimento e produção do bloco que couber ao 4. ELEMENTOS
concessionário se a ANP não se manifestar em cento e oitenta dias). 7 A lei dá
regulação, neste ponto, ao chamado silêncio da Administração. Aqui se trata Como todo ato jurídico, o ato administrativo, para existir, deve possuir
de matéria de lei, ordenação no plano da infraconstitucionalidade, sem ofensa certos elementos (plano da existência); além disso, para que seja válido (plano
direta à Constituição". da validade), tais elementos devem revestir-se de determinadas características
de compatibilidade com o Ordenamento Jurídico (ex., além de possuir objeto,
Nas palavras de Vicente Escuin Palop, "o silêncio administrativo se produz o objeto tem que ser lícito). Há também o plano da eficácia, pelo qual o ato ju-
na ausência de resposta administrativa a um pedido do administrado, de maneira rídico existente e válido pode ficar sujeito a algum prazo ou condição que suste
que é esse que vai determinar o conteúdo do ato, que constituirá a sua aceitação
a produção dos seus efeitos.
ou indeferimento, a depender do que a norma dispuser para o caso". Diferencia-
A doutrina não é unãnime quanto à mais adequada denominação para se
-se do chamado "ato administrativo implícito", em que não há uma ausência de
referir aos "elementos" do ato administrativo; há quem os chame de requisitos,
resposta ao pedido anterior, mas sim uma resposta atípica, por meio de compor-
existindo os que seriam intrínsecos e os extrínsecos, ou, ainda, os que os cha-
tamentos da Administração Pública que não seguem a forma prescrita-'
mem de pressupostos. Também quanto à enumeração específica de cada um
Os efeitos positivos do silêncio administrativo têm se difundido no Direito deles há enormes variações. 10
Administrativo como expressão dos princípios da subsidiariedade, da segurança
Adotaremos, contudo, dada sua maior facilidade de apreensão didática,
jurídica e da proteção da confiança legítima 9 O que é importante frisar é que a
sem prejuízo de sua importância teórica, e, ainda, considerando a sua adoção
aprovação administrativa por decurso de prazo permanece sujeita aos mesmos
pela grande maioria da doutrina, a terminologia e a enumeração de Hely Lopes
controles de juridicidade, inclusive de invalidação, que as aprovações adminis-
trativas expressas, com todas as possibilidades e limites, inclusive temporais Meirelles.
(prazos prescricionais etc.), a eles inerentes. Dessa forma, são cinco os elementos que devem se verificar para a forma-
ção e validade dos atos administrativos, conforme passamos a expor.

7. O Min.Joaquim Barbosa sustentou em seu voto a inconstitucionalidade do dispositivo 4.1 Agente


sob o argumento de que a aprovação pelo mero silêncio da Administração não atende-
ria ao princípio da motivação dos atos administrativos.
O ato deve ser praticado por pessoa física à qual a lei, explícita ou implici-
8. PALOP, Vicente Escuin. El acto administrativo implícito. Madrid: Civitas, 1999. p. 14.
tamente, atribuía poder legal para a sua prática. Vale lembrar que, nos casos em
que o Ordenamento Jurídico atribui expressamente competência a agente para
9. A doutrina diverge quanto aos méritos dessa técnica decisória. Enquanto alguns, como
Sandulli, Parisio e Cerulli lrelli, afirmam que a insegurança do administrado permane- a realização de determinado fim, entende-se que lhe atribuiu, também, os meios
ce grande, principalmente em relação aos usuários do serviço, pois terão a atividade, necessários à sua completa realização- Teoria dos Poderes Implícitos ("quem dá
por exemplo, com aumento de tarifa, sem o placet da Administração; outros, a exemplo os fins, dá os meios"). Se o agente não tiver competência para praticar o ato, ou
de Pajno, a veem como expressão de uma verdadeira "revolução copernicana no modo seja, se agir fora dos poderes a ele conferidos, o ato será inválido.
de se entender as relações entre o cidadão e o Estado e os princípios que regem a ma-
nifestação da vontade administrativa nos processos administrativos. Para o seu pleno
O agente competente para a prática do ato administrativo é tradicional-
desenvolvimento reclamou uma nova cultura do interesse público, que não o identifica mente considerado como um dos elementos sempre vinculados do ato adminis-
com uma espécie de interesse geral diferenciado que apenas a Administração seria trativo, já que qualquer agente administrativo só poderia praticar atos para os
capaz de satisfazer: o interesse público não consiste na satisfação de uma finalidade quais tivesse recebido competência legal para tanto. É bem ilustrativa desse fato
abstrata geral a respeito da qual os interesses dos cidadãos devem ficar em segundo pla- a seguinte advertência de Caio Tácito: "A primeira condição de legalidade é a
no; ao contrârio, o interesse público se realiza plenamente é com o decisivo aporte dos
interesses dos cidadãos, que se incorporam ao desenvolvimento da ação administrativa
através da participação no processo administrativo" (cf. LozANO, Maria dei Carmen
Núfiez. Las actividades comunicadas a la administraci6n: la potestad administrativa de 10. Por todas, remetemos à sistematização de BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso ele
veto sujeta a plazo. Madrid: Marcial Pons, 2001. p. 66 -67). direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 360 a 378.
46 I os CAMINHOS DO ATO ADMINISTRATIVO
TEORIA GERAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS I 47
competência do agente. Não há, em direito administrativo, competência geral o ato administrativo por ele praticado pode ser até anulado por outra razão
ou universal: a lei preceitua, em relação a cada função pública, a forma e o mo- (por exemplo, porque deu isenção não prevista em lei), mas não em virtude da
mento do exercício da atribuição do cargo. Não é competente quem quer, mas incompetência do agente.
quem pode, segundo a norma de direito. A competência é sempre um elemento
vinculado, objetivamente fixado pelo legislador" 11 4.2 Forma
Todavia, na prática e de acordo com a visão mais atualizada do princípio
É a maneira pela qual a vontade consubstanciada no ato ad:ninistrativo
da legalidade, e ressalvados os casos de reserva legal absoluta, as leis não são tão
se manifesta no mundo exterior. Costuma-se dizer que, ao contráno do direito
detalhistas assim, sendo muitas vezes atribuídas competências de forma geral,
privado, em que a forma dos atos jurídicos é em princípio livre, no Direito Ad-
e mais comumente ainda por regulamentos administrativos organizativos ou
ministrativo as formas são sempre estabelecidas em lei, sendo por v1a de regra
regimentos internos. Por exemplo, na grande maioria dos Municípios não há
uma lei dispondo que ao secretário municipal de cultura compete a administra- estabelecida a forma escrita.
ção dos teatros municipais, mas ela está implícita nas competências municipais A assertiva deve ser vista de forma relativa. Nem todas as leis fixam expres-
em cultura e na própria denominação do cargo e na organização administrativa samente a forma escrita (ao contrário do Código Civil de 2002) dos atos admi-
colocando esses teatros como órgãos integrantes da secretaria de cultura. Seria nistrativos. A cogência da forma escrita é mais decorrência elos mecanismos de
fora de senso prático- e possivelmente até mesmo inconstitucional face ao inc. controle, publicidade e processualização da Administração Pública, elo que ele
VI do art. 84, da CF/1988 (reserva de regulamento em matéria organizativa) dispositivos legais expressos específicos.
- exigir que cada uma dessas competências estivesse prevista na lei. A compe- A Lei elo Processo Administrativo Federal, em decorrência ele todos os
tência tem de estar contemplada no ordenamento jurídico, mas não necessaria- princípios elo Estado Democrático de Direito acima mencionados, fixa a forma
mente em uma regra de lei específica. 0
escrita como a regra elos atos administrativos (art. 22, § 1. ) , mas, fora essa exi-
A competência é irrenunciável e intransferível, mas pode ser, respeitados gência, outras formalidades só podem ser impostas se a lei assim o exigir (art.
os limites legais (que, na União, estão expressos nos arts. 11 a 17 da Lei do Pro- 22, capt!t).
cesso Administrativo Federal- Lei 9.784/99), delegada ou avocada. Vige, portanto, a regra de que os atos administrativos elevem ter forma
Se quem praticou o ato sequer tinha vínculos funcionais com Administra- escrita· as exceções a ela é que devem ser previstas em le1 ou ser um mew
ção Pública, ou se, posteriormente, descobre-se algum vício em sua investidura, inafast~vel para a consecução ele objetivos públicos. Por exemplo, ainda que não
tornando-a nula, mas, mesmo assim, essa pessoa tinha aparência de possuir tais haja lei admitindo a forma oral, a requisição ele um automovel particular por um
vínculos (validamente), será considerado agente de fato, e os atos por ele prati- policial militar para poder perseguir um fugitivo pode ser feita oralmente, pelo
cados não serão considerados nulos em respeito à boa-fé dos administrados que menos nesse primeiro e premente momento.
com ele lidaram. Trata-se de aplicação, no ãmbito do direito público, da "Teoria
Salvo esses casos excepcionais, como os ele extrema urgência e os ele tran-
da Aparência".
sitoriedade elo comando (apito do guarda ele trãnsito, ordem verbal simples elo
A consequência é que os atos por ele praticados não serão, ao menos por superior ao inferior hierárquico), os atos administrativos devem sempre ter for-
razões de incompetência, considerados nulos. Assim, por exemplo, caso se des- ma escrita, não se admitindo a forma verbal ou por melO de sma1s sonoros ou
cubra, anos após a sua realização, fraude em concurso público para fiscal de luminosos.
rendas, a invalidação da nomeação de determinados fiscais não acarretará a in-
A forma escrita é essencial para o controle ela Administração Pública. Os
validade dos atos administrativos tributários por eles praticados; ou se um servi-
atos verbais são mais difíceis ele ser documentados e, consequentemente, con-
dor, mesmo depois de deixar de sê-lo pela aposentadoria, continua trabalhando.
trolados. Além disso, 0 prévio conhecimento ela forma escrita faz com que os
administrados possam estar atentos para uma eventual violação de seus direitos
ou dos direitos ela coletividade com um todo, por meio, por exemplo, ela leitura
11. TAnro, Caio. O abuso do poder administrativo no Brasil- Conceito e remédios. Revista
dejiiStiça. 1959. p. 27. elos atos administrativos publicados na imprensa oficial.
48 I os CAMINHOS DO ATO ADMINISTRATIVO TEORIA GERAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS I 49
A forma é normalmente identificada como um dos elementos sempre vin- Estado, constituindo o fundamento de um regime jurídico próprio, distinto do
culados dos atos administrativos, ou seja, que sempre decorreria diretamente que rege as relações entre os particulares.
da lei, sem deixar qualquer margem de escolha para o administrador público. Há alguns termos que, às vezes, vêm mencionados como sinônimos de "in-
Em primeiro lugar, devemos ter cuidado com afirmações doutrinárias genéricas teresse público"; outras vezes, a sinonímia é parcial, porque possuem peculiari-
como esta, pois a opção entre a vinculação e a discricionariedade é, salvo os dades. Assim, "interesse coletivo" pode significar o interesse de um grupo de in-
casos de reserva legal absoluta, uma decisão do legislador, não da doutrina, que
divíduos ligados por um substrato jurídico comum (por exemplo, os membros
pode atribuir discricionariedade ao administrador na eleição de determinada
de determinada categoria profissional); "interesse social", quando não é tratado
forma. 12 Basta termos em mente o exemplo dos contratos de baixo valor, que
como sinônimo de "interesse público", aparece como o interesse da satisfação
a Lei 8.666/1993, por questões de praticidade, admite serem verbais, mas que
de setores menos favorecidos da população, a exemplo do que se dá em matéria
o administrador pode, para aumentar a transparência e a segurança jurídica,
de desapropriação por interesse social, destinada, principalmente, a atender a
reduzi-lo a termo escrito (art. 60, parágrafo único). Esses contratos têm, por-
necessidades de habitação e trabalho (art. 2. 0 , I, Lei 4.132/1962).
tanto, forma discricionária.
Registre-se, ainda, que a modificação ou o desfazimento dos atos adminis- Dentro do conceito de interesse público, Renato Alessi o distingue em in-
trativos deve seguir a forma do ato originário - princípio do paralelismo das teresse público secundário, também chamado de interesse público das pessoas
formas. estatais, referente à satisfação das necessidades do próprio aparelho estatal (por
exemplo, o interesse público na arrecadação); e em interesse público primário,
de satisfação da sociedade (assim, o funcionamento de um hospital público, a
4.3 Finalidade
apreensão de mercadorias estragadas etc.) 13
Todo ato administrativo deve ter por finalidade o atingimento de fim públi- Quando se fala no elemento finalidade do ato administrativo, não se pode
co, tal como definido em regra jurídica ou decorrente da ponderação dos valores deixar de mencionar a chamada Teoria do Desvio de Poder ou Desvio de Fina-
jurídicos envolvidos concretamente em cada na decisão administrativa. lidade, de origens francesas (détoumement de pouvoír): todo ato administrativo
O administrador público exerce uma função pública, ou seja, é dotado de deve atender à finalidade expressa ou implícita na norma atributiva da compe-
poderes instrumentais à realização das finalidades a ele atribuídas pelas regras tência e, caso não a atenda, estar-se-á diante do vicio conhecido como desvio de
e princípios do ordenamento jurídico, finalidades essas que não podem ser o poder, que ocorre não apenas quando o ato não visa a qualquer interesse público
puro e simples benefício ou prejuízo individual de determinada pessoa. Isso não -no exemplo clássico da desapropriação para prejudicar o um inimigo político
ilide, no entanto, as muitas vezes em que interesses individuais são coincidentes -,mas, também, nos casos em que a lei fixa determinada finalidade pública a ser.
com o interesse público (ex., fomento a empresa em região pobre, prestação de atingida e o ato visa a outra, ainda que ambas sejam "de interesse público" (ex.:
serviços públicos à população carente). se a norma legal dispõe que os estabelecimentos comerciais podem ser fechados
As concepções anglo-saxônicas e europeias do interesse público são distin- por razões sanitárias, a Administração Pública não poderá fechá-los em razão do
tas. Enquanto nos EUA e no Reino Unido o interesse público era considerado não pagamento de tributos).
como intrinsecamente ligado aos interesses individuais, sendo próximo ao que Em termos processuais, devido à dificuldade de comprovação do desvio ele
resultaria de uma soma dos interesses individuais (satisfação dos indivíduos = poder, por ser predominantemente uma questão subjetiva interna ao adminis-
satisfação do interesse público), nos Estados de raiz germânico-latina o interes- trador público que praticou o ato, tende-se a aceitar indícios de sua ocorrência,
se público era considerado superior à soma dos interesses individuais, sendo
desde que sólidos.
superior e mais perene que eles, razão pela qual era protegido e perseguido pelo

12. Nas hipóteses de reserva absoluta de lei, a CF/1988 impõe ao legislador a exaustão da 13. ALESSI, Renato. Sistema Istituzionale clel Dirítto Amministrativo Italiano. Milano: Dott.
matéria. Antonio Giuffré Editore, 1953. p. 151-152.
50 I os CAMINHOS DO ATO ADMINISTRATIVO TEORIA GERAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS I 51

4.4 Motivo Não se exigem requisitos formais excessivos para a motivação, podendo a
autoridade emitente do ato fazer remissão a outros atos administrativos, pare-
Os motivos constituem as circunstâncias de fato e de direito que deter- ceres, laudos etc. O que se impõe, contudo, é que a motivação seja clara, con-
minam ou autorizam a prática do ato administrativo, podendo estar prévia e sistente, pertinente àquilo que se está praticando (art. 50,§ 1. 0 , Lei do Processo
exaustivamente estabelecidas na lei ou não. No primeiro caso- de motivo dito Administrativo Federal).
vinculado - teríamos como exemplo as circunstâncias de fato que justificam
a aposentadoria de servidor público, basicamente os anos de contribuição es-
4.5 Objeto (conteúdo)
tabelecidos pela CF/1988; no segundo caso - motivos discricionários - há o
exemplo do tombamento: a lei não define, e nem, aliás, teria como definir, quais É a mudança que o ato efetua no mundo jurídico- a criação, a modificação
bens possuem valor histórico-cultural, razão pela qual o motivo do ato adminis- ou a extinção de direitos ou obrigações geradas pelo ato (exemplo: no ato ad-
trativo de tombamento será a circunstância de aquele bem enquadrar-se dentro ministrativo de exoneração de um servidor seu objeto é a extinção da relação
do conceito indeterminado de "patrimônio histórico-cultural", possuindo a Ad- jurídico-funcional; na desapropriação, é a aquisição da propriedade pelo Esta-
ministração, naturalmente, alguma margem de liberdade no enquadramento de do; na permissão de uso, é a criação do direito do particular de usar determina-
alguns bens nesse conceito. do bem público).
A lei prevê que, diante de determinadas circunstâncias, tal ato adminis- Fazendo um paralelo com o elemento motivo do ato administrativo pode-
trativo será praticado. A circunstância (por exemplo, construção irregular) é o mos dizer que o motivo são os pressupostos da incidência da norma jurídica;
motivo do ato (por exemplo, da ordem da sua demolição). enquanto o objeto são as consequências jurídicas dessa incidência (por exem-
plo, caso a Administração Pública identifique um bem de elevado valor histó-
Especial atenção merece a "Teoria dos Motivos Determinantes": ainda que rico -motivo -, deve, por meio do ato administrativo do tombamento, estabe-
o motivo não esteja expressamente consignado na lei em todos os seus aspectos, lecer uma série de limitações ao direito de propriedade do seu titular- objeto).
havendo, então, discricionariedade da Administração Pública em elegê-lo, fato
é que, depois de sua explicitação/motivação, a veracidade do motivo passa a ser O objeto do ato administrativo (o que ele faz no universo jurídico) pode
condição de validade do ato administrativo, ainda que outro motivo pudesse ter estar previsto na lei ou ela pode atribuir certo poder de escolha para a Admi-
sido originária e legitimamente invocado para fundamentar o ato. nistração Pública (ex.: para dar conta de uma grande necessidade de educação
pública em determinado bairro, a Administração Pública pode escolher em de-
A Administração Pública, em tese, nem precisaria indicar os motivos para sapropriar um terreno para construção de uma grande escola pública, o que
a prática do ato (para aqueles que sustentavam que os atos discricionários não otimizaria os recursos financeiros e humanos a serem empregados, ou preferir
precisariam ser motivados), mas, ao fazê-lo, ficaria vinculada à existência da- desapropriar vários terrenos pequenos para construção de várias escolas, mais
queles motivos que apresentou. Hoje, contudo, essa assertiva deve ser atuali- próximas dos seus usuários).
zada. Não é mais cabível falar que "a Administração não era obrigada a moti-
var, mas, ao fazê-lo se vincula ao motivo invocado". A Administração Pública
é sempre obrigada a motivar, e, nos casos em que houver discricionariedade na 5. MÉRITO DO ATO ADMINISTRATIVO (DISCRICIONARIEDADE X VINCULAÇÃO)
escolha do motivo, este, explicitado, deve realmente ser procedente sob pena de É clássica, porém em vias de superação, a diferença entre atos administrativos
o ato ser inválido por vício no seu motivo. vinculados e atos administrativos discricionários: naqueles a lei não deixaria
Malgrado a regra da obrigatoriedade da motivação, os atos de mero expe- qualquer margem de escolha para o administrador (por exemplo, aos setenta
0
diente e ordinatórios, de feição exclusivamente interna, sem qualquer conteúdo anos deve ser deferida a aposentadoria compulsória do servidor- art. 40, § 1. ,
decisório - por exemplo, um despacho de "junte-se aos autos a petição" -, e li, da CF/l988); ao passo que nesses (os vinculados) a lei permitiria que o ad-
alguns atos que já têm sua motivação autocompreensiva em sua própria expe- ministrador adotasse mais de urna medida, todas elas legítimas (por exemplo,
dição, não precisam ser fundamentados. Essas exceções devem, contudo, ser abrir ou não licitação nos casos de dispensa por baixo valor do contrato - art.
sempre vistas com cautela e apreciadas a cada caso. 24, I e li, Lei 8.666/1993).
52 I os CAMINHOS DO ATO ADMINISTRATIVO TEORIA GERAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS I 53

Esse âmbito de escolha do administrador deixado pela lei, âmbito natu- Percebe-se a discricionariedade principalmente quando a lei se utiliza de
ralmente limitado, recebe tradicionalmente o nome de "mérito administrati- conceitos jurídicos indeterminados para outorgar competência ao administra-
vo"; e o critério pelo qual o administrador realiza a sua escolha entre o leque dor público. Dentre as possíveis formas de se preencher aquele conteúdo legal
de opções a ele franqueado pelo legislador é chamado "juízo de conveniência de baixa densidade normativa, o administrador o densificaria num exercício de
e oportunidade". discricionariedade, por intermédio de um juízo de conveniência e/ou de opor-
tunidade. Mas a matéria não é pacífica na doutrina.
De forma sucinta, podemos afirmar que o mérito administrativo expres-
sa no caso concreto o juízo de conveniência e a oportunidade concedidos à Eros Roberto Grau, 16 por exemplo, calcado na doutrina de Eduardo Garcia
Administração Pública pelo ordenamento jurídico, ou seja, conferido pela pos- de Enterría, adota uma concepção mais restrita de discricionariedade, limitan-
sibilidade de escolha entre várias opções, todas elas lícitas. do-a às hipóteses em que a lei efetivamente outorga à Administração a prática
de atos possivelmente distintos, sendo-lhe indiferente qual venha a ser adotado.
Discricionariedade administrativa seria, assim, a margem de escolha deixa- Estes autores excluem, portanto, do conceito de discricionariedade a aplicação
da pela lei ao juízo do administrador público para que, na busca da realização de conceitos jurídicos indeterminados, já que eles manteriam essa indetermina-
dos objetivos legais, opte, entre as opções juridicamente legítimas, pela medida ção apenas em tese: no momento da sua aplicação tais conceitos exigiriam ape-
que, naquela realidade concreta, entender mais conveniente. Trata-se da esco- nas uma única atitude por parte da Administração Pública, que seria a medida
lha entre indiferentes jurídicos, entre várias medidas admitidas pelo Legislador, correta para o caso concreto.
para quem é indiferente a opção por uma ou outra delas.
Logo, para estes autores, não haveria a comumente identificada proximi-
A discricionariedade, que já foi chamada de "cavalo de Troia no Princípio dade entre conceitos jurídicos indeterminados e discricionariedade adminis-
da Legalidade", advém da impossibilidade de o Legislador prever todas as so- trativa, à conta de uma restrição da abrangência da discricionariedade, que só
luções que melhor atenderiam o interesse público, razão pela qual em muitos existiria quando a lei expressamente faculta vários possíveis atos para a Admi-
casos decide deixar certa margem de apreciação à Administração Pública na lida nistração Pública (ex.: nomeação do desembargador entre os integrantes da lista
diária com as necessidades públicas. tríplice elaborada pelo Tribunal, caso em que o Chefe do Executivo tem três
Diz-se que a discricionariedade só pode incidir sobre o motivo e sobre o opções, todas elas lícitas), mas não nos casos em que esta possibilidade plural de
objeto dos atos administrativos, e que a forma, a competência e a finalidade atuação é depreendida apenas do uso pela lei de conceitos indeterminados. Eros
seriam elementos que sempre são vinculados, ou seja, a respeito dos quais a lei Roberto Grau chega a observar que todo conceito sempre é de alguma maneira
não deixa margem de apreciação à Administração Pública, 14 assertiva que, como indeterminado, e que conceitos indeterminados são usados em todos os ramos
vimos acima ao tratar dos elementos dos atos administrativos, nem sempre é do Direito (ex.: "melhor interesse da criança"), mas só revestindo esse manto de
seguida pelo legislador." poder livremente franqueado e não sujeito ao controle jurisdicional no Direito
Administrativo.
Celso Antônio Bandeira de Mello 17 discorda dessa posição, afirmando que
todo conceito indeterminado gera três zonas de incidência: "zona de certeza
14. Celso Antônio Bandeira de Mello acertadamente sustenta que a finalidade também
pode ser discricionária, já que o simples fato de a Administração ter que atender ao positiva", em que se tem certeza que a opção administrativa está incluída entre
"interesse público", conceito extremamente indeterminado, não fecharia à Administra- as opções legais; "zona de certeza negativa", em que a medida pretendida pela
ção Pública apenas uma opção legítima (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Administração Pública está evidentemente fora das possibilidades abertas pela
direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 360 a 378). O elemento
finalidade seria, no entanto, vinculado se a lei especificasse no detalhe que interesse
público teria que ser realizado.
16. GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 7. ed. São Paulo: Malheiros,
15. E o legislador, com todas as vênias, deve respeito somente à Constituição, não à dou-
trina. Devemos lembrar, guardados os seus exageros retóricos, da célebre frase de Kir- 2008.
chmann: "Três palavras adequadas do legislador e bibliotecas inteiras se transformam 17. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 17. ed. São Paulo:
em papel de embrulho". Malheiros, 2004. p. 855 e ss.
54 I os CAMINHOS DO ATO ADMINISTRATIVO TEORIA GERAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS I 55
lei; e "zona cinzenta", âmbito no qual são plausíveis várias decisões para dar competência discricionária, e, ainda, a necessidade de motivação dos atos dis-
cumprimento ao conceito jurídico vago ou indeterminado. Para o autor a discri- cricionários. Posteriormente, principalmente por meio das lições de Massimo
cionariedade estaria presente apenas nesta zona, apenas na escolha entre essas Severo Giannini, 19 passou-se a entender a discricionariedade como o dever da
opções razoáveis, todas elas podendo ser consideradas aplicativas do conceito Administração Pública de ponderar os diversos interesses privados e públicos
legal indeterminado. envolvidos no caso concreto.
Ou seja: afastadas as opções evidentemente contrárias e as evidentemente Contemporanamente vem assumindo bastante destaque a função dos prin-
concretizadoras da vontade legal, é, justamente no espaço intermediário entre cípios do Direito Público e do Direito Administrativo (proporcionalidade, mo-
esses dois extremos, que a Administração Pública exerce sua discricionariedade, ralidade, eficiência etc.) como limitadores e de condicionadores do exercício de
preenchendo, no caso concreto, o conteúdo dos conceitos indeterminados , aí qualquer competência discricionária.
incluídos, além dos conceitos jurídicos indeterminados (ex.: valor histórico), os Por fim, vale destacar uma observação que, afinal, parecerá óbvia: não
conceitos ditos de experiência (alto, magro, barulho, pudor etc.) e os conceitos existem, a rigor, atos inteiramente discricionários, vez que a discricionariedade
técnicos (ex.: medidas para evitar o sobrecarregamento das redes de transmissão só poderá dizer respeito a dois de seus elementos: o motivo e/ou o objeto. Os
de energia elétrica). 18 demais elementos, em todas as situações, sempre serão vinculados. E, mesmo
em relação ao motivo e/ou ao objeto do ato administrativo discricionário, eles
Tema muito importante no estudo da discricionariedade é o de seu con-
haverão de atender aos princípios do Ordenamento Jurídico e aos ditames da
trole judicial. De um conceito de liberdade administrativa absolutamente in-
juridicidade: discricionariedade não significa, em hipótese alguma, arbitrarie-
suscetível de apreciação judicial, a discricionariedade administrativa vem sendo
dade. Sendo assim, há certa artificialidade em uma separação estanque entre ato.
objeto de uma progressiva construção jurisprudencial e doutrinária fixadora de
limites ao seu exercício. administrativo vinculado e discricionário. O que existe na verdade são graus de
vinculação.
Nesse percurso de progressivo aprimoramento dos fundamentos teóricos
e dos métodos de controle, utilizou-se, num primeiro momento, a Teoria do
Desvio de Poder, a ideia do necessário atendimento às finalidades da outorga da 6. ATRIBUTOS

Os atributos dos atos administrativos os revestem de supremacia estatal, o


que os distingue dos atos privados praticados pela Administração Pública. Re-
18. São inúmeras as divergências no Direito Administrativo quanto à caracterização dos
lembremos, aqui, alguns conceitos dos princípios de nossa disciplina.
conceitos técnicos e dos conceitos jurídicos indeterminados como geradores ou não
de discricionariedade. Para uma ampla discussão sobre o tema ver a obra de Sérgio • Presunção de legitimidade: Como a Administração está obrigada a fazer
Guerra. Controle judicial dos Atos Regulatórios. Rio de janeiro: Ed. Lumenjuris, 2004. apenas o que está previsto ou genericamente autorizado na lei, presume-
No particular, concordamos, entre outros, com Marçaljusten Filho quando afirma que -se, de modo relativo que seus atos são legítimos, tanto em relação aos
"o conhecimento técnico poderá funcionar como instrumento de delimitação das al- fatos quanto em relação às razões jurídicas que os motivaram. De modo
ternativas disponíveis, mas dificilmente eliminará a pluralidade de alternativas. Haverá bastante exemplificativo desse atributivo, o art. 19, li, da CF/1988, esta-
uma margem de escolhas, a qual propiciará um juízo de conveniência e oportunidade
belece que um ente político não pode recusar fé aos documentos públi-
por parte da autoridade encarregada de promover a aplicação da norma geraL Dito de
outro modo, rejeita-se (ainda outra vez) a concepção da discricionariedade técnica cos dos demais entes.
como uma atuação neutra, imune a valorações e exteriorizadora de juízos objetivos As consequências práticas da presunção de legitimidade são duas. Em pri-
derivados imediatamente do conhecimento técnico-científico. Essa fórmula não des- meiro lugar, os atos administrativos podem ser imediatamente executados, mes-
creve adequadamente a quase totalidade das hipóteses enquadradas no conceito de
discricionariedade técnica. Isso não equivale a negar a existência de decisões fundadas
em critérios técnicos. O que se afirma é a ausência de neutralidade em hipóteses dessa
ordem" (O Direito das Agências Reguladoras Independentes. São Paulo: Dialética, 2002. 19. GJANN!N!, Massimo Severo. Diritto Amministrativo. 3. ed. Milão: Ed. Giuffre, 1993. v. 2,
p. 528). p. 45 a 50.
56 I os CAMINHOS DO ATO ADMINISTRATIVO TEORIA GERAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS I 57
mo quando hajam sido impugnados. Além disso, o ônus da prova da ilegalidade
7. CLASSIFICAÇÃO
do ato cabe a quem alega (presunção relativa). Ou seja, não é a Administração
que tem que provar que o ato é legal ou que os fatos por ela invocados realmente Buscaremos, aqui, longe de repassar todas as possibilidades classificató-
ocorreram, sem embargo das críticas existentes a tamanha amplitude, que deve rias dos atos administrativos, ordená-los, de forma simples, no que possuem de
ser vista à luz das exigências do devido processo legal. mais essencial. Escolhemos, para isso, quatro critérios classificatórios: quanto à
• Imperatividade: É o atributo de que a Administração Pública dispõe para situação jurídica gerada, quanto à vontade formadora, quanto à exequibilidade
impor seus atos a terceiros sem sua prévia anuência. Ou seja, seus atos e quanto ao ãmbito de sua repercussão.
são coercitivos. Ao contrário das relações privadas, em que, por via de
regra as obrigações extraem sua força de acordos de vontades, sendo 7.1 Quanto à situação jurídica gerada
apenas protegidas pela lei, no Direito Administrativo, por decorrerem
diretamente da lei, os atos administrativos criam obrigações indepen- Quanto à situação jurídica por eles gerada, os atos administrativos podem
dentemente da vontade de seus destinatários. ser normativos ou concretos. Os primeiros não possuem destinatários determi-
nados, configurando normas gerais e abstratas; por isso, são, em si, invalidáveis
Este atributo também vem sofrendo algumas modificações. Em alguns ca-
judicialmente, salvo em controle de constitucionalidade. O que pode ser im-
sos, a Administração Pública, num esforço de legitimação de seus atos, mesmo
pugnado judicialmente são os atos administrativos concretos deles decorrentes.
que não precise para a validade do ato, pode ouvir os administrados e buscar
Assim, uma portaria que estabeleça os critérios de promoção por mérito do ser-
a sua concordância. A consensualidade não exclui a imperatividade, que com
vidor servirá, na prática, como um guia geral para que tais progressões funcio-
ela coexiste em estado de latência. Além disso, há atos em que o interesse é
nais sejam aplicadas; no entanto, a discussão judicial, em princípio, só poderá
predominantemente dos administrados (por exemplo: a autorização de uso de
dizer respeito ao ato administrativo concreto que fez ou ameaça fazer (ou deixa
um bem público, ato unilateral e, em princípio, precário, por meio do qual a
de fazer) a promoção específica de um servidor.
Administração Pública cede o uso privativo de um bem seu a um particular
por solicitação voluntária deste). Há ainda os permissivos legais de terminação Os atos administrativos normativos são revogáveis, por serem expressão
pacífica de conflitos entre o Estado e particulares (ex.: termos de ajustamento da discricionariedade e por serem normas em sentido próprio, ou seja, não ge-
de conduta etc.). ram direito à sua permanência no ordenamento jurídico. Da mesma forma que
ninguém possui direito adquirido a regime jurídico ou à continuidade legislati-
• Autoexecut01iedade: É a possibilidade de certos atos administrativos se-
va, também não se pode pretender que os atos administrativos normativos não
rem passíveis de execução direta pela própria Administração Pública,
possam ser revogados ou alterados. A revogação, no entanto, deverá respeitar
independentemente de qualquer ordem judicial. Exemplos clássicos
os direitos adquiridos e confianças legítimas geradas durante a vigência do ato.
do uso desse atributo são os atos administrativos de apreensão de mer-
cadorias ou de armas, na demolição de prédios, no reboque de veícu- Os atos concretos, também chamados de individuais ou de especiais, pos-
los etc. Apesar de a doutrina francesa, que o concebeu, referir-se a ele suem destinatários certos, fazendo nascer uma situação jurídica particular, ge-
como um privilége du préalable, não se trata de um privilégio ou de rando encargos ou criando, diretamente, direitos e deveres que ingressam na
algo com caráter excepcional, já que seria uma característica ordiná- esfera de seu destinatário (exemplos: a desapropriação de um bem, a nomeação
ria do Direito Administrativo. Só não haverá a possibilidade de auto- de um servidor, a concessão de licenças etc.). Por isso, sempre podem ser ataca-
executoriedade quando a lei, de modo explícito ou implícito, vedá-la. dos em Juízo e, caso produzam direitos que hajam sido efetiva e regularmente
Fora isso, salvo casos de eminente risco para a segurança ou para a adquiridos, não podem ser revogados.
saúde pública, em que a oitiva da particular pode se dar posteriormen- Observe-se que a simples existência de uma pluralidade de sujeitos atin-
te, o exercício da autoexecutoriedade deverá respeitar o direito consti- gidos pelo ato administrativo não o torna um ato normativo, desde que todos
tucionalmente assegurado ao prévio contraditório e ampla defesa (art. esses sujeitos sejam determinados. Dessa forma, o ato de desapropriação de
5. 0 , IV, CF/1988). quatro imóveis para a construção de uma escola municipal não é ato normativo
58 I os CAMINHOS DO ATO ADMINISTRATIVO TEORIA GERAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS I 59
pelo simples fato de atingir quatro proprietários, os quais restam absolutamente titutivos são inexistentes, nem chegando a se aperfeiçoar como atos administra-
determinados. tivos. Um exemplo de ato administrativo inexistente seria aquele praticado por
quem nem a aparência de servidor possui.
7.2 Quanto à vontade formadora Já os atos válidos são aqueles em que, além de todos os seus elementos
estarem presentes- já são, portanto, atos administrativos perfeitos/existentes-,
Segundo o critério da vontade formadora, os atos administrativos podem
também se encontram em plena conformidade com a lei e com a Constituição,
ser simples, complexos ou compostos.
sendo, portanto, além de perfeitos, válidos (agente competente, forma legal,
O ato administrativo simples é aquele que resulta da manifestação da von- objeto e motivo legal e finalidade pública ou legal).
tade de um único órgão, seja ele unipessoal ou colegiado. Assim, decisões to-
Hely Lopes Meirelles 21 acreditava que, no Direito Administrativo, não há
madas por um Conselho, ou o decreto de promoção de servidor. O que importa
diferença prática entre a inexistência e a invalidade do ato administrativo, já
é a vontade unitária (não de agente público, mas de órgão) que lhe dá origem.
que, segundo a sua doutrina, ambos não produziriam qualquer efeito. Mas, com
Já o ato complexo é formado pela conjugação da vontade de mais de um a evolução doutrinária e legislativa do Direito Administrativo, adotando posição
órgão para a prática de um ato administrativo formal e materialmente único. menos rigorosa em relação aos efeitos ex tunc da nulidade dos atos administra-
Um bom exemplo seria o Decreto, assinado pelo Chefe do Poder Executivo e tivos, a diferença entre os atos inexistentes e os atos nulos passou a ser muito
referendado pelos Ministros de Estado das áreas relacionadas ao seu conteúdo. importante, porque estes em tese admitem a convalidação (também chamada de
Por fim, o ato administrativo composto é o que resulta da vontade de ape- sanatória), que é o aproveitamento do ato inválido, porém existente- já que não
nas um órgão, mas que depende do controle prévio (anuência prévia) ou poste- se pode sanar o que nem existe.
rior (homologação) de outra autoridade pública para ser exequivel. O ato aces- Por sua vez, os atos administrativos eficazes são aqueles que estão aptos a
sório pode ser pressuposto do ato principal (por exemplo, a prévia aprovação, produzir efeitos por não estarem sujeitos a prazo, condição suspensiva, publica-
pelo Senado, da nomeação do Procurador-Geral da República - art. 84, XIV, ção ou ato controlador de outra autoridade.
CF/1988) ou posterior ao ato principal (por exemplo, a ratificação, pela autori-
Em regra, o ato administrativo terá eficácia imediata, a partir do momento
dade superior, da dispensa de licitação).
em que for editado, ou posterior - por exemplo, trinta dias após a sua publi-
Ao contrário dos atos administrativos complexos, nos atos compostos não cação. Mas a retroatividade dos atos administrativos é, em principio, vedada,
há apenas um ato, mas dois, um principal (que traz o seu conteúdo), e outro, só comportando exceções fortemente esteadas em princípios da Administração
acessório (ato anterior ou posterior que controla o ato principal). Pública como os da legalidade, da continuidade do serviço público e da segu-
A diferença entre o ato composto e o procedimento administrativo não é rança jurídica. Odete Meduar indicou, com base nesses princípios, os seguintes
fácil; há mesmo quem (como Celso Antônio Bandeira de Mello 20 ) não os dis- atos administrativos retroativos: invalidação de outro ato administrativo, rein-
tinga. Naquele temos um ato acessório e um ato principal, enquanto neste há tegração (retorno do servidor ao serviço público em razão da nulidade do seu
vários atos acessórios e um ato principal-final, sendo que, nas duas hipóteses, a desligamento) e a nomeação ou designação de servidor com efeitos retroativos à
invalidação do(s) acessório(s) invalida o principal. data em que efetivamente começou a trabalhar para o Estado.
As três qualificações (ato existente/perfeito, válido e eficaz) podem ser
7.3 Quanto à exequíbíiídade combinadas entre si. Podemos ter atos administrativos perfeitos, inválidos e
eficazes (uma exoneração de servidora pública ocupante de cargo em comissão,
Atos administrativos perfeitos são os que possuem todos os elementos da expressamente fundamentada em sua orientação sexual, pode ser tida por in-
sua formação: o ato existe. Os atos que não possuem todos os elementos cons- constitucional, mas, pelo menos no primeiro momento, possui todos os elemen-

20. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 17. ed. São Paulo: 21. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 23. ed. São Paulo: Malheiros,
Malheiro5, 2004. p. 391 e 55. 1998. p. 153/4.
r
60 I os CAM!NHOS DO ATO ADM!N!STRAT!VO TEOR!A GERAL DOS ATOS ADM!N!STRAT!VOS I 61
tos e produz efeitos imediatamente), atos administrativos perfeitos, inválidos e rio. Decorre da mudança na avaliação do interesse público relativo àquele ato.
ineficazes (no caso anterior, se a exoneração só produzisse efeitos a partir do Por isso, o judiciário não pode, no exercício da função jurisdicional, determinar
mês seguinte), ou atos administrativos perfeitos, válidos e ineficazes (uma ces- a revogação de atos administrativos, pois estaria ingressando no mérito admi-
são legal de servidor, entre duas entidades estaduais, que só produzirá efeitos a nistrativo.
partir do início do próximo mês por ter sido sujeita a um prazo). De forma geral, será o próprio agente que praticou o ato, ou seu superior
hierárquico, quem poderá revogar o ato, devendo fazê-lo sempre motivadamen-
te (art. 50, VIII, Lei 9. 78411999).
7.4 Quanto ao âmbito de repercussão
O poder de revogar atos, como qualquer competência discricionária, não
Essa classificação focaliza o espectro de produção de efeitos do ato, se in- é ilimitado, e o Direito Administrativo traçou alguns limites ao seu exercício.
ternos ou externos à Administração Pública. Os atos administrativos externos
a) Os atos vinculados são impostos diretamente pela lei, não cabendo juízo
visam à produção de efeitos exógenos à Administração Pública, ou seja, sobre
de conveniência e oportunidade quanto à sua expedição ou manutenção, tendo
os particulares (por exemplo, um decreto expropriatório). Já os atos adminis-
em vista que a lei contemplou apenas uma solução legítima, correspondente à
trativos internos objetivam a produção de efeitos jurídicos apenas no interior
que já foi tomada pela Administração Pública, não podendo ser revogados. Ora,
da máquina administrativa (assim, uma portaria de organização dos serviços
se a Administração Pública não tinha liberdade para deixar de emitir o ato, não
de determinada repartição pública, fixando-lhes, por exemplo, as competências
tem como ela ter discricionariedade para, uma vez editado o ato, desfazê-lo.
internas, ou o ato de lotação de um servidor público).
b) O direito adquirido é importante limite à revogação dos atos administra-
Os atos internos teriam como escopo apenas a organização interna da Ad-
tivos (c f., mais uma vez, o art. 53 da Lei 9. 784/1999 - Lei do Processo Adminis-
ministração e a orientação dos seus servidores, ainda que, na prática, possam
trativo Federal, e enunciado da Súmula 473 do STF). Mesmo os atos discricio-
produzir importantes efeitos reflexos nos direitos e interesses dos cidadãos,
nários, depois de praticados, podem gerar direitos adquiridos, os quais devem
razão pela qual autores há que refutam essa classificação. Para ficarmos num
ser respeitados.
exemplo simples, uma alteração de competências numa Secretaria de Estado,
concretizada por meio de Decreto do Governador, e, portanto, por um ato ad- (c) Os atos consumados, isto é, aqueles atos que já exauriram comple-
ministrativo interno, pode alterar a autoridade impetrada num mandado de tamente os seus efeitos jurídicos (o que, por si só, já constitui uma espécie
segurança. de extinção do ato administrativo), não poderiam, naturalmente, ser extintos
mais uma vez, agora pela revogação. Por exemplo, se o Poder Público pagou
voluntariamente pelo terreno que desapropriou, tendo o particular concorda-
8. DESFAZIMENTO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS do e sido ultimada a aquisição do bem pelo Estado. Não se pode, agora, revo-
gar uma desapropriação que já se encerrou por completo, que, na verdade, já
A Administração Pública pode desfazer seus próprios atos por considera-
até se extinguiu; e uma revogação de um ato já extinto é uma revogação sem
ções de mérito, isto é, por reavaliação da conveniência e oportunidade do ato,
objeto; e
ou pela detecção de uma ilegalidade, ao passo que o Poder judiciário só pode
extingui-los quando forem ilegais. (d) A coisa julgada administrativa é barreira à revogação do ato. O termo
é um empréstimo, não muito técnico, do Direito Processual Civil. Consiste na
Há quatro formas básicas de desfazimento dos atos administrativos: revo-
imodificabilidade do ato "no ãmbito da Administração Pública", por haverem
gação, invalidação, cassação e decaimento. Vamos estudá-las uma a uma.
sido esgotados todos os meios "administrativos" de impugnação da decisão. Há
polêmica em relação à aceitação do instituto da coisa julgada administrativa em
8.1 Revogação razão de a Administração Pública ter autotutela para invalidar seus atos ilegais,
É a supressão, pela Administração Pública, motivada por questões de ao menos enquanto ainda não estiver precluso o prazo para o exercício de tal
conveniência e oportunidade, de ato administrativo válido e eficaz (art. 53, Lei poder (cinco anos- art. 54, Lei 9.784/1999). Ora, se a Administração Pública
do Processo Administrativo Federal). É emanação direta do Poder Discricioná- pode e deve invalidar seus atos de ofício, não poderia, para esses autores, ficar
62 I os CAMINHOS DO ATO ADMINISTRATIVO TEORIA GERAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS I 63
obrigada a manter um ato ilegal ou inconveniente em razão de já ter decidido de desfazimento desse modo. Para Celso Antônio Bandeira de Mello, sendo esta
sobre ele uma vez. "revogação" contrária ao Direito, ela é nula, e a Administração deve buscar as
Entendemos que, inclusive pelo princípio da confiança legítima, se há uma vias normais da desapropriação do direito adquirido. 23
decisão administrativa "final", e se já não é mais possível a anulação do ato, a
coisa julgada é, também, óbice à revogação. 8.2 Invalidação
Parte da doutrina acrescenta ainda um quinto limite à revogação, tendo por
É a extinção do ato administrativo por ser contrário ao Direito, que pode
base o princípio da segurança jurídica: (e) a exigência de que o fato a implicar
ser feita tanto pela própria Administração Pública, de ofício ou por provocação,
a reavaliação da conveniência do ato a ser revogado seja superveniente à sua
como pelo Poder judiciário quando provocado.
prática. Não se poderia, então, revogar ato administrativo com base em um novo
juízo das mesmas circunstâncias fáticas existentes quando de sua edição, exigin- Trata-se de um dever da Administração que não pode se quedar inerte caso
do-se um fato novo para gerar um novo juízo de conveniência e oportunidade. detecte algum ato administrativo antijurídico. A respeito da invalidação dos atos
administrativos pela Administração, é importante destacar, mais uma vez, a Sú-
Além dos mencionados limites, há também a exigência procedimental de
mula 473 do STF, e o art. 53 da Lei 9.784/1999: "A Administração deve anular
prévia observância do devido processo legal, já que este é garantido não apenas
seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por
nas situações em que o particular esteja sendo "acusado" de algo ilegal, mas
motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos".
em qualquer caso em que a sua esfera jurídica individual e as suas expectativas
legítimas puderem ser afetadas. 22 A simples mudança na interpretação jurídica eventualmente adotada pela
Administração Pública não pode levar à invalidação de atos administrativos já
Obedecidos esses limites, a revogação do ato administrativo não gera di-
praticados." Note-se, entretanto, que estamos tratando, aqui, de simples mu-
reito indenizatório ao particular eventualmente afetado. Se desobedecidos os
danças de orientação a partir de pontos de vista plausíveis, mas diferentes, tão
limites, aí sim será cogitada indenização, sendo comum, nesses casos, a adoção
comuns no Direito, mas não de mudanças de interpretação que signifiquem,
do termo tecnicamente não muito correto de "revogação expropriatória", carac-
na verdade, correções de ilegalidades. Nesse caso, a Administração pode e deve
terizada muito mais como um verdadeiro esbulho administrativo, uma desapro-
invalidar os atos praticados contra o ordenamento jurídico.
priação indireta do direito já adquirido pelo administrado ao ato administrativo,
do que como uma revogação propriamente dita, que se pressupõe legítima. É la- Importante questão diz respeito ao eventual prazo para o exercício do dever
mentavelmente frequente que ocorram "revogações expropriatórias" de licenças da Administração Pública de invalidar atos administrativos: há os que entendem
para construir, que são atos administrativos vinculados e, assim, insuscetíveis que, em virtude do princípio da legalidade, não há prazo limite, a não ser que
exista previsão expressa e específica nesse sentido (Diogo de Figueiredo Moreira
Neto e Odete Medauar); outros fazem analogia com o maior prazo prescricional,
22. "Mandado se segurança- Nulidade de ato administrativo pela própria Administração que é de dez anos (art. 205 do CC/2002); e há, ainda, os que aplicam, por ana-
- Ilegalidade reconhecida - Violação aos princípios da moralidade e da impessoali- logia e pelo princípio da igualdade, o prazo quinquenal de prescrição das ações
dade- Aplicabilidade das Súmulas 346 e 473 do STE Na aplicação das Súmulas 346
e 4 73 do STF, tanto a Suprema Corte, quanto este STJ, têm adotado com cautela a
orientação jurisprudencial inserida nos seus enunciados, firmando entendimento no
sentido de que o poder de a Administração Pública anular ou revogar os seus próprios 23. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso ele direito administrativo. 17. ed. São Paulo:
atos não é tão absoluto, como às vezes se supõe, eis que, em determinadas hipóteses, Malheiros, 2004. p. 420-l.
hão de ser inevitavelmente observados os princípios constitucionais da ampla defesa e 24. Lei 9.784!1999: "Art. 2. 0 A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos prin-
do contraditório. Isso para que não se venha a fomentar a prática de ato arbitrário ou cípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, morali-
a permitir o desfazimento de situações regularmente constituídas, sem a observância dade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
do devido processo legal ou de processo administrativo, quando cabível. Provimento Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os
do recurso ordinário" (STJ, RMS 10.673/Rj, l.aT., Min. rei. Francisco Falcão). A única critérios de: (. .. ) XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor
ressalva que se faz ao acórdão é que ele parece confundir as figuras da anulação com garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de
a da revogação. nova interpretação".
64 I os CAMINHOS DO ATO ADMINISTRATIVO TEORIA GERAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS I 65
0
judiciais contra a Fazenda Pública (art. 1. do Dec. 20.910/1932), sendo este A Administração Pública pode, segundo Diogo de Figueiredo Moreira
o entendimento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro e José dos Santos Carvalho Neto, com quem concordamos, sopesar a segurança jurídica e a boa-fé com a
Filho, que tem prevalecido, inclusive na legislação (art. 54, da Lei 9.784/1999, legalidade violada e declarar a nulidade do ato, mantendo, contudo, seus efei-
cuja aplicabilidade direta aos Estados e Municípios é discutível). tos. Para Maria Sylvia Di Pietro, estaríamos, nestes casos, diante do instituto
O decurso do prazo consistiria no que Diogo de Figueiredo Moreira Neto da "confirmação" do ato, pelo qual a Administração Pública decide, diante dos
denomina de "fato sanatório" da nulidade do ato administrativo. 25 valores conflitantes em jogo (aplicação pura e simples da regra jurídica versus
segurança jurídica), manter o ato em si, deixando de declarar sua nulidade.
Quanto aos efeitos temporais da invalidação dos atos administrativos, Hely
Para efeitos práticos, não há diferença entre declarar a nulidade, mas manter os
Lopes Meirelles26 acredita que, como, no Direito Administrativo, todas as nor-
efeitos do ato ou, pelos mesmos fundamentos, deixar de declarar a sua nulidade.
mas são de ordem pública, sua violação sempre leva à nulidade absoluta (retroa-
tiva) do ato, não havendo como se verificar, portanto, a sua mera anulabilidade. Pode-se, também, a depender do caso concreto, chegar a uma solução
Lança mão, portanto, da distinção que existe no Direito Civil entre atos nulos intermediária, de invalidação com efeitos apenas a partir da edição do ato in-
(violadores de normas de ordem pública, nulidade declarável de ofício e com validador ou a partir de quando o particular passou a ter má-fé, conhecendo
efeitos retroativos) e atos anuláveis (violadores de normas disponíveis, devendo o vício do ato administrativo que o beneficiava. Este seria o caso de viúva que
ser requerida e com efeitos ex nunc). percebia de boa-fé pensão concedida por uma lei que, posteriormente, vem a
No entanto, a atual doutrina administrativista, em sua grande maioria, en- ser declarada inconstitucional em AD!n. A consequente invalidação adminis-
tende que, em atenção ao princípio da segurança jurídica (principalmente nos trativa do ato concessivo da pensão deveria gerar efeitos a partir da publicação
casos em que houver decorrido um grande lapso de tempo desde a prática do do acórdão da AD!n, quando a viúva teria tomado conhecimento do vício. A
ato até o momento em que se pretende invalidá-lo) e à boa-fé dos administrados, partir de então ela teria inclusive que devolver as quantias inconstitucional-
em alguns casos deve-se admitir a manutenção dos efeitos do ato administrativo mente percebidas, mas as quantias anteriormente pagas, ainda que constitucio-
ilegal. Pensemos, por exemplo, numa licença para construção, que se descobre nais, seriam respeitadas 28
ilegal após vários anos que diversas famílias já habitam o local, muitas delas até Trata-se de ponderação entre a necessidade de cumprimento dos preceitos
mesmo terceiros adquirentes de boa-fé. legais e o princípio da segurança jurídica, que também tem sede constitucional
Em nossa opinião a questão é de "modulação temporal dos efeitos da de- (legalidade ampla), que, à vista do caso concreto, pode levar a uma conclusão
claração da nulidade, e não de se aceitar ou não a anulabilidade no Direito pela manutenção de efeitos pretéritos de um ato ao final reconhecidamente
Administrativo". Essa figura na teoria geral do direito visa a proteger tão somen- ilegal.
te direitos disponíveis, em princípio inexistentes no Direito Administrativo. A Portanto, ressalvadas as hipóteses vistas acima de ponderação com a segu-
anulabilidade tem diversas características, conforme enumeradas no penúltimo rança jurídica, a declaração de nulidade do ato administrativo opera efeitos ex
parágrafo acima; a não retroatividade dos seus efeitos é apenas uma delas, a tunc (retroativos) obrigando as partes a repor as coisas ao status quo ante.
única presente nos casos em que os efeitos da declaração da nulidade pela Ad-
ministração Pública têm de ser modulados para proteger a segurança jurídica
de particulares."
28. Veja-se, no mesmo raciocínio, a declaração de inconstitucionalidade de leis que cria-
ram municípios cuja nulidade foi, portanto, declarada pelo STF, mas de cujos efeitos
(de tal nulidade) foram pro traídos para o [uturo. Por exemplo, na ADin 2.240, o Tribu-
25. A opinião dos autores citados neste parágrafo consta de suas obras acima já citadas. nal Pleno do STF, por unanimidade, julgou procedente pedido formulado pelo Partido
26. MEmELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 23. ed. São Paulo: Malheiros, dos Trabalhadores para declarar a inconstitucionalidade da Lei 7.619/2000, do Estado
1998. p. 154. da Bahia- que criou o Município de Luís Eduardo Magalhães, decorrente do desmem-
27. Lembremos, em analogia diretamente pertinente, que atualmente a própria declaração bramento de área do Município de Barreiras-, determinando, contudo, por maioria,
de inconstitucionalidade de leis pode não ter efeitos retroativos, e nem por isso alguém que a vigência de referida lei fosse mantida pelo prazo de 24 meses até que o legislador
ousa sustentar que, nestes casos, a lei era meramente anulável. estadual estabelec~sse novo regramento.
66 I os CAMINHOS DO ATO ADMINISTRATIVO TEORIA GERAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS I 67

Mas o ato administrativo ilegal não precisa necessariamente ter a sua nuli- depois a intenção subjetiva do agente viciada em razão do seu interesse par-
dade declarada, independentemente dos maiores ou menores efeitos temporais ticular quanto à prática do ato. Ambos são ontologicamente insuscetíveis de
dessa declaração. A Administração Pública dispõe de alguns instrumentos que, correção.
em vez de reconhecerem a nulidade do ato, curam o seu vício e salvam a sua Já diante de um objeto ilegal, estaríamos diante da chamada "conversão",
juridicidade, dentro do princípio da preferencial conservação dos atos jurídicos. que alguns consideram como espécie de convalidação, e outros um instituto
Um dos instrumentos de que a Administração Pública pode se utilizar para autônomo. Pela conversão, a Administração Pública pratica um novo ato (legal)
1nanter um ato ad1ninistrativo inicialmente nulo é a \Çconvalidação", que é a substituindo o anterior (ilegal), com efeitos ex tunc. Assim, por exemplo, a con-
nova prática do ato, sem o vício que originariamente o inquinara, de forma a se cessão de uso de bem público feita ilegalmente sem licitação é convertida em
proceder à sua validação ex tunc. autorização de uso de bem público, para a qual a lei não exige prévia licitação
Alguns autores acreditam que a convalidação é um ato discricionário, ou formal.
seja, que a Administração Pública pode optar por invalidar o ato, ou, então, Não se deve confundir a "convalidação", em qualquer de suas espécies,
por consolidá-lo, doutrina que parece ter sido acolhida pelo art. 55 da Lei do com a "confirmação". Aquela torna legal o ato ilegal, enquanto esta, como vi-
Processo Administrativo ("Em decisão na qual se evidencie não acarretarem mos, não corrige o ato ilegal, mantendo-o tal como foi praticado, mas deixa de
lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem declarar sua nulidade pelo decurso do prazo para que a Administração Pública
defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria Administração"). Já ou- pudesse declarar a sua nulidade. 30
tros, entre eles Celso Antõnio Bandeira de Mello, 29 defendem que, em regra, a
Alguns incluem no conceito de confirmação também a decisão da Admi-
Administração Pública tem a obrigação de convalidar o ato, como imposição
da segurança jurídica, e que isso em nada contrariaria a legalidade, já que a nistração Pública de, mesmo diante de um ato nulo, deixar ele gerar plenamente
seus efeitos, para o passado e para o futuro, por sopesamento com a segurança
convalidação seria uma forma de restaurá-la. Lembramos também que, sendo
a segurança jurídica um princípio da Constituição, também ela integra o bloco jurídica. Como vimos acima, em nossa opinião a nulidade continua sendo de-
clarada, mas apenas os seus efeitos serão obstados para proteger a segurança
impositivo da legalidade ampla.
jurídica dos envolvidos, circunstância sem dúvida especial que deve constar do
A convalidação não pode ser admitida em relação a todos os vícios dos atos
próprio ato declaratório da nulidade.
administrativos, dependendo a sua possibilidade do elemento do ato adminis-
trativo em que ocorreram os vícios. Vale registrar que, ao contrário do que ocorre no Direito Civil, em que a
incapacidade civil e os vícios de consentimento do agente acarretam necessaria-
De forma geral, admite-se a convalidação nos casos de vício de forma e de
mente a invalidade do ato, no Direito Administrativo tal relação- entre vício de
competência, e, nesta última hipótese, estaremos diante da convalidação em sua
consentimento e invalidade- não é imediata. Apenas razões próprias do Direito
modalidade de "ratificação", que só pode ser praticada dentro da mesma linha
Administrativo, ainda que eventualmente decorram do vício de consentimento
hierárquica (pelo superior hierárquico em relação ao ato praticado pelo seu su-
do agente, poderão levar à nulidade. Assim, num exemplo, o auto de infração,
bordinado que não tinha competência para tanto- ex.: um ato de desapropria-
editado sob coação pelo agente público, será anulado apenas se houver, além da
ção praticado por um Ministro de Estado, quando a lei atribui competência para
coação, vício em sua motivação ou se invoca incidência tributária não prevista
editá-lo apenas ao chefe do Poder Executivo, pode ser convalidado/ratificado
em lei como infração administrativa. Outro exemplo: o ato administrativo, in-
com efeitos retroativos por um decreto seu).
teiramente vinculado, que foi praticado por servidor em crise mental, mas que
Quanto ao motivo e à finalidade, não é possível a convalidação, uma vez
que tanto um quanto o outro são irreversíveis. Ou os pressupostos fáticos que
motivaram o ato ocorreram, ou não. Da mesma fonna, não há como se corrigir
30. Tanto a declaração de nulidade (quando feita pela própria Administração Pública, e
não pelo Judiciário) como todos esses meios de "salvamento" de atos administrativos,
também são atos administrativos per se, apenas com a peculiaridade de incidirem sobre
29. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 17. ed. São Paulo: outros atos administrativos. Dessa forma, aplicam-se-lhes todos os elementos e exigên-
Malheiros, 2004. p. 431 a 437. cias expostos em relação aos demais atos administrativos.
68 I os CAMINHOS DO ATO ADMINISTRATIVO TEORIA GERAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS I 69
se enquadra nos estritos ditames legais, é válido (uma aposentadoria compul- 8.4 Decaimento
sória em razão dos setenta anos do servidor, quando este realmente já comple-
tou setenta anos, continuará sendo válida independentemente da incapacidade Trata-se da extinção do ato administrativo em razão da sua ilegalidade su-
mental do servidor que o editou. Lembremos que, mesmo no caso de o ato ter perveniente: "um ato, produzido validamente, pode tornar-se inválido devido
33
sido praticado por "servidor de fato" - que tem apenas a aparência de ser ser- a uma modificação na ordem legal que lhe retire o fundamento de validade" ,
vidor-, a mencionada concessão de aposentadoria continuaria sendo válida). desde que, naturalmente, tal extinção não fira a segurança jurídica do cidadão,
aí incluída a proteção ao direito adquirido e o ato jurídico perfeito.
Por derradeiro, cabe uma alusão à figura dos "atos administrativos me-
ramente irregulares". Em não havendo prejuízos a particulares ou a interesses Por exemplo, o art. 6. 0 da Lei 9.+37/1997 dava amplo poder discricionário
curados pela Administração Pública, não é porque uma regra foi descumprida à Administração Pública para conceder e manter autorizações para porte de
que se há de falar em nulidade. Como dispõe o velho brocardo, não há nulidade arma. Hoje, com o art. 6. 0 da Lei 10.826/2003, o porte de arma é, como regra,
se não houver prejuízo (pas de nullité sans griej). vedado, salvo para as categorias de pessoas nele enumeradas (ex.: policiais).
Com isso, as autorizações de porte de arma concedidas a pessoas que não se
Esse entendimento também encontra fundamento no art. 55 da Lei de Pro-
encontrem no rol do citado art. 6. 0 foram extintas por decaimento. No caso, não
cesso Administrativo, que institui um verdadeiro "poder-dever" à Administra-
há de se invocar em defesa da manutenção da autorização o direito adquirido,
ção, no sentido de que, sempre que possível, deverão ser mantidos os atos ad-
pois a legislação anterior já deixava clara a sua precariedade.
ministrativos que contenham defeitos irrelevantes que não importem prejuízos
a terceiros: "Art. 55. Em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao Há duas espécies de decàimento: pela perda superveniente do seu suporte
interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos normativo e pela perda superveniente do seu suporte fático (ex.: ato de requisi-
sanáveis poderão ser convalidados pela própria Administração" 3I ção administrativa de um remédio raro para tratar de determinado doente que,
no meio-tempo, vem a falecer- com a sua morte, há o decaimento da requisição
Raúl Bocanegra Sierra explica que essa solução decorre do princípio da
administrativa). Interessante a nomenclatura sugerida por Guido Zanobini para
conservação dos atos jurídicos. 32 Poderíamos citar como exemplo um ato de
a hipótese, de invalidade sucessiva, "consistente no desaparecimento de algum
dispensa de licitação por urgência em que toda a fundamentação foi adequada e
dos aspectos de fato, que foram juridicamente necessários para editar o ato ou
específica (narrando a situação emergencial em questão), mas deixou de citar 0
inciso legal que contempla a hipótese, quando na praxe administrativa e do seu que influenciaram no sentido de que fosse editado".
controle todos já sabem tratar-se do inc. IV do art. 24 da Lei 8.666/1993. A doutrina não diverge quanto à extinção do ato administrativo em ambas
as hipóteses (perda do suporte normativo e perda do suporte fático), embora
utilize nomenclaturas diversas: decaimento, espécie peculiar de revogação, ca-
8.3 Cassação
ducidade, desaparecimento, esgotamento ..."
É a modalidade punitiva de extinção do ato administrativo, que ocorre Diverge a doutrina, no entanto, a respeito de se a extinção pelo decaimento
quando o particular por ele beneficiado descumpre um dos requisitos que se dá antomaticamente, pela própria lei ou a insubsistência do fato que servira
condicionaram a expedição do ato. Assim, o desfazimento de licença para cons-
truir por inobservãncia do projeto submetido pelo particular e aprovado pela
Administração Pública é exemplo de cassação do ato administrativo.
33. no AMARAL, Antônio Carlos. Extinção do ato administrativo. São Paulo: Ed. RI,
CINTRA
1978. p. 54. Hâ autores tambêm que, para essas hipóteses, adotam a nomenclatura
de revogação ou de caducidade do ato administrativo. Não concordamos com essas
31. Note-se que no dispositivo a lei estende o instituto da convalidação aos atos mera- nomenclaturas, pois a primeira deve ser restrita à relação entre leis no tempo, não
mente irregulares, quando a doutrina construiu a figura da convalidação em relação entre estas e atos jurídicos de distinta natureza; e esta ou equivale à decadência ou nas
aos atos nulos. Tradicionalmente as meras irregularidades não precisam de um outro concessões tem caráter de extinção punitiva.
ato admi~istrativo para que elas fossem relevadas. Com esse dispositivo legal, se lite- 34. Para um inventário dessas posições, ver Fábio Mauro de Medeiros. Extinção do ato
ralmente mterpretado, essa necessidade já passa a ser defensável. administrativo em razão da mudança de lei (decaimento). Belo Horizonte: Ed. Fórum,
32. SIERRA, Raúl Bocanegra. La teoria del acto administrativo. Madrid: Iustel, 2005. p. 200. 2009. p. 95 a 113.
70 I os CAMINHOS DO ATO ADMINISTRATIVO

de fundamento, ou se precisa de outro ato administrativo para reconhecer a


sua extinção, com o que haveria a oportunidade inclusive para oferecimento ao
cidadão da oportunidade de contraditório para, eventualmente, defender a ma-
nutenção do ato. Por esta segunda corrente de pensamento, o decaimento seria
Aro
ADMINISTRATIVO ~

um ato administrativo declaratório (não uma extinção ipso jure) com efeitos E ATO DA ADMINISTRAÇAO:
retroativos à data da entrada em vigor da lei que o extinguiu."
EXISTE AINDA ALGUM SENTIDO
NESTA DISTINÇÃO?

BERNARDO 5TROBEL GUIMARÃES

RESUMO: O texto visa a discutir se atualmente ain- AasTRACT: This paper discusses if the difference
da há sentido na tradicional distinção entre atos between admistrative acts and acts from
administrativos e atos da administração, con- the Administration still being valid this days,
cluindo pela superação dessa distinção. concluding it is not.

PALAVRAS-CHAVE: Ato Administrativo- Ato da Ad- KEYWORDS: Admistrative Act - Act from
ministração- Classificação. Administration- Classification.

SUMÂRIO: 1. Algumas palavras acerca do direito administrativo e da sua doutrin.a- 2.


Ato da Administração e Ato Administrativo: a classificação tradicional - 3. Ha sen-
tido ainda na distinção ato administrativo/ato da administração?- 4. O mod~lo da
atuação administrativa como conceito determinante- 5. Conclusões- 6. Referenc1as
bibliográficas.

35. Idem, p. 147 ess.

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