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Administração

Pública
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Pública
Jackson de Toni
Conselho Editorial EAD
Dóris Cristina Gedrat (coordenadora) Andréa Eick
Mara Lúcia Machado André Loureiro Chaves
Astomiro Romais Cátia Duizith

Obra organizada pela Universidade Luterana do Brasil. Informamos que é de inteira


responsabilidade dos autores a emissão de conceitos.
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma
sem a prévia autorização da Editora da ULBRA.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei nº .610/98 e punido pelo
Artigo 184 do Código Penal.

Jackson de Toni é economista, mestre em Planejamento Urbano e Regional pela


Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1994) e doutorando em Ciência Política na
Universidade de Brasília, UnB. Foi analista da Secretaria de Planejamento e Gestão do Rio
Grande do Sul, onde foi diretor-geral e secretário adjunto entre 1999 e 2002. Foi assessor
especial da Presidência da República (2004-2006), responsável pelo monitoramento e
pela avaliação de projetos estratégicos de Política Industrial e Tecnológica. É professor
de Planejamento Estratégico da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) em
Brasília. É especialista em Gerenciamento de Projetos do quadro de funcionários da
Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (www.abdi.com.br), onde exerce o
cargo de gerente de Planejamento. Contato: jackson.detoni@gmail.com.

Projeto Gráfico: Humberto G. Schwert ISBN: 978-85-5639-156-8


Editoração: Roseli Menzen Dados técnicos do livro
Capa: Juliano Dall’Agnol Fontes: Minion Pro, Officina Sans
Papel: offset 90g (miolo) e supremo
Coordenação de Prod. Gráfica: Edison Wolf 240g (capa)
Impressão: Gráfica da ULBRA Medidas: 15x22cm
Março/2011
Sumário
Apresentação .............................................................. 7

1 | O surgimento do Estado e a administração pública............ 9

2 | O surgimento e a crise do modelo burocrático ............... 23

3 | A gestão pública no Brasil .......................................... 39

4 | Governabilidade e accountability na gestão pública ......... 53

5 | A excelência dos serviços públicos ............................... 63

6 | A gestão de pessoas nas organizações .......................... 71

7 | Metodologias de gestão inovadora ............................... 91

8 | Planejamento e gestão inovadora................................129

9 | Temas emergentes na gestão pública inovadora .............199

10 | Experiências na gestão inovadora ...............................225


Apresentação
Prezados alunos, é um prazer apresentar a vocês este material relativo à
disciplina de Gestão Inovadora. Cabe ressaltar que os temas abordados neste
livro são essenciais para uma administração pública qualificada e que atenda
aos desafios contemporâneos. Desejo a vocês uma boa leitura, e que este curso
contribua efetivamente para o aprendizado, o sucesso profissional de cada um
de vocês e a modernização efetiva da gestão pública brasileira!
1

O surgimento do Estado
e a administração pública
1.1 A origem do Estado
A gestão pública é o modo como administramos as coisas públicas,
particularmente como são gerenciadas as organizações públicas, sejam
elas municipais, estaduais ou federais. Por isso, antes de entrar no assunto
propriamente dito temos que compreender onde se realiza a gestão pública,
em que contexto institucional, que regras e estruturas a condicionam. Ou seja,
temos que compreender inicialmente o que é o Estado, como ele surgiu e como
ele funciona, qual é seu papel na sociedade democrática contemporânea. Vamos
trilhar este caminho logo a seguir.
Para estudar e entender o que é a gestão pública inovadora vamos ver neste
primeiro capítulo como tudo começou, isto é, o que é o Estado, qual sua origem,
função e papel numa sociedade complexa e heterogênea como a nossa. A palavra
Estado vem do latim status e significa “estado” ou “situação”.
O seu conceito está associado ao de ordem política e social que mantém
uma determinada sociedade estável. Desde a Antiguidade o conceito de Estado
também está associado ao de dominação, isto é, de um grupo de indivíduos
ou grupos organizados que, através do Estado, domina os demais grupos e
indivíduos. Esta dominação não é necessariamente ruim porque ela pode ser,
10 O surgimento do Estado e a administração pública

por exemplo, numa democracia, uma dominação legítima, isto é, desejável,


porque foi votada em um processo eleitoral livre democrático.
Diversos autores atribuem a Maquiavel, que viveu entre 1469 e 1527, o uso
pioneiro do termo “Estado”. Ele teria usado com o sentido próximo ao uso
mais moderno, Estado como sociedade política permanente. Em seu livro O
Príncipe, há a famosa frase “Todos os Estados, todos os domínios que têm tido
ou têm império sobre os homens são Estados, e são repúblicas ou principados”.
Maquiavel transformou o fazer política, isto é, as ações e os eventos que o homem
cria para que os governos funcionem, num problema essencialmente humano,
desprovido dos julgamentos morais ou de influência religiosa que predominavam
na Idade Média. A reflexão de Maquiavel surge exatamente num contexto de
transformação da sociedade medieval italiana.
Maquiavel propõe três conceitos básicos para entender como funciona o
governo:
• o primeiro seria a “Virtu”, ou seja, as qualidades pessoais do príncipe;
• o segundo seria a “Fortuna”, que seria o contexto no qual o príncipe
governa, sem controlar todas as variáveis;
• o terceiro seriam as “Razões de Estado”, que seriam as premissas, as
suposições, as condições para que o governante violasse as normas
jurídicas, econômicas e morais por ele mesmo estabelecidas. Estas
condições aconteceriam numa situação de perigo eminente, guerra ou
anormalidade extrema.

Autores como Dallari sintetizam os aspectos relacionados à formação do


Estado em três grande posições básicas:
(a) a primeira delas é de que o Estado sempre existiu na história humana,
pois o homem sempre existiu integrado a uma organização social dotada
de poder e alguma autoridade capaz de influenciar o comportamento
do grupo, mesmo nas sociedades mais primitivas;
(b) uma segunda posição é a de que o Estado foi constituído ao longo
de dezenas de anos e mesmo séculos para atender às necessidades e
conveniências dos diversos grupos sociais, numa relação de dominação
O surgimento do Estado e a administração pública 11

e poder. Mas houve época que a organização humana dispensava a


presença de um ente acima dos grupos e indivíduos;
(c) uma terceira posição é aquela que considera o Estado como um sociedade
política com soberania, cujo poder estaria acima de qualquer outro,
num dado território e nação. Nesta concepção o Estado se distingue
das demais formas de organização social porque seu poder independe
do poder dos seus ocupantes ou membros. O poder do Estado está
sujeitado ao direito, às leis, que independem dos governantes.

Há ainda muitas outras teorias que tentam explicar por que ou como o
homem organizou e construiu o Estado. Alguns teóricos dizem que o Estado
não passa de um prolongamento em escala das relações já estabelecidas pela
estrutura familiar. A sociedade civil seria apenas um desdobramento normal e
previsível da sociedade natural, o Estado apenas refletiria a ampliação dos laços
de dependência familiares. Além da família, podem ser considerados neste
enfoque a própria comuna, ou comunidade, corporações baseadas nas relações
familiares e outros grupos como possíveis fontes para o poder do Estado. Na
base deste poder estaria o poder fundante e original de um “Pai” ou de um “Rei”.
A legitimidade deste poder é de origem divina: “é Deus que quis assim”, ou na
ordem natural das coisas: “sempre foi assim e sempre será”.
A crítica que a ciência política mais moderna fará a esta abordagem é a de
que a sociedade humana não é igual ou sinônimo de sociedade política. Aliás,
somente quando o homem se emancipa das organizações básicas, como a família,
ele passa a intervir e atuar de uma forma não tutelada nos assuntos da civitas, da
coletividade, da comunidade em que está inserido, ou seja, passa a ser um ser
político, a fazer política com consciência. Além disso, a fonte e a legitimidade
do poder de Estado não está na ideia da paternidade, mas de uma opção não
natural feita por homens e mulheres, muito menos na inspiração divina. Cabe
lembrar que uma das grandes conquistas das chamadas “revoluções burguesas”
do século XVIII, em especial da Revolução Francesa, foi a separação entre o
poder religioso e o poder político, criando a ideia do Estado laico e da liberdade
de culto religioso.
Uma outra vertente na teoria sobre o Estado nos diz que o Estado surge
como que um “contrato” entre os indivíduos. Este contrato teria sido inspirado
12 O surgimento do Estado e a administração pública

na necessidade que os homens têm em preservar e tutelar seus direitos uns dos
outros, em troca da proteção de um soberano. Um dos autores mais famosos dos
chamados “contratualistas” foi Rousseau, que viveu entre 1712 e 1778. Ele foi
autor de uma obra chamada O Contrato Social, em que defende que o contrato
entre os homens e o soberano deveria ser geral e unânime, baseado na igualdade
entre os homens, que abririam mão de suas vontades individuais para ceder
a uma “vontade geral” acima de todos. Esta nova condição poria um fim ao
chamado “estado natural”, pré-Estado, em que todos estavam à mercê da própria
sorte. Outro pensador importante desta escola foi Hobbes, que viveu entre 1588 e
1679. Hobbes dizia que o “homem é o lobo do próprio homem”, isto é, o homem
deixado à sua própria sorte estaria condenado a uma vida torpe, violenta e breve.
Outro autor, Locke, que viveu entre 1632 e 1704, era menos pessimista, dizia
que o homem era pacífico, mas vivia em guerra potencial se permanecesse no
estado de natureza. Todos defendiam a ideia de que um contrato deveria ser
feito transferindo parte dos direitos e das liberdades individuais para o Estado.
Devemos lembrar aqui que a ideia de um “contrato” é uma metáfora, isto é, uma
figura de linguagem para ilustrar o processo de formação do Estado.
Hobbes, Locke e Rousseau partilhavam do mesmo diagnóstico, mas tinham
ideias diferentes sobre qual seria a solução ideal para o problema. Hobbes,
por exemplo, acreditava que a titularidade e o exercício dos direitos naturais
deveriam ser transferidos ao soberano com uma única exceção, a segurança
da sua própria vida. O soberano, para Hobbes, não seria obrigado a respeitar
as leis civis por ele constituídas, sua limitação seria apenas o direito natural. O
poder do Estado seria absoluto. Por isso se diz que Hobbes defendia o modelo
absolutista, baseado no poder de um rei.
Locke, por sua vez, entendia que os indivíduos conservariam todos seus
direitos naturais exceto um, o de fazer justiça por suas próprias mãos; isto
caberia ao Estado. Para este pensador o principal direito a ser garantido pelo
Estado seria o direito à propriedade e à liberdade individual. Para ele o poder
poderia ser revogado se o governante não cumprisse as leis, e defendia o direito
à rebelião contra o mau governo.
Por fim, para Rousseau, que era o mais radicalmente democrático dos três,
os indivíduos deveriam transferir todos seus direitos ao Estado em troca da
liberdade individual. Os conflitos existentes no estado de natureza resultavam
O surgimento do Estado e a administração pública 13

da existência da propriedade privada. A lei que derivava da “vontade geral”


estaria acima de tudo e de todos, menos do soberano.
Ainda há um importante conjunto de pensadores que atribuem causas
essencialmente econômicas para a origem e a formação do Estado. De todas as
teorias talvez a que mereça registro e consideração seja aquela formulada por Karl
Marx, que viveu entre 1818 e 1883. Marx dizia que o Estado é um instrumento
de dominação de uma classe – os burgueses e proprietários das terras e fábricas
em geral – sobre as outras classes sociais, sobretudo trabalhadores urbanos e
camponeses. O Estado nasce quando a comunidade primitiva consegue produzir
mais do que suas próprias necessidades de sobrevivência imediata. Isso começou
a acontecer com a primeira revolução agrícola, na pré-história. Este excedente
produtivo liberou alguns indivíduos, geralmente aqueles com alguma função
religiosa ou militar, das tarefas cotidianas da produção. Estes formariam o
núcleo de uma elite que vai dominar os demais e dar origem ao Estado como
uma organização que perpetua e reproduz a dominação, não só econômica, mas
social e política também.
Independente da teoria que adotarmos, o Estado em conceito amplo é um
ordenamento, uma estrutura, um conjunto de organizações e instituições,
eventos, processos e indivíduos que atuam em determinado território, com
soberania jurídica, para garantir a estabilidade e a reprodução da sociedade,
nas suas dimensões econômicas, políticas e sociais. O Estado ainda, segundo o
sociólogo Max Weber, tem o monopólio legítimo da violência, isto é, o Estado
seria a única organização capaz de usar e aplicar a violência física para atingir
seus objetivos. O Estado é uma forma específica, que varia ao longo do tempo e,
dependendo do lugar, para organizar o poder político e administrar princípios
de sua própria manutenção.
O Estado é, portanto, poder organizado e soberano, povo, território e,
nação.
Devemos cuidar para não confundir Estado com nação ou país. Por exemplo,
existe um país basco, mas não um Estado basco, existe uma nação palestina,
mas não um Estado palestino. A ideia de nação exprime o conceito de uma
comunidade política marcada pela tradição, cultura e história comum, mesma
língua, religião ou costumes, mas a noção de Estado implica imediatamente
soberania, ou seja, um poder que não é tutelado por nenhum outro poder a
não ser ele mesmo.
14 O surgimento do Estado e a administração pública

1.2 A trajetória do Estado moderno


Normalmente, adotamos uma visão cronológica para apresentar as diferentes
formas como evoluiu o Estado da Antiguidade até os nossos dias. Vamos começar
vendo rapidamente como se formaram os principais Estados na Antiguidade.
O primeiro tipo de Estado a se consolidar é o chamado “Estado antigo”,
em que as organizações familiares, religiosas e econômicas se combinavam
de forma confusa e indistinta. A política se misturava com a moral, e esta
com a religião e a filosofia. Com a evolução econômica e social da sociedade
medieval uma ruptura progressiva entre o poder religioso e o civil começa a se
estabelecer. O surgimento do Estado Absolutista será então caracterizado pela
concentração de instrumentos de controle, administração e gestão nas mãos de
um único soberano, geralmente um rei. Antes estes poderes estavam dispersos
no território das cidades-estados pelos vários nobres em cada lugar. Ocorre
também uma centralização do poder, eliminando-se as esferas intermediárias
de estamentos, colegiados ou corporações. Por fim, começa a sedimentar a ideia
da despersonalização do Estado. Ou seja, da passagem das relações de comando
e obediência entre indivíduos para relações de obediência e hierarquia entre
instituições.
O Estado como o conhecemos hoje, ou o Estado Moderno, surgiu da evolução
do Estado Absolutista e de seus corpos intermediários, seja na ideia de um
exército profissional e permanente, na política, na burocracia administrativa,
em especial a fiscal, no clero e na magistratura. Ainda no período absolutista,
por conta da íntima relação entre o Estado e a economia mercantilista, o Estado
tornou-se o ator de maior importância naquele ordenamento social. O Estado
moderno surge sobretudo quando se afirma a ideia de soberania estatal e
diferenciação do Estado e da sociedade.
O chamado Estado Liberal é produto das grandes revoluções burguesas,
que significaram a consolidação das elites comerciais no poder de Estado,
derrubando os velhos estamentos da nobreza absolutista. Entre as mais
significativas temos a chamada Revolução Gloriosa na Inglaterra, em 1688,
a Revolução de Independência dos Estados Unidos, em 1786, e a Revolução
Francesa, em 1789. O principal atributo deste momento de transição histórica
entre dois regimes foi o pacto entre o poder do soberano, que poderia ser um
imperador ou um rei, e o colegiado de representantes eleitos ou indicados.
O surgimento do Estado e a administração pública 15

No início dos anos 80, vários Estados capitalistas ocidentais começaram a


enfrentar dificuldades econômicas, orçamentárias e fiscais, entre eles os Estados
Unidos e a Inglaterra. Como reação a esta situação surgiram governos que mais
tarde foram chamados de “neoliberais” porque retomavam princípios do antigo
Estado Liberal. Tais governos, como o de Ronald Reagan nos Estados Unidos e o
de Margaret Tatcher na Inglaterra, implementaram um programa de redução dos
impostos, privatizações de empresas estatais, cortes no funcionalismo público
e redução de investimentos em programas sociais. Estas ações foram altamente
polêmicas e geraram inúmeras tensões sociais, ainda que tivessem contribuído
para superar a crise naquele momento. Este modelo foi recomendado pelos
organismos multilaterais como o FMI e o Banco Mundial para todos os países
subdesenvolvidos como o Brasil, naquilo que ficou mais tarde conhecido como
o “Consenso de Washington”, reunião de economistas em 1989. No Brasil este
ideário de governo influenciou a gestão do então presidente Fernando Henrique
Cardoso, quando boa parte do setor produtivo estatal foi vendido para empresas
nacionais e multinacionais. Estas políticas fizeram surgir um novo termo, o
“Estado Mínimo”, para nomear um tipo de política econômica em que as funções
do Estado seriam reduzidas ao mínimo admissível, tal e qual a proposta liberal
clássica. No final dos anos 90, estas práticas de governo são abandonadas em
quase todos os lugares e reiniciou-se um novo ciclo de aumento da presença
do Estado.
Uma outra denominação importante, sobretudo para nós latino-americanos,
é o chamado “Estado Desenvolvimentista”. Este nome decorre do papel que o
Estado, sobretudo na América Latina no pós-guerra, teve para assumir um papel
protagonista na liderança do processo de desenvolvimento econômico e social.
Como nestes países as elites econômicas eram fracas, desorganizadas e com
recursos insuficientes, o Estado assumiu a intervenção direta em muitos setores
de base, por exemplo, aço, química, energia, telecomunicações, transportes e
outros setores.
Além deste modelos, tipos ou manifestações do Estado capitalista
contemporâneo temos historicamente a ocorrência de Estados socialistas.
Estes Estados surgiram geralmente de processos revolucionários, como foi a
Revolução Russa em 1917 ou a chinesa em 1949, da expansão soviética no pós-
guerra, como a Polônia ou Alemanha Oriental, ou de guerras de independência
de ex-colônias, como ocorreu na África nos anos 60 ou na Coreia do Norte e
16 O surgimento do Estado e a administração pública

Vietnã respectivamente nos anos 50 e 70. Há muita diversidade de modelos


e regimes, de economias totalmente planificadas, como era a soviética até os
anos 80, até sistemas mistos, como é atualmente o chinês. Após o fim da antiga
União Soviética restaram poucos países com Estados socialistas, como Cuba,
por exemplo. Nestes países predominam a centralização dos investimentos
no Estado, a existência de um único partido oficial, restrições à liberdade de
organização, expressão e voto.
O Estado Moderno é dividido em poderes distintos: o Executivo, o Judiciário
e o Legislativo. Foi Montesquieu, na sua obra O Espírito das Leis, que definiu pela
primeira vez uma justificativa para a separação de poderes porque este formato
traria um maior equilíbrio entre os diversos poderes. O poder do Estado é um
só e do ponto de vista institucional e abstrato é indivisível e indelegável, porém é
como se ele se desdobrasse em poderes diversos divididos funcionalmente. Cabe
ao Executivo o domínio da função administrativa, cabe ao Legislativo a norma
fiscalizadora e cabe ao Judiciário a função jurisdicional, ou seja, administrar a
aplicação da justiça. Em alguns casos estas funções não são exclusivas. Pode o
Executivo, por exemplo, elaborar normas através das medidas provisórias, mas
isto deveria ser uma exceção.

1.3 Os princípios da administração pública


Para conduzir a administração pública, para fazer a gestão pública, os
agentes políticos, servidores ocupantes de cargos efetivos ou comissionados, os
particulares que prestam serviços públicos através de permissões ou delegações
e toda a sociedade, enfim, são guiados por princípios. Os princípios não são leis
propriamente ditas, mas são diretrizes de conduta, são orientadores dos atos,
eventos e processos no âmbito do Estado. Eles, portanto, servem como bússola,
como norte a ser seguido.
A maioria deles está na Constituição Federal de 1988, mas há outros que
podem ser inferidos de leis importantes como o Decreto-Lei nº 200 de 1967, que
cumpriu um papel importante na modernização do Estado brasileiro.
O primeiro e talvez o mais importante princípio seja o do “planejamento”. O
Estado deve executar ações planejadas, estudadas previamente, compatibilizadas
com os recursos orçamentários e humanos disponíveis. Este princípio orienta,
O surgimento do Estado e a administração pública 17

por exemplo, a elaboração dos planos plurianuais a cada quatro anos em todos
os níveis administrativos.
Um princípio associado intimamente ao primeiro é o da “coordenação”.
Esta orientação nos diz que as várias organizações do governo e os milhares
de funcionários públicos federais, estaduais e municipais devem agir
coordenadamente, com harmonia, com sincronicidade. Esta orientação implica
que os processos de hierarquia, comunicação, monitoramento e avaliação das
ações deva ser uma constante na gestão pública.
O terceiro princípio nos fala da “descentralização”. Num país como o Brasil,
com mais de oito milhões de quilômetros quadrados, com quase duzentos milhões
de habitantes, perto de 6 mil municípios e 23 estados é impossível não pensar
que as funções públicas devam ser descentralizadas. Ela é entendida em vários
planos. Há a descentralização da administração federal para as administrações
estaduais e destas para as municipais. Mas também há descentralização de
funções dentro de cada nível administrativo e do setor público para o setor
privado. Por exemplo, quando um município faz uma licitação para um
particular operar uma linha de ônibus, ele está descentralizando, ou quando
o governo federal faz um convênio com o Estado para repassar recursos para
combater a fome, há também um processo de descentralização. Este princípio
está associado a um outro muito próximo, é o chamado princípio da “delegação
de competência”. Ele segue a máxima de que as decisões devem se situar o mais
próximo possível do contexto em que elas vão ser executadas. Isso objetiva
assegurar mais agilidade, eficiência e eficácia na prestação de serviços. É por
este motivo que a educação superior fica na esfera federal e a educação básica
e fundamental é encargo dos municípios.
É importante não confundir a descentralização com a desconcentração. Esta
última significa apenas uma técnica (não um princípio) que a administração,
tanto a direta composta pelos Ministérios ou Secretarias, como a indireta,
composta por empresas, autarquias e fundações, utiliza para distribuir
competências. Mas esta distribuição, ao contrário da descentralização, fica dentro
de sua própria estrutura ou organização. Por exemplo, quando o Ministério da
Agricultura cria representações nos Estados ele está desconcentrando tarefas,
competências e atribuições.
18 O surgimento do Estado e a administração pública

O princípio do “controle”, nosso quinto princípio, orienta para que todas as


ações e atos do poder público sejam devidamente fiscalizados e controlados em
todas as suas instâncias. O controle começa no âmbito da própria organização,
em cada departamento, pela chefia imediata. Cada órgão público tem um setor
especializado em fiscalizar as suas próprias ações. Por exemplo, em âmbito
federal o controle interno é feito pela Controladoria Geral da União, a CGU,
ligada diretamente à Presidência da República. Além do controle externo há o
controle externo exercido pelos Tribunais de Contas dos Estados e da União,
que são ligados aos poderes legislativos respectivos. A existência de controle
independente, ágil e proativo é uma das condições básicas para a transparência
do governo, para o combate à corrupção e portanto para a existência do próprio
Estado democrático.
A “legalidade” e a “impessoalidade”, o sexto e o sétimo princípios, são
igualmente importantes. A legalidade nos diz basicamente o seguinte: a
administração só poderá agir conforme o estabelecido em lei. Não basta
que a lei não vete ou proíba determinada conduta, na área pública a lei deve
orientar expressamente o que pode ser feito, executado e realizado. Tudo o
que a administração pública fizer em desconformidade com a lei pode ser, por
princípio, anulado, revogado e invalidado, pela via administrativa ou pela via
judicial. Já o princípio da “impessoalidade” nos assegura que o gestor público
e a própria administração pública pratiquem atos de forma imparcial, não
promovendo seus gestores e administradores. Não é lícito, por exemplo, que
um administrador use as oportunidades ou os recursos à sua disposição para
sua própria autopromoção. Também veda qualquer forma de discriminação
na prestação dos serviços. O princípio da “moralidade” anda junto com a
impessoalidade. Sua mensagem é muito simples: os agentes do Estado não podem
agir em desconformidade com padrões éticos, não basta apenas cumprir a lei,
é preciso ter o bom senso para diferenciar sempre o que é honesto daquilo que
não é, analisando a aplicação da lei dentro de cada contexto. O nono princípio,
o da “publicidade” está na mesma linha, ou seja, todo ato administrativo, porque
é feito em nome da coletividade, deve ser necessariamente publicado, tornado
de conhecimento coletivo. Uma decisão administrativa, em qualquer nível ou
sobre qualquer assunto, que não é devidamente publicizada pode ser anulada
e sem efeitos. Além disso, a publicidade dos atos públicos é condição básica
para o controle e a participação popular. Estes três princípios, a legalidade, a
O surgimento do Estado e a administração pública 19

impessoalidade e a publicidade, representam o pilar do Estado democrático


de direito.
Em seguida, um princípio mais moderno, a “eficiência”. Ele orienta para
que o agente público e a administração em geral atuem gastando os recursos
públicos da melhor forma possível. As estruturas administrativas devem ser
racionais, uma adequação entre fins e meios é absolutamente necessária. Deve-se
evitar o desperdício e o gasto sem resultados concretos e objetivos. A eficiência
está relacionada ao modo como os processos de trabalho são realizados. Um
departamento público cheio de funcionários ociosos, sem liderança que
promova o controle e a gestão por resultados, é um exemplo notório de falta,
de descumprimento do princípio da eficiência.
A “supremacia do interesse público” é outro princípio que reafirma a
superioridade do interesse público acima dos interesses particulares. A
“autotutela” é uma outra diretriz que permite à administração controlar seus
próprios atos, analisando-os quanto ao mérito e quanto à legalidade. Somente a
própria administração pode revogar ou anular administrativamente (chama-se
também “de ofício”) um ato que ela mesma produziu. Associada a este princípio
há a ideia da “indisponibilidade do interesse e dos bens públicos”. Isso significa
que os bens da administração não são da administração, muito menos dos
gestores. Eles pertencem à própria coletividade, portanto são indisponíveis, não
podem ser onerados, dados em garantia ou alienados sem o devido procedimento
legal. Por fim, há um último princípio mencionado na literatura que é o da
“continuidade do serviço público”. Como os serviços públicos são essenciais ao
bem-estar coletivo e muitas vezes à própria manutenção da vida, eles não podem
sofrer interrupção. Imaginem, por exemplo, se numa grande cidade o sistema
de semáforos parasse de funcionar ou se os médicos de um hospital público se
recusassem a atender os doentes. É por este motivo que o direito de greve, que
é previsto em lei, sofre uma limitação drástica no setor público, obrigando os
sindicatos a manterem um força de trabalho mínima para evitar o colapso total
dos serviços.
Como vimos, há muitos princípios, diretrizes e orientações sobre o serviço
público. Todos eles funcionam para preservar os interesses coletivos, de todo
o povo, que é em última instância a razão de ser do Estado. Os governantes,
os gestores públicos, devem fazer o melhor possível para cumprir esta missão
institucional e seguir estes princípios. Isso não significa, entretanto, que o gestor
20 O surgimento do Estado e a administração pública

público seja apenas um cumpridor de leis, um autômato; pelo contrário, ele deve
ter uma atitude inovadora, um comportamento criativo e uma postura aberta
a novos desafios. Só assim ele conseguirá interpretar todos estes princípios de
acordo com cada contexto ou situação.

1.4 Estado, governo e aparelho de Estado


Para terminar este primeiro capítulo, devemos ainda fazer uma distinção
entre estes conceitos básicos. Nós vimos que o conceito de Estado se refere
em primeiro plano a um ente abstrato, gigantesco, ramificado por todas as
dimensões da vida social, política e econômica. Hoje em dia, é praticamente
impossível viver sem o Estado. Por exemplo, as regras que disciplinam a
existência deste curso e a possibilidade que temos de organizá-lo são regras que
emanam deste poder. Quando você atravessa a rua numa faixa de segurança,
você está sendo beneficiado pelo poder de Estado, que lhe assegura, em tese,
segurança e proteção naquele momento. O Estado é uma sociedade política,
diferente da sociedade civil, que é privada. Nós dizemos que o Estado tem um
“poder extroverso”, o que significa que pode executar ações e gerar efeitos para
além de suas próprias fronteiras, criando obrigações para todos os cidadãos,
extravasando seus limites.
Já o conceito de “governo” é diferente. Governo é o conjunto de funções,
papéis, atribuições e ações que concretizam, tornam real, este poder político
do Estado. Ele se materializa pela rede de cargos, funções e órgãos públicos
federais, estaduais e municipais, distribuídos nos três poderes. O governo é
submetido periodicamente à vontade dos cidadãos, se o modelo adotado é
uma república democrática representativa, baseada em eleições gerais. Ou o
governo pode ser uma república religiosa em que os dirigentes são indicados
pela cúpula da Igreja. Governos mudam de acordo com o tempo, o contexto,
os valores políticos dominantes e o momento histórico. Podem ser autoritários,
participativos, transparentes, fechados, eleitos ou indicados, eficazes ou
ineficazes, enfim, estão sujeitos ao jogo de pressões e tensões normais das
sociedades modernas, complexas e heterogêneas, com múltiplos interesses
convivendo simultaneamente.
Uma outra definição muito comum é a de “aparelho de Estado”. Normalmente,
seu sentido traduz uma noção de recursos existentes para fazer o Estado
O surgimento do Estado e a administração pública 21

funcionar. Estes recursos não são financeiros propriamente ditos, mas sobretudo
a capacidade de governo instalada, representada pelas suas instituições,
processos de trabalho e burocracia. Todos eles orientados e regidos pelo direito
administrativo e pelo direito constitucional.
Assim, Estado, governo e aparelho de Estado são conceitos semelhantes,
entrelaçados, mas diferentes. Saber fazer a distinção ajuda a compreender melhor
como funciona a gestão pública.

Questões
1. Tente fazer um definição sua do que é o Estado e qual sua importância
para a sociedade atual. Justifique.
2. Qual a relação entre Estado e administração?
3. Na sua opinião, há diferença entre a esfera pública e o Estado?
Por quê?

Referências comentadas
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. Saraiva:
São Paulo, 1981.
Este livro traz um novo enfoque sobre os problemas do Estado, vai muito
além da mera exposição de conceitos teóricos para apresentá-lo como realidade
viva, concreta e dinâmica. Examina, em detalhes, a sociedade, a origem e
a formação do Estado, sua personalidade jurídica, o Estado Moderno e a
Democracia, a separação de Poderes, as funções do Estado e os problemas do
Estado contemporâneo, bem como as relações internacionais, a intervenção
estatal, o socialismo, o capitalismo e o Estado democrático.

CHIAVENATO, Idalberto. Administração geral e pública. Rio de Janeiro:


Elsevier, 2006.
Este livro foi elaborado originalmente para auxiliar os estudantes de nível
superior nos concursos públicos relacionados às carreiras federais que são muito
exigentes na área da gestão pública. Na verdade, o livro adquiriu uma densidade
22 O surgimento do Estado e a administração pública

e uma abrangência ímpares na literatura disponível. Inicia comentando as


escolas clássicas da administração para em seguida entrar nos assuntos típicos
da gestão pública: processo administrativo, gestão de pessoas, comportamento
organizacional até as novas abordagens da recente reforma gerencial. É
indispensável para quem quiser se aprofundar no assunto.

BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos


clássicos. Rio de Janeiro: Campus, 2000.
Esta obra já clássica reúne 40 ensaios sobre política e Estado. O grande
pensador italiano Norberto Bobbio (Turim, 1909) ensinou Filosofia do Direito
nas universidades italianas por mais de 30 anos. Com 720 páginas ela versa sobre
todos os assuntos importantes para entendimento do Estado e da administração
pública, entre os quais a política, a moral o direito, o problema dos valores e
da ideologia, entre outros. Todos temas que repercutem diretamente na gestão
pública e proporcionam uma sólida base teórica.
2

O surgimento e a crise do modelo


burocrático
Neste capítulo vamos estudar e compreender como se formou e se transformou
a atual administração pública conhecida como “administração burocrática”
ou “modelo burocrático de administração”. Este modelo é atualmente muito
questionado, particularmente com os movimentos que aconteceram no
mundo todo nos anos 80 e 90. Uma das principais razões é a de que o estilo
de administrar da burocracia não tem a flexibilidade e a versatilidade para se
adaptar às inovações do mundo moderno. Por outro lado o modelo burocrático,
também conhecido como “modelo weberiano” de administração, representou
no passado um salto enorme de qualidade para a gestão pública na medida em
que profissionalizou seus funcionários e garantiu um padrão de impessoalidade
e universalidade no funcionamento do aparelho de Estado. Vamos analisar este
processo a seguir.

2.1 Entendendo o aparelho de Estado


A organização estatal funciona de diversas maneiras, normalmente
hierárquica e verticalizada, ainda que haja uma tendência para alguns serviços
se organizarem na forma de redes. incluindo o setor privado, como, por exemplo,
a área de proteção social e assistência.
24 O surgimento e a crise do modelo burocrático

Normalmente, as várias funções do aparelho de Estado são agrupadas em


quatro grandes áreas: o setor do núcleo estratégico, as atividades exclusivas, os
serviços não exclusivos e o setor público não estatal. Vamos ver com um pouco
mais de detalhe cada um deles.
O primeiro setor, chamado de “Núcleo Estratégico”, representa o governo em
sentido lato, são os setores centrais no funcionamento do Estado. Eles definem
as leis e as políticas públicas, executam os projetos e garantem os resultados
esperados pelos serviços públicos. No núcleo estratégico as decisões mais
importantes são tomadas. Ele corresponde ao presidente da República, suas
organizações de apoio, aos Ministérios, ao Legislativo, ao Poder Judiciário e suas
organizações e ao Ministério Público. O padrão de propriedade que estrutura
e embase este setor é o da propriedade do tipo estatal.
Este setor é responsável pelo planejamento do governo e pelo desenho das
políticas públicas. O que pesa aqui são os critérios de eficiência e eficácia na
gestão pública. É o lugar por excelência onde métodos, instrumentos, habilidades
e conhecimentos de modernização das práticas gerenciais serão aplicados e
utilizados. A importância da efetividade dos projetos impacta diretamente nesta
área do aparelho de Estado.
Um segundo setor seria aquele de “atividades exclusivas” do Estado, em
que os serviços públicos são prestados, mas somente os serviços que o Estado
pode prestar, que são exclusivos de suas competências e atribuições. Nesta área
o Estado exerce o “poder extroverso”, porque ele fixa, define, fomenta, executa,
controla e fiscaliza a execução do serviço. Por exemplo, a previdência social, a
polícia, a defesa nacional, as políticas de combate ao desemprego, os serviços
judiciários, a vigilância sanitária, o controle do tráfego aéreo, etc., são todos
serviços exclusivos do Estado, não podem ser delegados. A forma de propriedade
deste setor também é estatal, já que os bens e serviços relacionados são atividade
estatal exclusiva.
Os “serviços não exclusivos”, como o nome já indica, pertencem a um conjunto
de bens públicos que podem ser prestados por organizações públicas, porém não
estatais ou privadas. Apesar destas organizações não possuírem o poder de Estado,
ele se faz presente. Estes serviços atendem direitos sociais básicos (como a educação
O surgimento e a crise do modelo burocrático 25

ou a saúde) ou produzem efeitos benéficos para o conjunto da economia (com o


fornecimento de iluminação pública numa cidade ou as estradas). A rigor, muitos
destes serviços não podem ser produzidos senão em condição de monopólio, daí a
importância das Agências Reguladoras e dos mecanismos de controle. Os serviços
de telecomunicações e de abastecimento de energia, as universidades federais, etc.,
são alguns dos melhores exemplos. A propriedade neste setor também é pública
não estatal. As instituições neste setor têm mais autonomia gerencial e trabalham
mais com a lógica de resultados. A eficiência é um critério fundamental para o
processo decisório.
Finalmente, temos a “produção de bens e serviços para o mercado”, que é o
setor em que atuam as empresas estatais controladas total ou parcialmente pelo
Estado. É onde o Estado investe diretamente ou porque o setor privado não tem
forças para arcar com os custos dos investimentos ou porque são monopólios
naturais. O caso da Petrobras é um bom exemplo: além da importância vital do
fornecimento de petróleo e da nossa dependência energética desta fonte fóssil,
altíssimos recursos são necessários para a pesquisa, prospecção e extração de
petróleo em águas profundas. O tipo de administração neste caso é puramente
gerencial e o tipo predominante de propriedade é a privada.
O quadro a seguir sintetiza estas relações e funções do aparelho de Estado.

Quadro 1 – Formas de propriedade do Estado


Forma Princípio Tipo
Setor
de propriedade fundamental de administração
BUROCRÁTICA
Núcleo estratégico ESTATAL EFETIVIDADE
E GERENCIAL
Atividades exclusivas ESTATAL EFICIÊNCIA GERENCIAL
Serviços não PÚBLICA NÃO
EFICIÊNCIA GERENCIAL
exclusivos ESTATAL
Produção de bens
e serviços para o PRIVADA EFICIÊNCIA GERENCIAL
mercado
26 O surgimento e a crise do modelo burocrático

2.2 A administração pública como organização


A administração pública é uma organização como qualquer outra, embora
tenha características especiais que só ela possui, como, por exemplo, o dever
da publicidade e impessoalidade dos seus atos. Como organização ela possui
“recursos” definidos. Os recursos são valores reais ou virtuais, intangíveis, que
são empregados para realizar tarefas concretas. Os recursos mais utilizados por
uma organização são os bens, equipamentos e edificações, as instalações em geral,
os funcionários, os conhecimentos existentes, etc. Eles são utilizados para atingir
determinados “objetivos” organizacionais, que são os resultados esperados. No
caso das organizações públicas estes objetivos estão definidos em dispositivos
normativos, que são as leis, decretos, portarias, instruções, etc.
Assim, uma organização é um sistema estruturado de recursos que tem
como finalidade atingir determinados objetivos. Na vida contemporânea
praticamente todas as dimensões do cotidiano estão afetadas por diversas
formas de organização, até a família, a escola, o clube, podem ser vistos como
organizações. As organizações são como que as “regras do jogo” que definem
espaços de poder, autoridade e hierarquia entre os vários agentes e atores
públicos e privados.
A administração pública seria assim uma organização especial, pois sua
função é manter o Estado funcionando da melhor forma possível, atendendo
às demandas da sociedade. A administração em si mesma não é uma ciência
tão moderna – se entendermos ela como uma forma de manter e expandir
as organizações, podemos considerar que desde a Antiguidade ela existia.
Imaginem, por exemplo, o grau de organização e, portanto, de administração
necessário para construir as pirâmides do Egito ou um aqueduto romano.
Entretanto, foi com a sociedade industrial a partir do século XIX e com
todas as novas demandas de organização do setor produtivo que começaram a
surgir os primeiros conceitos e técnicas administrativas. Este processo acabou
consolidando a administração como uma disciplina independente da economia
e de outras áreas do saber. A primeira escola administrativa, por exemplo, surgiu
nos Estados Unidos, em 1881. A partir daí assistimos a uma dezena de escolas
administrativas, como a científica, a das relações humanas, a estruturalista, a
comportamental, etc., cada uma delas enfatizando um aspecto peculiar da vida
organizacional.
O surgimento e a crise do modelo burocrático 27

As organizações podem ter desempenhos diferenciados. Normalmente, o


desempenho organizacional é avaliado de acordo com três princípios: a eficácia,
a eficiência e a efetividade. Vamos ver cada um deles com um pouco mais de
detalhe.
A eficácia consiste no grau de atingimento ou alcance das metas que são
programadas em um determinado período de tempo, não se considerando, por
enquanto, os custos implicados nesta ação. Quanto maior o grau de realização
de uma meta ou objetivo, maior será a eficácia da organização. A eficiência é
sempre a relação entre os recursos necessários para executar uma ação e seu
produto imediato. Uma organização é eficiente se utiliza os recursos de uma
forma mais produtiva e econômica possível. A eficiência significa sempre uma
forma mais racional de uso dos recursos, uma relação mais adequada entre
meios disponíveis e fins desejáveis. A eficiência se distingue da eficácia, mas
lhe completa o sentido. Imaginemos, por exemplo, que o governo tenha como
objetivo a promoção do desenvolvimento econômico de uma região pouco
dinâmica do país, através da construção de um grande sistema intermodal
de transporte de cargas, interligando sistemas rodoviários, aeroportuários,
hidroviários e marítimos, num grande porto. Para isso o governo projeta gastar
R$ 500 milhões em três anos. As perguntas sobre a eficácia seriam: “O porto
foi construído?, A integração com as rodovias e hidrovias foi concluída?, O
aeroporto foi duplicado?”, etc. Já as perguntas sobre a eficácia seriam: “O recurso
orçamentário gasto foi bem gasto?; Houve um gasto proporcional, razoável e
adequado em relação aos equipamentos modernizados ou implantados?”. Fica
evidente que um projeto ideal é aquele que tem alta eficácia e alta eficiência, o
que nem sempre encontramos nas obras da administração pública.
O conceito de eficiência é muito próximo à ideia de economicidade. A
economicidade implica a minimização dos custos dos recursos utilizados para
executar uma atividade sem que os padrões de controle estejam ou fiquem
comprometidos. Não é simplesmente pagar ou comprar mais barato. É fazer
mais barato e manter a qualidade demandada pela sociedade. Este princípio vem
sendo cobrado muito pelas auditorias dos órgãos de controle externo.
Mas está faltando um conceito fundamental para avaliar o desempenho
da administração. O conceito de efetividade. Este conceito está focado nos
efeitos, nos impactos esperados e observados na população-alvo do programa,
do projeto ou do planejamento. A efetividade pode ser entendida também
28 O surgimento e a crise do modelo burocrático

como a união entre a eficácia e a eficiência. No exemplo anterior qual seria a


efetividade desejada? Seria o gasto do recurso orçamentário? Uma terceira pista
para o aeroporto? Será? De modo algum. A efetividade seria medida pelo efetivo
desenvolvimento da região estagnada economicamente. Teríamos, então, que ter
instrumentos e técnicas de monitoramento, avaliação e controle para aferirmos
de fato se o gasto público que gerou um produto específico, produziu o resultado
esperado, que seria o maior dinamismo da região. Mas estes indicadores são
sempre difíceis de mensurar, porque a realidade dos projetos públicos é de uma
tal complexidade que sempre uma dezena de outras variáveis estará sempre
interferindo nos resultados esperados ou desejados.
Junto com estes princípios de avaliação do desempenho costumamos agregar
um quarto elemento, a equidade. A equidade nos orienta a considerarmos
sempre qual foi o balanço final gerado de justiça social, de compensação entre
setores da população de maior e menor renda, objetivando um maior equilíbrio
econômico e social.

Quadro 2 – Eficácia, eficiência, efetividade e economicidade


EFETIVIDADE

ECONOMICIDADE

INSUMOS/ AÇÃO PRODUTO IMPACTOS/


OBJETIVOS
RECURSOS RESULTADOS

EFICIÊNCIA

EFICÁCIA

2.3 Os diversos modelos de administração pública


Na história da administração pública o primeiro modelo conhecido é
chamado de patrimonialista. Neste modelo o aparelho do Estado funciona
como uma extensão do soberano. É o modelo típico dos antigos Estados
estamentais e oligárquicos, dos governos absolutistas e centralizadores. A elite
dirigente utiliza os bens públicos para proveito próprio. Surgem e se consolidam
relações de clientelismo, o poder de Estado é utilizado de forma discricionária,
O surgimento e a crise do modelo burocrático 29

distribuindo favores em troca de apoio político e lealdade. Os servidores deste


tipo de governo possuem status de nobreza e estão submetidos a uma relação
de vassalagem com o soberano.
No Estado patrimonialista os espaços públicos e privados se confundem, não
há noção clara de direitos e deveres, os governantes estão acima da lei e do próprio
Estado. Os cargos públicos são considerados prebendas ou presentes dados em
troca de apoio. A res publica ou a coisa pública é confundida com a res principis
ou o patrimônio do príncipe. Numa situação como esta o nepotismo, a corrupção
e o tráfico de influências são comuns e até aceitos como processos naturais. No
patrimonialismo os patrimônios se confundem, são interdependentes. Este
Estado era típico no período pré-capitalista, em especial no Estado medieval e
no Estado absolutista clássico. O comércio enfrentava grandes dificuldades de
desenvolvimento, dada a proliferação de regras e normas diferentes em cada
cidade ou mercado, sem contar os entraves legais, das corporações, a carga de
impostos e pedágios. O capitalismo comercial só começou a florescer quando as
revoluções burguesas, também conhecidas como revoluções liberais, derrubaram
a velha ordem e implantaram uma sociedade de homens livres, ou seja, livres
para comprar e vender, baseada na propriedade privada.
O fato interessante sobre o modelo patrimonialista de Estado é que ele não é
só um modelo histórico, localizado num tempo muito distante. Os países como o
Brasil, por exemplo, viveram práticas muito fortes de um Estado patrimonialista
até a chamada Revolução de 30, que iniciou um forte processo de modernização
do Estado brasileiro. Ainda assim, quando assistimos a práticas de nepotismo
no Congresso Nacional, por exemplo, estamos presenciando resquícios do
patrimonialismo que ainda persistem na nossa cultura política moderna.
A superação do modelo patrimonialista ocorre quando o modelo burocrático
se torna dominante. Os princípios que organizam este modelo de administração
são muito parecidos com os princípios da racionalidade produtiva que eram
praticados nas grandes plantas industriais no final do século XIX e início do
século XX. Ele representou também uma reação ao modelo patrimonial que era
marcado pela injustiça e pela discriminação.
A melhor definição teórica do modelo burocrático foi deduzida a partir
das contribuições do sociólogo alemão Max Weber, que viveu entre 1864 e
1920, tanto que este modelo também é conhecido como “modelo weberiano”
30 O surgimento e a crise do modelo burocrático

de administração. Weber estudou muito as organizações que se consolidaram


numa fase de rápida prosperidade do capitalismo industrial nascente. Estas
organizações, segundo Weber, baseavam-se em leis escritas, em normas
documentadas e formais. A autoridade nestas organizações não derivava de um
título de nobreza, do sangue ou da vontade divina, mas do cargo que a pessoa
ocupava na organização. A obediência devida é para leis e normas, regulamentos
que são impessoais, valem para todos, inclusive para os governantes.
Para Weber toda organização que se baseia em leis, normas e códigos
formalizados é uma burocracia. Esta burocracia representava para Weber um
“tipo ideal”, ou seja, um conceito abstrato que serviria como uma ferramenta
analítica para compreender a realidade existente. As características deste “tipo
ideal” seriam bem marcadas. Vamos ver com mais detalhe a seguir.
O primeiro traço de personalidade é a “formalidade”. As organizações
são baseadas em estatutos, normas e regulamentos explícitos, que estipulam
direitos e deveres aos ocupantes em cada cargo e que orientam a conduta e
as atividades de todos. Estas normas devem ser executadas de acordo com as
rotinas e os procedimentos fixados por regras e normas técnicas. O problema das
comunicações é resolvido através da mensagem escrita, passível de comprovação
adequada. A formalidade iguala todos perante a lei, é a igualdade formal, típica
dos regimes de democracia liberal.
Os governos são impessoais, a impessoalidade orienta as relações
hierárquicas. O relacionamento entre funcionários não é subjetivo, não depende
dos caprichos ou do bom humor entre eles, nem do carisma. A autoridade é
baseada na racionalidade. Isso ocorre porque o relacionamento existe entre
cargos e funções, antes que pessoas. As normas se aplicam universalmente, a
todos. A impessoalidade garante que a conduta do funcionário público será
isenta de ódios e paixões.
A seleção de funcionários é feita pelo mérito, não pela troca de favores ou
pelo clientelismo. O treinamento constante assegura que o mérito seja mantido
como atributo necessário para o exercício de uma função e ocupação de um cargo
público. Por isso este modelo também é conhecido como “modelo meritocrático”,
a organização do trabalho é baseada nas qualidades intrínsecas da pessoa, não
na sua lealdade política ou ideológica. Este modelo separa a técnica da política.
Os funcionários são profissionalizados e seguem uma carreira publicamente
O surgimento e a crise do modelo burocrático 31

definida, têm acesso aos cargos públicos não por indicações políticas, mas por
processos seletivos impessoais e igualitários.
Outra característica forte do modelo weberiano é sua ênfase clara na
disciplina e na hierarquia. Weber teria adaptado estes elementos a partir de
sua observação de como se organizava o exército prussiano e as razões de seu
sucesso militar. As relações de trabalho são piramidais, verticalizadas. No modelo
meritocrático há uma separação total entre propriedade pública e propriedade
privada ou particular. O estado não tem donos, os cargos não tem donos, pelo
contrário, estão acima de todos seus ocupantes. Este tipo de estrutura supõe
que tudo seja planejado nos mínimos detalhes, e que tudo seja previsível,
antecipadamente conhecido. Como podemos deduzir, o mundo weberiano da
administração pública é um mundo muito árido de relações humanas, é quase
uma condenação à perfeição.
O modelo burocrático de administração garantiu a estabilidade e a
previsibilidade tão importantes para a expansão do comércio e da indústria. Um
Estado eficiente e funcionando como uma máquina poderia ser muito útil para
o liberalismo econômico. Devemos ressaltar, como já foi assinalado antes, que o
modelo burocrático não eliminou o modelo patrimonialista. Há casos, inclusive,
como é o do próprio Brasil, em que elementos dos dois modelos convivem numa
contradição aparente, mas reveladora da forma imperfeita como evolui nossa
gestão pública. Um exemplo é a própria gestão de pessoas na administração
pública federal. Ao mesmo tempo em que a estruturação de carreiras burocráticas
típicas no núcleo estratégico avançou, há ainda milhares de cargos ocupados por
indicações políticas com pouca preocupação sobre o mérito ou a conveniência
destas indicações para a qualidade do serviço público.

2.4 A crise do modelo burocrático tradicional


Antes de mais nada é preciso reforçar algo que nem sempre é enfatizado na
literatura mais recente sobre a gestão pública: o modelo weberiano representou
um tremendo avanço em relação aos modelos anteriores. Apesar dos vários
limites e fragilidades que vamos examinar com mais detalhe a seguir, o modelo
burocrático superou as mazelas do patrimonialismo e tem méritos próprios
inquestionáveis.
32 O surgimento e a crise do modelo burocrático

Weber, entretanto, desenhou um modelo ideal de organização para um


contexto histórico em que a rotina e as mudanças eram pouco significativas. O
mundo real é muito mais dinâmico e as mudanças são muito mais frequentes
e inesperadas que as suposições do modelo burocrático. A visão weberiana é
muito simplificadora ao isolar elementos da política dos elementos da técnica,
é muito mecanicista ao supor que as rotinas possam ser previsíveis.
A hierarquia excessiva acabaria por gerar uma perda de autonomia e iniciativa
dos escalões subordinados. Isso conduziria a uma perda de eficiência e eficácia
da máquina pública. Em todo os casos, parece que o modelo esquece o peso do
fator humano, do comportamento humano. A valorização exagerada de normas
e manuais poderá gerar uma conformidade muito grande, uma passividade
muito grande. O burocrata weberiano trabalha em função do regulamento e não
dos resultados. Ligado à conformidade está a grande resistência às mudanças
que pode se criar na cultura política interna. Esta resistência cria uma espécie
de blindagem contra a exploração de novas oportunidades, de melhoria de
processos e qualidade.
A rigor, a hierarquia não é um problema ou uma disfunção, o problema
acontece quando ela é exagerada e gera distorções. Uma delas é inibir a iniciativa e
proatividade dos subordinados. Uma decorrência quase patológica do excesso de
hierarquia e impessoalidade são os sinais visíveis que demonstram a posição das
pessoas na organização. Por exemplo, o uso de broches, crachás diferenciados, o
tamanho das mesas ou outros privilégios podem gerar um clima organizacional
desmotivador para os demais funcionários.
Os relacionamentos despersonalizados acabam desumanizando as relações
de trabalho e a própria relação com os cidadãos. Esta postura acaba criando uma
série de patologias de grupo e sofrimento mental variado que no limite diminui
a qualidade do serviço público e debilita sua própria força de trabalho.
O modelo burocrático começa a entrar em colapso com a fragilização do
chamado “Estado do Bem-Estar Social”, quando entra em crise – quase no
mesmo período histórico – o modelo de “substituições de exportações”. Vamos
ver rapidamente estes dois conceitos. O “Estado do Bem-Estar Social” foi assim
denominado por se referir a um sistema em que os governos garantiam políticas
públicas sociais como a educação, a saúde, a previdência social, a habitação para
toda a população ou quase toda. Um traço fundamental deste tipo de sociedade
O surgimento e a crise do modelo burocrático 33

foi a garantia do pleno emprego com políticas ditas keynesianas e a intervenção


do Estado em setores estratégicos da economia. Este Estado foi característico nos
Estados Unidos e nos países europeus e no Japão do pós-guerra. Já o modelo de
“substituições de importações” foi um modelo econômico e político adotado por
diversos países da América Latina, entre eles o Brasil, para acelerar o processo
de industrialização nos anos 50 e 60.
Mas o que isso tudo tem a ver com gestão pública? Tem muito a ver. Esta
falência de um modelo de Estado nos países ricos e do outro modelo nos países
mais pobres atingiu em cheio o modelo burocrático de administração. Tanto
que nos anos 80 surgiu uma vasta literatura sobre a “crise do Estado” e todo o
debate sobre qual o tamanho do Estado, que tipo de governo seria melhor para
enfrentar estes problemas e outros temas relacionados.
Um primeiro impacto da crise foi a crise fiscal. O grande endividamento do
Estado abalou sua forma de financiamento, seu crédito. As políticas públicas se
deterioraram, as carreiras públicas foram sendo desmanteladas. Pesados cortes
de gastos atingiram em cheio o custeio da máquina pública e seu funcionamento
normal. Muitos países neste período – anos 80 – tiveram crises de pagamento
da dívida externa e foram obrigados a pedir empréstimos no FMI, pagando altas
taxas de juro e comprometendo seu futuro.
O Estado do Bem-Estar não pôde ser mais sustentado, havia uma rejeição
crescente à alta carga de impostos nos países centrais. Fator que contribui para
que no início dos anos 80 ressurgissem com força as velhas teorias liberais do
Estado “mínimo”. Nos países periféricos a dívida pública gigantesca, o retorno
de surtos inflacionários e a frágil democracia puseram um fim ao modelo antigo
de crescimento. Houve nesta época sérias crises de governabilidade: os governos
eram incapazes de agir e resolver os grandes problemas de seus países. Além
disso, as transformações atingiram o antigo sistema soviético de economias
planificadas.
Um resumo da crise do modelo burocrático de administração:
• disseminação das tecnologias da informação;
• demandas crescentes por melhores serviços públicos;
• maior democratização do Estado e da sociedade;
• atacado pela “onda” ultraliberal: Estado Mínimo;
34 O surgimento e a crise do modelo burocrático

• pouco eficaz para universalizar serviços públicos com qualidade:


enfraquecido pelo processo privatizante;
• em crise fiscal profunda, reduzida capacidade de investimentos e
manutenção;
• crise de legitimidade e representatividade;
• ineficiências gerenciais generalizadas;
• culturas organizacionais excludentes e não democráticas;
• embrutecimento e degeneração dos servidores públicos.

2.5 O modelo gerencial na administração pública


À medida que o estilo anterior de administração ia se esgotando, novas
experiências foram surgindo no campo administrativo. Em países como os
Estados Unidos, a Inglaterra, a Austrália e a Nova Zelândia e logo após a Europa
inteira e Canadá, surgiram experiências inovadoras. Todas elas tinham algo em
comum e ficaram conhecidas na literatura como “gerencialismo”, ou em inglês,
managerialism. O estilo gerencialista foi ganhando variedades e ramificações,
dependendo do contexto em que era aplicado, mas podemos identificar com
segurança elementos essenciais que estavam na sua base.
Ele foi associado, pelo menos no seu início, a um forte corte de pessoal, de
gastos com recursos humanos. Havia a ideia de que aparelhos do Estado estavam
“inchados” de pessoal com muita ociosidade. Foi retomada uma ideia muito
persistente em torno da melhoria da eficiência do gasto público. O debate sobre
a produtividade do setor público ganhou primeiro plano.
Os processos de trabalho foram revistos, o que importava agora não eram
os meios, mas os resultados. A estrutura do governo, em alguns países, foi
reorganizada no formato de “agências”, em vez de ministérios, com mais
autonomia operacional e maior cobrança de metas e resultados. Uma série de
técnicas e ferramentas conceituais foram criadas e difundidas para melhorar
o controle sobre procedimentos e funcionários, monitorar projetos, avaliar
políticas e medir os resultados obtidos. Neste período, foram adaptados
programas de “qualidade total” que já eram usados no setor privado, para dentro
da esfera pública, da administração pública. Outras variações do gerencialismo
O surgimento e a crise do modelo burocrático 35

enfatizaram aspectos singulares. O chamado “consumismo” ou consumerism, em


inglês, por exemplo, focalizava a satisfação dos cidadãos renomeados de “clientes”
na perspectiva do consumo maior e melhor de bens e serviços. Outra perspectiva
gerencial, a “orientação ao serviço público” ou public service orientation, em
inglês, já enquadrava o cidadão não mais como simples consumidor de produtos
e serviços, mas como sujeito de direitos, e a equidade passou a importar.

Quadro 3 – Variações da visão gerencialista


Fase Beneficiários
Ênfase em
do gerencialismo encarados como
Managerialism Economia/eficiência Contribuintes
Consumerism Efetividade/qualidade Consumidores/clientes
Public service Accountability/
Cidadãos
orientation equidade

O modelo de orientação ao serviço público (o public service orientation)


não propõe a volta ao estado pré-gerencial, ao modelo weberiano. Ele surgiu
na Inglaterra como um debate sobre os impactos da descentralização no setor
público. Alguns teóricos ingleses na época diziam, por exemplo, que os governos
locais não são bons para os serviços públicos porque são pequenos, mas porque
estão mais próximos dos cidadão. Isso deveria permitir maior participação e a
decisão próxima da comunidade.
Nesta escola o conceito de cidadão é radicalmente diferente das concepções
anteriores, porque há o conceito de cidadão, que é sempre um conceito coletivo.
O termo “cliente” ou “consumidor” tem uma conotação individualizada,
vinculada à tradição liberal. Isso permite pensar os valores de equidade, justiça
e accountabilty, que não são exatamente iguais aos valores do mercado, do
mundo empresarial. O planejamento estratégico, por exemplo, não pode estar
confinado à burocracia, o debate público é valorizado. Outro conceito estratégico
para esta corrente é a cooperação entre agências públicas, tanto quanto o valor
da “competição” como é colocado pelo modo gerencial puro.
Segundo a escola orientada para o serviço público, as diferenças fundamentais
entre a gestão pública e a privada são muitas e diversificadas.
36 O surgimento e a crise do modelo burocrático

As principais diferenças entre o público e o privado na gestão:

Quadro 4 – Diferenças entre o setor público e privado


Modelo do Setor Privado Modelo do Setor Público
Escolha individual no mercado Escolha coletiva na política
Demanda e preço Necessidade de recursos públicos
Caráter privado da decisão
Transparência da ação pública
empresarial
A equidade do mercado A equidade dos recursos públicos
A busca de satisfação do mercado A busca da justiça
Soberania do consumidor Cidadania
Competição como instrumento de
Ação coletiva como meio político
mercado
Estímulo: possibilidade de o Condição: consumidor pode modificar os
consumidor escolher serviços públicos
Fonte: Abrúcio, 1997

O modelo gerencial representou um rompimento com a administração


burocrática anterior. Seria um erro, entretanto, achar que todos os princípios
do estilo weberiano foram negados. A ideia mais adequada seria a de que eles
foram absorvidos e reorganizados na sua maior parte. Por exemplo, manteve-se
e valorizou-se a ideia de que os processos de seleção e recrutamento no setor
público estejam baseados estritamente no mérito das pessoas, a existência de
um sistema racional de remuneração, baseado na avaliação sistemática do
desempenho e assim por diante.
A administração pública gerencial valoriza uma estratégia que define
claramente os objetivos, que confere mais autonomia na gestão de recursos,
mas também cobra metas pactuadas previamente. A organização deve ser mais
“enxuta”, com menos níveis hierárquicos e menos chefes. Mais voltada para os fins
do que para os meios. No novo estilo o interesse público não é necessariamente
o “interesse do Estado” e de seus burocratas. Rompe-se com uma tendência dos
burocratas públicos se identificarem a tal ponto com o Estado confundindo
O surgimento e a crise do modelo burocrático 37

interesses. O interesse público é o da coletividade, que deve ter meios e condições


de livre manifestação e controle sobre os aparelhos do Estado.
O novo paradigma descentraliza as funções, estimula processos mais
colegiados e horizontais dentro da gestão pública. O cidadão também é visto
como cliente dos serviços.

Questões
1. O chamado modelo de gestão racional-legal ou burocrática não atende
às demandas da sociedade moderna, mas cumpriu um papel na história
da administração importante. Você sabe por quê?
2. No modelo gerencialista o cidadão é tratado também como cliente.
Explique.
3. Quais são as tendências de evolução da escola chamada “nova gestão
pública”?

Referências comentadas
ABRUCIO, F. L. O impacto do modelo gerencial na administração pública:
um breve estudo sobre a experiência internacional recente. Caderno ENAP,
n. 10, Brasília, 1997.
Nesta publicação o professor Abrucio da FGV faz um rápido apanhado
das experiências internacionais tendo como referência a expansão do modelo
gerencial puro. Ele destaca a flexibilidade de gestão, a qualidade dos serviços e
as prioridades ao consumidor como aspectos centrais na tendência dominante
nos anos 80. Em seguida analisa a abordagem do public service oriented e as
transformações da administração norte-americana. É uma excelente leitura para
quem quiser se situar no debate sobre a gestão pública inovadora.

CÂMARA DA REFORMA DO ESTADO – PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA.


Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Brasília, 1995.
O Plano Diretor da Reforma do Estado foi elaborado pelo Ministério da
Administração Federal e da Reforma do Estado e, depois de ampla discussão,
38 O surgimento e a crise do modelo burocrático

aprovado pela Câmara da Reforma do Estado em sua reunião de 21 de


setembro de 1995. Em seguida, foi submetido ao presidente da República,
que o aprovou. O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado definiu
objetivos e estabeleceu diretrizes para a reforma da administração pública
brasileira, instrumento indispensável para consolidar a estabilização e assegurar
o crescimento sustentado da economia. A leitura deste trabalho é fundamental
para entender a guinada na gestão pública brasileira após Bresser Pereira e as
reformas postas em prática a partir do primeiro governo do presidente Fernando
Henrique Cardoso.

CHIAVENATO, Idalberto. Administração geral e pública. Rio de Janeiro:


Elsevier, 2006.
Este livro foi elaborado originalmente para auxiliar os estudantes de nível
superior nos concursos públicos relacionados às carreiras federais que são muito
exigentes na área da gestão pública. Na verdade, o livro adquiriu uma densidade
e uma abrangência ímpares na literatura disponível. Inicia comentando as
escolas clássicas da administração para em seguida entrar nos assuntos típicos
da gestão pública: processo administrativo, gestão de pessoas, comportamento
organizacional até as novas abordagens da recente reforma gerencial. É
indispensável para quem quiser se aprofundar no assunto.
3

A gestão pública no Brasil


O modelo patrimonialista de gestão pública vigorou com domínio quase
absoluto no Brasil até a chamada Revolução de 30. O Estado era administrado
de forma autoritária, clientelista e verticalizada pelas elites agrário-exportadoras.
O aparelho do Estado era objeto das disputas políticas entre as oligarquias
regionais. A República Velha foi palco constante de escândalos e corrupção,
as eleições inclusive não eram legitimadas por todas as elites. A administração
pública refletia este contexto, não era profissionalizada, nem havia mecanismos
de seleção pública, impessoal e transparente.
Na Revolução de 30 novas elites assumem o país. Mais ligadas aos setores
médios urbanos e industriais, estas elites estabelecem, através do governo
Vargas, um programa de reformas e modernização do Estado brasileiro. O
modelo patrimonialista vigente não se ajustava mais aos interesses econômicos
que demandavam investimentos públicos em infraestrutura, uma burocracia
ágil para apoiar o setor privado, um ordenamento legal mais racionalizado e
funcional. Nesta época foram criados os ministérios da Educação, Saúde Pública,
Trabalho e Indústria e Comércio. A Constituição de 1934 foi a primeira a trazer
um título específico sobre os funcionários públicos. O primeiro governo Vargas
é considerado pioneiro na modernização da gestão pública brasileira.
Este primeiro movimento modernizante foi inspirado nas ideias de dois
fundadores da administração moderna como disciplina: Taylor e Fayol.
Ambos desenvolveram esforços para racionalizar os processos de trabalho. Eles
concebiam a organização como um sistema fechado, sem considerar o ambiente
40 A gestão pública no Brasil

institucional que o cerca. Já em 1936 o governo Vargas introduziu no país o


sistema de mérito, delegando ao diplomata Mauricio Nabuco, no ano de 1936, o
texto da proposta ao Congresso Nacional de uma lei que regulamentasse a gestão
do Estado. Esta lei ficou conhecida como a “Lei de Reajustamento”. Foi inspirada
no modelo meritocrático das carreiras do “Civil Service” da Inglaterra, do serviço
público francês e da “Civil Service Commission” dos Estados Unidos.
A primeira lei a organizar o serviço público brasileiro, a Lei nº 284, data desta
época. Ela criou um colegiado para coordenar o esforço de modernização pública.
Ele se chamava “Conselho Federal do Serviço Público Civil”, criado em 1936.
Entretanto, como fruto da negociação no Congresso com as bancadas ligadas
aos setores mais conservadores, manteve-se uma série de resquícios do Estado
patrimonialista. Um deles foi a adoção de quadros de cargos comissionados,
de livre nomeação e demissão pelos governantes. Neste momento, iniciou o
processo de organização e separação de cargos comissionados dos efetivos e a
elaboração da grade de remuneração dos servidores públicos.
Em 1937, o Conselho Federal do Serviço Público é extinto e no seu lugar
surge o DASP, Departamento Administrativo do Serviço Público. O DASP
implementou um conjunto de reformas muito importantes. É desta época que
surgem os primeiros concursos públicos e o combate ao nepotismo, que era
uma prática corriqueira até então. A promoção por mérito e tempo de serviço,
o incentivo à profissionalização dos funcionários e normas mais rigorosos de
organização dos serviços, forma algumas características notáveis deste início
do DASP. Neste período passamos a ter no Brasil um conjunto de critérios mais
próximos ao modelo racional-legal para funcionamento da máquina pública.
Os princípios da chamada “organização científica do trabalho” de inspiração
taylorista foram levados ao extremo.
Um resumo destes primeiros 30 anos da gestão pública brasileira:

Quadro 5 – Gestão na República Velha


Brasil rural – sociedade oligárquica – Estado
Contexto econômico e social
fragmentado
Ideias Reforma orçamentária e do serviço público
Problema a enfrentar Erosão das bases oligárquicas do poder
Interesses Classes médias – setores industriais – militares
Empreendedores Maurício Nabuco e Luís Simões Lopes
A gestão pública no Brasil 41

O processo de redemocratização, após a queda do Estado Novo, em


1945, resultou num debilitamento do ímpeto original do DASP. Por pressões
do funcionalismo, a Constituição de 1946 efetivou funcionários interinos
e que não haviam sido admitidos por concurso público. Foi o início dos
tristemente conhecidos “trens da alegria” do serviço público. Acordos sem
ética para manutenção de privilégios e mordomias a segmentos da burocracia e
governantes, que são pagos no final por toda a sociedade. Na verdade era o velho
estilo patrimonialista ainda sobrevivendo nas entranhas da cultura política. A
gestão pública ainda era usada como moeda política no jogo nem sempre lícito
da jovem democracia brasileira.
Em 1952, houve uma retomada dos princípios originais com promulgação
por lei do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União. Esta normativa
reforçava mais uma vez a exigência de concurso público como regra geral para
admissão. No segundo governo Vargas outras medidas afetam a gestão pública
brasileira. Houve uma maior descentralização, incentivo ao planejamento
administrativo, coordenação das ações e criação de assessorias mais qualificadas
para a Presidência da República e os ministérios.
Na sequência temos as importantes transformações provocadas pelo governo
Juscelino Kubitschek que ao assumir o poder identificou a incapacidade da
máquina pública brasileira em atender a seu ambicioso programa de governo.
O “Plano de Metas” exigia muita eficiência e eficácia da administração pública.
Naquela época, o funcionalismo público era muito influenciado pelo jogo dos
partidos, e isso se refletia na dificuldade de negociação dos projetos do governo
no Congresso. Foi por isso que JK criou uma estrutura executiva quase que
paralela ao governo, os chamados “Grupos Executivos”. Estes grupos executam
os principais projetos do Plano de Metas, inclusive a criação de Brasília. Mas
em relação à reforma administrativa houve poucos avanços, o DASP estava
fragilizado desde 1945 e o governo limitou-se a produzir estudos e criar
comissões. Em 1962, uma lei federal dá estabilidade a todos os servidores com
no mínimo cinco anos de serviço, independente da forma de contratação. Com
isso alguns milhares de servidores sem concurso entraram na administração
pública. Como podemos ver, de tempos em tempos há uma sobrevida das
práticas da República Velha, demonstrando uma espécie de ciclo político em
que se revezam com diferentes ritmos o modelo racional-legal em luta contra
o estilo patrimonialista.
42 A gestão pública no Brasil

3.1 A gestão pública nos governos militares


Os governos militares foram caracterizados pelo autoritarismo no plano
político, mas pela modernização gerencial em diversas áreas, inclusive na
administração pública. A reforma administrativa de 1967 foi precursora de
várias iniciativas que foram tomadas somente 20 anos depois no movimento
gerencialista que culminou na proposta da Reforma de 1995.
Tudo teve início com os estudos e propostas da chamada “Comissão Amaral
Peixoto” que continha um detalhado diagnóstico da administração pública
brasileira, porém avançava pouco em termos de propostas concretas. Entre os
principais problemas apontados pela Comissão estavam a falta de coordenação
das ações governamentais, a excessiva centralização da administração na
Presidência da República, o excesso de burocracia e o engessamento das carreiras
públicas provocado pelo antigo estatuto do servidor público que vinha de 1952.
O próprio presidente Castelo Branco já havia participado na coordenação da
comissão pelas Forças Armadas. Apesar da importância na agenda política do
governo militar, a proposta em debate no Congresso era muito tímida. No final de
1965, a Comissão começou a trabalhar no que seria mais tarde conhecido como
o “Decreto-Lei nº 200/67” da Administração Pública federal. Neste ordenamento
legal, muitas ideias avançadas para a época já estavam formalizadas. A articulação
entre planejamento, orçamento e execução financeira, a criação de mecanismos
de controle interno e transformação do controle externo em ex post em vez de ex
ante, estavam entre elas. Uma das principais definições era a profissionalização
do serviço público, com a definição do sistema de carreiras e a criação de um
órgão central para administrar a reforma administrativa.
As fundações foram definidas como entidades de direito privado e, portanto,
não sujeitas ao controle burocrático da administração direta e autárquica. Elas
foram muito utilizadas por JK no Plano de Metas. No período militar houve
também uma grande expansão do Estado brasileiro. Dezenas de fundações,
autarquias, empresas e sociedades de economia mista foram criadas. A
administração federal já podia contratar servidores utilizando a Consolidação
das Leis do Trabalho, a CLT. Porém, mantendo a tradição nefasta da gestão
pública brasileira, a Constituição de 1967, apesar de valorizar o concurso
público, também deu estabilidade para todos aqueles que tivessem pelo menos
cinco anos de serviço público em todos os níveis da federação. Ao longo dos
anos 70, houve pequenos avanços na estruturação da administração federal,
A gestão pública no Brasil 43

especialmente. De fato, a qualidade e a eficiência da gestão pública deixaram


muito a desejar. Apenas em alguns setores ou instituições se conformaram
verdadeiras “ilhas de excelência” com processos organizados e pessoal mais
qualificado. Geralmente, estas “ilhas” se construíram em volta de burocracias
que eram autênticas tecnocracias dentro do governo. As áreas mais sólidas eram
a fazendária, a jurídica, a legislativa, a diplomática e a militar. Em 1970, foi
criada a Secretaria de Modernização – SEMOR, que, funcionando em paralelo
ao DASP, tinha a função de avançar nas propostas do Decreto-Lei nº 200, mas
não surtiu resultado.
No início dos anos 80, surge uma nova tentativa de modernizar o setor
público. Foi criado o “Ministério da Desburocratização” e o “Programa Nacional
de desburocratização”. Helio Beltrão comandava. Houve nesta época centenas
de pequenas medidas reduzindo o peso da burocracia no serviço público, por
exemplo, o estatuto da microempresa e o juizado de pequenas causas foram
criações deste programa. Nos anos em que o Ministério funcionou, até o inicio
dos anos 90, mais de cem mil decretos federais superados e inúteis foram
revogados.

3.2 A gestão pública após os governos militares


A Constituição de 1988 aprovou a unificação dos regimes jurídicos e dos
servidores públicos, o fortalecimento dos controles e o concurso público
como única forma de acesso ao cargo e emprego público. O Supremo Tribunal
Federal baniu a possibilidade de ascensão funcional interna, até então possível.
A Constituição de 1988 apresentou um grande viés democratizante na vida
pública nacional. Criou-se a possibilidade de participação popular, dos conselhos
populares, aumentou-se a descentralização e a municipalização de serviços
públicos, etc. Os direitos e garantias sociais foram ampliados. Tratava-se de
reorganizar o ordenamento jurídico democrático após 20 anos de governos
autoritários.
Entretanto, alguns problemas relacionados à última e atual constituição
merecem ser analisados para podermos entender melhor os limites e desafios
para uma gestão pública inovadora. A Constituição engessou o aparelho estatal,
ao estender para os serviços do Estado e para as próprias empresas estatais
praticamente as mesmas regras burocráticas adotadas no núcleo estratégico
44 A gestão pública no Brasil

do Estado. Além disso, ela induziu a perda da autonomia do Poder Executivo


para tratar da estruturação dos órgãos públicos. O regime jurídico único se
tornou obrigatório para todo o serviço público federal, limitando a inovação
e a flexibilidade nas formas de contratação. A administração indireta que se
notabilizara pela grande flexibilidade teve reduzida sua autonomia ao adotar
normas de funcionamento idênticas à administração direta. Por fim, esta
Constituição, seguindo a tradição patrimonialista das anteriores, também deu
estabilidade funcional para contratos sem concurso e regimes de aposentadoria
desvinculados de tempo de serviço. Isso gerou grandes desequilíbrios nos
regimes de previdência para o futuro.
Em diversos aspectos a Constituição representou um retrocesso burocrático.
Alguns autores entendem que foi uma forma de reação da burocracia pública
diante do clientelismo que dominou o país naqueles anos. De fato, a transição
para a democracia no Brasil ocorreu simultaneamente à crise do Estado e do
modelo econômico desenvolvimentista. As forças democráticas identificaram
na excessiva descentralização e crescimento da administração indireta uma
das causas do descontrole administrativo que a Constituição deveria anular e
corrigir.
O saldo final da Constituição foi o reforço da visão burocrática clássica,
mas permitindo ainda uma certa ingerência patrimonialista ao estabelecer
privilégios para diversas carreiras, entre os quais talvez o mais ilustrativo tenha
sido a concessão de aposentadorias desvinculadas do tempo de contribuição e
a incorporação de funções gratificadas sem relação com avaliação de mérito.
Em 1989, no final do governo Sarney, a SEDAP foi extinta e suas atribuições
passaram para a Secretaria de Planejamento e Coordenação da Presidência da
República, a SEPLAN.
No governo Collor a modernização administrativa foi traduzida pela ausência
de planejamento e pelo conjunto de medidas irracionais visando desmantelar
sem critérios órgãos públicos que eram considerados ineficientes. A SEPLAN
foi substituída pela Secretaria de Administração Federal – SAF. A grande
maioria dos funcionários públicos demitidos no governo Collor foi readmitida
judicialmente nos anos posteriores, com grande prejuízo à capacidade gerencial
do governo.
A gestão pública no Brasil 45

Em 1994, no final do governo Itamar Franco, a campanha presidencial


recoloca o tema da gestão pública na agenda política nacional. Diversas propostas
foram apresentadas, entre as quais a do candidato Fernando Henrique Cardoso,
que mais tarde ficou conhecida como a “Reforma Bresser”, em alusão ao ministro
da Administração e Reforma do Estado, o economista Bresser Pereira.
Vamos a seguir entrar neste contexto que influencia a gestão pública brasileira
até nossos dias.

3.3 A reforma gerencial de Bresser Pereira


Originalmente, o presidente Cardoso não propunha uma reforma abrangente
do setor público, apenas intervenções mais cirúrgicas e localizadas. O objetivo
seria recuperar a eficiência do setor público e apoiar o desenvolvimento do
setor privado. Foi neste sentido, por exemplo, que um amplo programa de
privatizações foi implementado na época.
Com a entrada de Bresser Pereira, homem de confiança do presidente
Fernando Henrique Cardoso, a antiga SAF criada no governo Collor ganha status
de ministério. O MARE, como ficou conhecido o Ministério da Administração
e Reforma do Estado, deveria liderar uma estratégia que culminasse com a
aprovação de uma emenda constitucional. Esta estratégia, ao constitucionalizar o
tema, colocou o problema não só como mais uma nova reforma administrativa,
mas como a reforma do próprio Estado brasileiro.
Foi criado um colegiado chamado “Câmara da Reforma do Estado” para
coordenar o debate interno no governo. As propostas da Reforma tiravam da
zona de conforto muitos dogmas da cultura política vigente. Bresser encontrou
oposição dentro do Palácio do Planalto, tanto Eduardo Jorge, o secretário-
geral da Presidência, quanto Clovis Carvalho, chefe da Casa Civil, por motivos
diferentes, apostaram contra a proposta.
Mas havia um terceiro foco de resistência, muito mais importante e difícil
de transpor: a área econômica do governo. Bresser era um crítico ferrenho
da política macroeconômica; além disso, muitas medidas da reforma tinham
impacto direto sobre as finanças públicas. Para se contrapor a este bloqueio, a
estratégia de Bresser foi buscar apoio nos governadores, que viram na proposta
46 A gestão pública no Brasil

uma forma de flexibilizar a gestão pública e superar a paralisia fiscal em que


se encontravam.
A ideia-força da reforma bresseriana era a flexibilização do setor público.
Rejeitava-se uma estratégia sequencial, retomando propostas inacabadas
da tradição brasileira. A flexibilização deveria atingir os regimes de
contratação de pessoal, as estruturas, os processos de trabalho e os processos
decisórios. Tudo ou quase tudo dependeria da maior flexibilidade: a busca da
eficiência, a maior autonomia dos gerentes, a delegação e descentralização,
a contratualização de resultados, a valorização de mecanismos de mérito e
avaliação de desempenho, etc.
Do ponto de vista teórico havia uma clara disputa entre duas abordagens
da escola gerencialista. De um lado, a visão clássica defendida pelo ministro,
valorizando o empreendedorismo dos gerentes e sua autonomia decisória. Do
outro, a abordagem conhecida como a “escola da escolha pública”, que olhava
com desconfiança para o corporativismo da burocracia e propunha o aumento
de controles, defendida por setores do próprio ministério.
O Congresso Nacional votou a emenda constitucional quase três anos após
seu envio pelo Poder Executivo. Algumas decisões de grande impacto, como
o fim do regime jurídico único para os servidores federais, foram aprovadas.
Neste período também foram criadas novas formas de organização institucional
que inovaram bastante a administração pública. Entre elas podemos citar as
Organizações Sociais, as OS, e as Agências Executivas. A Escola Nacional de
Administração Pública, a ENAP, tornou-se o principal polo irradiador das
ideias da Nova Gestão Pública, particularmente na formação das carreiras do
Ministério do Planejamento.
Entretanto, as propostas não tiveram o apoio esperado dentro do governo
Cardoso. Alguns ministérios importantes como a Casa Civil, a Fazenda, o
Planejamento, a Educação e a Saúde, por motivos diversos, apresentavam sérias
restrições ao projeto. No final do primeiro mandato do presidente Cardoso o
então Ministério da Administração e Reforma do Estado, o MARE, foi unificado
com o Ministério do Planejamento, que passou a se denominar Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão, MPOG. As primeiras Agências Reguladoras
também foram formadas neste período.
A gestão pública no Brasil 47

Uma outra inovação deste período foi a experiência do projeto “Avança


Brasil”. Este foi o nome dado para um conjunto de projetos estratégicos
presentes no Plano Plurianual daquele período. A importância está na
hierarquização de prioridades e no enforcement, quer dizer, no empoderamento
que foi dado para os gerentes destes projetos. A sua quase totalidade era
orientada para superar gargalos de infraestrutura e redução do chamado “custo
Brasil”. As técnicas mais modernas de elaboração e execução de projetos foram
adotadas, os gerentes tiveram grande autonomia de execução e eram cobrados
por resultados e metas.
Estas mudanças no PPA 2000-2003 geraram uma grande transformação
metodológica no processo de planejamento federal. Adotou-se a categoria
“programa” como unificadora do planejamento físico com o orçamento previsto e
a executar. Antes disso, o orçamento era elaborado e monitorado de forma quase
independente do planejamento. Fazendo com que este último se tornasse uma
peça de ficção ou de erudição burocrática. Este PPA em especial foi beneficiado
com um estudo profundo chamado “Eixos de Desenvolvimento”, feito por um
pool de consultorias privadas para o Ministério do Planejamento. O fato mais
simbólico desta época foi a flexibilização das categorias estáticas de classificação
orçamentária fixadas há mais de 30 anos pela Lei Federal nº 4.320 de 1964. A
partir daí os organismos de planejamento tiveram mais liberdade e flexibilidade
de estruturar a prática de planejamento integrada ao orçamento.
Apesar da crise internacional, as mudanças nas metodologias de planejamento
e orçamento produziram uma valorização das carreiras de planejamento e gestão
do Ministério do Planejamento, em especial os analistas de Planejamento e
Orçamento e os especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental,
mais conhecidos como “gestores”. Outro avanço importante foi a criação de
Secretarias de Planejamento, Orçamento e Administração, as SPOAs, em todos os
ministérios finalísticos com a finalidade de modernizar a gestão dos ministérios
e com apoio de quadros concursados qualificados, vindos do planejamento.
Cabe lembrar que muitos dos avanços do final dos anos 90 tinham inspiração
bem anterior. Já nos anos 60 havia a prática do chamado “orçamento programa”,
também conhecido pela sigla em inglês, o PPBS. Em alguns estados como o Rio
Grande do Sul, desde aquela época já havia iniciativas pioneiras nesta área. O
movimento da nova gestão pública apenas recuperou o modelo e lhe deu nova
embalagem.
48 A gestão pública no Brasil

Mas a experiência de gestão inovadora no governo Cardoso apresentou


também, muitos problemas. Em relação às práticas de planejamento federal elas
não conseguiram se traduzir por uma efetiva mudança nas práticas de gestão. Por
exemplo, os gerentes dos projetos estratégicos, apesar de formalmente autorizados,
não tinham ascendência sobre equipes de outros ministérios, enfraquecendo
sua capacidade executiva. A cultura decisória apesar de qualificada continuou
a ser impregnada pelo pragmatismo e pelo imediatismo do jogo político. Fator
que seria acentuado mais tarde nos governos do presidente Lula.
Para resumir, podemos dizer que os principais avanços na gestão inovadora
durante o governo Cardoso foram: a criação de novas estruturas organizacionais,
como as OS, as OSCIP (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público) e
as Agências Reguladoras; a revitalização do processo de Planejamento Federal,
a configuração de um núcleo estratégico do Estado com algumas carreiras
centrais, o reforço do controle interno com a criação da Corregedoria Geral
da União, a CGU, mais tarde transformada em ministério no governo Lula, e a
introdução do “pregão eletrônico”, que agilizou e baixou o custo das compras
governamentais.

3.4 A gestão no governo Lula


O governo Lula foi eleito pela primeira vez para o mandato 2003-2006,
com expectativas de mudanças profundas na gestão pública federal, dado seu
programa e origem de centro-esquerda, diferente do governo Cardoso. Entretanto,
o governo Lula rapidamente incorporou características centrais do governo
anterior, como a manutenção e até aprofundamento da política econômica e de
vários programas sociais que foram unificados e redesenhados.
Não houve no governo Lula, ao contrário do governo anterior, um núcleo
articulador e protagonista de mudanças e modernização da gestão pública.
Aliás, este tema nunca tinha recebido muita atenção no programa eleitoral, nem
na história dos partidos que lhe davam suporte. A única exceção importante
e digna de nota foi a experiência de participação popular no orçamento, que
diversas prefeituras dirigidas pelo Partido dos Trabalhadores implementaram nos
anos 90. Contudo, durante o primeiro mandato e até quase o final do segundo,
não observamos iniciativas importantes em relação à democratização da peça
orçamentária.
A gestão pública no Brasil 49

Os temas de gestão ou modernização administrativa no governo Lula foram


iniciativas isoladas e tomadas diretamente do núcleo de poder do Palácio do
Planalto, à margem de qualquer estratégia mais articulada da Secretaria de
Gestão do Ministério do Planejamento. Entre as iniciativas mais importantes e
inovadoras na gestão pública podemos registrar:
• a criação de uma mesa de negociações para lidar com as questões
trabalhistas do setor público;
• a realização de conferências setoriais de caráter consultivo sobre políticas
públicas;
• o incremento dos mecanismos de controle interno através das auditorias
da CGU, inclusive sobre repasses de verbas federais aos estados e
municípios;
• a criação do instrumento regulador para implantar consórcios de
entidades públicas, por exemplo, o manejo conjunto de um aterro
sanitário comum a vários municípios.

O fato notável no governo Lula foi a qualificação e centralização de funções de


planejamento, coordenação e monitoramento próximas ao núcleo presidencial.
Foi criada, inclusive, em 2004, uma Subchefia na Casa Civil chamada de
“Articulação e Monitoramento” com funções exclusivas de monitoramento
de projetos estratégicos da Presidência da República. Este movimento gerou
algumas distorções. Por um lado, a Casa Civil não estava capacitada para o
exercício destas funções, faltavam quadros qualificados e experientes e os
sistemas de informação eram precários. Ao mesmo tempo, o Ministério do
Planejamento, que possuía carreiras qualificadas e ferramentas de coordenação,
foi progressivamente esvaziado. No governo Lula o Ministério do Planejamento
voltou a ter uma função ritualística e burocrática, sobretudo com o advento
do “Programa de Aceleração do Crescimento”, uma espécie de “Avança Brasil”
tardio. Atualmente, o MP tem peso decisório praticamente nas questões de
orçamento, e ainda assim subordinado na prática às diretrizes da Secretaria do
Tesouro Nacional, no âmbito do Ministério da Fazenda.
Em relação à política de Recursos Humanos do governo Lula há claros
avanços. Por exemplo, a recomposição da força de trabalho em várias áreas do
governo federal como as universidades federais e a substituição progressiva
50 A gestão pública no Brasil

de funcionários terceirizados por quadros efetivos. Entretanto, há problemas


também. Houve uma expansão muito grande de cargos de confiança em funções
que poderiam ser exercidas por quadros efetivos, e as políticas de capacitação
foram muito fracas ou isoladas em “ilhas de excelência”, e em muitos lugares os
interesses corporativos de segmentos ou carreiras pautou a política de RH em
benefício próprio.

Questões
1. Os valores predominantes na administração pública, até a Revolução
de 30, eram totalmente compatíveis com uma visão patrimonialista do
Estado. Justifique.
2. Durante os governos militares houve um impulso modernizador
na gestão pública federal. Quais foram os principais avanços do
período?
3. A história da gestão pública brasileira foi marcada por avanços e
retrocessos nas últimas sete décadas. Explique.

Referências comentadas
NUNES, Edson. A gramática política do Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 1997.
Este livro, originado de uma tese de doutorado do autor na Universidade de
Berkeley, na Califórnia, aborda os modelos básicos que explicam as relações entre
Estado e Sociedade no Brasil. Seriam quatro as “gramáticas”: o clientelismo, o
corporativismo, o insulamento burocrático e o universalismo de procedimentos.
A partir delas o autor analisa a trajetória do Estado Brasileiro, de Vargas até o
final da ditadura militar. Leitura indispensável para entender a influência que
os padrões políticos e estilos de governo têm na gestão pública brasileira.
A gestão pública no Brasil 51

NOGUEIRA, Marco Aurélio. Um Estado para a sociedade civil. São Paulo:


Cortez Editora, 2004.
O centro desta obra do professor Marco Aurélio Nogueira são temas
relacionados à gestão do Estado, particularmente aos dilemas e desafios da
democracia na sociedade brasileira contemporânea. Ele combina conceitos da
administração, da ciência política e da filosofia para propor uma nova forma
de governança. A coletânea de textos ajuda o leitor a compreender a realidade
brasileira atual. É obra importante para entender a relação entre governo e
gestão no Brasil moderno.

CHIAVENATO, Idalberto. Administração geral e pública. Rio de Janeiro:


Elsevier, 2006.
Este livro foi elaborado originalmente para auxiliar os estudantes de nível
superior nos concursos públicos relacionados às carreiras federais que são muito
exigentes na área da gestão pública. Na verdade, o livro adquiriu uma densidade
e uma abrangência ímpares na literatura disponível. Inicia comentando as
escolas clássicas da administração para em seguida entrar nos assuntos típicos
da gestão pública: processo administrativo, gestão de pessoas, comportamento
organizacional até as novas abordagens da recente reforma gerencial. É
indispensável para quem quiser se aprofundar no assunto.
4

Governabilidade e accountability
na gestão pública
4.1 Governabilidade e governança
A gestão pública é influenciada diretamente por duas variáveis fundamentais
da política e da institucionalidade: a governabilidade e a governança. Vamos
analisar mais um pouco o significado delas.
A “governança” está relacionada aos supostos institucionais para que
ocorra a otimização do desempenho administrativo. Ela seria o conjunto de
instrumentos e ferramentas técnicas de gestão que assegurariam a eficiência e a
democratização das políticas públicas. Alguns autores encaram a “governança”
como a capacidade de ação estatal na implementação de políticas e projetos, na
execução de metas coletivas.
Há também uma dimensão participativa na governança. Ela pode significar
os procedimentos para lidar com a pluralidade da sociedade, com os múltiplos
interesses sociais. O fator determinante para avaliar a governança de um
determinado Estado ou governo é a competência dos gerentes e administradores
públicos no cumprimento das metas. E esta avaliação deverá sempre ser feita
considerando a complexidade do mundo atual e a grande heterogeneidade de
interesses e posicionamentos da sociedade.
A “governabilidade” por sua vez se refere às condições e ao contexto do
ambiente político em que se efetivam as ações administrativas. Ela se relaciona
54 Governabilidade e accountability na gestão pública

diretamente à legitimidade e à credibilidade dos governos. A governabilidade


depende muito das condições materiais de exercício do poder, da sustentação
política dos governos para executar seu próprio programa eleitoral. Uma boa
governabilidade implica uma boa capacidade de articulação política, de formação
de coalizões. No fundo ela traduz uma relação entre as variáveis que o governo
controla e as variáveis não controladas.
A reforma do Estado, na medida em que afeta os mecanismos de legitimação
e credibilidade da “coisa pública”, implica diretamente alterar as condições de
governabilidade. Já a reforma do aparelho do Estado, como se relaciona ao
modelo organizacional e ao sistema de planejamento e decisão, relaciona-se
diretamente com a governança do Estado.
Pode-se ver que os dois conceitos estão intimamente relacionados. Uma
boa governança, uma boa capacidade de governo, ajuda muito na obtenção e
manutenção da governabilidade. Da mesma forma, uma boa governabilidade
pode ajudar na melhoria da governança, já que teoricamente haveria mais suporte
político, por exemplo, para dotar as ações de modernização administrativa com
mais orçamento.
A crise do Estado no Brasil se manifestou como uma crise de governança
e como uma crise de governabilidade. Houve, de fato, uma combinação de
uma crise fiscal muito grande que afetou a governança do Estado. A crise da
burocracia e da forma burocrática de administração também contribui para a
fragilidade da governança. Esta crise foi associada ao modo de intervenção do
Estado na economia que também afetou os padrões de governabilidade.
Podemos falar também que a construção de uma governabilidade
democrática, pós-governos militares, também foi uma das bases de mudança
do modelo de administração pública. Esta nova governabilidade, baseada nos
regimes eleitorais, na liberdade de organização e expressão e na ampliação
dos processos participativos, exige um novo processo de governo. O próprio
sistema de intermediação de interesses, mais corporativista ou mais pluralista,
vai mudar numa governabilidade mais democrática. A administração pública
será mais demandada e tensionada para atender grupos sociais mais conscientes,
exigentes e diversos.
Um bom padrão de governança estaria associado a objetivos tais como
a prevenção das práticas clientelistas (também chamada, em inglês, de rent
Governabilidade e accountability na gestão pública 55

seeking). Outros objetivos seriam a redução dos custos de informação, o


aumento da produtividade, da flexibilidade e a maior descentralização. Outro
elemento essencial da boa governança, para finalizar, é a responsabilização
dos administradores pelos seus atos e resultados. Na literatura este processo é
chamado pelo seu termo em inglês, accountability, significando mais ou menos
em português: responsabilização e responsividade.
Diferentes autores com diferentes conceitos de governabilidade e
governança:

Quadro 6 – Governabilidade e Governança


Autores/
Governabilidade Governança Traço/Distintivo
Itens
Bresser Capacidade de Capacidade Ênfase na
Pereira governar derivada financeira/gerencial governança. Entende
da relação de de formular e a governabilidade
legitimidade do implementar como garantida nos
Estado e do seu políticas públicas seus fundamentos
governo com a por meio do processo
sociedade civil. de redemocratização
recente.
Eli Diniz Condições sistêmicas Capacidade de Ênfase na conexão
de exercício do ação do Estado da temática com a
poder pelo Estado na formulação e reforma do Estado,
e seu governo em implementação de institucionalização
uma determinada políticas públicas da democracia e,
sociedade. e consecução das em especial, com
metas coletivas. o incremento da
participação dos
cidadãos.
Caio Martini Condições de Capacidade técnica, Ênfase na ligação
legitimidade de um financeira e gerencial da temática com a
determinado governo de implementar estas reforma do Estado
para empreender transformações. e com a superação
as transformações das desigualdades
necessárias. estruturais da
sociedade brasileira.
Fonte: Araújo, 2002.
56 Governabilidade e accountability na gestão pública

Fica evidente para nós que os padrões da boa governança dependem muito
do contexto em que o Estado está inserido e quais as relações que estabelece.
Neste sentido, é impossível dissociar a governança da governabilidade. Não
existem técnica ou modelos administrativos universais, como receitas genéricas,
válidos para todos os contextos. O contexto implica saber qual é a cultura
política, qual o padrão de articulação do Estado com a sociedade, como os três
poderes interagem, qual a capacidade do Estado em resolver os problemas reais
e assim por diante.

4.2 Controle e accountability na gestão inovadora


O termo inglês accountability é de difícil tradução para o português. Mas seu
conceito vem adquirindo importância cada vez maior na gestão pública desde
a redemocratização do país nos anos 80. Ele pode significar desde a simples
prestação de contas até a sensibilidade dos dirigentes para as demandas dos
cidadãos. Pode ser um conjunto de instrumentos, mecanismos e processos
institucionais que permitem a responsabilização dos servidores públicos quando
não cumprirem suas responsabilidades e os resultados esperados.
O conceito surgiu no final dos anos 60 nos Estados Unidos. Como uma
responsabilidade objetiva ou obrigação de responder algo, implicando a
responsabilização pessoal ou a organização perante um terceiro. O erro, por ação
ou omissão, na falha de um resultado pactuado implicaria uma irresponsabilidade
e seria passível de punição. Podemos notar que o conceito tem um sentido de
obrigatoriedade, um significado de imposição direta. No caso haveria punição
pelo não cumprimento e premiação pelo cumprimento além das expectativas.
Uma das primeiras questões que surgem quando debatemos este tema é
sobre quem seria responsável por cobrar a responsabilidade na gestão pública.
Seriam os chefes superiores, os eleitores, os clientes do serviço ou mesmo os
legisladores e juízes num tribunal?
Na história da administração pública, a responsabilização dos gestores sempre
se situou dentro do Estado, na prestação de contas que uma administração faz
regularmente. Esta prestação de contas deveria contemplar as necessidades,
os padrões e as exigências dos governos de plantão e de todos os órgãos de
controle, internos e externos. A sociedade, que é em última instância o cliente
Governabilidade e accountability na gestão pública 57

final dos bens e serviços públicos, nunca foi consultada. A burocracia do Estado
funcionava como se estivesse trabalhando para seus chefes, no fundo para si
mesma, e não para um cliente-cidadão, sujeito de direitos.
O próprio comportamento dos servidores públicos contribui para baixos
níveis de accountability. Ora desprezados pela sociedade, considerados parasitas
e ociosos, ora temidos como tecnocratas, os servidores públicos quase nunca
tiveram uma imagem positiva. Normalmente, associamos a carreira pública a
uma espécie de “sorte grande”, como se fosse uma premiação ou recompensa
que garantisse um futuro tranquilo sem muito trabalho e responsabilidade.
Neste clima a cultura da prestação de contas, da responsabilidade pessoal, nunca
pode prosperar.
Hoje em dia a presença do Estado é sentida e percebida em todas as
dimensões da vida humana, independente de origem, cor, gênero, raça ou
posição social. Viver sem o Estado ou contra o Estado é virtualmente impossível.
Neste ambiente a accountability torna-se um valor ainda mais precioso. A
gestão pública inovadora deve incorporar a accountability como elemento
fundante de seu aperfeiçoamento. O próprio valor da democracia diminui e se
enfraquece sem uma cultura de responsabilidade. A burocracia pública atua
verdadeiramente como se fosse um ator político, influenciando os rumos dos
governos legitimamente eleitos pelo povo. A cidadania precisa ter garantias
contra o uso arbitrário do poder e as condutas antiéticas.
A única forma de accountability é praticamente o processo eleitoral. Na
eleição o eleitor faz implicitamente um juízo de valor sobre o governo. Ele
poderá premiar o governante mantendo-o ou puni-lo não o elegendo. Contudo
as eleições são formas altamente imperfeitas de avaliação dos governos. Nem
sempre os cidadãos-eleitores estão bem informados sobre os resultados do
governo, há processos claros de manipulação da opinião pública com técnicas
de marketing e publicidade. Por outro lado, o controle é feito sempre ex post, isto
é, o cidadão-eleitor só saberá se suas preferências e interesses foram respeitados
depois que os erros ou omissões dos governos aconteceram, nunca antes, nem
durante. Os partidos políticos, por exemplo, deveriam ser verdadeiras escolas
de governo, mas não são. Eles contribuem para o monopólio do poder político,
são dominados por grupos e oligarquias e não têm uma cultura de prestação
de contas à sociedade.
58 Governabilidade e accountability na gestão pública

4.3 Perspectivas da accountability na gestão


pública brasileira
Já vimos que os regimes políticos influenciam tremendamente o tipo de
gestão pública. Será muito difícil implementar inovações e padrões mais criativos
de administração em regimes autoritários e totalitários. Por outro lado, se a
democracia é o regime que mais estimula a inovação na gestão pública, sua
consolidação e amadurecimento depende de fatores muito complexos e até certo
ponto desconhecidos. Sabe-se, por exemplo, que quanto mais consolidadas as
redes de associativismo dos cidadãos, maior será a consciência de direitos e
deveres e o envolvimento participativo.
No Brasil, infelizmente, nossa tradição nunca foi das mais democráticas. Na
história da República e mesmo no período colonial, a democracia foi exceção e
não a regra. Aprendemos a considerar a desigualdade como natural e inevitável
e a sermos submissos diante do Estado. Transferimos sempre a responsabilidade
pelas coisas públicas, pelo que acontece na nossa rua, nas cidades e no país para
alguma autoridade política, para um governo. É verdade que na conjuntura
brasileira a presença do Estado é muito desigual. Não podemos comparar os
grandes centros urbanos onde o Estado é visível, presente e atuante com as
imensas regiões no interior do país, onde o Estado é muitas vezes uma tênue
lembrança. A questão relevante para a gestão democrática e inovadora, portanto,
não é se o Estado deva ser “mínimo” ou “máximo”, mas qual o tamanho do
Estado ideal para a cidadania.
Nossa tradição, além de não democrática, é paternalista. O Estado é visto
como um “grande pai” que deve ajudar o povo, ao contrário de estimular a
autoconfiança. O paternalismo é uma forma disfarçada de autoritarismo e conduz
rapidamente ao populismo na política. Vivemos muitos períodos de populismo
no Brasil. Um governo populista é aquele que estabelece concessões e benefícios
para segmentos da população de maneira fácil e irresponsável, transferindo os
custos para outros setores ou para o futuro. Nos governos populistas até há um
desejo de participação da comunidade. Mas é uma participação controlada,
tutelada e dirigida instrumentalmente para apoiar ações do governo. É uma
participação domesticada. Todas estas formas e estilos de governo e política – o
autoritarismo, o paternalismo, o populismo – enfraquecem a sociedade civil,
diminuem as chances da accountability.
Governabilidade e accountability na gestão pública 59

Para o cidadão a face mais visível disso é o desrespeito. Sobretudo naquilo


que a literatura chama de “burocracia ao nível da rua”, isto é, na prestação de
serviços diretos aos cidadãos. As violações da ética e da moralidade pública
acontecem a todo instante. Basta tentar obter algum serviço de saúde, educação
ou informação em uma repartição pública. Certamente, em raras oportunidades
você escapará de longas filas, grosserias de todo tipo e informações incompletas.
O desrespeito acontece em todos os níveis, como eleitores, como contribuintes,
como cidadãos. Os políticos eleitos não cumprem o que prometem, os eleitores
tampouco cobram o que foi prometido. É como se o Estado não existisse ao
abrigo da lei e do direito, como se o Estado não tivesse, também ele, obrigações
com a cidadania. Nossa cultura política influenciou um padrão de gestão pública
acomodado com a ideia de subcidadania ou de cidadania regulada. Este tipo de
conduta enraizado durante mais de cem anos de República permeia todos os
níveis do Estado, do mau atendimento em um posto de saúde numa cidadezinha
do interior até o clientelismo e nepotismo no Senado Federal.
A sociedade vem aprendendo, embora lentamente e com retrocessos, a se
organizar, superando os horizontes meramente corporativos. O cenário atual é
muito mais promissor que há 10 ou 20 anos. A liberdade de imprensa, as novas
tecnologias de comunicação, o reforço dos órgãos de controle externo e interno
e a modernização do judiciário têm exposto com maior intensidade os temas da
conduta ética e dos abusos de poder. O próprio aparelho administrativo tem se
modernizado, introduzindo novas técnicas gerenciais, e as carreiras estratégicas
têm se consolidado pela via do concurso público.
Resumindo, então, a accountability é uma variável-chave para modernizar a
gestão pública, e sua intensidade depende de vários fatores:
• a intensidade e a textura das redes e instituições que se formam na
sociedade civil;
• a consolidação de valores (na escola, na família, na comunidade, etc.)
democráticos e de valorização das ações coletivas;
• a história do país, da região ou do município, sua tradição cultural,
origem dos costumes e dos hábitos sociais;
• a consolidação formal dos processos, instrumentos e organizações de
controle interno e externo.
60 Governabilidade e accountability na gestão pública

Questões
1. A governabilidade é muito importante nos regimes democráticos.
Por quê?
2. Quando os governos tem problema de governança a capacidade de
execução das políticas é reduzida. Você concorda com esta afirmação?
Justifique sua resposta.
3. A accountability é um conceito relativamente novo na gestão pública
brasileira. Este conceito tem relação com a eficiência e a eficácia na
gestão inovadora? Por quê?

Referências comentadas
ARAÚJO, Vinícius de Carvalho. A conceituação de governabilidade e
governança, da sua relação entre si e com o conjunto da reforma do Estado e
do seu aparelho. Cadernos ENAP, nº 45. Brasília: ENAP, 2002.
O objetivo deste curto mas significativo trabalho foi introduzir o leitor às
principais abordagens feitas sobre os conceitos de governabilidade e governança.
Para isso o autor tomou como referência a elaboração de importantes autores no
campo da gestão pública no Brasil: Bresser Pereira, Eli Diniz e Caio Marini.

BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos


clássicos. Rio de Janeiro: Campus, 2000.
Esta obra, já clássica, reúne 40 ensaios sobre política e Estado. O grande
pensador italiano Norberto Bobbio (Turim, 1909) ensinou Filosofia do Direito
nas universidades italianas por mais de 30 anos. Com 720 páginas ela versa sobre
todos os assuntos importantes para entendimento do Estado e da administração
pública, entre os quais a política, a moral, o direito, o problema dos valores e
da ideologia, entre outros.
Governabilidade e accountability na gestão pública 61

NUNES, Edson. A gramática política do Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar


Editor, 1997.
Este livro, originado de uma tese de doutorado do autor na Universidade de
Berkeley, na Califórnia, aborda os modelos básicos que explicam as relações entre
Estado e Sociedade no Brasil. Seriam quatro as “gramáticas”: o clientelismo, o
corporativismo, o insulamento burocrático e o universalismo de procedimentos.
A partir delas o autor analisa a trajetória do Estado Brasileiro, de Vargas até o
final da ditadura militar.
5

A excelência dos serviços públicos


A excelência nos serviços públicos é mais que uma demanda da sociedade
moderna, é um pré-requisito básico para modernização da gestão pública.
Não podemos falar em gestão inovadora se não há padrão de qualidade no
serviço público. A excelência no atendimento e nas rotinas internas não é
contudo uma tarefa fácil de ser conquistada, e mais difícil ainda de ser mantida
ao longo do tempo. Em primeiro lugar, existe a necessidade de uma avaliação
permanente do impacto das ações. Sem esta avaliação constante não há como
obter qualidade. Além disso, será preciso ter sempre clareza e lucidez sobre qual
é o foco de atenção da administração, qual é a hierarquia de prioridades, quais
são os objetivos.
Muitos estudiosos que pesquisam a administração pública vêm chamando
esta nova exigência de “administração de resultados”, outros chamam de
“administração empreendedora”. O nome importa menos. O que realmente
importa é uma organização que não seja burocrática, que responda às
demandas e resolva problemas concretos e que custe menos para a sociedade.
Para alcançar este novo patamar de eficácia, eficiência e efetividade das ações,
muitas organizações estão modernizando suas ferramentas de gestão, o modo
como capacitam seus dirigentes, seus sistemas de informação gerencial e assim
por diante.
64 A excelência dos serviços públicos

5.1 O Programa Brasileiro de Qualidade


e Produtividade
O chamado Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade, o PBQP, vem
se consolidando como uma importante fonte irradiadora de novos paradigmas
na gestão pública inovadora. Desde 1991 o Programa criado originalmente no
governo federal tem inspirado estados e municípios a melhorarem suas práticas
e resultados.
O foco do PBQP é tornar o cidadão o centro da gestão pública. Isso significa
que mecanismos de qualidade devem garantir a satisfação do cidadão como um
cliente de serviços. A própria avaliação institucional passa a incorporar esta visão
como parte dos quesitos e requisitos necessários ao processo de modernização.
O programa foi um dos principais instrumentos de aplicação das reformas
gerenciais nos anos 90, introduzindo progressivamente, soluções de gestão do
campo privado para a esfera pública.
Aqui devemos fazer um parênteses no nosso debate sobre padrões de
excelência e tocar num assunto simples, mas que muitas vezes gera muita
polêmica: quais são as diferenças entre a gestão pública e a gestão privada. Vamos
pontuar o debate em alguns aspectos mais importantes:
• no setor privado a orientação da atividade é o lucro e a sobrevivência
das empresas num ambiente de alta competitividade; no setor público
o objetivo é satisfazer o bem comum, o interesse coletivo da sociedade,
independente da condição financeira ou social das pessoas;
• a motivação essencial do setor privado é satisfazer o cliente, em troca
de um pagamento monetário; já no setor público o objetivo é satisfazer
o cidadão – inclusive como cliente – mas a motivação é o dever, é um
ordenamento legal;
• no setor privado há uma simetria entre serviço ou produto recebido e
pagamento efetuado; no setor público esta simetria em quantidade e
qualidade não existe;
• a qualidade no setor privado é pautada pela maior competitividade,
expansão dos mercados, maior lucratividade, menor custos, maior
faturamento, etc. Na gestão pública a qualidade é pautada pela excelência
de atendimento a todos os cidadãos ao menor custo possível, dentro
das normas jurídicas e sociais aceitas;
A excelência dos serviços públicos 65

• por fim, há uma série de diferenças contingenciais entre os dois


campos. Na administração pública, por exemplo, há um conjunto de
ordenamento legais que tornam sua atividade mais complexa que o setor
privado. Por exemplo, a aquisição de bens e serviços na área pública
deve obedecer às normas de licitações, com regras bem definidas. Os
funcionários na administração pública, se efetivos, adquirem mais
estabilidade que no setor privado, e assim por diante.

Entretanto, estas enormes diferenças não impedem que a gestão pública adote
cada vez mais instrumentos e ferramentas de gestão já testadas e aplicadas há anos
pelo setor privado. Boa parte delas é aplicável em qualquer tipo de organização
que tenha uma burocracia, recursos disponíveis e finalidades claras para executar.
Neste sentido, grandes corporações privadas têm muita semelhança no plano
organizacional, com grandes organizações públicas. Por exemplo, ferramentas
de avaliação de recursos humanos, técnicas de elaboração de projetos, conceitos
de organização de organogramas ou sistemas de informações gerenciais são
muito parecidos nas duas esferas.
O programa é articulado sempre em parceria, formando redes entre
organizações públicas. A partir de 1999 ele mudou de nome no governo
federal para “Programa de Qualidade no Serviço Público” e está orientado
para a distribuição de uma premiação nacional, à semelhança das organizações
privadas. No início o programa teve uma função mais de sensibilização e
capacitação com foco em técnicas e ferramentas. Depois evoluiu para o foco
na gestão de resultados e finalmente hoje o programa se estrutura com foco na
satisfação do cidadão, que é um conceito abrangente e estratégico.

5.2 A gestão por resultados


A internalização, através do planejamento de princípios organizacionais
mais modernos de gestão, que passam a reestruturar o serviço público, acabam
levando a uma nova forma de pensar a administração dos recursos financeiros
e os resultados para a sociedade.
A ideia de que o planejamento deva ser intensivo em gestão e orientado
para resultados concretos foi quase que uma decorrência natural deste processo
66 A excelência dos serviços públicos

de reforma. Incorporou-se experiências de outros países no setor público. A


ideia de combinar um planejamento abrangente que envolvesse o conjunto de
bens e serviços do Estado com uma estratégia de priorização de programas
foi implementada. A definição de metas plurianuais de desempenho teve o
propósito de elevar a capacidade do Estado para produzir resultados crescentes.
A seletividade e a focalização foram outras duas iniciativas para reforçar este
propósito.
A introdução da gestão por programas no ambiente atual da administração
pública produziu uma tensão entre as práticas existentes e os novos valores e
atitudes empreendedoras. O governo federal tem lidado com essa tensão de
modo que sua intensidade não seja um obstáculo à modernização, mas tenha
um efeito indutor no processo de mudança.
Fundamental para a gestão por resultados foi a adoção do conceito de
“programa” como elo entre o Plano Plurianual e o Orçamento. Isso aumentou
a transparência na alocação dos recursos e no compromisso com resultados.
Entretanto, outros passos ainda devem ser percorridos para isso.

5.3 A gestão por programas


Um programa na administração pública tem quase o mesmo sentido que na
administração privada, onde ele é mais conhecido como projeto. Um programa
é um conjunto ordenado de informações que objetiva organizar recursos
(humanos, financeiros, organizacionais, etc.) para produzir um resultado
desejado. Assim, os programas devem ser inspirados por diretrizes claras, ter
metas objetivas, mensuráveis, ações concretas, estratégias de realização factíveis,
orçamentos definidos e sistemas de informação, por exemplo.
Por exemplo, imaginem um programa de geração de emprego no município
de São Paulo. O programa certamente terá um objetivo, várias metas e ações.
As ações terão orçamento, recursos humanos, prazos para serem executadas
e responsáveis. Um dos objetivos poderá ser “atrair investimentos produtivos
para a cidade”. Para executar este objetivo, por exemplo, será necessário alterar
a legislação municipal que regula a abertura e o licenciamento de empresas.
Entretanto, os interesses setoriais da área que cuida deste setor na Secretaria
A excelência dos serviços públicos 67

da Fazenda podem não contemplar esta ação ou isso não ser importante no
momento para aquele setor. Outra ação poderia ser “implantar infraestrutura de
transporte no distrito industrial da zona leste”. Ora, o departamento municipal
que cuida das ruas e do transporte pode não ter na sua agenda este objetivo. E
assim por diante.
Um outro passo importante é o fortalecimento e a integração das funções de
planejamento, orçamento e gestão. Em uma perspectiva orientada para resultados
é recomendável que se dê ênfase ao planejamento e à gestão estratégica, à
elaboração e execução orçamentária e financeira orientada pelos resultados
dos programas, a um processo contínuo de evolução organizacional, que tenha
o objetivo de agregar à gestão por programas todas as estruturas formais e os
processos decisórios da organização.
Na gestão por programas o papel do gerente ganha relevância e importância. É
ele quem garante a articulação e tem a liderança para viabilizar a transversalidade
entre órgãos e departamentos diferenciados. O gerente deve ter a um só tempo
perfil técnico e político, um perfil tecno-político. Técnico porque deve entender
com profundidade do assunto que vai gerenciar, suas variáveis, dinâmica e fatores
críticos de sucesso. E político porque deve saber transitar entre as várias esferas
de governo e ter legitimidade perante os gestores públicos.
As funções do gerente do programa devem ser múltipla, ele deve ser
capaz de:
• planejar a execução do programa;
• formar e motivar a equipe;
• negociar os compromissos com as parcerias externas e internas;
• manter um sistema de informações gerenciais para o controle do
desempenho e da gestão de restrições;
• promover a execução das ações para obter os resultados desejados;
• participar da administração orçamentária e financeira;
• comunicar-se com o público-alvo do programa;
• Avaliar e aperfeiçoar continuamente o programa.
68 A excelência dos serviços públicos

Questões
1. Para você o que significa ter excelência na gestão pública?
2. Se você é um servidor público, sua organização poderia participar do
GesPública? Justifique a resposta.
3. Na sua opinião, que adaptações devem ser feitas nos modelos gerenciais
empresariais para que possam ser utilizados na esfera pública?

Referências comentadas
LIMA, Paulo Daniel Barreto. Excelência em gestão pública – a trajetória e a
estratégia do Gespública. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2007.
O livro é um verdadeiro manual de avaliação do sistema de gestão. Paulo
Daniel destaca alguns aspectos essenciais da proposta do GESPÚBLICA,
referentes ao entendimento do Modelo de Excelência em gestão pública proposto
pelo Programa e dos critérios de avaliação dele desdobrados. Segundo o autor,
a obra é o primeiro registro do desenvolvimento de um programa, que tem a
intenção de transformar a prática de gestão do setor público brasileiro.

TROSA, Sylvie. Gestão pública por resultados: quando o Estado se compromete.


Rio de Janeiro: Revan; Brasília, DF: ENAP, 2001.
O Estado precisa crescer, oferecer ele próprio mais e melhores serviços
à população, ou, ao contrário, está grande demais, gasta demais, tem de
definhar? Ele deve atuar diretamente, com seus ministérios e equipamentos
(hospitais, escolas, etc.), ou fazê-lo através de empresas privadas contratadas
ou subvencionadas, ou seja, terceirizar? Gestão pública por resultados se insere
entre as obras mais inteligentes e úteis para a focalização desse tema. A autora,
Sylvie Trosa, tem larga experiência internacional no assunto: começando na
universidade e no governo da França, seu país natal, ela trabalhou em diversos
governos na Europa e além-mar como assessora em reformas do sistema de
administração pública.
A excelência dos serviços públicos 69

CÂMARA DA REFORMA DO ESTADO – PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA.


Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Brasília, 1995.
O Plano Diretor da Reforma do Estado foi elaborado pelo Ministério da
Administração Federal e da Reforma do Estado e, depois de ampla discussão,
aprovado pela Câmara da Reforma do Estado em sua reunião de 21 de setembro
de 1995. Em seguida, foi submetido ao presidente da República, que o aprovou. O
Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado definiu objetivos e estabeleceu
diretrizes para a reforma da administração pública brasileira, instrumento
indispensável para consolidar a estabilização e assegurar o crescimento
sustentado da economia.
6

A gestão de pessoas
nas organizações
Os modelos tradicionais de gestão de pessoas são cada vez mais inadequados
para enfrentar as novas necessidades e expectativas das organizações públicas
modernas. Aqueles velhos princípios da administração científica, baseados
no controle e na unidimensionalidade da pessoa, não são mais adequados. A
globalização, a complexidade, a imprevisibilidade levaram à maior flexibilidade
e mudança rápida de sistemas e referências.
Segundo estudos da União Europeia, a moderna Gestão de Recursos
Humanos (GRH) relaciona-se fortemente com a visão, a missão e os objetivos
operacionais da organização. Os seguintes elementos da política e estratégia
de GRH são características importantes e a diferenciam da administração de
pessoal tradicional:
1. os empregados são considerados os recursos mais valiosos da
organização;
2. a GRH é uma responsabilidade direta dos gestores de linha e está
intimamente ligada à gestão de desempenho;
3. a GRH baseia-se em valores, fortalecendo o compromisso com a missão
e os valores da organização;
4. a GRH pauta-se por políticas expressas e documentadas;
72 A gestão de pessoas nas organizações

5. a GRH acredita que os empregados compartilham os mesmos interesses


que os empregadores;
6. a GRH é estratégica, na medida em que busca identificar as áreas críticas
para o desenvolvimento e o sucesso da organização;
7. a GRH é guiada pelos objetivos e seu acompanhamento;
8. a GRH é orientada processualmente;
9. a avaliação do desempenho gera a melhoria contínua.

O foco da gestão de pessoal não é mais só o controle. Agora é mais importante


o desenvolvimento de posturas ativas e empreendedoras. Além disso, as pessoas
ganharam mais importância na estratégia de negócios. Surgiu inclusive na
literatura a expressão “capital humano”, tão importante quanto as outras formas
de capital.
A gestão de pessoas também teve que mudar para acompanhar este esforço.
Ela ficou mais integrada com a estratégia organizacional como um todo. O
alinhamento com as diretrizes da alta direção ficou mais evidente. Os antigos
“departamentos de pessoal” estão começando a dar lugar para centros integrados
de gestão, que são ao mesmo tempo suporte administrativo, órgãos de controle
e normatização e centros de desenvolvimento de pessoas. A gestão integral de
pessoal é sempre uma combinação de efetividade organizacional e qualidade
de vida no trabalho.
Atualmente, a gestão de pessoas está centrada nas competências essenciais
entendidas como capacidades para realizar e desempenhar as tarefas com
eficiência e eficácia. No início as competências se limitavam a um “estoque de
qualidades”. Com a evolução do conceito a competência é entendida dentro
de certo contexto. Conforme mudam os ambientes, também mudam as
competências essenciais.
Assim, as competências são a combinação sinérgica de conhecimentos,
habilidades e atitudes, que se desenvolvem no ambiente e no contexto
organizacional e que agregam valor às pessoas e às organizações. Os indivíduos
mobilizam recursos e insumos para desenvolver competências.
A gestão de pessoas nas organizações 73

As competências podem ser identificadas nos times e nas organizações.


As grandes empresas possuem competências distintas que as caracterizam no
mercado. Por exemplo, a capacidade de miniaturização de componentes dos
fabricantes japoneses de eletrônicos ou o design da indústria do vestuário italiana.
Estas competências organizacionais não são o mero somatório de qualidades
individuais.
O ambiente institucional é capaz de produzir e manter novas competências.
No setor público também temos competências organizacionais? É claro que
sim. É comum reconhecermos diferentes distinções de desempenho entre
órgãos públicos pela demonstração repetida de sinais positivos. A competência
profissional será sempre uma combinação virtuosa de conhecimentos, atitudes
e habilidades.
A gestão de competências começa alinhando as competências existentes
com aquelas demandadas pela missão e visão de futuro da organização. O gap
identificado entre um nível e outro é a base para construção e execução do
programa de desenvolvimento de pessoas. Com o passar do tempo surgem
novas competências, porque a missão da organização muda. Outras se tornam
obsoletas.
A seguir, um quadro-resumo das principais dimensões da gestão de
pessoal. Todos eles são, de uma forma ou outra, influenciados pela gestão de
competências.
74 A gestão de pessoas nas organizações

Quadro 7 – Gestão de Pessoas


Quem deve trabalhar na organização:
Agregando pessoas • Recrutamento de pessoal
• Seleção de pessoal
O que as pessoas deverão fazer:
Aplicando pessoas • Desenhos de cargos
• Avaliação do desempenho
Como recompensar as pessoas:
Recompensando
• Recompensas e remuneração
Moderna pessoas
• Benefícios e serviços
gestão
de Como desenvolver as pessoas:
Desenvolvendo • Treinamento e desenvolvimento
pessoas
pessoas • Programas de mudanças
• Programas de comunicações
Como manter as pessoas no trabalho:
Mantendo pessoas • Política de benefícios e serviços
• Adequação das competências
Como saber o que fazem e o que são:
Monitorando pessoas • Sistema de informação gerencial
• Banco de dados

6.1 As várias dimensões da liderança e do papel


do dirigente público
Há várias compreensões do que é o fenômeno da liderança na organização
moderna. É a capacidade de conduzir, de influenciar pessoas, exercida através
da comunicação humana. Pode ser uma liderança autocrática, liberal ou
democrática. O fato é que hoje em dia não há mais espaço para o dirigente
público ou o executivo que se limita a dar ordens. O novo líder que o mundo
contemporâneo, complexo e heterogêneo está a exigir é o líder como facilitador,
como mentor, como desenvolvedor de pessoas.
Ele deve ser capaz de estimular o autodesenvolvimento dos funcionários
e das equipes. Ele conduz a organização pelo exemplo de conduta e atitudes e
não só pelo que fala ou diz.
Algumas abordagens atribuem a liderança a fatores inatos. Como se alguns
tivessem nascido para serem “grandes homens” ou “grandes mulheres” com
dotes e atributos de genialidade. Estes autores dizem que traços do caráter ou
A gestão de pessoas nas organizações 75

da personalidade poderiam explicar por que alguns se tornam líderes e outros


não. É fato que a personalidade dos indivíduos depende das normas e regras
formais e informais da organização. Um traço de personalidade, por exemplo, a
capacidade de inovação, pode não ser valorizado numa organização cuja cultura
é aversa a assumir riscos e vice-versa.
E esta interação acontece e muda em cada ambiente específico. Conforme
o ambiente, o estilo pode ser do tipo mais determinativo, ou persuasivo, ou de
compartilhamento e delegação. Nesta ótica os fatores importantes para conduzir
a uma situação de liderança seriam:
• características do líder e dos empregados;
• clima organizacional;
• natureza da tarefa a ser executada;
• pressões sobre o grupo de trabalho.

Ou seja, a liderança é uma condição que depende muito mais da interação


entre pessoas do que de habilidades do líder. A disposição dos subordinados
para serem liderados é uma das condições-chave. A situação faz o líder. Ou seja,
o principal traço do líder deveria ser a sua capacidade de adaptação, seja ele
orientado para a tarefa ou orientado para o relacionamento, para as pessoas.
A reação dos subordinados, por exemplo, é uma variável complexa. Uma
primeira questão é saber se os subordinados compreendem como atingir os
objetivos propostos pelo líder. Outro problema é a expectativa do líder sobre o
desempenho dos liderados. A virtude do líder seria neste contexto fazer com
que sua equipe acredite que os objetivos são viáveis, que o esforço não será em
vão. Esta abordagem, também conhecida como “caminho-meta”, nos diz que o
líder tem que ter quatro tipos de comportamentos, com mais ou menos ênfase,
dependendo da situação.
• Diretivo – o líder fornece diretrizes específicas aos subordinados
sobre como eles realizam suas tarefas. O líder deve fixar padrões de
desempenho e dar expectativas explícitas de desempenho.
• Prestativo – o líder deve demonstrar interesse pelo bem-estar dos
subordinados e se mostrar acessível a eles como indivíduos.
76 A gestão de pessoas nas organizações

• Participativo – o líder deve solicitar ideias e sugestões dos subordinados


e incentivar sua participação em decisões que os afetam diretamente.
• Orientado para realização – o líder deve fixar objetivos desafiadores,
enfatizar melhoras no desempenho do trabalho e encorajar altos níveis
de realização de objetivos.

A liderança é a base da função dirigente numa gestão pública inovadora.


A liderança define-se por uma capacidade que gera confiança e persuasão
necessárias para o alcance dos objetivos definidos. Alguns autores sinalizam
que a liderança seria relacionada à faculdade de alguns indivíduos em ter
carisma.
Entretanto, sabemos que além do carisma há características adquiridas,
que podem ser obtidas por capacitação. Além disso, há um componente social
importante relacionado ao prestígio social dos indivíduos, ao reconhecimento
que possuem no grupo em que participam e atuam.
Há elementos não totalmente racionais que influenciam a liderança como
uma competência essencial. Daniel Goleman, por exemplo, teorizou sobre a
importância dos lideres terem inteligência emocional. Para ele os líderes devem
ter uma alta inteligência emocional para um efetivo exercício da liderança. Este
autor analisou 188 grandes empresas e organizações e agrupou as capacidades
em três grandes modelos diferentes:
(a) habilidades predominantemente técnicas, como a capacidade de
planejamento estratégico e a gestão financeira;
(b) habilidades cognitivas, como a capacidade de raciocínio analítico;
(c) habilidades complementadas pela inteligência emocional, entendida
como capacidade de empatia, capacidade de trabalho em grupo, ser
eficaz na gestão da mudança e outras.

Goleman comprovou que 90% das diferenças de desempenho entre os


indivíduos se deviam a dotações diferenciadas de inteligência emocional.
A gestão de pessoas nas organizações 77

Ele compactou os traços deste tipo de inteligência em cinco grandes


componentes:
1. autoconsciência e autocontrole;
2. autoavaliação;
3. motivação;
4. empatia;
5. atitudes sociais.

A primeira característica diz respeito à capacidade que os líderes têm de


autoaprendizagem, de conhecimento de seus próprios limites e fraquezas. E
limites não só técnicos ou racionais, mas emocionais e afetivos. O líder que
conhece seus limites tem mais honestidade consigo mesmo, não comete erros por
excesso de autoconfiança. É mais tolerante e aberto às críticas e ao diálogo com
subordinados e superiores. O autocontrole é produto do autoconhecimento.
As atitudes sociais significam um tipo de postura atenta para o que acontece
com os cidadãos e com a sociedade. Também significa uma aptidão para
a sociabilidade, para os relacionamentos mais amplos com grupos, seja de
subordinados, colegas ou da sociedade. Pode ser vista como a habilidade do
líder em criar redes de relacionamento.
Um líder efetivo começa por ter ideias. Para isso deve estar atento o tempo
inteiro a novas oportunidades, novas formas de agregar valor ao serviço público,
com mais qualidade e menor custo para a sociedade. Ideia sobre como tornar
mais acessível os bens públicos, mais universal e com mais equidade. As ideias
novas podem impactar de forma profunda e estrutural, quando mudam a forma
de pensar sobre um tema. Ou podem ser ideias incrementais quando melhoram
a produção de um serviço ou um processo administrativo.
Os valores que o líder tem devem ser vividos. Valores que devem espelhar
a ética e a moral da organização. Se não vivemos estes valores no cotidiano é
porque, na prática, não acreditamos neles. Energia positiva é outra característica
da liderança inovadora. Ela não é só uma energia emocional, mas também uma
energia física. A liderança deve ser capaz de difundir entusiasmo na equipe com
sua energia.
78 A gestão de pessoas nas organizações

Uma das habilidades mais requeridas para a gestão inovadora é a capacidade


de lidar com o estresse. Uma organização pública é uma fonte inesgotável
de problemas e temas complexos. Muitas vezes, a falta de um sistema de
planejamento e gestão que funcione a contento pode sobrecarregar a agenda
do dirigente. A situação começa a se tornar grave quando a agenda fica
sobrecarregada de problemas de rotina, impedindo que o dirigente se dedique
aos trabalhos criativos de sua responsabilidade.
A gestão do tempo é um problema crítico de estresse na organização. Saber
inovar na gestão implica tratar o tempo com o máximo de cuidado. O tempo é
inelástico, um recurso que não pode ser substituído por outro. E, normalmente,
quando percebemos que ele está faltando, é porque algo já deu errado antes, ou
no planejamento das atividades ou na sua execução. Quase nunca se trata de
aumentar a carga de trabalho, mas de conseguir os resultados desejados.
A primeira coisa a fazer é distinguir o urgente do importante, para se dedicar
ao que realmente faz diferença para obtenção dos resultados e cumprimento
das metas acordadas. Por exemplo, se aplicarmos o princípio de Pareto, que
identifica a maioria dos problemas num conjunto pequeno de causas, veremos
que, grosso modo, em 20% do gasto de tempo, acabamos produzindo 80% dos
resultados.
A gestão do tempo numa organização pública deve ser aplicada
permanentemente, mas em algumas situações o gestor deve prestar muita
atenção:
1. a realização de reuniões: reuniões que não são preparadas e cujos
objetivos são vagos são verdadeiras “devoradoras de tempo”;
2. receber visitas também é outro problema, se não adotamos um tom
formal, e, se não planejadas, podem gerar problemas na agenda;
3. processos internos de comunicação: se somarmos o tempo gasto na
comunicação interna por e-mail, telefone ou pessoalmente, veremos
que muito tempo é perdido pela comunicação ineficaz, por ruídos ou
mal-entendidos desnecessários.

Assim, vemos que as habilidades humanas para os dirigentes e líderes nas


organizações públicas mudaram radicalmente nos últimos dez a quinze anos.
A gestão de pessoas nas organizações 79

A mudança de paradigma para um estilo mais gerencial, voltado a resultados


e uma maior transparência e cobrança da sociedade organizada, impôs novas
competências, atitudes e conhecimentos.
O redesenho da administração pública criou novas formas organizativas.
Estas formas são marcadas pela descentralização, pelo princípio da
complementaridade, da responsabilidade e pelo controle de processos.
Uma nova governança começa lentamente a ser construída. A maior
flexibilidade e descentralização dos serviços públicos gera novas demandas por
universalização do Estado. O governo criou novas formas de administração
em redes e gestões coordenadas por vários atores simultaneamente. As formas
burocráticas do paradigma industrial se combinam com formas gerenciais de
uma fase intensiva em conhecimento e aprendizagem, da era pós-industrial.
Por fim, a nova organização pública é mais transparente, exige mais ética
pública, há muito mais participação nos negócios do Estado. A democracia
consolida-se como o regime mais adequado ao desenvolvimento da sociedade
e do Estado. Longe de ser perfeita, mas permitindo reinventar-se a cada crise,
a cada impasse. E não são poucos os impasses da vida democrática. Novas
disciplinas estão surgindo, como o marketing público, a agregação de valor
público e outras terminologias que tentam capturar as novas mudanças.
A gestão inovadora exige mais do que administradores eficazes, exige líderes
com visão. Visão de futuro é uma imagem desejável e possível para a organização.
Uma imagem que tenha capacidade de mobilização coletiva, de deslocamento da
zona de conforto onde as pessoas normalmente estão. Podemos ter uma visão
da organização como um todo ou de um projeto isolado ou departamento. O
que importa é esforçar-se mentalmente e imaginar com criatividade como os
processos poderiam funcionar melhor, como poderíamos atender melhor nosso
cidadão-usuário de serviços públicos com mais qualidade e menor custo.
Mais uma vez a questão do poder na organização é parte do processo de
liderança. O poder pode ter várias fontes. Pode ser um poder legítimo, derivado
do direito ou da autoridade estabelecida. Pode ser um poder sobre recompensas
que valorizam ou não o trabalho e as pessoas. Pode ser um poder de coerção
que controla e pune os desvios. Pode ser um poder que vem da admiração, da
referência ou estima pessoal que os outros têm pelo líder. Pode ser um poder
que vem da competência técnica e profissional. Enfim, o poder pode ter várias
80 A gestão de pessoas nas organizações

fontes e na prática é uma combinação variável de cada uma delas. O fato é que
uma atitude de liderança implica acumular recursos de poder sobre as equipes
e as organizações.

6.2 O comportamento na organização


Entender o comportamento da organização é hoje um grande desafio e
um grande problema na vida das empresas, sejam elas públicas ou privadas.
Simplesmente porque a quantidade de fatores que influenciam as atitudes das
pessoas é tão grande, variada e imprevisível que o trabalho de gestão motivacional
se tornou, em parte, um exercício de tentativa e erro.
A palavra motivação vem do latim motivus e movere, que significa um
deslocamento, uma movimentação. Daí que a motivação pode ser entendida
com a força e o impulso, o empurrão, que nos faz movimentar, que nos desloca
de uma posição para outra.
Há várias teorias e modelos que tentam explicar por que as pessoas se
motivam ou perdem motivação numa organização. Uma abordagem já bem
conhecida é aquela do psicólogo Abraham Maslow. Ele criou a conhecida
“hierarquia de necessidades” também chamada de “pirâmide de Maslow”. Ela
tem uma lógica biológica ou natural. A motivação segue uma linha crescente
de realização ou plenitude. Tudo começa com a satisfação das necessidades
fisiológicas, como a alimentação e o abrigo. O segundo passo é a segurança e a
busca de proteção. O terceiro são necessidades sociais como a participação e a
aceitação dentro do grupo. O quarto degrau são as necessidades de estima, de
reconhecimento, aprovação, status e prestígio.
Por fim, o quinto e último grau de motivação é dado pela necessidade de
satisfação da autorrealização. Maslow não explica bem o que vem a ser isso,
mas podemos entender como a realização do potencial de autodesenvolvimento
contínuo do ser humano. Diferentes pessoas podem se sentir motivadas em
diferentes degraus da pirâmide, não é necessariamente um caminho de passagem
obrigatória para todos.
A gestão de pessoas nas organizações 81

6.3 A cultura organizacional


Um fator intimamente ligado ao clima nas organizações é o tema da cultura
organizacional. Este assunto foi muito valorizado nos anos 70 e 80 para tentar
explicar por que o Japão, um país pequeno, quase sem recursos naturais e
derrotado na última Grande Guerra, tornou-se uma potência mundial. A cultura
depende de muitas variáveis: a história da organização, os pontos marcantes de
sua trajetória, como são socializados os novos membros, as políticas de recursos
humanos, o processo de comunicação e de trabalho, etc.
A cultura, no fundo, é o padrão de desenvolvimento que se reflete nos valores,
na ideologia, nos ritos e na autoimagem da organização. Podemos inclusive
adotar metáforas para entender a cultura. Um pesquisador, chamado Morgan,
por exemplo, utilizou este recurso para entender a cultura organizacional.
Haveria organizações como máquinas, como organismos, como cérebros,
como sistemas políticos, por exemplo. Cada uma com características e ritmos
próprios.
A cultura organizacional seria um sistema simbólico, como é a arte, os mitos
ou a linguagem. É um grande e complexo instrumento de comunicação entre
pessoas e grupos que permite a elaboração de consensos, o nivelamento de
expectativas e a homogeneização de valores. Neste sentido, a cultura de uma
empresa, organização ou departamento é um poderoso fator de legitimação da
ordem vigente. Não é por outra razão que as mudanças culturais são as mais
prolongadas e difíceis, embora não impossíveis, como demonstram os casos de
várias organizações públicas e privadas.
A cultura na organização não deve, entretanto, ser concebida com um molde
que produz condutas e comportamento sempre idênticos e uniformes. Devemos
entender os processos culturais como um conjunto de regras do jogo. Estas regras
permitem que as pessoas atribuam significados às ações e eventos, em função
dos quais infinitas partidas são jogadas.
A cultura é então um sistema de conhecimentos e crenças compartilhados.
Mas também é o conjunto de signos, de símbolos. Neste sentido, os fundadores
da organização, aqueles que a conceberam e a desenvolveram no início, têm um
papel-chave na explicação dos valores culturais.
82 A gestão de pessoas nas organizações

A cultura pode ser vista também como um sistema de valores compartilhados


pelos membros que diferencia a organização. Ele seria formado por um conjunto
de características-chave que a organização valoriza, que capturam sua essência
e natureza mais profunda. Para Robbins estes fatores seriam:
• inovação e assunção de riscos: o grau em que os funcionários são
estimulados a inovar e a assumir riscos;
• atenção aos detalhes: o grau em que se espera que os funcionários
demonstrem precisão, análise e atenção aos detalhes;
• orientação para os resultados: o grau em que os dirigentes focam mais
nos resultados do que as técnicas e os processos empregados para o seu
alcance;
• orientação para as pessoas: o grau em que as decisões dos dirigentes
levam em consideração o efeito dos resultados sobre as pessoas dentro
da organização;
• orientação para a equipe: o grau em que as atividades de trabalho são
mais organizadas em termos de equipes do que de indivíduos;
• agressividade: o grau em que as pessoas são competitivas e agressivas,
em vez de dóceis e acomodadas;
• estabilidade: o grau em que as atividades organizacionais enfatizam a
manutenção do status quo em contraste com o crescimento.

Uma cultura forte e bem estruturada é um desafio para a gestão inovadora.


Mas em alguns casos ela pode tornar-se fonte de problemas. Uma cultura que
não é permeável ao contato com outras organizações pode criar dificuldades
para a tolerância e aceitação de valores diferentes. Se ela não for flexível, haverá
sempre muita dificuldade e estresse para a mudança, que é sempre necessária.
Muitas vezes, as culturas se fecham sobre si mesmas; não é incomum no nosso
dia a dia entrarmos em contato com pessoas que usam jargões técnicos e palavras
cifradas. Os códigos de linguagem são elementos essenciais das culturas, mas
seu uso pode denotar arrogância e sentimento de superioridade, prejudicando
a interação com outras organizações.
A cultura no setor público varia de órgão para órgão, mas em geral é
marcada pela burocracia, pelo autoritarismo centralizador, pelo clientelismo e
A gestão de pessoas nas organizações 83

paternalismo e pela descontinuidade administrativa e pela baixa legitimidade


da ingerência política. Estas características influenciam o modo como o setor
público produz – ou não – os resultados. Neste ambiente os funcionários
são vistos como aéticos e apáticos, precisando de controle a priori, de forma
permanente.

6.4 Trabalhando em equipes


Um dos aspectos mais distintivos da gestão inovadora de pessoas é o trabalho
em equipe. Com diferentes nomes... times, equipes, comitês ou comissões, não
há mais espaço para o trabalho solitário e individualista. A própria natureza
coletiva das equipes parece ser uma condição necessária para que as qualidades
individuais possam se desenvolver na sua plenitude.
Os grupos de trabalho se constituem de padrões complexos de relações
que são dinâmicas entre os seus membros e que têm sempre um propósito em
comum. Os grupos criam identidades, uma autoimagem que lhes dá coerência
interna e consistência, diante de si mesmos e de outros grupos, dentro e fora
da organização. A estabilidade do grupo depende de quanto suas regras de
funcionamento e sua cultura interna conseguem garantir o equilíbrio frente às
mudanças, internas e externas.
Muitos autores diferenciam grupos de equipes. Grupos são pessoas que por
algum motivo externo estão temporariamente juntas. Pode ser um departamento
dentro da organização. Nos grupos o esforço individual é determinante. Já nos
grupos o esforço individual só tem sentido no contexto do esforço coletivo. O
grupo tem objetivos comuns e dura enquanto estes objetivos durarem.
A responsabilidade é outra diferença entre grupos e equipes. Nos grupos, ao
contrário das equipes, a responsabilidade individual só tem sentido e se completa
na responsabilidade do grupo, se o grupo vence, todos vencem. Assim, o esforço
do gestor inovador é o de transformar os grupos em verdadeiras equipes ou
times orientados para os resultados desejados.
É evidente que estes passos não são lineares, os grupos reais vão e voltam
nestes passos, tomam atalhos e muitos mesmos podem desaparecer antes de
atingir sua plenitude. As competências gerenciais mais valorizadas para o
trabalho em equipe são a capacidade de negociação, construção de consensos
84 A gestão de pessoas nas organizações

e liderança coletiva. Um dos elementos essenciais à vida dos grupos é a


comunicação. É por isso que as habilidades de comunicar, de se fazer entender
e de escutar são tão importantes. A capacidade de escuta é sobretudo um traço
do líder. Liderar é saber escutar a equipe.

6.5 As estruturas organizacionais


Uma organização sempre tem estruturas formais e estruturas informais. A
estrutura informal é composta pela rede de relações sociais e pessoais derivadas
da estrutura formal. Ela surge da interação normal das pessoas que surge no dia
a dia da organização, com o contato entre as pessoas. A estrutura formal, por sua
vez, é aquela que é intencionalmente planejada e concebida, ela é materializada
no organograma.
Na estrutura informal é onde surgem e desaparecem líderes e equipes de
trabalho.
Muitas vezes, estas relações são mais importantes do que o próprio
organograma, especialmente quando os projetos ou ações continuadas
das organizações tiverem um caráter transversal ou interdepartamental. O
grande desafio é a integração das duas estruturas e harmonização de seu
funcionamento.
Uma estrutura organizacional é o conjunto ordenado de responsabilidades,
autoridades, comunicações e decisões das unidades organizacionais. Esta
definição vale tanto para uma empresa quanto para uma organização pública. Nas
estruturas os organogramas devem representar sempre os órgãos componentes,
as funções desenvolvidas pelos órgãos, as vinculações e interdependências entres
eles e os vários níveis administrativos e hierárquicos existentes.
Toda estrutura tem um sistema de responsabilidade definido. Este sistema é o
resultado da alocação de atividades e é constituído pelos diversos departamentos,
pelas ações de linha, isto é, da atividade-fim, e por funções especializadas. O
sistema de autoridade, por sua vez é o resultado direto da distribuição formal e
informal do poder interno na organização.
O sistema de responsabilidade, de autoridade e de comunicações deve
funcionar de forma balanceada e harmônica. Qualquer disfunção entre eles
A gestão de pessoas nas organizações 85

provoca certas patologias organizacionais. Por exemplo, uma organização


cujo sistema de responsabilidade não defina claramente as funções de cada
departamento e a relação entre eles certamente terá problemas de gestão,
ainda que a amplitude administrativa e as comunicações estejam funcionando
conforme as expectativas.

Responsabilidade:
• obrigação de uma pessoa fazer algo para alguém;
• necessidade de prestação de contas pelo trabalho realizado;
• quanto maior a demanda de prestação de contas, maior será a quantidade
de autoridade delegada.

Autoridade:
• o direito de fazer alguma coisa;
• uma ordem, uma referência, um direito, pode ser qualquer coisa que
exerce influência;
• varia conforme o nível hierárquico.

Comunicação:
• rede por onde fluem as informações e o conhecimento;
• pode ser formal se planejada, ou informal se espontânea;
• o fluxo informal pode ser negativo ou positivo para a organização.

Há vários fatores que condicionam o funcionamento da estrutura


organizacional. O primeiro e talvez o mais importante deles seja o fator
humano, as pessoas. As organizações devem se moldar ao tipo de pessoas
necessárias para produzir os resultados desejados. Por exemplo, os sentidos
de hierarquia e comando são necessariamente diferentes numa organização
policial se comparada a uma organização de ensino e pesquisa. Nesta última a
forte hierarquia pode estimular um ambiente de baixa inovação e criatividade,
necessário ao ambiente de pesquisa.
86 A gestão de pessoas nas organizações

Uma série de amarras legais e institucionais, por exemplo, que servem como
proteção do cidadão contra eventuais usos clientelistas do governo, também
criam um efeito colateral de maior rigidez administrativa.
Normalmente, a especialização vertical e horizontal andam juntas. O
tamanho do organograma de uma organização depende do tamanho da
própria organização e da complexidade dos resultados que ela deve produzir.
A departamentalização funcional, a que predomina, é mais indicada quando as
funções da organização mudam muito pouco e suas tarefas são continuadas e
repetitivas. É a mais utilizada no setor público. Quando os departamentos são
organizados por produto ou serviço, há uma facilitação da coordenação interna
e do processo de cooperação entre especialistas.
Um outro tipo de organização é aquele que se forma através de uma
combinação da organização de linha com um staff. Mantém-se a linha de
comando e controle, mas cada órgão em seu nível recebe a assessoria horizontal
de um grupo, chamado de staff. Geralmente, estes órgãos de assessoria prestam
informação especializada, ajudam no processo decisório e fazem o planejamento
e a gestão das determinações superiores.
O quadro a seguir ilustra algumas das principais diferenças entre staff e
linha.

Quadro 8 – Diferenças entre Staff e Linha


Aspectos Linha Staff

Papel principal É quem decide É quem assessora

É quem dá consultoria e
Atuação É quem cuida da execução
assistência
Comando Recomendação
Tipo de atividade Ação Alternativas
Trabalho de campo Trabalho de gabinete
Pela operação e pelos Pelo planejamento e pelas
Responsabilidade
resultados sugestões
Exemplo Gerente de departamento Gerente de staff
A gestão de pessoas nas organizações 87

Uma variação da organização do tipo staff-linha é aquela cuja estrutura


de direção é baseada em um colegiado dirigente. Geralmente é a estrutura de
empresas de grande porte, pouco comum na área pública, exceto nas grandes
empresas públicas que tem conselhos deliberativos.
Neste modelo a decisão é colegiada, isto é, compartilhada por um conjunto
de pessoas hierarquicamente iguais, com mais impessoalidade. Há um
estímulo claro para a formação de um espírito de equipe, ainda que ocorra um
fracionamento da responsabilidade e muitas vezes um processo decisório mais
lento e demorado.
A seguir um quadro-resumo com três tipos de estrutura, a matricial e suas
variações, a funcional e a estrutura por projetos. O quadro compara diferentes
características do gerenciamento de projetos em cada uma delas.

Quadro 9 – Tipos de organizações


Estrutura da Matricial
organização
Por
Funcional
Fraca Balanceada Forte projeto
Características
do projeto
Alta a
Autoridade do Pouca ou Baixa a Moderada
Limitada quase
gerente de projetos nenhuma moderada a alta
total
Alta a
Disponibilidade Pouca ou Baixa a Moderada
Limitada quase
de recursos nenhuma moderada a alta
total
Gerente Gerente
Quem controla o Gerente Gerente
Misto de de
orçamento do projeto funcional funcional
projetos projetos
Função do gerente Tempo Tempo Tempo Tempo Tempo
de projetos parcial parcial integral integral integral
Equipe administrativa
Tempo Tempo Tempo Tempo Tempo
do gerenciamento
parcial parcial parcial integral integral
de projetos
88 A gestão de pessoas nas organizações

Recentemente tem surgido um novo modelo baseado no conceito de


redes. Nos serviços públicos que são altamente descentralizados e o nível de
delegação também é grande há um conjunto de organizações trabalhando
coordenadamente. Se os problemas de coordenação e transação forem resolvidos
a um baixo custo e houver claros incentivos para a cooperação entre as partes,
estas estruturas apresentam muitas vantagens. A principal delas são os ganhos
de flexibilidade e adaptabilidade.
A orientação para processos é uma lógica mais voltada para resultados e
projetos, e menos voltada para hierarquias e departamentos com fronteiras
limitadas e funcionários especializados. Um processo é todo conjunto de
eventos que mobilizam recursos e geram resultados. Assim teríamos o processo
de gestão de pessoas, o processo de administração financeira, o processo de
compras e aquisições, etc. Mas os projetos também podem ser considerados
um conjunto harmônico e coerente de processos com início, meio e fim. Assim
tudo o que acontece na organização pode ser visto como um ou mais processos
interdependentes.
É um enfoque mais orgânico, que facilita o engajamento dos funcionários
nos resultados, pois tem a visão dos processos inteiros e não mais das funções
que fragmentam. Por exemplo, ao analisar o processo de aquisições numa
organização, temos várias funções no modelo original. A função vinculada à
demanda de um bem ou serviço, geralmente ligada à área fim da organização,
digamos, a compra de material cirúrgico para um hospital. Ainda temos a
função de compras ou licitações que organiza o processo de compra, a função
financeira que libera os recursos, a função de controle patrimonial e assim por
diante. Numa visão de processos teríamos somente o processo de compras e
aquisições com seus vários momentos ou fases interdependentes.

Questões
1. Porque a chamada “gestão de competências” é mais adequada ao estilo
gerencial de administração? Justifique sua resposta.
2. Como deve ser a estrutura organizacional nas organizações públicas
inovadoras?
3. Na sua visão a liderança é importante para a gestão inovadora?
Justifique.
A gestão de pessoas nas organizações 89

Referências comentadas
CHIAVENATO, Idalberto. Administração Geral e Pública. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2006.
Este livro foi elaborado originalmente para auxiliar os estudantes de nível
superior nos concursos públicos relacionados às carreiras federais que são muito
exigentes na área da gestão pública. Na verdade, o livro adquiriu uma densidade
e uma abrangência ímpares na literatura disponível. Inicia comentando as
escolas clássicas da administração para em seguida entrar nos assuntos típicos
da gestão pública: processo administrativo, gestão de pessoas, comportamento
organizacional até as novas abordagens da recente reforma gerencial. É
indispensável para quem quiser se aprofundar no assunto.

CHIAVENATO, Idalberto. Recursos Humanos: o capital humano das


organizações. São Paulo: Atlas, 2006.
Obra moderna e atualizada sobre a administração das pessoas nas
organizações: Recursos Humanos, Gestão de Talentos, Capital Humano, Capital
Intelectual ou qualquer outra denominação que receba. Trata-se de um livro
inovador que mostra os novos horizontes e as desafiadoras tendências que
se abrem para o novo milênio. Escrito por uma das maiores autoridades no
assunto, apresenta mais de 500 citações de empresas de primeira linha para
oferecer exemplos de casos bem-sucedidos e aplicações práticas dos conceitos
apresentados.

ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO


ECONÔMICO. Liderança e Setor Público no Século 21: Governança. Brasília:
MP, SEGES, 2002.
A liderança tem sido crescentemente considerada como um dos elementos
essenciais da boa governança pública. Líderes no setor público precisam saber
mobilizar as pessoas por meio de valores e visões; persuadi-las e fazer convergir
seus esforços para uma causa comum. Disso depende o desenvolvimento de
uma administração pública eficiente, com foco em resultados, orientada para
a prestação de serviços de qualidade para o usuário e bem organizada. Esta
publicação tem por objeto explorar as tendências gerais de formação de líderes
90 A gestão de pessoas nas organizações

que podem ser inferidas a partir das experiências de países-membros da OCDE.


Além disso, contém estudos de casos específicos: Reino Unido, Estados Unidos,
Alemanha, Suécia, Noruega e México, nos quais são apresentados o arcabouço
conceitual dos programas de formação de lideranças em desenvolvimento bem
como informações sobre a organização do quadro de pessoal desses países.

BENGTSON, Björn; JÄRVSTRAND, Göran. Introdução à Gestão de Recursos


Humanos: texto de referência para a área temática de gestão de pessoas.
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria de Recursos
Humanos. Brasília: MP, 2006.
Este texto faz parte de um projeto do Ministério do Planejamento
chamado “EU-Brasil” de intercâmbio com a Comunidade Europeia sobre
temas de planejamento e administração pública. No âmbito da componente
“Fortalecimento da Administração Pública” e da área temática “Gestão de
Pessoas” do Projeto, em parceria com a Secretaria de Recursos Humanos do
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (SRH/MP), o texto subsidiou
a oficina “Tendências Internacionais no Campo da Gestão de Pessoas no Setor
Público”. Esta publicação foi baseada no texto “Introdução à Gestão de Recursos
Humanos”, de autoria de Björn Bengtson e Göran Järvstrand, precedido de um
texto introdutório ao contexto federal brasileiro de administração de recursos
humanos, elaborado pelo corpo técnico da SRH/MP.
7

Metodologias de gestão inovadora


Este capítulo se diferencia dos demais pela sua natureza eminentemente
prática e aplicada. A gestão inovadora não acontece sem o uso adequado e
pertinente de metodologias, ferramentas e técnicas de gestão. Das mais simples
às mais complexas, as técnicas aqui apresentadas possibilitam a visão de um
panorama geral da área. Não há a pretensão de que você se torne um expert
em poucas horas, mas é importante que o gestor público, o aluno e até mesmo
o estudioso do assunto tenha clareza de que existem múltiplos instrumentos,
para múltiplos contextos.
Aqui apresentamos técnicas mais amplas de organização da gestão como
um todo, passando por métodos de planejamento simples e mais complexos
até técnicas mais singelas de organização de reuniões, por exemplo. Todos os
métodos são tijolos ou peças de um quebra-cabeça que você deve manejar com
cuidado, em cada situação, fazendo as adaptações necessárias.
Aqui vamos abordar diversos tópicos e ver as seguintes metodologias ou
técnicas de gestão.
• Plano de Melhoria da Gestão do Ministério do Planejamento;
• a metodologia de planejamento “Método do Quadro Lógico” (MQL);
• a metodologia do Planejamento de Projeto Orientado pelos Objetivos
(ZOPP);
• o Método de Análise e Solução de Problemas – MASP e o PDCA;
92 Metodologias de gestão inovadora

• a metodologia do “5W2H” e a metodologia “SWOT”;


• monitoramento e avaliação das ações de gestão;
• reengenharia e análise de processos;
• facilitação de grupos e técnicas de moderação;
• organizando reuniões.

7.1 Organizando o planejamento gerencial


Apresentamos aqui um conjunto de recomendações ou um repertório para
a melhoria da gestão organizacional. Ele é baseado na valiosa contribuição do
Ministério do Planejamento, elaborada em 2004, no âmbito da melhoria da
qualidade da gestão das organizações federais. Como técnica e ferramentas
elas têm validade universal, desde que adaptadas em cada contexto concreto de
aplicação. A seguir vamos apresentar a metodologia como ela foi originalmente
elaborada.
Segundo o Ministério do Planejamento, o Plano de Melhoria da Gestão –
PMG é o instrumento de gestão, constituído de um conjunto de metas e ações
estabelecidas a partir do processo de autoavaliação da gestão da organização,
com vistas a transformar a sua ação gerencial e melhorar o seu desempenho
institucional. A avaliação da gestão pode ser considerada uma visão panorâmica
da organização sobre o seu sistema de gestão. Pode ser comparado a um exame
de rotina que permite aos gestores perceberem onde há problemas, onde há
boas práticas e qual o impacto desse conjunto de práticas sobre o desempenho
da organização.
Por ser um instrumento de gestão, o Plano de Melhoria da Gestão não
depende do planejamento estratégico nem dos planos dele decorrentes, nem
os substitui. Por ser um plano de gestão, pode conter metas de implementação
ou de melhoria do próprio sistema de planejamento estratégico da organização
avaliada. Não se deve esquecer que o planejamento é uma das funções gerenciais,
junto com a organização, a direção, a coordenação e o controle. Portanto, avaliar
e melhorar a gestão é, sob esse enfoque, muito mais que planejar.
O processo de planejamento da melhoria da gestão pode ser realizado
seguindo os momentos descritos a seguir.
Metodologias de gestão inovadora 93

Quadro 10 – Planejamento e Gestão

A priorização das oportunidades de melhoria


O objetivo desta etapa é selecionar um conjunto de oportunidades de
melhoria, dentre as identificadas na autoavaliação, que serão foco das ações
do Plano de Melhoria da Gestão, evitando-se assim a dispersão de recursos. O
principal critério de priorização não necessita de qualquer técnica ou ferramenta,
basta responder à pergunta: “há alguma oportunidade de melhoria identificada
que diga respeito a um problema, melhoria ou inovação que a alta-administração
tem manifestado interesse em resolver ou implementar?”. Se positivo, essa ou
essas oportunidades de melhoria são necessariamente prioritárias.
É importante que a realização da autoavaliação e o planejamento para
a melhoria não interrompam as ações e os projetos em desenvolvimento
na organização. O Plano de Melhoria da Gestão deve ser, nesses casos, um
instrumento de organização das ações e, de preferência, que dê velocidade na
execução e visibilidade aos resultados.
Identificadas as oportunidades de melhoria que respondam a esses dois
critérios, e caso os planejadores decidam incluir outras oportunidades de
94 Metodologias de gestão inovadora

melhoria, pode-se utilizar alguma ferramenta de priorização que poderá


ajudar a dar consistência técnica à escolha, mas, de forma alguma, substituirá a
percepção do que é e não é considerado importante pela organização naquele
momento. Entre uma e outra, deve-se ficar com aquelas oportunidades de
melhoria que representem a preocupação da organização, principalmente da
alta administração.
Dentre essas ferramentas, destacamos a matriz GUT (Gravidade, Urgência
e Tendência). O quadro a seguir apresenta a matriz e seus componentes: a
lista de oportunidade de melhoria a serem priorizadas, os três critérios de
análise: gravidade, urgência e tendência; e a pontuação geral obtida em cada
oportunidade de melhoria analisada.

Quadro 11 – Diagrama “GUT”


Pontos Gravidade Urgência Tendência
Se nada for feito,
Os prejuízos ou
É necessária uma ação haverá um grande e
5 dificuldades são
imediata. imediato agravamento
extremamente graves.
do problema.
Os prejuízos ou Se nada for feito, haverá
É necessária uma ação
3 dificuldades são um agravamento em
o mais cedo possível.
graves. médio prazo.
Os prejuízos ou Se nada for feito, não
Não há pressa para
1 dificuldades não são haverá agravamento,
agir.
graves. podendo até melhorar.

A pontuação de cada oportunidade de melhoria é obtida pela multiplicação


dos pontos (1, 3 ou 5) atribuídos à gravidade, à urgência e à tendência. A coluna
PONTOS indicará a priorização estabelecida, sendo que a oportunidade de
melhoria com maior prioridade será aquela que na opinião dos planejadores
atingir a maior pontuação.
A ordem de priorização não determina necessariamente quais oportunidades
de melhoria serão transformadas em metas no Plano. Os planejadores deverão
estabelecer um ponto de corte, cuidando para não definirem um Plano de
Metodologias de gestão inovadora 95

Melhoria com muitas metas. É bom lembrar que a organização tem suas metas
finalísticas e precisa compartilhar a melhoria da gestão com vistas ao aumento
da capacidade de desempenho.
Vale ressaltar algumas recomendações no momento da priorização das
oportunidades de melhoria:
• resistir à vontade de considerar todas as oportunidades de melhoria
como prioritárias;
• priorizar, pelo menos, uma importância, não se deixar seduzir pelas
urgências;
• identificar objetivamente o principal critério de priorização a ser
utilizado;
• a melhoria da qualidade dos serviços disponibilizados aos cidadãos
deve levar em consideração a eficiência da ação pública com ênfase na
capacidade de fazer o máximo com os recursos disponíveis;
• as atividades finalísticas da organização são preferenciais como estratégia
de atingir mais rapidamente o cidadão-usuário;
• as ferramentas auxiliam, mas não substituem a percepção da organização
sobre si mesma;
• considerar os fatores críticos de sucesso na busca da excelência em
gestão;
• fatores críticos para o sucesso são condições fundamentais que precisam
necessariamente ser satisfeitas para que a instituição ou a estratégia
tenha sucesso, tais como: credibilidade; compromisso e aceitação.

Definição das metas de melhoria


Selecionadas as oportunidades de melhoria, o passo seguinte é transformá-
las em metas. As metas são objetivos quantificados que estabelecem onde
se deseja chegar, o que se quer implementar ou produzir, em quanto tempo.
Nesse contexto, as metas devem se constituir em verdadeiros desafios para a
organização. Não devem ser desafios “alucinados” que a priori já se sabe que não
serão atingidos. Não devem, por outro lado, ser resultados que sem qualquer
esforço a organização os atingirá. Uma boa meta deve representar um tipo de
96 Metodologias de gestão inovadora

esforço adicional, uma ruptura, uma visão ousada, porém atingível, dentro de
um tempo previamente estabelecido:
• formuladas a partir das oportunidades de melhoria (OM);
• quantificadas, portanto, mensuráveis;
• desafiadoras, mas exequíveis.

Essenciais na definição de uma meta são os indicadores que o gestor da meta


vai utilizar para monitorar a sua execução e, principalmente, os seus resultados.
Os indicadores são dados ou informações, preferencialmente numéricos, que
representam um determinado fenômeno e que são utilizados para medir um
processo, nesse caso, uma meta.
As principais características dos indicadores são:
• seletividade – captação dos aspectos, etapas e resultados essenciais ou
críticos da meta;
• simplicidade – coleta e análise de dados simples e direta. Indicadores
expressos através de relações percentuais simples, média aritmética ou
números absolutos;
• disponibilidade – facilidade de se conseguir dados em tempo hábil;
• estabilidade – permanência ao longo do tempo e geração com base
em procedimentos rotinizados e incorporados às atividades do órgão.
Permite série histórica;
• rastreabilidade – passíveis de levantamento regular. Os indicadores
devem ser medidos sistemática e periodicamente e transformados em
gráficos para melhor visualização;
• confiabilidade – consistência (conceitual e metodológica) com
indicadores da mesma natureza;
• comparabilidade – permitem comparações com referenciais.

O quadro a seguir apresenta uma tipologia de indicadores, o mais simples


possível, cujo objetivo é garantir aos formuladores a abrangência necessária à
medição e ao acompanhamento de suas metas.
Metodologias de gestão inovadora 97

Quadro 12 – Tipologia de indicadores


Indicador Eficiência Qualidade
Diz respeito Ao uso dos recursos À satisfação do usuário
Mede A racionalidade A eficácia e o impacto
Tem foco No processo Nos resultados
Indica Como foi feito O que foi feito
Ensina A fazer certo as coisas A fazer as coisas certas

Elaboração do Plano de Melhoria da Gestão – PMG


O conjunto de metas, formuladas a partir das oportunidades de melhoria
(OM) selecionadas, constitui a base do Plano de Melhoria da Gestão – PMG. O
Plano de Melhoria da Gestão é, portanto, a programação – meta a meta – das
ações de melhoria gerencial a serem implementadas.
Um Plano de Melhoria da Gestão deve abordar, no mínimo, os seguintes
itens:
meta – resultado que se deseja alcançar, e em que prazo;
indicadores – informações que permitirão medir e eficiência e eficácia
das ações para o atingimento da meta;
líder – cada meta deve ter um líder, alguém que irá gerenciar o conjunto
de ação da sua meta, mobilizar e inspirar as pessoas na direção do sucesso
da implementação e dos resultados da meta.
Para cada meta deve ser identificado:
• as ações que serão executadas para alcançar a meta;
• o nome dos responsáveis pelas ações da meta;
• onde as ações serão executas;
• quando as ações serão executadas;
• como cada uma das ações serão realizadas (estratégia, técnica, etc.);
• por que essas ações serão desenvolvidas (destacando, quando for
necessária, a principal contribuição da ação para a consecução da
meta);
98 Metodologias de gestão inovadora

• os recursos necessários para a execução de cada ação (aqui


incluídos pessoas, conhecimento, dinheiro, tempo, instalações e,
equipamentos).

Para facilitar a elaboração da programação de cada meta, o Manual sugere a


ferramenta 5W2H, apresentada a seguir, que pode ser utilizada nesse momento
do planejamento.

Quadro 13 – Quadro de planejamento


Ação Líder Prazo Local Estratégia Justificativa Recursos

Definição do sistema de acompanhamento do plano


Esta é a fase do planejamento do controle. A organização deve estabelecer,
em conjunto com os líderes das metas, um mecanismo de acompanhamento
das ações/projetos e de monitoramento do cumprimento parcial das metas, de
maneira a possibilitar eventuais realinhamentos, em tempo hábil e, portanto, em
tempo de execução do plano. Devem ser estabelecidos canais ágeis e eficientes de
comunicação entre os diversos níveis de desdobramento das metas. Importante
lembrar a diferença entre “delegar” e “entregar”. A organização deve delegar às
equipes de melhoria a autoridade pela condução das atividades e resolução dos
eventuais problemas ou dificuldades que possam ocorrer. Mas é vital, para o
sucesso do plano de melhoria, que a alta administração esteja permanentemente
informada do andamento das atividades, podendo interferir para auxiliar ou
corrigir o trabalho das equipes, além de prover assessoria técnica e apoio político,
sempre que necessário.
Metodologias de gestão inovadora 99

Elaboração do plano de comunicação


Um plano de comunicação deve ser elaborado para compartilhar os resultados
da avaliação, o Plano de Melhoria da Gestão e os resultados que advirão da sua
execução. Não se pode falar de gestão participativa e transparente se a prática de
planejar a melhoria da gestão não começar pelo hábito de envolver, comunicar,
de dar a conhecer, de induzir o controle por parte de todos os servidores. O
plano de comunicação é o primeiro passo na implantação de uma “gestão à vista”
que possa ser mais do que mostrada, entendida por todos, ou pelo menos pela
maioria das partes interessadas.

Elaboração do plano de capacitação


Diferentemente de uma gestão normativa e burocrática, a gestão orientada
para resultados prepara e capacita as pessoas em estratégias, métodos e técnicas a
serem utilizadas na execução das ações do plano. Embora as ações de capacitação
continuem ao longo do plano e durante a implementação das novas práticas, é
essencial que haja uma capacitação que preceda o plano que tenha por objeto
o próprio plano. Daí a necessidade de definir, em tempo de planejamento, uma
programação consistente para capacitação das pessoas envolvidas diretamente
na execução do plano, seja no gerenciamento das metas e das ações, seja nos
métodos, ferramentas e técnicas que pretende utilizar para a transformação
gerencial estabelecida pelo conjunto de metas do plano.

7.2 A metodologia de planejamento “Método


do Quadro Lógico” (MQL)
O Quadro Lógico ou Método do Quadro Lógico (MQL) foi desenvolvido
a partir da experiência de cooperação internacional para o desenvolvimento
estabelecida nos anos 60 entre as nações desenvolvidas e o Terceiro Mundo.
Sua origem é a United States Agency for Internationl Development (USAID),
uma agência de cooperação norte-americana. Ela identificou dificuldades
no planejamento dos projetos, falta de clareza para a responsabilização no
gerenciamento e ausência de mecanismos para monitorar a efetividade dos
projetos contratados. A USAID então produziu uma metodologia chamada
100 Metodologias de gestão inovadora

Logical Framework Approach, que foi aprimorada ao longo dos anos de


utilização.
Assim, a matriz do MQL apresenta uma lógica vertical (a leitura das colunas)
baseada na suposição de que determinados recursos aplicados produzirão
resultados que por sua vez constituirão o objetivo do projeto, que contribuirá
para o objetivo superior ou último da organização, o do enfrentamento do
problema do plano, que é uma leitura de baixo para cima. Há também uma
lógica horizontal identificada a partir da relação entre objetivos (superior ou do
projeto), indicadores, fontes de comprovação e suposições importantes.

Quadro 14 – Uma versão simplificada da matriz do MQL


Indicadores Suposições
Fontes de comprovação
objetivos importantes
Means of verification
Indicators Assumptions
Objetivo superior
Goal
Objetivo do Projeto
Purpose
Resultados
Products
Atividades Recursos/Insumos necessários

7.3 O ciclo do projeto no marco lógico


O ciclo do projeto é dividido em (1) identificação, (2) elaboração e (3)
execução e gerenciamento. O ciclo de um projeto representa uma sequência
lógica e progressiva de construção do projeto, cada etapa deve necessariamente
se apoiar nas conclusões e sínteses das etapas anteriores. Dentro do contexto
do planejamento estratégico, a elaboração e a execução do projeto representa
um movimento circular, sem fim, porque a reflexão necessária para desenhar o
projeto deve ser confrontada dialeticamente com a ação resultante da execução
do projeto.
Assim, por exemplo, o movimento de monitoramento e avaliação de
desempenho do projeto alimenta criticamente o diagnóstico de problemas ou
Metodologias de gestão inovadora 101

a análise de recursos disponíveis porque a execução do projeto sempre acontece


em cenários imprevisíveis, em condições de incerteza incapazes de serem
apreendidas pelo planejador no momento de reflexão inicial na elaboração das
ações e atividades do projeto.
Os passos lógicos a seguir são baseados na metodologia do Quadro Lógico
com algumas adaptações.

1) Identificação
Esta é a fase para preparação do projeto, quando são checadas as condições
de possibilidade para sua elaboração e execução. O planejador deve fazer uma
primeira abordagem da situação problemática, investigar os limites institucionais
de atuação, saber se o âmbito de solução do problema está dentro ou fora da
governabilidade imediata do ator que planeja.
O resultado imediato da fase de identificação do projeto é saber se há
viabilidade para o projeto diante da problemática trabalhada no início do
planejamento. O processo de planejamento – no qual o projeto se insere como
peça fundamental – já indicou a identificação de uma situação problemática,
descortinando um fluxograma explicativo para cada problema analisado. A
identificação do projeto é o primeiro “descobrimento” das grandes linhas de ação
para enfrentar o problema; cabe perguntar, portanto, até que ponto o projeto
tem sustentabilidade política, institucional, financeira, etc... Trata-se, pois, de
uma “identificação inicial” de grandes linhas e oportunidades de ação.

2) Elaboração
1º passo: identificar os objetivos do projeto
Uma das maiores fontes de fracassos dos projetos é a possibilidade de leituras
contraditórias sobre os objetivos que o projeto quer alcançar, feitas às vezes por
setores diferentes da mesma organização ou empresa. A precisão e a exatidão das
formulações, portanto, devem ser bastante rigorosas. Um projeto sem objetivos
fica sem foco de atuação, dificulta qualquer processo de monitoramento ou
avaliação de desempenho, não há como medir o grau de sucesso ou fracasso,
nem responsabilizar os responsáveis pela sua execução. Recomenda-se por
102 Metodologias de gestão inovadora

isso definir os objetivos descrevendo-os como se já estivessem materializados,


como, por exemplo: “30 casas construídas” ou “cem famílias beneficiadas com
renda mínima”.
O objetivo superior (a primeira célula da primeira coluna) tem a função
de orientação mais estratégica ou geral ao projeto e à equipe de elaboração/
execução. Normalmente, está relacionado à missão da organização ou à sua
visão de futuro, ou seja, o objetivo superior sempre será uma derivação ou um
sumário das Declarações Estratégicas da organização que planeja.
O objetivo do projeto deve ser visto como o resultado esperado da atuação das
pessoas e organizações para mudança de uma situação problemática e indesejável
previamente explicada e analisada na atividade de planejamento estratégico. Só
há sentido na definição de objetivos do projeto se sabemos quais os problemas
ou aspectos críticos dos problemas, os nós críticos, a serem enfrentados.

2º passo: definir os resultados do projeto


Enquanto o objetivo do projeto é um efeito desejado pelo grupo, mas que
implica variáveis fora da governabilidade imediata do grupo que planeja,
os resultados são obras, serviços, enfim, situações produzidas diretamente
pelo esforço e pela mobilização de recursos da organização. Os resultados
devem contribuir com coerência e consistência lógica para o alcance dos
resultados. Assim, após o debate e a redação final dos resultados esperados, o
grupo de planejamento deve perguntar-se se estes resultados são suficientes
e necessários para atingir os objetivos, deve perguntar-se se a ocorrência das
suposições importantes, os pressupostos, são de fato realizáveis. Da mesma
forma, na relação para baixo, isto é, das atividades a serem desenvolvidas,
deve-se inquirir sobre a relação lógica para alcance dos resultados, formando
uma cadeia coerente de ações.

3º passo: definir as atividades e ações necessárias


Assim como os resultados são situações factíveis de monitoramento e controle
por parte da organização, as atividades representam um conjunto de ações, que
podem implicar custos financeiros ou não, diretamente relacionadas à produção
dos resultados. Um dos objetivos do trabalho com matrizes, como a matriz de
Metodologias de gestão inovadora 103

planejamento do projeto, inspirada no MQL, é viabilizar a participação dos


envolvidos, e para que isso aconteça realmente o processo de comunicação é
variável estratégica. Por isso as atividades não devem ser detalhadas em seus
aspectos mais operacionais, pois isso sobrecarregaria de informações a matriz,
inviabilizando sua leitura e apropriação coletiva. O detalhamento operacional
de cada atividade (quem?, quando?, onde?, quanto custa?, etc.) deverá ser feito
numa etapa posterior e possivelmente descentralizada de planejamento tático
ou operacional.

4º passo: identificar os insumos e recursos necessários


A identificação inicial de recursos e insumos necessários à execução das
atividades programadas deve ser desdobrada no detalhamento operacional.
Ela está presente nesta etapa porque talvez, entre todos os quesitos mais
operacionais, esta pergunta, “que recursos ou insumos são necessários para
executar a atividade?”, seja aquela que mais possibilita um exame realista e
autocrítico sobre os níveis de capacidade de governo e governabilidade da
organização que planeja.

5º passo: definir os indicadores e as fontes de comprovação


Na segunda coluna da matriz de planejamento os indicadores têm uma única
função: permitir o monitoramento do planejamento, da forma mais eficiente e
eficaz possível. Isso significa que dificilmente se pode controlar o desenrolar do
planejamento e eventualmente efetuar correções de percurso se não houver –
previamente – identificação das desconformidades, da efetividade de atividades,
resultados ou objetivos previstos. É por isso que os indicadores (relações
entre variáveis, quantidades ou outra informação) devem ser objetivamente
verificáveis, independentes, o que não é medido não pode ser controlado.
Os resultados devem ter indicadores de acompanhamento ou desempenho,
relacionando o quanto se está progredindo na execução do planejamento em
relação aos recursos e atividades executadas.
Já os objetivos do projeto e objetivo superior exigem indicadores de efeito
e de impacto no caso do objetivo geral, devendo mensurar aquelas mudanças
desejadas pelo projeto. As atividades planejadas no projeto são acompanhadas
104 Metodologias de gestão inovadora

por indicadores operacionais. Os indicadores devem demonstrar claramente o


que se pretende com os objetivos, resultados e atividades, induzem o grupo a
precisar e focalizar melhor a descrição do planejamento.
Por isso devem ser plausíveis (coerência com o alcance das medidas),
independentes e substanciais. Normalmente, o acompanhamento e os efeitos
de um projeto são avaliados pela análise combinada de vários indicadores
simultaneamente. O julgamento sobre o grau de relevância ou sucesso do projeto
é mais ou menos possível conforme a qualidade dos indicadores selecionados.

6º passo: identificar os pressupostos importantes do projeto


Finalmente, o último passo na elaboração do MQL é a identificação dos
fatores importantes para o planejamento, considerados fatores verdadeiros e reais.
Esta etapa, portanto, deve considerar todos os riscos fora da governabilidade
do grupo capazes de atingir os objetivos e resultados esperados. A ideia é que
determinadas suposições devem ocorrer para que cada etapa do projeto seja
bem-sucedida.
Portanto, somente as suposições realmente importantes e necessárias são
consideradas e somente se houver algum risco de que elas não ocorram ou se
concretizem. Se uma suposição externa é importante para alcançar os resultados
ou os objetivos do projeto, mas ao mesmo tempo é improvável que ocorra, então
há uma quebra da lógica do projeto (o planejamento foi mal feito) ou de fato
há um risco externo não perceptível inicialmente que inviabiliza a execução
do projeto.
O objetivo primordial da análise de pressupostos é diminuir a vulnerabilidade
do projeto diante de eventuais erros de avaliação ou inconsistência, relacionada,
por exemplo, à percepção das forças sociais, à conjuntura na qual o projeto será
desenvolvido ou às próprias forças e fraquezas da organização que planeja.
Na lógica horizontal do MQL as atividades e as respectivas suposições devem
conduzir aos resultados esperados, assim como os resultados e suas suposições
(ou pressupostos) devem conduzir aos objetivos desejados.
Metodologias de gestão inovadora 105

3) Execução e gerenciamento do projeto


A matriz de planejamento no ciclo do projeto a partir do enfoque do MQL
não é uma construção estática, acabada ou preenchida mecanicamente, ela evolui
na medida em que o próprio projeto é executado e replanejado. Neste sentido,
a execução e o gerenciamento do projeto se confundem com o momento da
gestão do plano, pois vários projetos são executados simultaneamente, gerando
sinergias positivas (ou pontualmente negativas), situações novas e imprevistas
para o gesto público.
É no momento da ação que tudo se decide, e para isso o Método do Quadro
Lógico é uma ferramenta potente de trabalho para monitorar e gerenciar o
projeto, mas é insuficiente para responder a todos os desafios da gestão pública
ou de projetos sociais. O primeiro passo após a elaboração da matriz geral do
projeto é a decomposição das atividades no seu desdobramento natural em
subatividades, subações, etc.
As considerações sobre a gestão do plano e das ações comentadas no Capítulo
3 são válidas para a reflexão sobre o gerenciamento dos projetos, particularmente
nos temas que abordam as mudanças organizacionais e administrativas
necessárias para assumir o modelo de gerenciamento por projetos.

7.4 A metodologia do Planejamento de Projeto


Orientado pelos Objetivos (ZOPP)
Em alemão Zielorientierte Projektplanung, o ZOPP surgiu de uma adaptação
feita em meados dos anos 70 pelo Ministério Federal da Alemanha, responsável
pela cooperação internacional. A Agência Alemã de Cooperação Técnica, a
GTZ, conservou o coração da metodologia original e fez inovações importantes
especialmente aquelas baseadas no maior grau de participação e envolvimento
dos beneficiários nos projetos de desenvolvimento.
O ZOPP é composto de três elementos básicos, (1) o processo de planeamento
baseado no diagnóstico de problemas, (2) a elaboração de uma matriz lógica
semelhante ao MQL que o ZOPP chama de “Marco Lógico” e (3) técnicas
participativas de trabalho que possibilitam o envolvimento dos beneficiários
e participantes do projeto (em inglês, os stakeholders). Segundo Brose (2001),
106 Metodologias de gestão inovadora

o método ZOPP não é um fim em si mesmo, deve ser visto como parte de um
sistema de gestão em que o realmente importante é a execução do projeto, ou
seja, o constante replanejamento diante dos imprevistos e das incertezas da
realidade.
Os gestores não devem esquecer que a simplicidade e a elegância do método
não garantem, por si só, a qualidade daquilo que é feito e implementado. Talvez
um dos maiores resultados do método seja a construção de um nível de consenso
e acordo entre os participantes.

7.5 O Método de Análise e Solução de Problemas –


MASP e o PDCA
A origem do MASP é um conjunto de procedimentos para resolução de
problemas que foi elaborado como parte do conjunto de técnicas de gestão
empresarial baseadas no modelo japonês conhecido como Total Quality Control,
ou TQC. O procedimento metodológico é baseado na aplicação sequencial de
sete passos: (1) identificação do problema, (2) observação sobre as características
do problema, (3) análise das causas fundamentais do problema, (4) elaboração
de um plano de ação para eliminar as causas do problema, (5) verificação
da efetividade da ação executada, (6) padronização da solução e eliminação
definitiva das causas e, por fim, (7) a conclusão do processo com a revisão de
todos os procedimentos com planejamento das ações futuras.
A seguir, um diagrama ilustra os principais passos do MASP.
Metodologias de gestão inovadora 107

Quadro 15 – Roteiro de aplicação do MASP


1 IDENTIFIQUE O PROBLEMA

2 ESTRATIFIQUE

3 COLETE DADOS

PRIORIZE COM AJUDA


4 DO PROGRAMA DE PARETO

(DESDOBRAMENTO)
OS PROBLEMAS JÁ ESTÃO NUM TAMANHO
? QUE POSSAM SER RESOLVIDOS A NÍVEL
DE CHEFIA DE SEÇÃO?

ATRIBUA RESPONSABILIDADES
5 PELA SOLUÇÃO DOS
PROBLEMAS

Em cada passo várias ferramentas quantitativas e não qualitativas são


utilizadas para hierarquizar processos, estratificar estatisticamente ocorrência
de eventos, classificar procedimentos, etc... O roteiro metodológico também
pode ser organizado a partir do chamado “ciclo do PDCA” (em inglês, Plan,
Do, Check e Action).
Estes métodos foram pensados originalmente para auxiliar a gestão de
processos produtivos industriais e não para a gestão pública, mas, apesar disso, é
interessante observarmos algumas ideias comuns como a importância atribuída
à análise e à explicação de problemas, ao processo de planejamento, execução e
monitoramento como momentos indissociáveis, à circularidade do planejamento
como processo permanente, etc.

7.6 O método do Balanced Scorecard


Nos últimos anos, tem proliferado a divulgação de novas metodologias de
gestão e planejamento com aspectos realmente inovadores. Uma delas foi criada
no setor privado, mas logo foi expandida para a gestão pública com muito
108 Metodologias de gestão inovadora

sucesso: é o Balanced Scorecard, como é o termo em inglês, ou, traduzindo,


seria um quadro de indicadores balanceados. Ele surgiu originalmente a partir
da constatação de que os métodos de avaliação do desempenho das empresas
não estavam respondendo satisfatoriamente.
Originalmente formulada por dois autores norte-americanos da área
de gestão, Norton e Kaplan, o BSC é uma ferramenta que traduz uma visão
estratégica da organização num conjunto coerente de objetivos, medidas e
indicadores de desempenho. Estas dimensões são organizadas conforme vários
aspectos: financeiro, do cliente, dos processos internos e do aprendizado.
O quadro de indicadores propriamente dito (o scorecard) cria não só uma
estrutura, mas uma linguagem para comunicar a missão e a estratégia a todos
os funcionários.
Ao integrar os resultados desejados pela empresa com os indicadores,
a direção tem a expectativa de canalizar as energias, as habilidades e os
conhecimentos específicos das pessoas no conjunto da organização para alcançar
as metas de longo prazo.
As quatro perspectivas do BSC devem ser equilibradas. São elas, conforme
a elaboração proposta por Marinho:
a) Perspectiva financeira: os objetivos financeiros representam a meta de
longo prazo da empresa: gerar retornos superiores a partir do capital
investido na unidade de negócios. O uso do Balanced Scorecard não
conflita com essa meta vital. Na realidade, o Balanced Scorecard permite
tornar os objetivos financeiros, como lucratividade, retorno dobre
os ativos e aumento de receita, explícitos, e ajustá-los às unidades de
negócios nas diferentes fases de seus ciclos de vida e crescimento.
b) Perspectiva do cliente: identifica os segmentos de clientes e mercados
nos quais a unidade de negócios competirá e as medidas do desempenho
da unidade nesses segmentos-alvo. Entre as medidas essenciais de
resultado estão a satisfação do cliente, a retenção de clientes, a aquisição
de novos clientes, a lucratividade dos clientes e a participação em contas
(clientes) nos segmentos-alvo.
Metodologias de gestão inovadora 109

c) Perspectiva dos processos internos: identifica os processos internos


críticos nos quais a empresa deve alcançar a excelência. Esses processos
permitem que a unidade de negócios ofereça as propostas de valor
capazes de atrair e reter clientes em segmentos-alvo de mercado e
satisfaça às expectativas que os acionistas têm de excelentes retornos
financeiros.
d) Perspectivas de aprendizado e crescimento: identifica a infraestrutura
que a empresa deve construir para gerar crescimento e melhoria a longo
prazo. As perspectivas do cliente e dos processos internos identificam
os fatores mais críticos para o sucesso atual e futuro. É improvável que
as empresas sejam capazes de atingir sua metas de longo prazo para
clientes e processos internos utilizando as tecnologias e capacidades
atuais. Além disso, a intensa competição global exige que as empresas
melhorem continuamente sua capacidade de oferecer valor a clientes e
acionistas.

O BSC tem no equilíbrio das várias dimensões de resultados da empresa


sua ideia-força. Ele articula conceitualmente meios e fins, conforme a figura a
seguir demonstra como exemplo para o mundo corporativo.
Para o setor público ou qualquer outro tipo de organização poderíamos
adaptar a lógica do BSC conforme o diagrama a seguir. O importante é seguir
a articulação entre os vários componentes.
110
Quadro 16 – Síntese do Balance Scorecard

Esclarecendo e traduzindo a visão e a


estratégia
• Esclarecendo a visão
• Estabelecendo o consenso

Comunicando e estabelecendo
vinculações Feedback e aprendizado estratégico
Metodologias de gestão inovadora

• Comunicando e educando BALANCED • Articulando a visão compartilhada


• Estabelecendo metas SCORECARD • Fornecendo feedback estratégico
• Vinculando recompensas • Facilitando a revisão e o aprendizado
a medidas de desempenho estratégico

Planejamento e estabelecimento de metas


• Estabelecendo metas
• Alinhando iniciativas estratégicas
• Alocando recursos
• Estabelecendo marcos de referência
Metodologias de gestão inovadora 111

A estratégia para o BSC é um conjunto de hipóteses de causa e efeito, e a


implementação depende da compreensão desta relação, do alinhamento dos
recursos disponíveis e do engajamento de toda a organização. Kaplan e Norton
sugerem os seguintes passos para implantar o BSC e viabilizar o processo de
implementação da estratégia:
1. esclarecer e traduzir a visão e a estratégia;
2. comunicar e associar objetivos e medidas estratégicas;
3. planejar, estabelecer metas e alinhar iniciativas estratégicas;
4. melhorar o feedback e o aprendizado estratégico.

A primeira etapa objetiva construir o consenso embasado na visão e na


estratégia da organização através de um conjunto integrado de objetivos
e medidas, visando aos resultados. O segundo passo deve mobilizar os
funcionários para os alvos a serem atingidos. A compreensão da estratégia
é condição-chave para o estabelecimento de metas. O terceiro passo fixa as
metas para os vários processos internos de aprendizado e crescimento, e a
prioridade aqui é gerar caixa, faturamento. Numa organização pública este
objetivo não é importante, sendo substituído pela meta de redução de custos
e aumento da satisfação dos cidadãos.
O quarto passo é considerado a inovação do BSC. Ele indica que a organização
deve aprender com os desvios e as falhas de percurso, corrigindo rotas e o prumo.
Isso implica que novas estratégias poderão surgir, inclusive não previstas na
formulação original do plano. Este processo de feedback de aprendizagem foi
incorporado a partir de outras teorias de gestão.
O BSC organiza estas informações no chamado “mapa estratégico”. O mapa
correlaciona os objetivos nas várias dimensões com a visão e a missão da
organização.
A estratégia é um processo contínuo na organização, não deve ser algo distante
reservado somente às salas luxuosas dos altos dirigentes. Este desdobramento
para toda a entidade é feito através de processos de comunicação e educação
permanentes, do desenvolvimento de competências e sistemas de avaliação.
Daí por que muitas organizações fazem o mapa estratégico para subsidiar os
112 Metodologias de gestão inovadora

programas de capacitação e formação de pessoal. Além disso, um sistema de


incentivos e recompensas deve mostrar a conexão da performance individual
com a performance de toda a organização.
Algumas críticas têm sido feitas ao BSC pela sua unidirecionalidade aos
resultados financeiros. Ele por si só não contemplaria os fatores complexos
de uma organização como a análise do ambiente externo ou restrições
mais estruturais. Ele seria pouco dinâmico e suas relações de causa e efeito
muito simplificadoras. A relação entre planejamento e execução permanece
fragmentada no esquema do mapa estratégico. Apesar disso, ele tem se tornado
muito usual em organizações públicas e privadas.
No setor público a dimensão financeira não tem o mesmo enfoque que
no setor privado. Os órgãos fazendários, por exemplo, adotam a perspectiva
fiduciária, outros adotam a perspectiva da execução orçamentária. A perspectiva
dos clientes pode ser substituída pela perspectiva dos cidadãos e/ou contribuintes.
A perspectiva do aprendizado no setor público é ainda mais importante que
no setor privado. Como a estabilidade de emprego, sem um potente sistema
de motivação funcional e avaliação de desempenho, funciona como fator de
acomodação e queda de produtividade.

7.7 A metodologia do “5W2H”


Esta metodologia, na verdade, é uma técnica muito simples e efetiva de
organizar reuniões, assuntos, preparar processos de planejamento de forma
rápida e direta. Ela surgiu na área de comunicação social como uma orientação
aos jornalistas para elaboração das matérias, procurando identificar rapidamente
todos os pontos que seriam importantes para relatar um evento ou caso.
O método é um check-list de várias perguntas formuladas originalmente em
inglês, como segue:
• What? O quê? Qual?
• Who? Quem?
• Where? Onde?
• When? Quando?
Metodologias de gestão inovadora 113

• Why? Por quê?


• How? Como?
• How much? Quanto custa? Qual será o investimento necessário?

Ele pode ser utilizado também para mapear e identificar processos. Como
não requer maior fundamentação teórica ou assessoria externa, é de emprego
universal. A ideia é sua aplicação de origem a um “plano de ação” para enfrentar
uma situação problemática ou aproveitar uma oportunidade. Como segue:

PLANO DE AÇÃO
1. O que fazer?
2. Por que fazê-lo?
3. Quem o fará?
4. Quando será feito?
5. Onde será feito?
6. Como será feito (método)?
7. Quanto custará a ação?

7.8 A Análise de SWOT


Esta é outra metodologia ou, mais corretamente falando, outra técnica de
pronto emprego para uso em reuniões, processos de planejamento rápido ou
mapeamento de processos. A implementação do SWOT, que quer dizer forças,
fraquezas, oportunidades e ameaças, depende do detalhamento destes quatro
pontos, como segue:
114 Metodologias de gestão inovadora

Quadro 17 – Matriz SWOT – desenho básico


Pontos fortes da organização Pontos fracos da organização
(Strenghts) (Weakness)
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Oportunidades ambientais Ameaças ambientais
(Opportunities) (Threatness)
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__________________________________ __________________________________

a) Forças: determine os pontos fortes de sua organização. Isso deveria ser de


ambos seus clientes, internos e externos. Não seja humilde; seja tão pragmático
quanto possível.
Questões básicas:
• Há qualquer vantagem sem igual ou distinta que faz sua organização
se destacar?
• O que faz com que os clientes escolham sua organização em vez da
concorrente?
• Há qualquer produto ou serviço que o concorrente não pode imitar
(agora e no futuro)?

b) Fraquezas: determine as fraquezas de sua organização, não somente de


seu ponto de vista, mas também, o mais importante, de seus clientes. Embora
possa ser difícil para a organização reconhecer suas fraquezas, é melhor encarar
a realidade, sem procrastinar.
Metodologias de gestão inovadora 115

Questões básicas:
• Existem operações ou procedimentos que podem ser melhorados?
• No que ou por que seus concorrentes operam melhor que a sua
organização?
• Existe algo inoperante de que sua empresa deveria estar ciente?
• Seus concorrentes têm um certo segmento de mercado conquistado?

c) Oportunidades: outro fator importante é determinar como sua organização


pode continuar a crescer dentro de seu mercado. Afinal, oportunidades estão
em todo lugar, tais como mudanças na tecnologia, política governamental,
padrões sociais.
Questões básicas:
• Onde e quais são as oportunidades atrativas dentro do seu mercado?
• Existe alguma nova tendência surgindo dentro do mercado?
• Quais as perspectivas futuras da sua empresa que possam vir a descrever
novas oportunidades?

d) Ameaças: ninguém gosta de pensar em ameaças, mas nós ainda temos


de enfrentá-las, apesar do fato de que elas são fatores externos que estão fora de
nosso controle. É vital estar preparado e enfrentar as ameaças durante situações
de turbulência.
Questões básicas:
• O que seu concorrente está fazendo que está suprimindo seu
desenvolvimento organizacional?
• Existe alguma mudança na demanda do consumidor que pede por
novas exigências de seus produtos e serviços?
• As mudanças tecnológicas estão afetando sua posição dentro do
mercado?
116 Metodologias de gestão inovadora

A análise SWOT acontece quando os quatro quadrantes estão preenchidos


(veja a figura a seguir). Em cada quadrante há uma configuração específica e
uma indicação que ajuda o planejador a determinar o que fazer. Por exemplo, no
quadrante em que estão combinadas as forças (internas) com as oportunidades
(externas) há claramente uma indicação das prioridades da organização, do seu
foco de ação, daquilo que a distingue das demais e que é sua força. Já o oposto,
no quadrante de confluência das ameaças (externas) com as fraquezas (internas)
há um sinal de alerta, uma indicação de estratégia defensiva ou de sobrevivência
num cenário hostil.

Quadro 18 – Matriz SWOT adaptada


Análise Externa
Ameaças Oportunidades

Análise Interna
Desativação: Melhoria:
Pontos fracos área de risco acentuado área de aproveitamento potencial

Aproveitamento:
Enfrentamento:
Pontos fortes área de domínio
área de risco enfrentável
da empresa

A análise SWOT pode ser muito útil como ferramenta auxiliar para
fomentar um brainstorming no início de um debate sobre cenários futuros
para a organização ou seminários de planejamento estratégico. O SWOT é
especialmente útil para a gestão de riscos, porque permite visualizar num mesmo
quadro fontes internas e externas de riscos para os projetos e ações.
Deve-se ter o cuidado para não congelar a análise, a realidade é dinâmica e
os pontos mais importantes devem ser monitorados o tempo todo. Ainda mais
porque boa parte das informações dependem de eventos externos, muitos fora
da governabilidade da organização.
Metodologias de gestão inovadora 117

7.9 Debatendo o tema do monitoramento


e da avaliação das ações de gestão
Uma das características da gestão inovadora é a crescente difusão de técnicas
de avaliação. Sabemos que o que não pode ser medido não pode ser avaliado, nem
melhorado de forma eficaz. A primeira dificuldade na avaliação de um projeto
(ou uma política pública) é encontrar arquiteturas metodológicas ou desenhos
de projetos que não foram feitos para serem avaliados. Se o projeto não resulta
de uma metodologia consistente de planejamento estratégico, ou seja, não avalia
a situação inicial com a devida profundidade, é impossível avaliar impactos ou
resultados de forma conclusiva.
Pode-se também fazer uma avaliação geral do desempenho institucional.
Neste caso os principais indicadores seriam:
• indicadores de resultados: apresentam os resultados da ação, tais como
taxa de mortalidade infantil, número de idosos vacinados, etc.;
• indicadores de eficácia: descrevem a eficácia da administração, ou o
alcance das ações e dos objetivos propostos, tais como: redução da taxa
de mortalidade infantil, redução da criminalidade, etc.;
• indicadores de funcionamento: descrevem a eficiência dos processos
de trabalho, tais como: tempo de atendimento no posto de saúde,
custo da vacinação por criança vacinada, etc.; Indicadores de recursos:
estão relacionados à alocação e à gestão dos recursos orçamentários-
financeiros destinados à organização;
• indicadores socioeconômicos: descrevem o ambiente econômico em que
a organização atua: renda per capita, taxa de crescimento do produto
interno bruto;
• descritores: mostram a administração do ponto de vista da sua
organização interna. Número de servidores, servidores por escolaridade,
nível de informatização, etc.

Um bom sistema de avaliação é fundamental para o sucesso do projeto ou


plano. As características básicas do sistema de avaliação devem ser:
• objetividade: entendida como capacidade de apreender a realidade
a partir de determinada referência situacional, explicitada por quem
118 Metodologias de gestão inovadora

observa e faz a análise. Ser objetivo não é “ser neutro” ou “imparcial”, mas
analisar a realidade com a máxima consciência possível dos próprios
vieses e distorções de foco (admitir uma certa “cegueira situacional”);
• completa: significa uma negociação permanente entre o que é viável e
factível e o que é ideal e perfeito, dados coletados à exaustão geralmente
tornam o processo avaliativo nebuloso e difuso, a necessidade de
focalização é permanente;
• validade e confiabilidade: exige coerência entre os instrumentos e
conceitos usados pela medição e o que se pretende medir. Depende da
estabilidade e da qualidade dos dados coletados;
• qualidade: é a adequação entre a informação obtida e o uso que se quer,
é uma condição necessária para a boa avaliação;
• estabilidade: desde que sejam adotados os mesmo métodos e conceitos,
os resultados da avaliação não devem variar com o avaliador.

As avaliação podem ser classificadas de acordo com o momento em que se


realizam, em função de quem realiza a avaliação, em função da escala do projeto
e ainda em função dos destinatários da avaliação.
A primeira tipologia diz respeito à avaliação (a) ex ante e (b) avaliação ex post.
Como o nome sinaliza na avaliação anterior à realização do projeto o objetivo
fundamental é definir se o projeto deve ou não ser implementado. Em alguns
casos é possível aplicar o método da Análise Custo-Benefício (ACB) e a Análise
Custo-Efetividade (ACE) para hierarquização entre vários projetos alternativos.
O primeiro método para avaliação de projetos econômicos e o segundo para
projetos sociais. Na avaliação posterior (b) a dimensão temporal permite dois
níveis de análise:
(a) avaliação de processos: realizada durante a execução do projeto para
determinar o grau de compatibilização entre os objetivos do projeto e
os componentes do projeto, de forma periódica, com foco na eficiência
da operação do projeto;
(b) avaliação de impacto: procura determinar se o projeto está alcançando
seus objetivos e quais os efeitos secundários.
Metodologias de gestão inovadora 119

A avaliação de processo “olha para frente”, enquanto a avaliação de impacto


“olha para trás”, verificando se o projeto funcionou ou não. No primeiro caso
os “clientes” da avaliação são os responsáveis diretos pelo projeto, no segundo
caso são os gestores públicos ou a agências financiadoras.
Em função de quem realiza a avaliação, pode-se desenvolver a (a) avaliação
externa, com mais ênfase na metodologia, (b) avaliação interna, com provável
ênfase no conteúdo do projeto, (c) avaliação mista, combinando os dois
processos e (d) avaliação participativa. Esta última adquire especial importância
nos processos avaliativos porque introduz na cena institucional um elemento
estratégico para a natureza participativa do planejamento público: a oportunidade
de participação e protagonismo do público-alvo, dos beneficiários das políticas
e dos projetos públicos.
A criação de mecanismos e instrumentos de uma avaliação participativa
(que depende muito do tamanho e natureza do projeto) cria os elementos
essenciais de adesão da população ao processo de planejamento e com efeito de
compromisso coletivo sobre o balanço crítico, as eventuais correções de rumo
e os ajustes a fazer. A estratégia da avaliação participativa cria uma espécie de
compartilhamento entre os gestores e a finalidade do projeto.
Em relação à escala dos projetos para avaliação as estratégias são
diferenciadas, pois projetos grandes demandam uma avaliação mais analítica
e objetiva, enquanto nos pequenos a ênfase é mais qualitativa. A lógica da
avaliação de grandes projetos é mais dedutiva, exigindo a construção de variáveis,
indicadores, desagregando partes e depois reconstruindo um conceito mais geral.
Nos pequenos projetos a lógica é mais indutiva, o avaliador julga o projeto como
um todo mais facilmente.
Uma síntese geral sobre os procedimentos gerais de avaliação pode ser a
seguinte:
• a avaliação não é um elemento agregado ao design organizacional
de instituições do setor público, mas é parte integrante da função de
aprendizado institucional;
• a distinção entre avaliação cumulativa e formativa é ilusória: avaliações
cumulativas visam à melhoria da administração do setor público,
exatamente como a avaliação formativa. Uma avaliação cumulativa que
120 Metodologias de gestão inovadora

não seja formativa (isto é, que não contribua para a tomada de decisão
aprimorada) é irrelevante e constitui uma perda de recursos;
• a responsabilidade é uma condição que permite governar melhor, e a
avaliação é um dos instrumentos mais importantes para a melhoria
do setor público, pois possibilita a tomada e a prestação de contas pela
atribuição de responsabilidade;
• para ser eficiente, a avaliação precisa ser sustentada por uma cultura
de aprendizado: sem esta, corre o risco de se tornar um exercício
irrelevante, ou, pior, uma restrição burocrática sufocante;
• como parte integrante do aprendizado organizacional, a avaliação é um
processo contínuo e interativo – uma conversa ou um discurso crítico
com as pessoas envolvidas na execução ou atingidas pelas políticas,
programas, projetos avaliados e, principalmente, com os que podem
tomar decisões pertinentes;
• no setor público, a avaliação é ao mesmo tempo um medidor de eficácia
e um veículo de responsabilidade. Nesse sentido, é um instrumento
indispensável ao governo.

7.10 Facilitação de grupos e técnicas


de moderação
A aplicação de metodologias de planejamento exige sempre e em todos os
casos um processo de interação entre pessoas, este processo é fundamentalmente
um momento de aprendizagem coletiva. A moderação ou facilitação deve a um
só tempo promover a organização e coordenação necessária no processo de
planejamento, estimular a participação de todos os envolvidos (isto é crucial
em metodologias participativas) e motivar o grupo para construir soluções de
compromisso, sínteses político-administrativas capazes de trazer coesão ao grupo
(da direção à base) em direção aos objetivos estratégicos da organização.
Portanto, aqui se tem um primeiro alerta: moderar grupos não é tarefa
fácil, especialmente se os grupos apresentam algum grau de conflito interno
ou disputas políticas mal processadas e mal resolvidas, eventos comuns no
cotidiano da administração pública. A aprendizagem é muito mais do que a mera
transferência de conhecimentos, o processo de construção cognitiva da realidade
Metodologias de gestão inovadora 121

é essencialmente subjetivo, racionalidade, não racionalidade, conhecimento e


intuição, ciência, lógica e arte se misturam inexoravelmente. A moderação de
grupos deve saber potencializar virtudes e trabalhar as debilidades do grupo para
que o produto seja resultado desta permanente interação; por isso, a importância
da metodologia capaz de garantir a expressão comunicativa do grupo entre si.
As técnicas e dinâmicas de grupo – muitas vezes utilizadas de forma
automática e burocrática – servem basicamente a este propósito, viabilizar
formas de expressão, de contato, de aproximação com “o outro” utilizando
processos não verbais, trabalhando a carga afetiva, o universo de sentimentos e
as competências interpessoais. Resumindo, a moderação de grupo requer toda
uma “dramaturgia” que envolve desde as adequadas condições físicas e materiais
até a perícia pessoal de quem está protagonizando este importante papel.
Em síntese, as principais variáveis que afetam este processo são: (a) a interação
provocada entre elementos cognitivos, afetivos e psicomotores (atitudinais), (b)
a experiência pessoal vivenciada por cada elemento do grupo e sua identidade
coletiva prévia, (c) os diversos estilos de aprendizagem dos participantes, (d) a
capacidade do moderador em manter e conduzir o processo de aprendizagem
de forma aberta e flexível, e (e) a correta combinação de técnicas de trabalho e
aprendizagem com instrumentos metodológicos adequados (dinâmicas, jogos,
simulações, etc.).
O papel do moderador é o de proporcionar um processo de autêntica
“catálise” de ideias entre os participantes; seu dever é viabilizar o processo
comunicativo, nunca deve manipular ou conduzir o grupo para determinada
conclusão, deve fazer com que o grupo tenha níveis crescentes de autoconsciência
sobre suas virtudes e fraquezas para construir objetivos coletivamente. A
atividade de moderação não pode ser feita seguindo rigorosamente um
“manual de conduta” ou com regras fixas, saber moderar exige maleabilidade
comportamental, flexibilidade metodológica, adaptação sistemática ao padrão
do próprio grupo.

Atitudes que facilitam a comunicação em grupo


(1) Faça a reunião em forma de círculo de modo que todos se vejam face
a face. Círculo é o símbolo da “equilibração”. No círculo são todos
iguais.
122 Metodologias de gestão inovadora

(2) Diga “Nós”. Evite o Eles, o Vocês. Envolva-se profundamente no grupo.


Dirija-se a todos mesmo se referindo apenas a um. Não se exclua ao
falar.
(3) Não faça “panelinhas”. Jogue com todos. Procure sentar-se junto
a quem você conhece menos. Dê chance aos demais de conhecê-
lo(a).
(4) Mantenha-se atento(a). Olhe para quem fala. Não se alheie do grupo
pensando no que você vai dizer. Espere sua vez de falar. Quando a
bola vier, chute. Ouça! Olhe para quem fala!
(5) Não fale baixinho com o(a) companheiro(a) ao lado. Podem pensar
que critica algum membro do grupo. Fale alto dirigindo-se a todos.
O grupo é seu feedback.
(6) Faça como um jogador que recebe o passe. Sua contribuição deve
encadear-se com a anterior. Opere em conjunto! Seja como um elo
de uma corrente! Coopere!
(7) Explique o “porquê” das suas afirmações. Se você não souber explicar
os “porquês” (o significado), estará chutando para fora do campo....
(8) No seu grupo podem existir pessoas tímidas, sem muita experiência.
Valorize suas contribuições. Jogue o jogo delas!
(9) Manifeste sua discordância com argumentos ou fatos e não
simplesmente dizendo “Não concordo”. Assim, em vez de criar
barreiras, será percebida sua discordância tranquila e todos terão
condições de prosseguir na “operação mental em conjunto”
(cooperação).
(10) Quando você estiver de acordo, procure expressar sua concordância,
ainda que por um pequeno gesto. Isso cria coesão e faz o grupo.

7.11 Organizando reuniões


As reuniões tomam muito tempo em qualquer sistema de gestão, seja público
ou privado. São centenas ou milhares todos os anos. Você já parou para contar
quantas horas você passa participando em reuniões durante uma semana,
um mês, um ano? O problema não são as reuniões, pelo contrário, elas são os
meios mais eficazes de comunicação direta, pessoal e são necessárias para o
Metodologias de gestão inovadora 123

desenvolvimento do nosso coeficiente emocional. O problema são as reuniões


que resultam em pouca produtividade, são desnecessárias e fazem-nos perder
um tempo que nunca mais poderá ser recuperado.
O fundamental antes de uma reunião é saber planejá-la, para isso três
perguntas devem ser respondidas sempre: (1) Para que devemos fazer a
reunião? Qual seu objetivo?, (2) Em função disso, que assuntos ela deverá
tratar? E, finalmente, (3) Como deverá ser realizada? Quais as questões logísticas
envolvidas?
Na parte logística todos os detalhes devem ser pensados, inclusive aqueles que
normalmente passam despercebidos como o conforto ambiental e a qualidade
dos materiais utilizados, os problemas de transporte e deslocamento para chegar
e retornar da reunião, a importância de feedback aos participantes, etc.
As qualidades para conduzir uma reunião dependem do tipo e das
circunstâncias em que ela ocorre, mas é sempre interessante que haja bom humor,
segurança de si mesmo, intuição, criatividade e flexibilidade. Sobretudo deve-se
ter capacidade para improvisar, em se desviar dos resultados planejados.
Outra habilidade é muito importante, saber animar e estimular a reflexão
coletiva. Para isso deve-se ter capacidade de moderação e facilitação de grupos,
coordenar a superação de divergências e ajudar o grupo a pensar como equipe.
Para exercer estas competências deve-se ter um outro conjunto de habilidades:
confiança e entusiasmo, tolerância, autoestima, capacidade de aprendizagem e
autocontrole.
A literatura e a pesquisa mostram que o passo fundamental é motivar os
participantes fazendo com que sua percepção sobre a ocorrência da reunião
seja proativa. Isto é, eles devem perceber e acreditar que a reunião é importante
e faz sentido para sua rotina profissional e o cumprimento de suas tarefas, que
sua presença faz diferença.
Infelizmente, a maioria das reuniões são um fracasso. Não são preparadas,
não há processo de comunicação produtivo e seus encaminhamentos são inúteis
ou inexistentes. A participação das pessoas só ocorre por conta de uma ordem
burocrática, ela acontece envolta em apatia. Um chefe fala, os demais escutam.
No final, todos vão embora sem saber por que vieram.
124 Metodologias de gestão inovadora

Parece-nos que o papel fundamental para garantir uma boa reunião é o


desempenho do líder, do responsável pela reunião. Neste sentido, ele deve
cumprir algumas funções indelegáveis:
1. criar um clima de confiança, para que os participantes se sintam
importantes e valorizados;
2. adotar e seguir um plano de trabalho (objetivos, metas, técnicas de
apresentação, documentação, etc.);
3. fazer as sínteses necessárias em cada ponto, na medida em que o
debate avança, para que se consolidem progressivamente conclusões
coletivas;
4. atuar para elucidar dúvidas, superar ambiguidades e identificar eventuais
divergências, evitando trabalhar com generalizações;
5. zelar e proteger as opiniões minoritárias;
6. atuar para produzir um conclusão, ainda que provisória, que conduza
o grupo a um estágio superior de decisão e deliberação.

Uma reunião breve e de alta produtividade depende muitas vezes de coisas


singelas e simples. Por exemplo, o envio de um brainstorming breve, com
posições diferenciadas sobre o tema, para os participantes antes da reunião, pode
abreviar longas horas de debate. A experiência mostra que na ampla maioria das
divergências o que ocorre são problemas de comunicação, ruídos que impedem
o entendimento. Saber escutar é tão importante quanto saber se expressar.

Algumas regras práticas:


1. prepara sempre a reunião ANTES que ela aconteça;
2. na preparação municie os participantes com informação breve, focada
e relevante;
3. se for dirigir a reunião, evite que sua opinião paute o resultado dos
debates, se for necessário, convide um moderador externo;
4. comece e termine a reunião no horário marcado, não faça reuniões
frequentes sem que haja tempo para que as decisões tomadas
amadureçam e se desenvolvam, produzindo novos elementos e fatos a
ponderar;
Metodologias de gestão inovadora 125

5. limite o tempo de cada intervenção individual, sem limitar o direito de


expressão;
6. documente todo o processo;
7. nunca deixe de enviar aos participantes um registro dos principais temas
debatidos e sobretudo das decisões, dos prazos e dos responsáveis.

7.12 Uma palavra final sobre métodos, técnicas


e ferramentas de gestão
Após analisarmos este conjunto de técnicas e ferramentas de gestão cabe
uma reflexão final sobre o tema. A gestão pública como vimos não é mais a
mesma. Uma sociedade que caminha para uma fase de maturidade democrática
é uma sociedade que exige muito mais dos seus governos. Mais qualidade,
mais atenção, serviços mais universais, menos impostos e menos custos. Para
isso não há mágica a não ser um longo e às vezes penoso processo de mudança
comportamental, cultural e política.
Os métodos são meios para isso, mas não são o objetivo final. Ele apenas
servem para caminharmos nesta estrada. É importante perceber esta diferença
para não cairmos nas armadilhas dos “metodologismos” e dos modismos
passageiros que o mercado de management cria a cada ano com seus novos gurus
e teorias mirabolantes. Muitas vezes o método mais eficaz é aquele baseado no
bom senso, e para isso a mente deve estar aberta à recombinações, fórmulas
novas e processos de inovação, de tentativa e erro. Vale a pena correr o risco?
Acreditamos que sim, pois a ferramenta que conseguimos criar certamente será
sempre a mais adequada para resolvermos nossos próprios problemas.

Questões
1. Por que utilizar uma metodologia na gestão inovadora é importante?
Justifique.
2. Na sua opinião, existe um método ideal para resolver problemas da
organização? Justifique.
3. Num plano de melhoria gerencial, qual seria a importância do plano
de capacitação?
126 Metodologias de gestão inovadora

Referências comentadas
MARINHO, Sidnei. Uma proposta de sistemática para operacionalização da
estratégia utilizando o Balanced Scorecard. Tese de Doutorado no Programa
de Pós-Graduação em Engenharia da Produção da UFSC, 2006.
O objetivo deste excelente trabalho de pesquisa (disponível na web) foi o de
aprofundar os princípios e as práticas da utilização da medição de desempenho,
o trabalho busca consolidar uma sistemática para operacionalização da
estratégia utilizando o Balanced Scorecard por meio de análise crítica da pesquisa
bibliográfica e da utilização do Método Delphi para consultar especialistas da
área. O autor utiliza técnicas como o SWOT e o Método da Global Business
Network para enriquecer a aplicação prática do BSC.

CHIAVENATO, Idalberto. Administração Geral e Pública. Rio de Janeiro:


Elsevier, 2006.
Este livro foi elaborado originalmente para auxiliar os estudantes de nível
superior nos concursos públicos relacionados às carreiras federais que são muito
exigentes na área da gestão pública. Na verdade, o livro adquiriu uma densidade
e uma abrangência ímpares na literatura disponível. Inicia comentando as
escolas clássicas da administração para em seguida entrar nos assuntos típicos
da gestão pública: processo administrativo, gestão de pessoas, comportamento
organizacional até as novas abordagens da recente reforma gerencial. É
indispensável para quem quiser se aprofundar no assunto.

BROSE, M. Metodologia participativa. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2001.


Esta publicação é essencial para quem quiser conhecer métodos de
planejamento e desenho de projetos que podem ser aplicados no setor público
de forma participativa. São 29 metodologias mapeadas e identificadas. As
metodologias estão divididas em grandes agrupamentos segundo sua natureza:
para trabalhos em grupo, para capacitação, para diagnóstico participativo,
para planejamento, etc. É uma obra importante na perspectiva de maior
democratização da gestão pública e envolvimento dos cidadãos nas questões
coletivas.
Metodologias de gestão inovadora 127

CLEMENTE, Ademir (organizador). Projetos empresariais e públicos. São


Paulo: Atlas, 2002.
Esta obra se insere no contexto da retomada da importância do planejamento
público. O autor organiza um conjunto de métodos e temas relacionados à
elaboração de projetos, de uso comum nos setores público e privado. Entre os
quais há técnicas de análise e previsão, localização de investimentos, análise
econômica e financeira, o problema da escala, financiamento de projetos, etc.
A obra é um manual de referência indispensável para entender metodologias
inovadoras na gestão pública.

ALECIAN, S.; FOUCHER, D. Guia de gerenciamento no setor público. Rio de


Janeiro: Revan; Brasília: ENAP, 2001.
Como o nome já diz, esta obra é um guia, uma referência, não se trata de
obra acadêmica ou meramente teórica. Os autores são consultores franceses
renomados na área e têm visitado frequentemente o Brasil. O livro resultou de
um programa de desenvolvimento gerencial para a burocracia francesa e parte da
tese de que o bom gerenciamento é antes de tudo uma questão de boas práticas.
É essencial pra entender o que é inovar em gestão pública.

VALERIANO, Dalton. Gerenciamento estratégico e administração por projetos.


São Paulo: Makron Books, 2001.
Este livro debate o tema da estratégia vinculado à formulação de projetos.
O autor utiliza a metodologia do PMI, Project Management Institute, que é
mundialmente reconhecida para elaboração de projetos. Apesar de não ser
focado na esfera pública, os ensinamentos do livro são essenciais para entender o
processo de elaboração de projetos. Fundamental para uma perspectiva gerencial
da administração pública.

BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria de


Gestão. Avaliação Continuada da Gestão Pública: Repertório / Secretaria de
Gestão. – Brasília: MP, SEGES, 2004.
Esta obra coletiva do Ministério do Planejamento constitui-se num repertório
que reúne informações, conceitos, fundamentos, métodos e técnicas para orientar
128 Metodologias de gestão inovadora

as organizações públicas brasileiras nos processos de avaliação e melhoria da


gestão e de elaboração e implementação de planos de melhoria da gestão. O
trabalho pode servir a organizações com vários ciclos de gestão realizados, que
utilizam diretamente o Instrumento para Avaliação da Gestão Pública, mas
atende, principalmente, àquelas organizações públicas que estão iniciando seu
primeiro ciclo de avaliação e melhoria, utilizando o Manual para Avaliação da
Gestão Pública. A obra representa o “estado da arte” de metodologias de gestão
inovadora, de consulta e referência indispensável a todos os estudiosos, dirigentes
públicos e pesquisadores da área.
8

Planejamento e gestão inovadora


(...) a capacidade de governo somente se desenvolve quando é
exigida pelas regras do jogo político mediante práticas sistemáticas
que exijam cobrança e prestação de contas por desempenho. Por trás
da baixa capacidade de governo encontra-se a fragilidade da crítica
social profunda e a crise do estilo de fazer política, que confere ao
cidadão a capacidade de eleger seus governantes mas lhe nega a
capacidade para avaliá-los periodicamente e participar da gestão
do governo.
(C. Matus, O Líder sem Estado-Maior)

As ferramentas de planejamento estratégico talvez sejam aquelas que mais


representem as habilidades e ferramentas de uma gestão verdadeiramente
inovadora. Os desafios de modernização da gestão pública, o padrão crescente
de qualidade exigida pelos cidadãos-usuários dos serviços e a imprevisibilidade
das sociedades complexas exigem uma verdadeira revolução nas metodologias
e técnicas de planejamento estratégico.
Neste capítulo vamos apresentar não só uma concepção nova de planejamento,
profundamente adequada ao enfoque da gestão pública inovadora, mas também
um roteiro prático de apresentação. Este roteiro envolve tanto o “como fazer”
com modelos e dicas de moderação de grupos como o sentido de cada momento
da metodologia.
130 Planejamento e gestão inovadora

Um dos maiores desafios de qualquer governo é enfrentar sua baixa


capacidade de gestão para mudar a realidade, aplicar seu programa e resolver
problemas estruturais que estão fazendo parte da “paisagem”. Quando o projeto
político é transformador e ambicioso este problema ganha maior importância
ainda, pois é preciso lutar contra a baixa governabilidade e o isolamento imposto
pelos adversários. A valorização das técnicas e ferramentas de gestão e de
planejamento estratégico fazem parte assim de um amplo e longo esforço para
retomar o sentido mais profundo do termo política: a arte de governar.
Antes, porém, de efetivamente se discutir o planejamento estratégico com
enfoque participativo deve-se esclarecer o papel dos participantes deste processo.
Considera-se que, para efeitos desta metodologia, as organizações públicas
necessitam de profissionais qualificados com características de facilitadores
internos.
Entende-se, portanto, facilitador como a pessoa que, tendo sido capacitada
através de atividades formativas específicas, poderá desenvolver junto à sua
organização, o processo de assessorar, moderar e facilitar a implantação do
modelo, seguindo a dinâmica e os pressupostos indicados.

Quadro 19 – O que é o planejamento estratégico com enfoque participativo?


• É uma construção metodológica derivada da proposta de Carlos Matus, da
centralidade da participação e a da experiência concreta de planejamentos
estratégicos concretos em gestões públicas em diversos níveis, de movimentos
sociais e entidades de classe.
• É a defesa de uma concepção democrática e participativa de Estado e gestão
pública que associa a eficiência e eficácia das políticas públicas com a inclusão
social e política dos trabalhadores públicos e das populações beneficiadas.
• É uma construção metodológica para moderação de grupos e solução de problemas
relacionados aos atos de governar, à direção de organizações, problemas de alta
complexidade e baixa governabilidade.
• É um movimento teórico-prático para reconstrução da capacidade de planejamento
governamental como capacidade de governo, não restrita à formulação de políticas
macro-econômicas ou de desenvolvimento regional.
• É tributário de uma concepção de planejamento geradora de conteúdos para
formação gerencial dos gestores públicos, ou seja, para o acúmulo de capital
humano, articuladora básica de currículos e conteúdos para escolas de governo que
formem quadros gestores para administração pública brasileira.
Planejamento e gestão inovadora 131

Nas próximas seções será abordada uma proposta metodológica na forma de


um “roteiro de aplicação” do planejamento em organizações, particularmente
aquelas em que a relação de poder entre gestores/ofertantes e cidadãos/
demandantes, ou seja, a variável política, não é desprezível.
Isso não significa que relações de poder não existam em organizações
privadas de mera natureza mercantil, nestas a incerteza futura de mercados
globalizados, a disputa permanente com concorrentes em estruturas de
monopólio e oligopólio ou as relações sempre tensas entre políticas públicas
regulatórias e clientes cada vez mais organizados e conscientes já justificaria o
emprego e o uso de planejamento estratégico.

8.1 O marco referencial


O planejamento estratégico diz respeito à gestão de governo, à arte de
governar, quando perguntamos se o governo está caminhando para onde se quer
ir, se está fazendo o necessário para atingir seus objetivos, se está começando
a debater o problema do planejamento. A grande questão consiste em saber se
a organização é arrastada pelo ritmo dos acontecimentos do dia a dia, como a
força da correnteza de um rio, ou se ela sabe onde chegar e concentra suas forças
em uma direção definida.
O planejamento, visto estrategicamente, não é outra coisa senão a ciência
e a arte de acrescentar maior governabilidade aos nossos destinos, enquanto
pessoas, organizações ou países. O processo de planejamento, portanto, diz
respeito a um conjunto de princípios teóricos, procedimentos metodológicos
e técnicas de grupo que podem ser aplicados a qualquer tipo de organização
social que demanda um objetivo, que persegue uma mudança situacional futura.
O planejamento não trata apenas das decisões sobre o futuro, mas questiona
principalmente qual é o futuro de nossas decisões. O planejamento ao “ver” (e
simular) o futuro amplia o exame do presente, alterando-lhe as condições, o que
promove o futuro desejável e possível.
Se tentamos submeter o ritmo do desenvolvimento dos acontecimentos à
vontade humana devemos imediatamente pensar que governar em situações
complexas exige exercer a prática do planejamento estratégico até seu último
grau. Para atingir este objetivo será necessário entender e ultrapassar muitos
pré-conceitos em relação à atividade de planejamento no setor público.
132 Planejamento e gestão inovadora

Revisando o enfoque normativo e tradicional


Os métodos mais tradicionais de planejamento são extremamente normativos,
impessoais e se dizem neutros, pois se pretendem amparados na “boa técnica de
planejamento”. Este é o caso, por exemplo, de toda a tradição do planejamento
macroeconômico que se organizou em torno do uso de modelos econométricos
para projeção de taxas de crescimento e outras variáveis.
Retomamos sinteticamente como se estruturam teoricamente tais visões:
• Há sempre um ator que planeja e os demais são considerados simples
agentes econômicos com reações completamente previsíveis. O
planejamento pressupõe um “sujeito” que planeja, o Estado, e um
“objeto” que é a realidade econômica e social. O primeiro pode controlar
o segundo.
• As reações dos demais agentes ou atores são previsíveis porque seguem
leis e obedecem a prognósticos de teorias sociais bem conhecidas. O
diagnóstico é pré-condição para o planejamento, ele é verdadeiro e
objetivo (segue do comportamento social), portanto, único possível,
não há explicações alternativas dos demais atores.
• O sistema gera incertezas, porém são numeráveis, previsíveis enquanto
tais, não há possibilidade de surpresas não imagináveis.
• O ator social que planeja não controla todas as variáveis. Estas
são consideradas não importantes ou determinantes; têm um
comportamento previsível ou não são controladas por outros atores.
• Há nesta visão uma aparente governabilidade, gerada pela ilusão de
que as variáveis não controladas simplesmente não são importantes.
A governabilidade e a capacidade de governar são reduzidas e
absorvidas, em última instância, pela aparente pujança do projeto
político (que é “verdadeiro” per si e, portanto, autolegitimado). Neste
cenário, só há uma teoria e técnica de planejamento. Além do mais,
suas deficiências não aparecem como problema a ser resolvido, os
dirigentes se concentram mais nas relações de mando e hierarquia
e no tempo gasto na tentativa de corrigir a ineficácia dos projetos
(gestados convencionalmente).
Planejamento e gestão inovadora 133

Uma síntese do modelo tradicional de planejamento


na esfera pública
• Há um sujeito que planeja um objeto: materialismo vulgar.
• Há uma explicação verdadeira; se verdadeira, é objetiva: recusa a “visão
situacional” (ontologia dialética).
• Explicar é descobrir as leis que regem o sistema: ação se confunde com
comportamento (economicismo).
• O poder não é um recurso escasso (não há resistência criativa dos
“outros”): o poder não é relacional.
• É possível predizer o futuro e calcular as probabilidades de êxito e risco:
ignora a natureza do sistema social.
• É discursivo, oficialista e sempre “de médio prazo”.
• Planejar é uma coisa, fazer é outra: plano e gestão se compensam
negativamente.
• Os núcleos dirigentes improvisam no dia a dia, sem estratégia, sistemas
de informações vulneráveis e ferramentas de gestão ineficazes, são
governados pelas circunstâncias.

Uma concepção mais estratégica de planejamento


Uma concepção estratégica de planejamento parte de outros postulados.
A eficácia do plano depende da eficácia das estratégias dos oponentes e dos
aliados. Não há uma única explicação para os problemas, tampouco uma
única técnica de planejamento e monopólio do Estado. Neste modelo de poder
compartilhado a teoria normativa e tradicional do planejamento perde quase
toda sua validade.
Normalmente, pensamos que, se nada deve mudar, é porque o planejamento
é muito eficaz, embora desnecessário. Por outro lado, se tudo está rapidamente
mudando, o planejamento é pouco eficaz, embora muito necessário. Este
paradoxo aparente se dissolve quando abandonamos a ideia equivocada que
associa o planejamento ao exercício inconsequente da pura futurologia. Pensar
estrategicamente neste novo enfoque pressupõe colocar as relações iniciativa-
134 Planejamento e gestão inovadora

resposta de agentes criativos no lugar das relações causa-efeito, típica dos


sistemas naturais.
O cálculo de planejamento é sempre interativo porque, sendo a eficácia
do nosso plano dependente da eficácia do plano dos outros atores, há um
componente de incerteza primordial, que é diferente de processos sociais
repetitivos ou das relações das ciências naturais. Há, portanto, uma carga
intensiva em formulação de estratégias e recursos de gestão, o oposto ao “plano-
livro” estático e tradicional.
O ator que planeja está inserido num jogo de final aberto, em que o próprio
tempo já tem conceitos diferenciados conforme a percepção de múltiplos agentes
em situação de poder compartilhado. Isso não quer dizer, entretanto, que se
rejeitem instrumentos e ferramentas metodológicas comumente utilizadas no
planejamento normativo, ao contrário, tais ferramentas adquirem uma utilização
ainda mais pragmática e eficaz.
Pode-se resumir os postulados teóricos deste enfoque metodológico nos
seguintes argumentos:
• O sujeito que planeja está incluído no objeto planejado. Este por sua
vez é constituído por outros sujeitos/atores que também fazem planos
e desenvolvem estratégias. Deste contexto surge o componente de
incerteza permanente e o cálculo interativo que exige intensa elaboração
estratégica e um rigoroso sistema de gestão. O caráter modular do
enfoque estratégico deriva desta necessidade de redimensionar, agregar,
combinar diferentes operações em diferentes estratégias.
• O “diagnóstico” tradicional, único e objetivo, já não existe mais, no
lugar surgem várias explicações situacionais. Como os demais atores
possuem capacidades diferenciadas de planejamento, a explicação da
realidade implica diferentes graus de governabilidade sobre o sistema
social.
• Não há mais comportamentos sociais previsíveis e relações de causa-
efeito estabelecidas. O “juízo estratégico” de cada ator determina a
complexidade do jogo aberto e sem fim. A realidade social não pode
mais ser explicada por modelos totalmente analíticos, a simulação
estratégica assume nesse contexto uma relevância destacada.
Planejamento e gestão inovadora 135

• O planejamento deve centrar sua atenção na conjuntura, no jogo


imediato dos atores sociais, o contexto conjuntural do plano representa
uma permanente passagem entre o conflito, a negociação e o consenso,
é onde tudo se decide. Na conjuntura concreta acumula-se ou não
recursos de poder relacionados ao balanço político global das ações de
governo. É por isso que “planeja quem governa”. Quem tem capacidade
de decisão e responsabilidade de conduzir as políticas públicas
deve obrigatoriamente envolver-se no planejamento. A atividade de
coordenação, assim, é indissociável do planejamento, que é também
uma opção por um tipo de organização para a ação, que se refere a
oportunidades e problemas reais.
• Os problemas sociais são mal-estruturados, no sentido de que não
dominamos, controlamos e sequer conhecemos um conjunto de
variáveis que influenciam os juízos estratégicos dos demais agentes
sociais envolvidos. Não há portanto como determinar com exatidão as
possibilidades de eficácia do plano ou os resultados esperados em cada
ação. Governar com plano estratégico mais do que resolver problemas
significa promover um intercâmbio de problemas quando nosso objetivo
é que problemas mais complexos e de menor governabilidade cedam
lugar a outros menos complexos e de maior governabilidade.
• O planejamento não é monopólio do Estado, nem de uma força social
situacionalmente dominante. O planejamento sempre é possível e seu
cumprimento não depende de variáveis exclusivamente econômicas,
qualquer ator, agente ou força social tem maior ou menor capacidade
de planejamento e habilidades institucionais.

A visão normativa e a visão estratégica não existem em “estado puro” na


prática do planejamento e nas técnicas de governo, embora a maioria dos órgãos
públicos trabalhe sobre influência predominante da primeira.
Esta concepção, portanto, recoloca o planejamento como um amplo
processo de reorganização administrativa, intensivo em gestão, capaz de apoiar
o redesenho organizativo e otimizar a produção dos serviços públicos.
136 Planejamento e gestão inovadora

O planejamento estratégico na perspectiva participativa


O planejamento estratégico e participativo assume as suposições do
planejamento situacional baseando-se nos seguintes fundamentos:
• É uma mediação entre o presente e o futuro: todas as decisões que
tomamos hoje têm múltiplos efeitos sobre o futuro porque dependem
não só da minha avaliação sobre fatos presentes, mas da evolução futura
de processos que não controlamos, fatos que ainda não conhecemos.
Portanto, os critérios que utilizamos para decidir as ações na atualidade
serão mais ou menos eficazes se antecipadamente pudermos analisar
sua eficácia futura, para nós mesmos e para os outros. Qual o
custo da postergação de problemas complexos? Que tipo de efeitos
futuros determinada política pública causará? Estes impactos futuros
aumentarão ou diminuirão a eficácia do nosso projeto de governo?
Tais perguntas dizem respeito ao necessário exercício de simulação e
previsão sobre o futuro, quando devemos adotar múltiplos critérios de
avaliação e decisão.
• É necessário prever possibilidades quando a predição é impossível: na
produção de fatos sociais, que envolvem múltiplos atores criativos que
também planejam, a capacidade de previsão situacional e suas técnicas
devem substituir a previsão determinística, normativa e tradicional
que observa o futuro como mera consequência do passado. Decorre
desta percepção a necessidade de elaborar estratégias e desenhar
operações para cenários alternativos e para surpresas, muitas vezes,
não imagináveis.
• Capacidade para lidar com surpresas: o futuro sempre será incerto e
nebuloso, não existe a hipótese de governabilidade absoluta sobre sistemas
sociais, mesmo próximo desta condição há sempre um componente
imponderável no planejamento. Devemos então, através de técnicas de
governo apropriadas, preparar-nos para enfrentar surpresas com planos
de contingência, com rapidez e eficácia, desenvolvendo habilidades
institucionais capazes de diminuir a vulnerabilidade do plano.
• Mediação entre o passado e o futuro: o processo de planejamento
estratégico se alimenta da experiência prática e do aprendizado
institucional relacionados aos erros cometidos. Portanto, será preciso
Planejamento e gestão inovadora 137

desenvolver meios de gestão capazes de aprender com os erros do


passado e colocar este conhecimento a serviço do planejamento.
• Mediação entre o conhecimento e a ação: o processo de planejamento
pode ser comparado a um grande cálculo que não só deve preceder a
ação, mas presidi-la. Este cálculo não é óbvio ou simples, é influenciado e
dependente das múltiplas explicações e perspectivas sobre a realidade, só
acontece, em última instância, quando surge a síntese entre a apropriação
do saber técnico acumulado e da expertise política. É um cálculo técnico-
político, pois nem sempre a decisão puramente técnica é mais racional
que a política, e vice-versa. O cálculo estratégico dissociado da ação será
completamente supérfluo e formal. Por sua vez, se a ação não for precedida
e presidida pelo cálculo estratégico, a organização permanecerá submetida
à improvisação e ao ritmo da conjuntura.

O enfoque proposto de planejamento, portanto, não é um rito burocrático


ou um conhecimento que possa ser revelado a alguns e não a outros, mas uma
capacidade pessoal e institucional de governar, de fazer política no sentido mais
original deste termo. O processo de planejamento não substitui a perícia dos
dirigentes, nem o carisma da liderança, ao contrário, aumenta sua eficácia porque
coloca estes aspectos a serviço de um projeto político coletivo.

8.2 A metodologia proposta


A metodologia do Planejamento Estratégico com Enfoque Participativo tem sua
principal inspiração no Planejamento Estratégico Situacional – PES, originalmente
elaborado por Carlos Matus e com as adaptações produzidas pela trajetória de
aplicação deste e outros métodos em inúmeros governos, organizações públicas
e do terceiro setor (ONGs, associações de classe, cooperativas, etc.).
A fim de adaptar metodologicamente o propósito original do PES às condições
de planejamento de um governo que, por conseguinte, possui já suas Diretrizes
Políticas Gerais (derivadas de um programa debatido eleitoralmente) – o que
inclui a diretividade dos seus órgãos e instituições subordinadas –, tornou-se
necessário redefinir o desenho da “identificação de problema”, introduzindo
tais diretividades no método como passo inicial. Essa operação de alteração
138 Planejamento e gestão inovadora

e adaptação resultou em admitir-se que a contextualização somente pode ter


sentido político estratégico se condicionada à diretividade do programa de
governo equivalente nos seus órgãos e instituições.
Isso significa que enfrentar os problemas implica identificá-los, respondendo
propositivamente, em função da direcionalidade imposta pelo programa de
governo. Vale dizer, de modo reduzido, que identificar e enfrentar os problemas,
no planejamento estratégico, consiste em responder à pergunta: “Quais os
problemas reais que impedem ou dificultam a realização das metas inscritas
no programa político do governo do órgão, instituição, programa, agente, etc.,
a ele relacionado e subordinado politicamente?”
Adota-se, portanto, a suposição de que um “programa de governo,”
constituído como tal, já é por si só uma primeira síntese direcional face aos
macroproblemas de conjuntura, prévia a declaração de problemas original. Aqui
o conceito de “programa” deve ser tomado em sentido amplo, ou seja, vale para
explicar, por exemplo, as diretrizes gerais dos programas eleitorais debatidos em
processos eletivos, como também se aplica para toda e qualquer direcionalidade
(diretriz, objetivos, metas estratégicas) que orientam uma gestão determinada
qualquer, numa empresa pública, numa organização prestadora de serviços,
numa entidade da administração direta ou grupos executivos formados para
cumprir tarefas específicas.
A materialização da teoria se dá quando ela é produto da práxis. Como se
tem por certo que a teoria somente se torna realidade material se for assumida
na prática por quem a implementa, a força das ideias do planejamento desejado
serão as ideias das forças políticas que as materializam. Disso resulta que, aquele
que executa deve planejar, mas também que é absolutamente pertinente que a
atividade prática seja uma atividade prático-crítica.
Para atender ao pressuposto necessário e orgânico da função governar – a
necessidade executiva –, o planejamento estratégico com enfoque participativo
estabelece a participação democrática numa forma de regime de “escala”, ou
por momentos de representatividade. Permite-se, assim, a ação executiva
sobre as deliberações do plano, sem comprometer a sondagem constante e
o monitoramento contínuo da própria execução dos planos, possibilitando
incorporar as movimentações situacionais dos atores e processos. Tal
característica não somente confere versatilidade ao estilo democrático, como
Planejamento e gestão inovadora 139

potencializa os escassos recursos de tempo, em especial dos gestores que, como


condição do planejamento, precisam participar de todas suas etapas – condição
promotora da efetiva governabilidade interna do planejamento.

Quadro 20 – Diferenças entre modelos de planejamento


Planejamento Planejamento
Aspectos e procedimentos
tradicional estratégico participativo
(1) Objeto do planejamento Situação passiva Situação ativa e complexa
Baseada em
(2) Explicação da realidade Apreciação situacional
diagnósticos e leis
Normativo e Jogadas sucessivas e
(3) Concepção de plano
prescritivo apostas
Consulta de Análise de viabilidade
(4) Análise estratégica
especialistas tecno-política
Específicos e com
(5) Atores sociais Genéricos
trajetórias definidas
(6) Conceito de operação Ação isolada do plano Medição entre plano e ação
Não é um problema É onde tudo se decide,
(7) Papel da gestão
do plano momento central do plano
Domínio das Domínio das importâncias
(8) Agenda da direção urgências e e do planejamento
improvisação estratégico
Não há ou tem função É sistemática e orienta a
(9) Prestação de contas
ritual qualificação da gestão
Gerência por setores Gerência por operações,
(10) Gerenciamento do plano ou departamentos, domínio da criatividade,
domínio da rotina intensivo em gestão

Momentos e método
Algumas advertências metodológicas prévias e cautelares são necessárias
para o encadeamento do roteiro proposto:
• Mais do que um conjunto de técnicas, o que se pretende é construir
e disponibilizar coletivamente um enfoque metodológico baseado na
visão estratégica e situacional que incorpore radicalmente elementos de
140 Planejamento e gestão inovadora

emancipação, liberdade e participação das pessoas. Neste sentido cada


processo de planejamento, seja institucional (numa secretaria, empresa
pública, autarquia ou fundação, por exemplo) ou por projeto/tema
específico, deve ser pensado particularmente com as devidas adaptações
metodológicas. Os princípios teóricos e postulados metodológicos
necessariamente devem sofrer mediações a partir da trajetória e do clima
interno da organização, da conjuntura do planejamento, do momento
em que ele se realiza e do projeto político-institucional da direção.
• Nada adianta adotar a linguagem e as palavras do planejamento estratégico
e participativo se não houver vontade política para disponibilizar os meios
necessários na organização para garantir que haverá acompanhamento
permanente dos fatos da conjuntura, cotejamento com o plano elaborado,
redesenho das ações e busca dos objetivos planejados. É no cotidiano, no
dia a dia, que o plano prova ou não sua eficácia, e para isso as práticas de
trabalho e as culturas organizacionais departamentalizadas e verticalizadas
tem que ser duramente combatidas. Afinal, a participação, como categoria
organizadora do Estado, não é só uma questão ideológica, mas também
gerencial e administrativa.
• As ferramentas e técnicas metodológicas propostas (matrizes, diagramas,
técnicas de priorização de ideias) são apenas instrumentos a serviço de
uma concepção metodológica determinada. Este método, por seu
turno, está impregnado de concepções teóricas sobre a sociedade, o
Estado, a ação humana e a produção de fatos sociais. Um erro comum
acontece quando inadvertidamente tomamos as técnicas pelos métodos
ou os métodos pelas sínteses teórico-ideológicas que os informam. O
fundamental para a eficácia do processo de planejamento é a plena
consciência do grupo de planejamento sobre quais são os marcos
teóricos e os princípios que estão orientando o uso dos métodos e a
aplicação desta ou daquelas técnicas que, de resto, são adaptadas de
acordo com as circunstâncias concretas.
• A “tecnologia” de aplicação do método implica visualização permanente
de todos os passos constituídos pelo grupo. Para cumprir este objetivo
são sugeridas várias matrizes (em anexo) que sistematizam os passos e
guardam coerência com o roteiro proposto.

A seguir, um quadro-resumo entre o planejamento convencional e o


planejamento situacional:
Quadro 21 – Planejamento Tradicional versus Planejamento Estratégico
Planejamento e gestão inovadora
141
142 Planejamento e gestão inovadora

A coerência interna do enfoque participativo e estratégico do planejamento,


no plano geral, decorre de quatro grandes momentos, que podem ser recursivos
e não lineares, mas que representam um sequenciamento lógico da elaboração
teórica do planejamento. A seguir, as características básicas dos quatro grandes
momentos.

Momento explicativo (explicar posicionando-se)


O momento explicativo tem como categoria central a noção de problema.
No planejamento tradicional a realidade é dividida em setores e o método dos
planejadores é tão fragmentado quanto são os departamentos dos órgãos de
planejamento. O conceito de setor, além de muito genérico e pouco prático,
é uma imposição analítica. O planejamento estratégico situacional propõe
trabalhar com o conceito de problemas. A realidade é composta de problemas,
oportunidades e ameaças. Esta categoria permite sintetizar a noção de explicação
da realidade em suas múltiplas dimensões (interdisciplinar) com a noção de
direcionalidade do ator: saber selecionar e identificar problemas reais (atuais
ou potenciais) e distinguir causas de sintomas e consequências já é mudar
radicalmente a prática tradicional dos “diagnósticos” convencionais. Explicar
a realidade por problemas também permite o diálogo e a participação com
setores populares que afinal sofrem problemas concretos e não “setores” de
planejamento, além de facilitar a aproximação entre “técnicos” e “políticos”. Na
explicação da realidade temos que admitir e processar a informação relativa
a outras explicações de outros atores sobre os mesmos problemas, isto é, a
abordagem deve ser sempre situacional, posicionada no contexto. Em resumo,
“explicar” é dialogar com a situação.

Momento normativo (definir o que se quer fazer)


É a instância em que se desenha o plano. Após a identificação, a seleção e a
priorização de problemas, bem como o debate sobre as causas, sintomas e efeitos,
estamos prontos para desenhar o conjunto de ações ou operações necessárias e
suficientes para atacar as causas fundamentais dos problemas (também chamadas
de nós críticos). Esta é a hora de definir o conteúdo propositivo do plano. O
Planejamento e gestão inovadora 143

central neste processo de planejamento é discutir a eficácia de cada ação e qual a


“situação-objetivo” esperada. Isso só pode ser feito relacionando-se os resultados
desejados com os recursos necessários e os produtos de cada ação. Os planos
normativos normalmente terminam aqui, onde o planejamento situacional
apenas começa. Para que ações tenham impacto efetivo e real na causa dos
problemas, há ainda dois passos ou momentos fundamentais, o estratégico e o
tático-operacional.

Momento estratégico (construir viabilidade política)


É a criação de possibilidades, a construção da viabilidade do plano. Se a
realidade social não pode ser fragmentada em diferentes “setores”, se outros
“jogadores” existem e têm seus próprios planos, se o indeterminismo e as
surpresas fazem parte do cotidiano, então o debate sobre a viabilidade estratégica
das ações planejadas não é só necessário como indispensável. Toda estratégia
é uma exploração consciente do futuro, ela resulta da situação diferenciada
dos vários atores em relação a problemas, oportunidades e ameaças. À parte a
grande quantidade de conceitos envolvendo o termo “estratégia”, aqui vamos
adotá-la com um conjunto de procedimentos práticos e teóricos para construir
viabilidade para o plano, para garantir sua realização com máxima eficácia. Dois
instrumentos-processos cabem aqui: a análise de cenários e a análise criteriosa
dos demais atores sociais ou agentes. Os cenários representam distintas reflexões,
limitadas pela qualidade da informação disponível, sobre possíveis “arranjos”
econômicos, institucionais, políticos, sociais, etc., capazes de influenciar positiva
ou negativamente a execução das ações planejadas no futuro. Ao permitir a
simulação sobre as condições futuras, os cenários permitem a antecipação das
possíveis vulnerabilidades do plano e a elaboração de planos de contingência
necessários para minimizar os impactos negativos. Já a análise dos demais
agentes envolvidos no espaço do problema-alvo do plano é imprescindível para
identificar o possível interesse e a motivação de cada um e o tipo de pressão
que é (ou será) exercida em relação às ações planejadas. É óbvio dizer que a
elaboração de cenários e o “estudo do outro” só tem um grande objetivo: desenhar
as melhores estratégias para viabilizar a máxima eficácia ao plano.
144 Planejamento e gestão inovadora

Momento tático-operacional (atuar na conjuntura)


É o momento de fazer, de decidir as coisas, de finalmente agir sobre a
realidade concreta. É quando tudo se decide e por isso do ponto de vista do
impacto do plano é o momento mais importante. Neste momento é importante
debater o sistema de gestão da organização e até que ponto ele está pronto para
sustentar o plano e executar as estratégias propostas. Para garantir uma resposta
positiva, será preciso acompanhar a conjuntura detalhadamente e monitorar não
só o andamento das ações propostas, mas também a situação dos problemas
originais. Deve-se reavaliar criticamente todo o processo interno de tomada de
decisões, e o sistema de suporte à direção, como os sistemas de informações,
devem ser revistos e reformulados. Outros temas vitais neste momento são
a estrutura organizacional, o fluxo interno de informações, a coordenação
e a avaliação do plano, o sistema de prestação de contas, as ferramentas
gerenciais existentes e necessárias e finalmente a forma, dinâmica e conteúdo
da participação democrática na condução do plano. Não podemos esquecer
que o planejamento estratégico só termina quando é executado, é o oposto à
visão tradicional do “plano-livro” que, separando planejadores dos executores,
estabelecia uma dicotomia insuperável entre o conhecer e o agir.
Um resumo dos quatro momentos do PES:

8.3 A construção do método: um roteiro


de aplicação
As declarações estratégicas – o início
Este momento é o equivalente a um planejamento institucional, realizado
pela direção da organização, que estabelece o norte estratégico, os grandes
macro-objetivos institucionais propostos pelo jogo social. A teoria matusiana
de planejamento usa com frequência a metáfora do “jogo” para explicar o
posicionamento histórico dos atores sociais, o jogo é composto de “situações”
no sentido hermenêutico, isto é, é impossível saber plenamente onde se está e
como vão agir os demais. Estes conceitos são muito próximos aos conceitos do
sociólogo francês Pierre Bourdieu de habitus – estruturas mentais e sociais que
condicionam a ação e o espaço de sociabilidade e campo – espaços sociais onde
os atores medem relações de força e cujas regras de funcionamento derivam
Planejamento e gestão inovadora 145

desta própria disputa. Ele será o ponto de partida do seminário de planejamento


estratégico mais amplo. Neste passo será definida a missão, uma imagem de
futuro, os valores e as Diretrizes Estratégicas da organização.

Quadro 21 – Fases do processo de planejamento

Planejamento Planejamento Planejamento


institucional estratégico operacional

A missão: o que é?
É a atividade essencial da finalidade e razão da existência de uma organização.
Esta definição serve para qualquer instituição pública, seja da administração
direta ou da indireta ou organizações sociais e sem fins lucrativos.
Contudo, há uma distinção que se deve adotar na caracterização deste
conceito, em relação a como é entendido pelo setor privado ou mercantil.
Esta caracterização é importante em razão da reduzida produção teórica desse
conceito, vinculando-o à atividade pública.
No setor privado, pode-se escolher livremente a missão que se desejar,
desde que atenda ao reclame de seu público-alvo, a um determinado foco, a
uma certa qualificação ou excelência, e se incorpore isso à imagem via missão
de valores dignificantes, apontando em direção à aceitação social – e sobretudo
mercadológica – da empresa pela relevância da atividade. Em última instância,
no setor privado a “razão de existência” da empresa é sancionada ou não pelo
mercado, é a perspectiva de demanda presente ou expectativa futura de realização
que justifica a existência da entidade.
No setor público, a missão de qualquer de suas instituições deriva de um
permissivo legislativo. Ela está condicionada às regras de responsabilidade
do jogo macroinstitucional, não há liberdade imediata de arbítrio por parte
do gestor na definição da “razão de existência” de uma organização pública.
Uma disfunção de tal natureza geraria tensões entre a conduta do governo e a
legalidade pré-constituída, o que pode, inclusive, ser uma opção consciente que
forma parte da direcionalidade do governo.
146 Planejamento e gestão inovadora

Em outra posição estão as organizações de natureza estatal, criadas pelo poder


público através de processos legislativos genuínos e pelo poder constituinte de
governo. Nestas, o caráter e a essência de sua missão são previamente definidos
pelo poder que as criou. Neste caso, a definição da missão da organização deve
coincidir com suas finalidades expressas no ato constituinte.

A visão de futuro: o que é?


É o sentido da direcionalidade da instituição. É aquele estágio que desejamos
alcançar, dentro de um parâmetro de realidade, em um determinado espaço
temporal. Corresponde a um futuro desejado e possível de ser alcançado, para o
qual serão fixados objetivos estratégicos. Cuida a visão de dotar a organização de
um “sonho possível” e tangível, para o qual as energias devem ser dedicadas.
O debate em torno da “visão de futuro” deve habilitar a construção de
uma imagem capaz de polarizar atenções e mobilizar “corações e mentes” da
organização. Tal imagem não se confunde com a “Missão”, mas a completa e
atualiza em um plano superior.
A visão deve materializar uma “ambição coletiva”, capaz de criar um clima
de envolvimento e comprometimento compartilhado, e seu enunciado deve ser
claro e objetivo, desafiador, irradiador de otimismo e positividade.

Os valores da organização: o que são?


São os princípios que orientam a prática organizacional. Mediatizados pela
definição que melhor caracteriza o sentido de sua realização. Toda organização,
pública ou privada, possui valores que busca realizar. Tais valores exigem
evidenciação para que todos os envolvidos possam analisar sua efetivação prática.
O debate coletivo sobre os valores prezados e cultivados pela organização permite
elucidar e declarar – muitas vezes com tensionamentos necessários – as condições
efetivas de clima organizacional, das relações interpessoais, do processo decisório
interno e das práticas organizativas mais dominantes.
Assim os valores de uma organização representam sempre as ideias
fundamentais em torno das quais se organiza a instituição, são as convicções
dominantes, as crenças básicas. Devem servir sempre como fonte de orientação
Planejamento e gestão inovadora 147

e inspiração no local de trabalho, são fundamentalmente ideias e simbologias


motivadoras que dão coerência e unidade de trabalho.
Os valores de uma organização pública, por exemplo, podem se referir à
qualidade dos seus serviços, à democratização e à transparência, à equidade, à
ética na função pública e à responsabilização social, etc.

As Diretrizes Estratégicas: o que são?


São os rumos-direções-sentidos que devem ser perseguidos para a escolha
de objetivos, projetos e metas, conformados por políticas, deduzidos da Missão
e Visão da Instituição, mas, sobretudo, do programa de governo. É uma linha-
guia, norteada pelos próprios objetivos, ou pela interpretação das políticas.
As Diretrizes Estratégicas definidas pela direção política do órgão constituem-
se em input para a fase seguinte, devendo, portanto, serem apresentadas para
todos os servidores e em especial aos participantes das diferentes fases do
planejamento estratégico com enfoque participativo.
Ao estabelecerem uma direcionalidade para o órgão, as Diretrizes Estratégicas
devem ser intensivas e focalizadas, ou seja, “poucas e boas”, pois elas irão
condicionar todas as etapas seguintes.

Quem participa?
É o momento instituinte da direção do órgão, indelegável e indispensável
para desencadear todo o processo de planejamento e gestão estratégica. Não se
pode delegar a outras instâncias da organização uma possível “interpretação”
das diretrizes da direção, ela mesma deve traduzir sua leitura do programa de
governo para o processo de planejamento.

Como fazer?
Deve decorrer da adaptação reflexiva, sobre a instituição a ser planejada,
deduzindo das diretivas fundantes, a Missão, uma Visão de Futuro, as Diretrizes
Políticas do Programa de Governo. Tais diretivas, para se constituírem num corpus
148 Planejamento e gestão inovadora

político que agregue e potencialize a organização, devem ser compartilhadas de


forma clara e consolidada pela alta direção do órgão.

Quadro 22 – Matriz das declarações estratégicas


Missão Por que a organização existe?
Visão de Futuro Onde queremos chegar no futuro?
Valores institucionais O que valorizamos no nosso convívio?
Diretrizes Estratégicas Quais os caminhos a percorrer para chegar?

AMEAÇAS OPORTUNIDADES
MISSÃO
(Limites) (Potencialidades)

VISÃO de futuro

VALORES
INSTITUCIONAIS

DIRETRIZES ESTRATÉGICAS

A informação mais importante registrada neste quadro é uma avaliação


preliminar do grupo sobre o grau de vulnerabilidade e potencialidade que
representa na conjuntura presente o desafio proposto pela Missão, Visão, Valores
e Diretrizes Estratégicas da organização, especialmente este último elemento.
As afirmações devem ser claras e objetivas para auxiliar depois no desenho de
operações e na análise de cenários. A análise de “ameaças & oportunidades” –
relativas à missão e visão de futuro – pode ser feita pelo grupo dirigente ou no
início do seminário de planejamento estratégico como tática para envolvimento
dos participantes e nivelamento teórico.
Planejamento e gestão inovadora 149

Decidindo coletivamente o plano estratégico – o passo


seguinte
A constituição de um comitê de planejamento ou grupo de planejamento
dentro da organização é o primeiro passo para desencadear o planejamento
estratégico no âmbito do conjunto da organização. Sua tarefa será organizar
e sistematizar as declarações estratégicas da alta direção, de modo a torná-
las acessíveis a toda a organização e preparar a ampliação participativa do
processo.
A constituição desse comitê é de exclusiva responsabilidade da direção do
órgão, que indicará sua composição e coordenação. Sua existência culmina com a
definição, já no âmbito do seminário geral, de novos componentes que irão, então,
constituir, o comitê de gestão, junto aos originários do comitê de planejamento,
com a coordenação indicada pela direção do órgão. Resumindo, sugere-se que,
após tomada a decisão política-institucional de fazer o planejamento, a direção
delegue a uma força-tarefa (um grupo de trabalho ou comissão) a incumbência
pela organização e preparação do processo amplo, ou seja, dos seminários de
planejamento até a elaboração do documento final.
Durante o seminário este grupo deve transformar-se num coletivo de
gestão do plano elaborado, incorporando a representação do próprio grupo de
planejamento que desenhou o plano durante os seminários.

A análise situacional da organização – iniciando


o seminário de planejamento
O que é?
É a análise coletiva da situação em que se encontra a organização que planeja,
no contexto da conjuntura, consideradas as declarações estratégicas propostas
pela direção política do órgão. É o momento de introdução do seminário
geral.

Qual objetivo?
O objetivo deste passo é crucial para viabilizar o processo do planejamento
estratégico, com enfoque participativo. Em primeiro lugar, é preciso reconhecer
150 Planejamento e gestão inovadora

que a proposição de Diretrizes Estratégicas para o órgão é específica da função


de governo exercida pela direção.
Este atributo está legitimado pelo processo de escolha eleitoral democrática e
fundante do início do processo de planejamento. Nesta fase a direção “submete”
à reflexão conjunta do grupo de planejamento a Missão, os Valores norteadores,
a Visão de futuro, e as Diretrizes Estratégicas. Os objetivos são:
(1) Tornar clara e transparente para todo o grupo “onde a direção quer
chegar”, quais as grandes estratégias da organização e quais as ameaças
e oportunidades que ela visualiza para o condicionamento destas
diretrizes.
(2) Garantir ao conjunto dos participantes (staff, gerentes e representantes
dos funcionários) a crítica às orientações gerais da direção.
(3) Criar situação de assimilação/reflexão por parte dos funcionários, em
relação às diretrizes. Mesmo que haja discordância ou antagonismos
aparentemente irreconciliáveis entre os participantes do seminário (os
funcionários eleitos, por exemplo), é vital que todos tenham a mesma
compreensão das diretrizes, ou seja, “falem a mesma língua”.
(4) Construir uma solução de compromisso com o grupo de participantes
(especialmente aqueles não vinculados à direção) em relação às
diretrizes propostas. Ou seja, exercitar a prática do convencimento pela
racionalidade argumentativa, pelo livre debate de ideias.

Como fazer?
O facilitador – consultor externo, moderador ou coordenador – (não
é aconselhável a apresentação por membro da direção) deve apresentar o
planejamento institucional que contém as principais informações sobre a
avaliação situacional do órgão. A seguir, deve-se debater a partir da Missão,
Visão de futuro, Valores, análise de oportunidades e ameaças até chegar nas
Diretrizes Estratégicas.
É importante deixar claro que as diretrizes são prerrogativas da direção,
porém elas não estão acima, nem abaixo, da crítica do coletivo presente ao
seminário. Este deve, se for o caso, propor formulações alternativas com leituras
diversas para convergência de expectativas e acordos internos.
Planejamento e gestão inovadora 151

O debate tecno-político direto, sincero e aberto define até onde as mediações


serão necessárias. O importante é assegurar o maior grau de realidade para o
debate. Normalmente, avaliações situacionais autocomplacentes ou triunfalistas
provocam uma “falsa autoimagem” que resultará em planos ineficazes ou
estratégias equivocadas.
As oportunidades representam as forças impulsoras ou os “fatores críticos
de sucesso” e podem estar relacionadas a aspectos econômicos ou financeiros,
oportunidades da conjuntura, características organizacionais ou de recursos
humanos, potencialidades futuras do ambiente interno e externo da organização,
clima organizacional, imagem externa, cultura de planejamento, liderança,
qualidade dos serviços prestados, experiência, etc.
A chamada “análise SWOT” (já debatida no curso) serve como um
“aquecimento” do grupo para identificar a situação atual da organização,
particularmente os grandes gargalos e problemas relacionados aos seus objetivos
estratégicos.
As ameaças ou pontos fracos, também chamados de debilidades, constituem
tudo que a organização faz ou deixa de fazer, tornando-se distante da Missão,
Valores e imagem de futuro. Neste momento podem constar os mesmos
processos e análises da etapa anterior, porém agora com conteúdo negativo.
A análise de ameaças/pontos fracos e oportunidades/pontos fortes deve ser
feita relativamente ao desejo de cumprir a Missão, construir os valores e uma
visão de futuro.

Análise do ambiente interno:


(a) forças ou pontos fortes: aquilo que a organização deveria estar fazendo e
já está fazendo bem. São variáveis que a organização controla e executa
bem. Exemplos: boa imagem junto aos clientes; existência de bom
sistema de informações gerenciais, colaboradores comprometidos,
liderança forte e atuante, cultura de planejamento, qualidade dos
serviços prestados, experiência acumulada, etc...
(b) fraquezas ou pontos fracos: aquilo que a organização deveria estar
fazendo e não está fazendo, ou está fazendo mal. São variáveis que a
organização controla, mas executa mal. Exemplos: ausência de objetivos
152 Planejamento e gestão inovadora

e metas claras, desmotivação dos colaboradores, clima de desconfiança,


liderança fraca, serviços de má qualidade, etc.

Análise do ambiente externo:


(a) oportunidades: forças externas à organização (políticas, econômicas,
sociais, tecnológicas, legais) que, se conhecidas a tempo, podem ser
melhor aproveitadas enquanto perduram, dependendo das condições
internas da organização. Exemplos: facilidade de acesso a novas
tecnologias, disponibilidade de maior volume de recursos por conta
de linhas de crédito especiais, incentivos governamentais à cultura do
planejamento e avaliação de resultados, etc.
(b) Ameaças ou riscos: forças externas à organização, que, se conhecidas
a tempo, podem ter o seu impacto minimizado. As ameaças podem
concretizar-se ou não e seus impactos podem afetar ou não a
organização, dependendo de suas condições internas de neutralização.
Exemplos: instabilidade política dos dirigentes, falta de autonomia
gerencial, greves, etc.

As diretrizes serão revisitadas após esta análise, no sentido de fixar as grandes


marcas estratégicas que, superando as ameaças e aproveitando as oportunidades,
nos aproximam da missão e da imagem da organização.
Ou seja, pressupõe-se que após um exaustivo diagnóstico global da situação
da organização feito pelos participantes do seminário as condições para
hierarquização e priorização das diretrizes estarão postas. Algumas experiências
realizadas concluem esta parte inicial do evento com a definição das grandes
“marcas” e símbolos que deverão marcar a gestão.

Quem faz?
O Grupo de Planejamento em plenária, a princípio. Pode-se, conforme
as circunstâncias (para ganhar tempo, por exemplo), dividir o grande grupo
em grupos menores para análise de oportunidades e ameaças. É vital para o
planejamento que a direção política do organismo esteja totalmente envolvida
desde este primeiro debate.
Planejamento e gestão inovadora 153

Identificando, selecionando e explicando problemas –


o momento explicativo
O que é?
É a identificação, seleção e priorização de problemas que se constituem
nos principais obstáculos para o cumprimento das Diretrizes Estratégicas da
organização, considerada a análise de ameaças e oportunidades.

Quadro 23 – Seleção de problemas

IDENTIFICAÇÃO ANÁLISE SELEÇÃO


Tema de insatisfação E DESCRIÇÃO DE PROBLEMAS
(sintomas) (descrição e formulação (compromisso
de problemas) limpeza de execução)
e descarte

Qual objetivo?
O problema é fundamentalmente uma situação desconfortável para o ator
que pode ser evitada. Isto é, o problema deve tornar-se um centro prático de
ação, mesmo que existam variáveis ligadas à explicação do mesmo, sobre as
quais possuímos baixa governabilidade. A identificação, seleção e explicação do
problema (através do fluxograma explicativo ou “árvore do problema”) é passo
fundamental porque dele deriva toda a construção posterior da metodologia.
Na percepção de Matus:

Existe uma tendência a crer que as soluções são previamente


conhecidas e que a explicação do problema deve acomodar-se às
soluções preconcebidas. Existe também uma tendência, em cada ator,
a crer que sua solução e sua explicação são as corretas. Esses vícios
de irreflexão opõem-se ao planejamento como processo criativo e
penetrante.

Resumo das principais vantagens metodológicas na “análise do problema”:


(1) demonstra claramente que os problemas têm causas relacionadas umas
às outras.
154 Planejamento e gestão inovadora

(2) permite construir uma visão mais sistêmica e holística sobre possíveis
estratégias.
(3) contribui para hierarquizar recursos escassos e focalizar as energias de
gestão.
(4) ajuda pedagogicamente nos processos de aprendizagem e participação
internos.

Os problemas que predominam no universo social, na gestão pública em


especial, são aqueles ditos “quase-estruturados” que exigem metodologias de
planejamento de qualidade diferenciada.
Identificar problemas não é tarefa simples. Vemos o mundo de acordo com
os óculos que estamos usando. Cada pessoa tem sua cultura, suas referências
e valores. O que é problema para uns pode ser a solução para outros. Nossa
percepção e intuição são importantes, mas podem enganar.
Uma quadro-resumo que mostra as diferenças entre problemas bem
estruturados (fáceis de resolver) e problemas quase estruturados (difíceis de
resolver).

Quadro 24 – Tipos de problemas de planejamento


Problema estruturado Problema quase estruturado
1. As regras do sistema que o produz 1. O problema está determinado por
são precisas, claras, invariáveis e regras, mas estas não são precisas, nem
predeterminadas. Elas existem antes invariáveis e nem iguais para todos.
da solução do problema e permanecem Os atores sociais criam as regras, e às
iguais após a solução. vezes as mudam para poder solucionar
os problemas.
2. O homem está fora do problema 2. O homem (ou ator social) está dentro
e se relaciona com ele somente para do problema e é aí que o conhece
tentar resolvê-lo conforme regras e o explica, mesmo que não tente
predeterminadas; e, se o problema é solucioná-lo. A eficácia de uma solução
solucionado, ninguém terá dúvidas é discutível e relativa aos problemas que
quanto à eficácia da solução. seguem.
Planejamento e gestão inovadora 155

Problema estruturado Problema quase estruturado


3. As fronteiras do problema e do sistema 3. As fronteiras do problema e do
que o gera estão perfeitamente definidas. sistema que o gera são difusas.
Não há dúvidas sobre onde começa e
onde acaba cada coisa.
4. As regras do sistema tornam explícitos 4. Os atores sociais (ou os homens)
ou contêm implicitamente os conceitos criam possibilidades de solução que
(possibilidades e restrições) pertinentes à não existem previamente. Os conceitos
resolução do problema. para compreender as possibilidades de
solução e suas restrições não são dados
necessariamente previamente.
5. O problema está isolado de outros 5. O problema está sincrônica e
problemas e, havendo uma sequência com diacronicamente entrelaçado a outros;
outros, a solução de cada um não afeta a a solução de um problema facilita ou
solução dos seguintes. dificulta a solução de outros.
6. O espaço e o tempo pertinentes ao 6. O espaço e o tempo são relativos a
problema são definidos nas regras como quem se relaciona com o problema a
fixos, ou tornam-se fixos para quem se partir de diferentes posições.
relaciona com ele.
7. As variáveis que constituem o 7. O sistema é criativo e suas variáveis
problema são dadas, enumeráveis, não são dadas, não são todas
conhecidas e finitas. enumeráveis, nem conhecidas e nem
finitas.
8. Qualidade e quantidade não se 8. Qualidade e quantidade combinam-se
combinam, o problema se move em um inseparavelmente.
ou outro âmbito.
9. As possibilidades de solução do 9. As possibilidades de solução do
problema estão contidas nas suas problema são criadas pelo homem e são
premissas e são finitas em número. As potencialmente infinitas em número.
soluções são conhecidas ou conhecíveis
mesmo não sendo evidentes.
10. O problema coloca um desafio 10. O problema coloca um desafio
científico ou técnico, podendo múltiplo que abrange sempre o âmbito
supostamente ser tratado com sociopolítico, mesmo tendo uma
objetividade. dimensão técnica. A objetividade não é
possível, mas deve-se procurar o rigor.
156 Planejamento e gestão inovadora

Como fazer?
A identificação do problema segue, normalmente, uma sequência onde:
• o grupo define uma listagem de problemas com liberdade total de
critérios. Pode-se estimular o debate a partir da análise do “triângulo de
governo”, que relaciona nos vértices as categorias “Projeto de Governo”,
“Governabilidade” e “Capacidade para Governar”. Normalmente, o
debate sobre estes três pontos enseja uma “chuva de ideias” sobre os
problemas da organização;
• o facilitador ou o monitor promove a “limpeza” de problemas mal-
formulados ou confusos, inquirindo o grupo e provocando a reflexão
sistemática sobre os resultados da produção coletiva;
• o uso de tarjetas (pedaços retangulares de cartolina colorida onde
os participantes escrevem seus argumentos) ou outro método de
visualização é fundamental, pois garante a participação de todos. Aqui
cada palavra ou frase pode ter múltiplos significados;
• a descrição ou a redação de um problema deve ser feita de forma
negativa, isto é, expressando um sentido de negatividade de não
conformidade, etc.;
• tradicionalmente, iniciamos por definir soluções mesmo sem
saber quais problemas elas supostamente estão tentando resolver.
No planejamento estratégico, com enfoque participativo ocorre o
contrário da reflexão convencional;
• é fundamental colocar um só problema por tarjeta, facilitando a
recomposição visual das ideias durante o processo de seleção. Na
medida em que os problemas de redação são filtrados e corrigidos, o
entendimento e validação das declarações e o processo de seleção ou
priorização pode iniciar;
• devemos passar, em todas as fases ou passos, de uma situação de
reflexão extensiva para outra de priorização e seleção intensiva, ou
seja, de focalização permanente naquilo que é sempre prioritário, que
é anterior;
• o grupo deve separar três categorias analíticas que envolvem a
identificação de problemas: as causas, os efeitos e os sintomas do
Planejamento e gestão inovadora 157

problema. Deve-se começar pela descrição do problema, como


ele aparece, como se torna visível, e só depois explicar causas e
efeitos. A descrição de um problema pode ser a base para formular
indicadores que permitirão, mais adiante, montar um sistema de
monitoramento;
• o grupo seleciona 20, 30 ou 40 problemas que estão “no caminho”
das Diretrizes Estratégicas. Quanto maior o número de problemas,
mais tempo será necessário para processar o debate seguinte (seleção
e explicação);
• o grupo deve selecionar no máximo dois ou três grandes problemas
em cada estratégia (ou no máximo cinco problemas, para o conjunto
das estratégias). Lembramos que para cada problema selecionado
todo um “plano de ataque” deverá ser elaborado, suas estratégias,
instrumentos de gestão, etc.;
• o consultor deve agregá-las por âmbito temático (administração,
finanças, atividades finalísticas, etc.), pois isso facilita a leitura e a
interpretação do conjunto de problemas do grupo. Sugerimos a seguir
algumas perguntas-orientadoras como fio condutor dos debates, por
exemplo: Quais problemas são centrais para atingir as diretrizes?
Considerando a análise situacional – quem nós somos e para onde
queremos ir, onde devemos concentrar nossos recursos estratégicos?
Quais problemas estão totalmente fora da nossa governabilidade e,
portanto, exigem que se adote estratégias diferenciadas?

Quadro 25 – Critérios para seleção de problemas


CRITÉRIOS PARA SELECIONAR PROBLEMAS
(1) Qual a natureza e a intensidade do impacto do problema nas Declarações
Estratégicas definidas no Planejamento Institucional (diretrizes).
(2) Qual o valor político atribuído ao problema.
(3) Período de maturação dos sintomas e efeitos do problema (mandato).

(4) Recursos dominantes necessários para seu enfrentamento e solução.

(5) Grau de governabilidade e eficácia exigida do governo ou da organização.


158 Planejamento e gestão inovadora

CRITÉRIOS PARA SELECIONAR PROBLEMAS


(6) Qual a reação dos outros atores diante dos problemas selecionados.

(7) Quais os custos (financeiros ou não) do adiamento de seu enfrentamento.

(8) O ataque aos problemas exige padrões de inovação ou continuidade.

(9) Quais os impactos (ou abrangência) do problema a nível regional.

Outra finalidade deste “debulhamento” do problema é concentrar as atenções


nas causas e não nos efeitos ou sintomas do problema. A identificação das
causas dos problemas é fundamental e ainda podemos descrevê-las segundo os
diferentes graus de governabilidade que temos sobre elas. Por exemplo, existem
regras jurídicas ou condicionamentos estruturais (ou históricos) que ajudam a
conformar determinados problemas, porém não são centros práticos de ação,
pelo menos da ação direta do ator social que está planejando.
Caso haja disponibilidade de tempo no seminário, a montagem das árvores
explicativas e o fluxograma situacional (árvore só com causas fundamentais)
para cada um dos problemas selecionados é sempre a melhor opção. Um olhar
atento para uma árvore de um problema qualquer rapidamente identificará
os nós críticos como verdadeiros “nós” de uma rede explicativa mais ampla.
Nosso universo cognitivo deve ser sempre tensionado para apreender as
“redes explicativas” mais amplas que compõem o cenário e o pano de fundo de
explicações parciais e incompletas.
O central na explicação de um problema é concentrar as atenções nas suas
causas – por isso devem ser sempre separadas de sintomas e efeitos. Quanto
mais clareza e evidência coletiva das causas de um problema, maiores as chances
de desenhar a operação certa para enfrentá-lo e buscar a diretriz estratégica
predefinida. As causas mais fundamentais são verdadeiros nós críticos que
precisam ser “desatados”. O método propõe neste sentido o desdobramento das
causas em três tipos ou níveis classificatórios:
Planejamento e gestão inovadora 159

Quadro 26 – Explicação de um problema


• São determinadas por jogos anteriores, é a história passada do
jogo.
• São leis, normas, condicionantes que definem o jogo.
Regras • Os atores sociais que as defendem são os dominantes e têm
hegemonia.
• São normas estruturais, exigem muito poder para sua
modificação.
• São as potencialidades, as capacidades acumuladas dos jogadores.
Acumulações • São estoques de poder que sedimentam as jogadas, causas
influentes na conjuntura.
• São as causas mais imediatas do problema, mais próximas da
conjuntura.
Fluxos
• Têm influência sobre as acumulações e regras, mas podem ser
resultado imediato das mesmas.

Algumas analogias ilustram as diferenças entre estes três tipos de causas dos
problemas ditos “quase-estruturados”. Na hidráulica as regras seriam o regime
de chuvas, as acumulações a água dos rios e os fluxos a correnteza; nas finanças
as regras seriam os regulamentos do mercado de capitais, a acumulação o capital
financeiro e o fluxo a aplicação do capital, que pode gerar novas acumulações
ou não.
Exemplos de problemas quase-estruturados na administração pública:
“Ineficiência dos serviços de transporte coletivo”, “Excessiva concentração
da renda”, “Baixa produtividade do funcionário público”, “Inviabilidade do
modelo previdenciário atual”, “Inexistência de mecanismos participativos
na gestão”, “Baixo desenvolvimento econômico regional”, “Poucos recursos
tributários próprios do município”, “Baixa consciência política da população”,
“Sistema de monitoramento do governo é precário”, “Relação desqualificada
entre administração e sindicatos”, “Planejamento burocrático e normativo é
dominante”.
A explicação situacional de um problema gera um conjunto de causas
interligadas (fluxograma situacional), se selecionarmos, por exemplo, dois
problemas centrais para cada diretriz estratégica, dependendo do número de
diretrizes haverá dezenas de causas a serem resolvidas. É aqui que operamos
mais uma vez com o conceito de seletividade e hierarquia do método, devemos
160 Planejamento e gestão inovadora

escolher as causas mais fundamentais – chamadas de nós críticos – que sejam


centros práticos de ação e estruturem as cadeias causais.
Um recurso de visualização gráfica que pode ser utilizado é a elaboração
da Matriz de relacionamento Diretrizes Estratégicas x Problemas. Ela ajuda a
perceber os níveis de sensibilidade cruzada entre o conjunto das diretrizes e o
conjunto de problemas.
O facilitador deve estimular o grupo a responder qual é o grau de impacto
do problema na Diretriz – alto, médio ou baixo.
Na análise horizontal – Diretriz, pode-se verificar o balanço do conjunto
de impactos dos problemas e o nível relativo de exigência de recursos para sua
conquista.
Na análise vertical – Problema, pode-se identificar o balanço de impactos
de um único problema no conjunto de diretrizes e, assim, a noção relativa da
importância de cada problema em relação aos demais.

Quadro 27 – Descrição de problemas – analítico

DIRETRIZ ESTRATÉGICA

PROBLEMA(s) SELECIONADO(s)

(CAUSAS DO PROBLEMA)
(DESCRITORES DO PROBLEMA) (EFEITOS DO PROBLEMA)
regras – acumulações – fluxos

Quadro 28 – Descrição de problemas – sintético

DIRETRIZES PROBLEMAS DESCRITORES


Planejamento e gestão inovadora 161

Este quadro (em ambas as formas) deve registrar com precisão quais são os
problemas escolhidos para enfrentamento. A sinalização dos descritores ajuda no
momento de debater indicadores e monitoramento, enquanto que a precisão das
causas é fundamental para o desenho normativo do plano. Um problema central
para cada diretriz ou dois a três problemas para o conjunto de diretrizes.
Agora temos vários problemas, todos verdadeiros, bem redigidos,
compreensivos e de enfrentamento necessário para atingir ou aproximar-nos das
diretrizes. Apesar do pressuposto metodológico de que os debates e construção
de consenso de grupo são objetivos permanentes, estes dependem do tempo
disponível e do grau de divergência que se apresente no momento e de qual é a
maturidade do grupo para processá-la. O consultor deve priorizar os problemas,
o ideal é um ou dois problemas em cada diretriz. Para isso utilizam-se técnicas
de priorização, como, por exemplo, aquelas baseadas em pontuação livre dos
participantes, em um sistema de apostas, com valor máximo e mínimo.

Quadro 29 – Matriz de relacionamento Diretrizes Estratégicas x problemas

PROBLEMAS
P1 P2 P3 P4
DIRETRIZ

D1

D2

D3

Este quadro é útil quando houver um grande número de Diretrizes Estratégicas


a serem atingidas e/ou um grande número de problemas a serem enfrentados.
Deve registrar a análise das relações de mútua influência entre a solução dos
vários problemas selecionados e as Diretrizes Estratégicas da organização. Sua
162 Planejamento e gestão inovadora

utilidade fica evidente no auxílio à decisão sobre quais problemas têm maior
impacto negativo nas diretrizes. As noções de governabilidade, capacidade de
governo e projeto político surgem com intensidade neste tipo de debate, pois a
valorização dos problemas é sempre situacional e distinta entre os membros da
organização. A natureza do problema selecionado determina em grande medida
a qualidade do processo de planejamento e do modelo de gestão.

Quem faz a análise de problema?


O Grupo de Planejamento, conforme o tempo disponível e o tamanho do
grupo, pode ter uma divisão em grupos menores por diretriz. O fundamental é
que todos se envolvam na seleção e explicação dos problemas.

Definindo as operações do plano – o momento normativo


O que é?
É o momento em que definimos o desenho das operações para incidir na
realidade concreta. É o momento mais normativo do método. O que fazer para
resolver as causas essenciais dos nossos problemas? Qual deve ser o rumo a tomar
para atingir as Diretrizes Estratégicas? Quais as grandes ações ou operações
necessárias? Estas questões dizem respeito à aplicação de variados recursos
para produzir resultados determinados. Tudo que demandar recursos, gerar um
produto específico e produzir resultados pode ser chamado de ação.
Usamos neste texto as palavras “projeto” e “operação” e “ação” como
equivalentes. Uma taxionomia mais rigorosa definiria “projeto” como um
conjunto lógico de operações e “ações” (e subações) como desmembramentos
lógicos das operações, os projetos podem ainda ser agrupados em programas
conforme identidades temáticas: administração, infraestrutura, econômico, etc.
As operações do plano na verdade é a denominação genérica de uma categoria de
planejamento que traduz fundamentalmente a iniciativa, a vontade de fazer de
um ator social, sua direcionalidade, ela assume formas diferenciadas de acordo
com a escala e o escopo do projeto, pode significar as atividades, as ações, os
projetos ou os programas. Na definição precisa de Matus:
Planejamento e gestão inovadora 163

(...) o programa direcional de um ator social [o conjunto coerente


de operações e ações] é o conjunto de meios ou atos de intervenção
social capazes de gestar uma dinâmica causal de mudança situacional
na direção e na velocidade necessárias e suficientes para alcançar,
com boa aproximação qualitativa e quantitativa, a situação-objetivo
assumida como compromisso. Em outras palavras, o programa
direcional é um compromisso de ação e resultados; é uma proposta
normativa. Através dele o dirigente procura estabelecer um novo eixo
direcional que aponte para a situação-objetivo e permita alcançá-la
num determinado tempo. Chamamos projeto de ação ao conjunto de
operações que enfrentam a situação de uma área problemática. O
programa direcional não é uma estratégia e tampouco é uma política.
Não é uma estratégia porque não indica a forma de construir a
viabilidade do plano. Não é uma política porque, em nossa concepção,
uma política é o modo de fazer ou desenvolver uma estratégia na
prática. Nesta divisão de tarefas, a estratégia é um modo de pensar
a política, e a política um modo de fazer uma estratégia...

Recomendamos utilizar como base metodológica para o desenho e a gestão


de projetos e/ou operações, aquela proposta pela metodologia do PMI (“Project
Management Institute”), sistematizada pelo livro Guia de Conhecimentos em
Gerenciamento de Projetos PMBOK. Esta metodologia oferece uma técnica
efetiva de projetos distribuída por áreas de conhecimentos, cada uma com
seus processos, distribuídas por cinco fases: iniciação, planejamento, execução,
monitoramento e controle e encerramento. Há vários softwares no mercado que
auxiliam a elaboração de projetos, entre os quais podemos citar o MS Project, o
WBS Chart Pro, o PERT Chart Expert, o Mind Manager, etc.

Qual o objetivo do desenho das operações?


Aqui devemos construir coletivamente, direção e funcionários do órgão,
uma solução democrática e de compromisso sobre os rumos da organização, os
principais projetos, programas, ações, etc., rumo ao cumprimento das diretrizes,
à construção da imagem de futuro dentro do horizonte de planejamento
determinado.
164 Planejamento e gestão inovadora

Como fazer operações?


O facilitador ou consultor deve promover o grupo de modo a estimular a
participação de todos, facilitar o processo de exposição de ideias, independente
do cargo, função ou salário de cada participante. Algumas dinâmicas e técnicas
de grupo podem ser utilizadas para facilitar a criatividade do grupo.
Uma ação ou operação, projeto, atividade, etc., representa, fundamentalmente,
uma intenção materializada num compromisso de mudança da realidade que é
declarado pelo ator ou agente que está planejando.
Desenhar uma ação implica determinar uma relação entre recursos, produto
e geração de um resultado e não pode ser confundida como uma recomendação,
simples intenção genérica ou enunciado de um desejo vago e nebuloso.
Alguns cuidados devem ser observados quando desenhamos operações no
planejamento estratégico:
• evitar a “síndrome da autossuficiência”, cegar-se pelo voluntarismo ou
falsa percepção dos limites, propor-se a fazer “mais do que os recursos
disponíveis permitem”.
• evitar deixar fora do foco de atenção variáveis importantes ou avaliações
necessárias.
• evitar a má apreciação das oportunidades da conjuntura.
• superestimar a própria força ou subestimar as forças adversárias ou
concorrentes.
• perder eficácia por insuficiência de conhecimento técnico, científico
ou cultural para elaborar os projetos (operações) necessários ou
• perder eficiência por incapacidade ou debilidade de gestão e
organização.

Quem faz as operações e ações?


Normalmente, o desenho de operações exige reflexão e debate multidisciplinar
e intersetorial, o que rompe com a segmentação convencional das organizações
públicas. Pode-se reorganizar o grupo todo por diretrizes ou problemas com
similaridade temática, formar grupos parciais para elaborar a Matriz Operacional
e realizar a análise de eficiência, eficácia e impactos nas diretrizes.
Planejamento e gestão inovadora 165

É fundamental o conjunto do coletivo de planejamento aprovar o resultado


final desta etapa. A parte normativa importante é o detalhamento operacional
(analisado diante) destas ações na fase do Planejamento com ênfase mais
Operacional. Em muitos casos o desenho de operações exige domínio de
competências técnicas específicas. Por exemplo, no planejamento de um serviço
de “pregão eletrônico” para compras públicas haverá necessidade de apoio
especializado em informática, ou no planejamento de um sistema de indicadores
sociais certamente haverá que se contar com o apoio de especialistas setoriais
em educação, saúde pública, saneamento básico e assim por diante.

A matriz operacional ou desenho das operações


A ideia de uma matriz operacional consiste em elaborar um instrumento de
visualização gráfica que contenha o conjunto das informações mais importantes
do desenho normativo do plano. A matriz consiste na disposição do conjunto
de operações definidas na primeira coluna e deve levar em consideração os
seguintes itens:
• detalhamento: conforme a complexidade das causas do problema ou
da diretriz estratégica, será necessário detalhar a operação em ações
ou os programas em projetos ou ações e, assim por diante, o grau de
detalhamento deve obedecer critérios de praticidade e operacionalidade
do plano.
• recursos necessários: deve-se estimular uma reflexão sobre o grau de
comprometimento de recursos necessários para executar a operação.
Os recursos sempre são multifuncionais, podendo ser classificados
em econômicos ou financeiros, tempo, humanos e políticos. Pode-se
atribuir uma graduação – alto, médio, baixo – em operações mais
complexas. A análise de recursos necessários é fundamental para avaliar
a eficiência da ação proposta a partir do balanço geral de recursos. A
análise dos recursos financeiros é a base para construção da proposta
orçamentária nas fases posteriores.
• produto gerado: é o efeito imediato e direto da execução da ação
ou operação. Por exemplo, se a ação proposta for: “elaborar projeto
de implantação de controladoria interna”, o produto gerado será
166 Planejamento e gestão inovadora

provavelmente um “projeto de implantação da controladoria” e os


resultados “melhoria da qualidade do gasto público”.
• resultado esperado: é crucial distinguir resultado de produto, para
que se analise a eficácia da ação, e isso equivale a responder a seguinte
pergunta: o produto esperado desta operação realmente garante o
resultado desejado? No exemplo anterior um dos resultados mais
prováveis seria a redução do desperdício ou melhoria da gestão. Há
sempre uma pré-intencionalidade ao definir resultados, já que uma
operação pode produzir muitos resultados. Resultados imprevistos ou
negativos, dependendo das estratégias de viabilidade e dos cenários
futuros. Pode-se debater aqui indicadores quantitativos e qualitativos
de resultado que, junto com os indicadores do problema, podem ajudar
para montar o sistema de monitoramento.

Quadro 30 – Relação entre “eficiência” e “eficácia”


eficiência eficácia
RECURSOS PRODUTOS RESULTADOS

• responsável: recomenda-se definir junto ao grupo de planejamento a


pessoa responsável pela execução da operação e que vai se responsabilizar
perante o grupo por esta tarefa ou pelo seu detalhamento técnico. Esta
definição pode ficar “em aberto” e ser retomada no final do processo
de planejamento, quando debate-se o problema da gestão do plano e o
conjunto de responsabilizações institucionais que ele demanda.

Estes elementos conformam o padrão mínimo da Matriz Operacional.


Algumas metodologias utilizam outras ferramentas como o “5W2H” (Quem?
Onde? Como? Por quê? Quando? Quanto? ver glossário), metodologias
de controle de qualidade no ciclo PDCA (planejar, fazer, corrigir e atuar
corretivamente) ou o Método do Quadro Lógico, por exemplo. Todas formas
e arranjos descritivos possíveis são válidos desde que haja sempre coerência
metodológica entre os princípios teóricos do método, a metodologia utilizada,
as ferramentas empregadas e os valores da organização que protagoniza o
processo de planejamento.
Quadro 31 – Matriz operacional

PROGRAMA

OPERAÇÕES/
PROJETO: RECURSOS PRODUTO RESULTADO RESPONSÁVEL PRAZOS APOIO
AÇÕES

P1

P2

P3
Planejamento e gestão inovadora
167
168 Planejamento e gestão inovadora

Esta matriz ou quadro procura resumir a etapa ou fase normativa do


planejamento quando desenhamos o “dever ser” do plano. Evidentemente que
o quadro representa mais uma ilustração do que um dispositivo operacional
para trabalho a nível tático ou operacional. Os elementos constantes da
matriz são mínimos para o desenho normativo de um projeto que podem
ser agrupados e articulados em programas específicos. Posteriormente, nos
seminários operacionais, os projetos e operações serão formatados em detalhe
para execução.
Pode-se acrescentar outras tarefas ao Seminário de Planejamento Estratégico
– dependendo do tempo disponível ou da necessidade da direção da organização
– outros elementos tais como: cronograma de execução, metas quantitativas,
pessoal de apoio, departamentos responsáveis pela execução, indicadores de
resultado, etc.
Não se deve esquecer que desenhamos ações para resolver problemas que, se
resolvidos, nos aproximam mais das Diretrizes Estratégicas. A conquista destas
diretrizes, considerando uma análise situacional dada, nos aproximará da nossa
missão e imagem de futuro proposta. Podemos ver que há um encadeamento
lógico não linear entre os momentos. Uma seleção equivocada de problemas,
por outro lado, certamente induzirá o desenho de ações com baixa eficiência
ou baixa eficácia.
O desenho das operações pode ser aproveitado como um momento para
aprofundar o caráter participativo do planejamento combinando a autoridade
tecno-política dos dirigentes e da equipe técnica do projeto ou da instituição com
a manifestação espontânea e autêntica da base da organização – funcionários
em geral.
Por fim, cabe lembrar que o momento normativo (o desenho das operações
do plano) não pode – durante o seminário de planejamento – detalhar e
aprofundar cada elemento da operação prevista. Imagine-se, por exemplo, que
num seminário da área de segurança pública surja a operação “Implantar sistema
de vigilância eletrônica nas áreas de maior periculosidade”. Evidentemente, o
detalhamento de tal operação demandaria muitas informações adicionais, entre
as quais a definição precisa do conceito de periculosidade, a viabilidade jurídica
de tal sistema, custos e tecnologia disponível, manutenção após implantação, etc.
Planejamento e gestão inovadora 169

Este detalhamento deve ser feito no planejamento operacional após o seminário


geral de planejamento e sob coordenação da “comissão de gestão do plano”.

Quadro 32 – Matriz Diretrizes Estratégicas/problemas x ações propostas

AÇÕES OU
PROJETOS
Projeto 1 Projeto 2 Projeto 3
Ação... Ação... Ação...
DIRETRIZES
PROBLEMAS

DIRETRIZ 1
PROBLEMAS

DIRETRIZ 2
PROBLEMAS

Este quadro retrata uma relação muitas vezes difícil de perceber ou esclarecer:
a relação entre as ações adotadas pelo grupo e sua relação de impacto sobre
os problemas que objetivam resolver, organizados por Diretrizes Estratégicas.
Cabe lembrar que a cada diretriz estratégica proposta pela equipe dirigente um
conjunto de problemas foram identificados, selecionados e explicados. Se o
grupo ou a organização adotou um único macroproblema para resolver, então
na primeira coluna poderão ser listadas as principais causas do problema (os
nós-críticos).

A elaboração de cenários – o momento estratégico


Desenhar projetos, ações, operações, pressupõe algum juízo sobre o resultado
futuro do nosso esforço, da mobilização de recursos. Esta direcionalidade do
programa depende, contudo, de muitas outras variáveis que são controladas
por diversos atores em contextos específicos, que sempre são nebulosos e
impossíveis de predizer. Por isso, é preciso aprender com o passado, simular o
futuro e diminuir as chances da improvisação.
170 Planejamento e gestão inovadora

A elaboração de cenários é relativamente complexa, depende do grau


de informação disponível pelo grupo e da complexidade do problema a ser
enfrentado. Quanto maior o âmbito temático do problema e menor, por efeito,
a governabilidade do ator que planeja, mais difícil fazer o cenário sem cair na
armadilha da “futurologia especulativa”. Imaginar cenários é como fazer análise
de conjuntura, só que para situações prováveis no futuro, tentando criativamente
projetar prováveis comportamentos.

Como fazer cenários?


Elenca-se descritivamente todas as variáveis importantes para o cenário, de
acordo com o âmbito do problema, a abrangência das operações e as diretrizes
da organização. Lembramos que as variáveis podem ser subdivididas de acordo
com o grau de governabilidade que temos sobre elas para facilitar a análise
posterior.
Construímos três hipóteses básicas sobre o cenário:
• um cenário provável;
• uma variação otimista do cenário provável;
• uma variação pessimista do cenário provável.

É evidente que o conceito de “provável” depende de uma série de fatores


entre os quais a quantidade de informação disponível sobre o comportamento
passado de determinados agentes sociais e processos, os juízos de valor de
cada um sobre o que pode acontecer, uma boa dose de “intuição cognitiva”, de
sensibilidade e aprendizado, etc.
Mesmo com todas as dificuldades, por que é importante tentar elaborar
cenários futuros? Porque saber identificar prováveis ameaças e oportunidades
com antecipação permite-nos adquirir uma vantagem estratégica, além de
melhorar a eficácia das operações pensadas na atualidade. Desenhar cenários
permite simular a viabilidade futura das ações do plano.
Em cada cenário revisamos os resultados esperados de cada ação/operação
e identificamos as vulnerabilidades existentes. Estas fragilidades serão fonte
Planejamento e gestão inovadora 171

inspiradora para redesenhar as ações ou elaborar outros projetos capazes de


manter o resultado original.
Os cenários servem, afinal, para testar a consistência da Matriz Operacional
num quadro de incerteza sobre o futuro, permitindo simular e antecipar as
oportunidades e ameaças conjunturais e aumentar a viabilidade do plano, pois
melhoram o desenho normativo, o “deve ser” do planejamento.

Quadro 33 – Desenho de cenários


Recomendações no desenho de cenários:
• Ter uma visão situacional da realidade como construção social.
• O futuro não é só a extrapolação de padrões comportamentais do passado.
• Distinguir tendências conjunturais daquelas estruturais: estabilidade x ruptura de
padrão de conduta ou comportamento.
• Construir hipóteses alternativas com plausibilidade e factibilidade: possuir a noção
de restrição.
• Imaginar as surpresas como rupturas dos padrões observados: atenção para
focalizar detalhes aparentemente “não importantes”.
• Nunca “congelar” os cenários, nem indicadores quantitativos.

Quadro 37 – Desenho de cenários – diagrama

VARIÁVEIS
OTIMISTA (B) PROVÁVEL (A) PESSIMISTA (C)
SELECIONADAS

1....................

2....................

3....................

VARIÁVEIS FORA VARIÁVEIS FORA VARIÁVEIS FORA


GOVERNABILIDADE GOVERNABILIDADE GOVERNABILIDADE
172 Planejamento e gestão inovadora

Um dos protocolos mais importantes para processar o quadro de incerteza


futura do plano é fixar sempre a ideia de que ao desenhar criativamente
operações, projetos e programas não o fazemos em condições abstratas e
ideais, nem sozinhos. Esta matriz procura sistematizar o debate sobre estes
contextos e estas condições políticas em que a governabilidade é sempre uma
variável limitada e dinâmica. É importante que o cenário provável seja o mais
realista possível, pois, quanto maior for o conhecimento acumulado pelo
grupo e seu domínio sobre o jogo, mais confiáveis tenderão a ser os cenários.
O gerenciamento do plano exigirá um acompanhamento preciso da evolução
de cada variável do cenário e seu monitoramento para redesenho das operações
em cada caso ou situação.
O cálculo estratégico nunca pode ser congelado, é um processo cujo formato
deve mudar continuamente, na medida em que as condições do jogo social são
elas mesmas modificadas e produzidas. A organização social que planeja, por
sua vez, deve estar sempre preparada para reagir rapidamente, aprendendo
com o passado recente, acompanhando cenários, aguçando a imaginação e a
intuição criativa.
Ou seja, o planejamento deve de alguma forma preparar a organização
para estar em prontidão permanente, pronta para rápida reação diante de
imprevistos. Quando aparentemente não houver alternativas políticas, cabe ao
ator criar as próprias opções das trajetórias futuras. Sugere-se trabalhar com
planos de contingência para as surpresas de alta probabilidade de ocorrência,
com significativo impacto sobre as diretrizes ou problemas do plano e cujo custo
seja adequado às condições da organização.
O preparo de planos de contingência e sua condição stand-by não podem,
em absoluto, diminuir a prontidão diante das surpresas inevitáveis dos cenários
futuros.
Planejamento e gestão inovadora 173

Quadro 38 – Impacto dos cenários nas ações


Projetos Operações Projetos Operações Projetos Operações
CENÁRIOS
MANTIDAS REJEITADAS REDESENHADAS
CENÁRIO
Otimista

CENÁRIO
Provável

CENÁRIO
Pessimista

Esta matriz está vinculada à anterior na medida em que, após análise de cada
cenário, muitas operações que anteriormente foram pensadas e desenhadas sem
esta reflexão agora serão modificadas com mais ciência e precisão a partir dos
cenários colocados. Conforme o balanço entre os três cenários e principalmente
o cenário provável, o grupo de planejamento terá teoricamente uma noção
maior da vulnerabilidade do plano diante da provável conjuntura futura do
jogo. Por exemplo, ações de alto impacto no problema que são rejeitadas no
cenário provável estão demandando nova reflexão sobre produtos, recursos ou
resultados esperados.

Construção das estratégias de viabilidade do plano


O que é o momento estratégico?
É o momento ou a etapa em que devemos refletir e formular o que
deveremos fazer para criar as condições nas quais as ações ou a operação
ganharão viabilidade. A questão estratégica portanto pode ser sintetizada no
gasto de recursos para gerar um único resultado: conquistar viabilidade política
(poder) para execução do plano. A estratégia faz parte do planejamento e é
um dos elementos que diferenciam radicalmente este enfoque das concepções
normativas e tradicionais.
A formulação estratégica é necessária porque a visão situacional do “jogo
social” implica a aceitação de outros jogadores e do futuro como resultado
nebuloso, aberto e permanente. O centro do memento estratégico é a análise
174 Planejamento e gestão inovadora

de viabilidade política do plano. Conforme Matus, é um cálculo necessário


ao processo de governo, sujeito a fortes elementos de incerteza. A análise
não é um mero exercício de predição, mas uma incursão simulada no futuro,
expressa também nossa vontade de fazer, tentando criar situações favoráveis e
antecipando o pré-desenho do projetos viáveis, com potencial para aproveitar as
oportunidades abertas e alterar o curso da mudança situacional, num movimento
de aproximação da situação-objetivo.

Qual o objetivo do cálculo estratégico?


Os resultados previstos em cada operação do momento anterior só ganham
materialidade a partir do cálculo estratégico. Quanto maior for a mobilização
de recursos ou a ambição do projeto político do gestor público, maior a
necessidade do cálculo estratégico, que depende muito das habilidades e perícias
organizacionais e institucionais, da capacidade de governar.
Embora possam existir alguns protocolos metodológicos para elaborar
estratégias, grande parte do sucesso depende da perícia individual e institucional,
do “pensar” estrategicamente, que é construído também pela experiência que
ensina. A categoria central que organiza este momento do método é o “poder”,
que é o resultado das pressões que a força aplicada de cada “jogador” (ator ou
agente social) produz. Aumenta-se a viabilidade do plano quando se acumula
mais poder, e perde-se poder quando projetos e ações tornam-se inviáveis.
Mas o que é o poder? O conceito de “poder” talvez seja um dos mais
complexos na ciência política. Matus responde com uma série de perguntas:

O que é poder? É um complexo de recursos de aplicação potencial?


É uma acumulação que sintetiza todas as acumulações sociais
possíveis para uma força social? É ao mesmo tempo uma relação
social e uma acumulação? De onde emana o poder? Como se cria e
se perde poder? Quais são os insumos sociais da produção de poder?
As forças sociais apropriam-se de um poder preexistente ou o poder
só existe como atributo das forças sociais? Como o poder relaciona-
se com outros conceitos como dominação, autoridade, habilidade
para conduzir, etc.? Como se relaciona o poder de uma força social
Planejamento e gestão inovadora 175

com o uso do poder que ela faz numa situação? Liberdade de ação é
poder? A variedade do possível para um ator expressa seu poder na
situação? Quanto vale o poder? Seu valor é absoluto ou é relativo
ao âmbito de seu uso? O poder é sempre relativo a outros? Qualquer
acumulação social é redutível a poder? Então, o que não é poder?
A informação, o domínio das ciências, o carisma, a simpatia, a
organização, os recursos econômicos, a ideologia assimilável, os
meios de comunicação, os meios de repressão, a adesão popular,
os deputados e senadores no Congresso Nacional e o controle do
aparelho de Estado são poder? Tudo isso, tão vago e tão complexo,
pode ser expresso em categorias operacionais que sejam úteis para
uma análise de viabilidade política?

Respondendo parcialmente suas próprias perguntas, o autor propõe um


conceito multidimensional de poder (tudo é poder), entretanto o poder só
existe como capacidade de fazer ou influir sobre o que os outros fazem, ou
seja, está relacionado ao agir e à ação social ou à expectativa de ação (a mera
demonstração de poder). Portanto, o poder é uma relação social que sempre
se refere ao nosso projeto vis à vis, o projeto dos demais agentes, é passível de
acumulação (estoque de poder) ou perda na arena social quando “compra-se”
poder (no conflito) de outros atores.

Como fazer o desenho das estratégias?


No momento normativo, quando desenhamos um conjunto de ações, estamos
debatendo e construindo uma análise de direcionalidade para o plano, e então
devemos nos propor o desafio de construir a análise de viabilidade que tem
outros pressupostos e condicionamentos.
Normalmente, a viabilidade de um plano está condicionada à viabilidade
política, econômica, técnica e institucional. Destas, a viabilidade política é a
mais complexa, porque diz respeito imediato às relações que estabeleço com
outros atores, aos recursos que domino e às motivações e aos interesses pelos
problemas concretos. Em resumo, a viabilidade política implica acumular poder
“no jogo” e através deste processo ser capaz de materializar os resultados do
plano e atingir as diretrizes.
176 Planejamento e gestão inovadora

Só há debate estratégico se reconhecemos nossas limitações, nossas restrições


de qualquer ordem. Embora a passividade e a conformidade diante das restrições
possam configurar uma estratégia deliberada (não há como neutralizar o
adversário), a limitação ao que é viável hoje não constitui uma opção estratégica,
antes disso traduz a renúncia ao um projeto próprio ou completa adesão ao
projeto de outro ator (perda de autonomia).
Comumente se colocam três grandes opções estratégicas:
• de cooperação, que supõe negociação e acordo onde cada parte cede em
troca de benefícios mútuos (jogo com resultado diferente de zero);
• de cooptação, implicando que uma parte ganhe a adesão da vontade de
outros atores, seja pelo peso, domínio de recursos ou força do projeto
ideológico; ou
• de conflito com outros atores sociais.

A escolha da melhor estratégia em cada caso concreto varia de acordo com a


direcionalidade de cada projeto, fatores ideológicos, culturais, emocionais e não
raras vezes absolutamente circunstanciais e imprevisíveis. A definição depende
basicamente da intensidade da vontade política em cumprir determinado plano,
apesar dos conflitos prováveis que isso pode implicar.
Numa situação de definição estratégica concreta (cooperação, convencimento
ou conflito) haverá sempre uma concorrência entre processos alternativos e
mutuamente excludentes: eficácia relativa à probabilidade de êxito, economia
de tempo como velocidade para obter resultados, eficiência do custo político e
econômico em relação aos resultados esperados, segurança para evitar os riscos
desnecessários e a redução de alternativas futuras, etc.
A formulação estratégica, como já estamos percebendo, não é tarefa de
simples solução e requer muita reflexão e tempo do grupo de planejamento.
Muitas vezes as circunstâncias exigem ceder diante das restrições, buscar
aliados, fazer rodeios táticos, atacar pelo ponto de menor resistência, dissimular
o objetivo de maior valor, esperar uma conjuntura mais favorável, etc.
O importante é nunca perder o sentido da direcionalidade do projeto político
(o repertório de operações e as diretrizes). O êxito não deve ser alcançado pela
Planejamento e gestão inovadora 177

simples adaptação dos objetivos, mas pela criação de condições de possibilidade


para viabilidade do plano.
Se a imagem de futuro ou as Diretrizes Estratégicas indicam uma
situação-objetivo no futuro, que atualmente não se mostra viável, então será
preciso planejar estrategicamente, aproveitando oportunidades e agindo com
planejamento.

Diferentes domínios da viabilidade estratégica


• Viabilidade política: refere-se à administração de recursos de poder
para aplicação na consecução dos objetivos possíveis. Trata-se de
produzir ações que acrescentem recursos de poder no relacionamento
com os demais atores.
• Viabilidade econômica: refere-se à disponibilidade de recursos
econômicos e financeiros necessários para desenhar as operações.
Trata-se de produzir ações que ajustem os resultados aos recursos
disponíveis ou elevar os recursos às necessidades das operações. Aqui
entra o tema da eficácia e eficiência meramente econômica, os critérios
de produtividade, rentabilidade, as metas das taxas de crescimento,
viabilidade micro ou macroeconômica, etc.
• Viabilidade técnica: consiste em disponibilizar a capacidade técnica
existente na forma de tecnologia que viabilize as operações, sejam
elas mobilizadoras de recursos na área das ciências naturais (projetos
de engenharia, por exemplo), ou na tecnologia organizacional e
administrativa.
• Viabilidade organizacional: refere-se às capacidades institucionais
do sistema como um todo e às capacidades pessoais e de liderança dos
gestores envolvidos no processo de planejamento. Ao nos perguntarmos
se nosso plano é viável organizacionalmente, qual é nossa real capacidade
operativa e se a rigidez burocrática é uma ameaça ao êxito do plano,
avaliamos este tipo de viabilidade. Isso implica, na imensa maioria dos
casos, colocar em cheque o modo como dirigimos, organizamos nossos
departamentos e tomamos nossas decisões.
178 Planejamento e gestão inovadora

A viabilidade organizacional do plano depende da capacidade da


liderança política dos gestores em conduzir as estratégias de transformação
dos organismos. Capacidade de planejamento estratégico, flexibilidade e
descentralização gerencial, responsabilização coletiva, alto desenvolvimento de
recursos humanos, avaliação permanente de resultados, sistemas democráticos
de direção, processo decisório participativo, alto capital intelectual e capacidade
de aprendizagem são características necessárias para o aumento da viabilidade
organizacional do plano.
A análise de viabilidade política, por exemplo, é o cálculo sobre os processos
de governo, sujeito a fortes elementos de incerteza. Este cálculo deve expressar
também nossa vontade de fazer, criando situações favoráveis para alterar o curso
dos acontecimentos nos cenários de nossas simulações.

A análise dos atores sociais


O comportamento dos demais atores ou entidades que estão no espaço dos
nossos problemas é determinante para a eficácia dos nossos planos, em todos
os domínios da viabilidade estratégica.
Conhecer profundamente os adversários ou concorrentes, como também os
aliados, é condição para formulação da estratégica mais adequada. Identificar
suas posições, seus interesses diante dos problemas e projetos, simular sua
provável reação no tempo, identificar sua capacidade de resposta, conhecer os
recursos críticos que controla, enfim, a viabilidade política de uma estratégia é
proporcional ao grau de conhecimento que possuímos sobre o outro, embora
não devamos esquecer que este conhecimento não é definitivo e que os
comportamentos são sempre criativos e imprevisíveis. A viabilidade política
é, assim, referente sempre às relações de poder, e só no momento da interação
criativa com os demais é que podemos acumular ou não poder.
Planejamento e gestão inovadora 179

Quadro 39 – Força e poder de um ator social

O que é a “força de um ator social” enquanto poder?


• É multidimensional, não é sua natureza que define, mas a circunstância do uso.
• Só tem valor relativo ao propósito do ator, é situacional.
• É produto da acumulação social, é capacidade ganha ou perdida no jogo.
• É um conceito que permite comparação, é mensurável, existe quando está em
movimento. É poder aplicado.
• Pode produzir resultados sem ser usada, poder de dissuasão.
• Na política se expressa pelo controle de “centros de poder”.
• É um recurso permutável, pode ser intercambiado no jogo social.
• A acumulação é condicionada pelas regras de poder, a institucionalidade fixa as
possibilidades-limite.

Será necessário analisar a capacidade real “de jogo” dos atores, pois ela confere
poder real (ou não) às suas motivações e intenções. A motivação e a capacidade
de um ator conformam sua capacidade de pressão no jogo social, isto é, um
ponto de aplicação da força do ator.
• Deve-se proceder uma análise dos recursos controlados por cada
ator já analisado. Os recursos no campo do debate estratégico podem
ser de múltipla natureza, por exemplo, recursos econômicos, adesão
popular, controle dos meios de comunicação, controle de bancadas
parlamentares, etc. Uma técnica de visualização gráfica simples consiste
em montar uma matriz de dupla entrada com os recursos relevantes na
primeira coluna e os atores na primeira linha, as casas são preenchidas
com alguma graduação que pode ser quantitativa (percentual, por
exemplo) ou qualitativa (alto, médio e baixo). Os atores mais críticos
para o problema estratégico são os que representam a um só tempo
os maiores graus de motivação, contra e a favor, com as maiores
capacidades expressas como controle de recursos críticos.
180 Planejamento e gestão inovadora

Quadro 40 – Poder de um ator – diagrama

Valor (+, -) Interesse (A, M, B)

Motivação
Pressão Ação

Força

Controle de recursos - qual o peso?

Quadro 41 – Matriz de controle de recursos

AÇÕES
A1 A2 A3 A4 A5
RECURSOS

FINANCEIROS
COGNITIVOS
POLÍTICOS

Outros...

Esta matriz identifica quais são os principais tipos de recursos importantes


para o planejamento em curso e qual o grau de controle de cada ator sobre o
mesmo, ela é uma matriz de informações básicas para ser utilizada mais adiante
no aprofundamento da análise estratégica e na interação entre atores sociais que
estão ora em conflito, ora em cooperação.
Planejamento e gestão inovadora 181

Quadro 42 – Matriz de interesse dos atores

ATORES SELECIONADOS

ATOR ATOR ATOR ATOR ATOR ATOR


1 2 3 4 5 6

Projetos e operações

AÇÃO 1

AÇÃO 2

AÇÃO 3

VALOR INTERESSE Máxima adesão

Analisar em cada cenário ou ALTO APOIA (+) A+


no cenário mais provável MÉDIO REJEITA (-) Máxima rejeição
BAIXO Indiferente A-

Este quadro expressa teoricamente as motivações dos atores sociais. Um


quadro básico para análise estratégica que é sempre uma questão de força e
poder, relação entre forças e pressões. O valor agregado ao interesse produz uma
motivação concreta de cada ator sobre cada ação, projeto ou operação do jogo.
A força de cada ator (elemento crítico para estabelecer a estratégia) depende
de vários fatores além da motivação, como a perícia, a personalidade, o suporte
cognitivo e o controle de recursos de cada jogador.
Mapeada a correlação de forças relativas ao espaço do problema, já
há condições mínimas de avançar na análise estratégica. Sabemos que os
comportamentos institucionais não dependem apenas das motivações ou do
182 Planejamento e gestão inovadora

poder acumulado por cada agente social, o jogo de pressões se realiza em


conjunturas concretas, em determinadas cenas ou cenários, portanto, devemos
retomar os cenários elaborados no momento anterior e construir nosso plano
estratégico, que consiste na elaboração de ações de viabilidade para o plano.
Em algumas experiências o grupo de planejamento define as linhas gerais das
estratégias ou as marcas centrais da mesma e delega para um grupo menor, que
pode ser a direção da organização ou parte do Comitê de Gestão, para detalhar as
operações de estratégia. Em problemas complexos e de alto potencial conflitivo,
o planejamento de uma nova matriz tributária, ou operações financeiras de alto
risco, por exemplo – o caráter reservado ou mesmo sigiloso da estratégia pode ser
necessário para preservar sua eficácia, pois o conhecimento prévio anteciparia
eventuais comportamentos hostis dos atores adversários.

Princípios para formulação de estratégias:


1º Aprecie eficazmente a situação: dissolva o problema em espaços
maiores.
2º Compatibilize a relação recursos-objetivos: proponha-se objetivos
ao alcance da sua capacidade de criar recursos.
3º Mantenha a concentração: evitar a “distração tática” imposta pela
agenda do dia a dia ou pelo ritualismo da burocracia (paisagem das
urgências).
4º Use o rodeio tático: evitar a “síndrome do touro”, não confundir o
tático com a negociação do doutrinário.
5º Economia de recursos: não abusar do poder, não “ganhar” oponentes
sem necessidade.
6º Valorize os demais atores: conheça os recursos que controlam e suas
motivações, seu código operacional, o padrão de comportamento
institucional.
7º Encadeamento estratégico: não há vácuo em política, simule os efeitos
dos movimentos táticos, projetando a sequência de estratégias.
8º Evitar o pior é sempre prioridade: impedir o retrocesso ou desacúmulo
de poder é sempre prioridade.
9º Evite trabalhar com certezas: não faça predições, prepare-se para
surpresas através da análise de cenários.
Planejamento e gestão inovadora 183

A melhor estratégia será sempre aquela que aumenta o campo de


possibilidades futuras para atingir as Diretrizes Estratégicas da organização.
É por isso que o centro estratégico concreto é a ampliação da governabilidade
do ator social que planeja. No setor público o debate estratégico é crucial para
enfrentar a crise do Estado e a fragilização das funções governamentais, a própria
despolitização da gestão pública.
Novamente, é crucial ter uma atitude mental aberta a compreender o mundo
e os agentes de uma forma situacional, isto é, relativa ao posicionamento de cada
um no tabuleiro do jogo. Gadamer, o filósofo alemão da hermenêutica, coloca
assim a impossibilidade de clarividência absoluta sobre as circunstâncias do jogo
social ou a necessária consciência sobre os limites e os horizontes, pois estamos
“imersos” na própria história que descrevemos:

(...) tornar-se consciente de uma situação é uma tarefa que em


cada caso reveste uma dificuldade própria. O conceito de situação
se caracteriza pelo fato de não nos encontrarmos diante dela e,
portanto, não podemos ter um saber objetivo dela. Nós estamos nela,
já que nos encontramos sempre numa situação, cuja iluminação é
a nossa tarefa, e esta nunca pode se cumprir por completo. E isso
vale também para a situação hermenêutica, isto é, para a situação
em que nos encontramos face à tradição que queremos compreender.
Também a iluminação dessa situação, isto é, a reflexão da história
efeitual, não pode ser plenamente realizada, esta impossibilidade
não é defeito da reflexão, mas encontra-se na essência mesma do
ser histórico que somos. Ser histórico quer dizer não se esgotar nunca
no saber-se.

Neste cenário, ampliar a governabilidade no setor público sinaliza uma


efetiva recuperação da capacidade de governo, pressuposto imprescindível para
realização de projetos transformadores e contra-hegemônicos. Um recurso
intelectual bastante útil, embora pouco utilizado, é a análise e o estudo de casos
e as experiências históricas ou mais recentes do ponto de vista do embate e de
conflitos estratégicos. Tente, para ilustrar e exercitar mentalmente, lembrar
de um caso público e concreto e responder metodicamente a estas perguntas:
184 Planejamento e gestão inovadora

Quem acumulou poder? Por quê? Quais as estratégias adotadas? O que estava
realmente em jogo?
A seguir algumas perguntas orientadoras que o facilitador ou consultor
pode desenvolver junto ao grupo para estimular a reflexão sobre o debate de
estratégias:
1. Quais as motivações dos nossos oponentes ou concorrentes?
2. Quais os motivos dos nossos aliados ou parceiros?
3. Quais projetos ou ações nossas têm maior oposição ou concorrência?
Por quê?
4. Quais estratégias possíveis viabilizarão as operações mais críticas (que
mobilizam mais oposição e recursos)?
5. Quais recursos os demais atores controlam e que são importantes para
o êxito do nosso plano?
6. Como podemos usar/neutralizar suas capacidades?
7. Devemos redesenhar as operações e projetos? Repensar os cenários?
Como se comportam nos cenários?
8. Estamos preparados para adotar a melhor estratégia?

Quem faz a análise estratégica?


O debate sobre estratégia exige intensa reflexão política e, dependendo
do grau de coesão do grupo, pode mobilizar grande debate. O facilitador
(moderador) deve ter a sensibilidade apropriada para identificar se o grau de
stress mental do grupo não compromete a qualidade do debate. A matriz de
interesse dos atores pode ser debatida no grande grupo, mas o detalhamento
mais sofisticado das operações tipicamente estratégicas (aumento da viabilidade)
devem ser delegadas para grupos menores.
Planejamento e gestão inovadora 185

Definição do sistema de gestão – o momento tático


e operacional
O que é?
No seminário de planejamento, o momento final focaliza o sistema de gestão
do plano, onde serão desenvolvidos os seguintes debates a partir do fio condutor
posto pelos seguintes questionamentos:
• Como este será coordenado?
• Quais procedimentos serão implementados para redesenhar a
organização?
• Como será montado o sistema de informações?
• Quais estruturas serão responsáveis pela avaliação permanente de
resultados e as correções necessárias?

Estes processos não poderão ser vivenciados totalmente no seminário de


planejamento, apenas simulados. Um sistema de planejamento só é valorizado
e demandado pelo gestor público, na medida em que se constitui como um
suporte para a decisão cotidiana. A improvisação complementa criativamente
o plano se a cultura de planejamento predomina.

Qual o objetivo deste momento?


Sumariamente, os passos percorridos até agora foram os seguintes:
elaborou-se as Declarações Estratégicas e a avaliação situacional da organização,
identificou-se, selecionou-se e explicou-se os problemas centrais para cumprir as
Diretrizes Estratégicas, desenhou-se um plano de “apostas bem fundamentadas”
– as ações planejadas, fez-se a matriz operacional, elaborou-se cenários e
revisou-se a consistência dos projetos planejados. Identificou-se a motivação
e a capacidade dos demais atores, refletiu-se sobre as principais estratégias em
cada caso e cenário.
Nada disso terá sentido, porém, sem o momento operacional, quando se
coloca em prática o planejamento, é onde tudo se decide. O objetivo deste
momento é pensar como funcionará o sistema de gestão do plano, quais
186 Planejamento e gestão inovadora

habilidades organizacionais deverão ser desenvolvidas para executar o plano,


obter resultados e mantê-los ao longo do tempo.
A execução no dia a dia do planejamento é o momento mais crucial de todo
o processo, é onde tudo se decide.
Os princípios organizadores deste momento resultam na convergência de
dois critérios:
(a) a concentração estratégica, que é dominante, significa evitar a dispersão
de recursos em elementos “da paisagem”, fatores sociais, econômicos ou
políticos não essenciais ao sucesso do plano; e
(b) a flexibilidade tática, subordinada ao primeiro princípio, significa
a capacidade de improvisar criativamente, no espaço de liberdade
permitido pela estratégia, até que a própria estratégia seja alterada diante
das impossibilidades táticas.

Segundo Matus:

O segundo critério é a flexibilidade tática, mas sem esquecer que


a tática não é eficaz por si própria, mas em relação à estratégia
perseguida. O planejamento no presente é planejamento tático;
exige uma avaliação permanente da evolução da mudança situacional
e dos resultados reais alcançados após cada ato de intervenção
social, ou depois que algum evento não planejado ou exógeno ao
sistema considerado altere as características da situação ou de seu
movimento. Esse acompanhamento visa, por um lado, aprender com
a práxis, comparando simulação e realidade a fim de melhorar a
qualidade dos cálculos seguintes; por outro, revisar constantemente o
plano, a fim de adaptá-lo com flexibilidade sempre que a situação se
altere. Neste processo de avaliação permanente é preciso comparar o
planejado e o alcançável com o obtido em cada situação, e examinar
se o curso seguinte do movimento planejado segue na direção
correta. Este último aspecto da avaliação supõe uma comparação
permanente entre o arco conjuntural do plano, o arco direcional e
o arco da utopia perseguida.
Planejamento e gestão inovadora 187

A execução do plano então é o exato momento em que as fases do


planejamento são articuladas numa síntese dialética: a explicação da realidade
é atualizada pela análise situacional sistemática (momento explicativo), a
direcionalidade do plano é materializada em ações que modificam a realidade
(momento normativo) e a viabilidade do planejado, do desejado, sofre seu teste
definitivo pelo exame da práxis (momento estratégico).

Como fazer o debate operacional?


Nesta parte do seminário o processo caminha para sua conclusão, e por isso é
importante a sensibilidade do facilitador ou consultor em “amarrar” as decisões
e encaminhar os temas pendentes.
O debate de gestão pode ser dividido ou encaminhado por partes, tendo
clareza que as formas organizativas ou os processos internos de tomada de
decisão devem viabilizar o plano e suas estratégias.
A gestão do planejamento, neste enfoque, é parte inseparável do próprio
plano, aliás, ela é o próprio planejamento em processo permanente de elabor(ação).
A natureza metodológica e os pressupostos teóricos que adotamos, entretanto,
exigem um outro tipo de gestão, muito diferente do desenho organizacional
tradicional do setor público. O acompanhamento dos resultados a partir do
monitoramento do problema exige uma gestão mais sistêmica e descentralizada,
menos departamentalizada e fragmentada.
Gerenciar problemas não é o mesmo que gerenciar setores ou projetos
isolados. As ações e operações constituídas no enfoque situacional e participativo
têm, por exemplo, sempre um caráter multifuncional e interdisciplinar. Os
gerentes e a gestão destes tipos de projetos necessariamente ultrapassarão as
fronteiras departamentais ou setoriais.
Para o cálculo estratégico ser efetivo há uma necessidade permanente de
mediação entre o conhecimento e a ação, que se trava na prática da conjuntura
presente, e por isso o plano deve preceder e conduzir a ação concreta.
Finalmente, é importante lembrar que cabe ao grupo definir coletivamente
um cronograma mínimo e procedimentos gerais necessários ao replanejamento,
isto é, a revisão global do plano como um todo, no mesmo nível de sua elaboração
188 Planejamento e gestão inovadora

original. Geralmente, este período tem sido de seis meses ou um ano, a depender
do ritmo e da evolução das ações e da situação do problema.

A trajetória das ações ou projetos


O tempo e o modo como se encaixam as ações ou projetos do planejamento
é uma das principais questões estratégicas por dois motivos, a saber. A execução
das ações ou projetos cria resultados que alteram a situação do problema,
provocando reação nos demais atores, e a expectativa do tempo assume distintas
percepções durante a gestão – a noção do “tempo político” se relaciona à
maturação dos resultados do plano mais do que ao tempo físico.
É evidente que este aspecto não é indiferente ao gerenciamento do plano.
Saber o que deve ser feito e o que deve ser feito depois é tarefa complexa, depende
não só da importância que atribuímos a determinado problema, mas também
ao comportamento de eventuais adversários e aliados.
Uma das técnicas de visualização gráfica que ajudam a definir a trajetória
mais adequada é aquela que analisa este problema do ponto de vista específico
da relação entre os resultados do plano sobre ele mesmo, isto é, qual é o possível
impacto multissetorial entre todos os projetos entre si?
A matriz que sugerimos denomina-se “Matriz de Apoios” das operações.
Esta é uma matriz quadrada, de dupla entrada, com a relação de operações ou
projetos na primeira coluna e na primeira linha, simetricamente.
O facilitador deve estimular a reflexão do grupo para simular o impacto que
o resultado do “Projeto 1”, por exemplo, teria sobre cada um dos demais projetos.
A gradação poderia ser dada por alto (A), médio (M) e baixo (B) impacto e
positivo (+), se o resultado contribui para a obtenção do resultado do projeto,
e negativo (-), se representa uma dificuldade ou obstáculo para este alcance.
Algumas vezes, as operações criam dificuldades para execução de outras,
como é comum quando há concorrência pelos mesmos recursos. A análise
horizontal desta matriz poderia nos apontar quais são as ações ou os projetos
mais importantes sob o enfoque da viabilidade do conjunto do plano, e a
conclusão parece óbvia: existem ações e projetos que têm pela sua natureza
Planejamento e gestão inovadora 189

mais variabilidade de impactos positivos que outros, e devem vir antes, devem
ser prioritários. A leitura vertical desta matriz sugere uma visão do conjunto
de dependências de cada projeto em relação aos demais (teste de coerência
interna).
O problema fundamental do gestor na estratégia situacional é desenvolver a
perícia tecno-política necessária para conduzir e calcular a conjuntura, tendo em
vista o conjunto de análises elaboradas sobre o impacto das ações ou projetos.
Como nos diz mais uma vez Matus:

“deve-se evitar que a prática da ação dissocie-se da estratégia


e que a estratégia limite-se a elucubrações, sem contato com
a ação tática. No plano da gestão institucional isso significa
evitar que o sistema informal de planejamento afaste o sistema
formal, e que o pragmatismo imediatista e simplista choque-se
com o cálculo sistemático sobre as decisões. Num sistema de
planejamento maduro, a experiência, o pragmatismo e a criatividade
imediatista combinam-se com o domínio teórico, o cálculo formal
e a persistência no cumprimento do plano. Estas práticas devem
enriquecer-se mutuamente, em vez de se oporem como extremos.
Do contrário, o planejamento formal não passaria de um discurso
normativo sem repercussão prática...o que conta afinal é o que se
faz na conjuntura; daí o centro do planejamento não ser o futuro,
mas o presente.”

Sugere-se observar conjuntamente as matrizes que envolvem os projetos


ou ações, relacionadas ao impacto de cada cenário, impacto nos problemas e
diretrizes, interesses dos demais atores sociais, análise de eficiência e eficácia
(matriz operacional) e finalmente impactos cruzados entre si. Nem sempre os
projetos ou operações com maior capacidade de resolver problemas ou impactos
positivos sobre as diretrizes estratégicas são executados primeiro ou antes das
demais.
190 Planejamento e gestão inovadora

Quadro 43 – Matriz de apoio das operações ou ações

Operações Op. 1 Op. 2 Op. 3

Op. 1

Op. 2

Op. 3

Este quadro é útil para ajudar a estabelecer um conceito de hierarquia entre


as várias ações previstas no plano a partir das relações de precedência entre
as mesmas. A ideia aqui é considerar os resultados previstos de cada ação e
questionar se os mesmos não ajudam, apoiam ou constroem viabilidade para
executar outras ações. Teoricamente as ações com maiores apoios guardam uma
relação de maior importância no conjunto das operações.

Monitoramento do plano e das estratégias


A função de um sistema de pedido e prestação de contas é tornar efetiva a
responsabilidade do governante perante sua base social. Este aspecto se expressa
no fato de que nenhum gestor, em qualquer nível, está desresponsabilizado de
prestar ou demandar resultados de outros níveis. Para que o sistema funcione
com eficácia são necessários alguns requisitos:
• o processo tem que ser público e transparente, interna e externamente, para
que os resultados do planejamento sejam plenamente conhecidos;
• tem que ser sistemático e os critérios de avaliação devem ser conhecidos
antes do processo;
• os métodos de avaliação institucional e individual devem ser baseados
no monitoramento dos resultados; e
• não deve estar limitado apenas à avaliação de recursos orçamentários.
Planejamento e gestão inovadora 191

O sistema de monitoramento do plano deve viabilizar um alto nível de


responsabilidade e compromisso interno na organização. Ele se fundamenta,
em última instância, no programa eleitoral das forças políticas vencedoras e nos
compromissos de campanha.
As seguintes perguntas são típicas do monitoramento do plano:
O monitoramento do plano é feito através do uso de indicadores que são
informações objetivas, qualitativas ou quantitativas, dadas a partir da evolução
do problema, isto é, sinalizam a situação do problema ou a partir dos resultados
das ações e dos projetos previstos.
Conforme o tipo de problema proposto pelo planejamento estratégico e seu
grau de complexidade e mobilização de recursos, os indicadores podem variar
em natureza, grau e profundidade. Podemos construir indicadores econômicos,
políticos, sociais, etc.
Em cada situação concreta, o importante é compatibilizar o sistema de
acompanhamento com a agenda da direção. Existe atualmente abundante
literatura sobre a construção, o uso e a manutenção de indicadores de desempenho
e avaliação de projetos, tanto para projetos sociais como econômicos. Há
inúmeras estratégias informacionais que contemplam as novas tecnologias de
informação e comunicação, sistemas de monitoramento, ouvidorias, pontos de
acesso às redes, etc.

Quem faz o debate sobre a gestão?


A gestão do plano pode ser feita coletivamente com todo o grupo. Em cada
caso poderão surgir necessidades concretas e diferenciadas. Uma organização,
por exemplo, resolve que para executar o plano será necessário um redesenho
de sua estrutura organizativa ou uma mudança do fluxo interno de processos e
informações. Neste caso, um grupo de trabalho à parte pode formular as linhas
gerais deste redesenho (identificando problemas e operações, por exemplo)
para ganhar tempo.
É importante que a direção assuma com os demais participantes os encargos
de gestão do plano. Sugere-se que o gerenciamento do plano seja feito pelo
Comitê de Gestão eleito no Seminário, do qual a direção participa.
192 Planejamento e gestão inovadora

Outros temas, como, por exemplo, compatibilização do plano com o


orçamento anual, a criação de instrumentos e ferramentas informacionais
necessárias para a gestão e o monitoramento, etc., podem ser trabalhados em
grupo, simultaneamente, delegados para a direção ou grupos específicos.

O jogo macro-organizacional e a mudança organizacional


A estrutura organizacional de um governo pode ser comparada a um
jogo, o jogo macro-organizacional. Nele os jogadores são representados
pelas organizações que se relacionam com base na autonomia de cada uma,
fundamentada na construção jurídico-administrativa do sistema político e na
capacidade de governo específica a cada órgão. Assim, temos os vários poderes
e níveis de governo compondo um “aparelho” administrativo amplo e complexo,
sujeito a regras de funcionamento. Esta “convivência de atores desiguais”
configura o grande jogo da institucionalidade de um país, entre seus vários
níveis, poderes e competências.
As regras deste jogo determinam o espaço de possibilidades em cada
organização. A necessidade de planejamento, por exemplo, só se converte em
demanda concreta se as “regras de responsabilidade” assim determinam –
existência de sistema de pedido e prestação de contas, gerência por operações,
etc. Se as “regras do jogo” institucional não exigem avaliação por desempenho
e existem como função ritual, a alternativa ao planejamento surge na
improvisação, dominada pelo pragmatismo, pela centralização e pela baixa
responsabilidade.
A improvisação – neste contexto institucional – neutraliza a demanda por
planejamento estratégico porque é sempre prática, acontece no tempo certo, é
situacional e, neste sentido, muito mais eficaz que o planejamento tradicional,
lento, burocratizado e ineficaz. Romper com este círculo vicioso em que o
domínio da improvisação subordina a qualidade da gestão pública a um menu
de decisões diárias sem propósito definido, sob pressão das circunstâncias e das
urgências, é o maior desafio colocado.
O mais estratégico e importante é o investimento em capital humano (ou
capital cognitivo), pois é ele que pode aumentar o capital organizativo, incidir
na mudança da cultura da organização e de suas práticas de trabalho. Estas
Planejamento e gestão inovadora 193

mudanças são precondição para modernização dos sistemas de gestão. Há


sempre uma correlação estrita entre formas organizativas, práticas de trabalho
e estruturas mentais, estas últimas indicam o quanto de capital humano a
organização tem acumulado e qual o alcance possível do processo de mudança
cultural.
Uma organização não pode ser melhor que a cultura institucional que
possui, esta cultura é formada pela combinação específica de estruturas mentais
dominantes no interior da organização, reforçadas por culturas institucionais,
práticas de trabalho e formas organizativas – organogramas, regulamentos
administrativos, fluxos de informação e manuais de procedimento.
Uma organização muda verdadeiramente somente quando mudam
suas práticas de trabalho, e estas só mudam quando as estruturas mentais –
condicionadas pela cultura institucional – também se modificam. Portanto,
o centro da intervenção deve ser sempre a mudança da cultura institucional.
Colocada desta forma o problema assume uma complexidade maior e exige uma
estratégia mais abrangente de enfrentamento.
É o sistema de prestação de contas, de monitoramento e avaliação que
domina o triângulo de ferro. A qualidade da avaliação determina as demandas
por práticas de trabalho inovadoras e mudança da cultura institucional.
A partir destas reflexões o método sugere um conjunto de princípios (e
encaminhamentos) para conceber um sistema de direção estratégica e elevar o
desempenho institucional das organizações.
(1) Atuar na cabeça da organização: toda reforma deve começar como
iniciativa política e protagonismo da alta direção. A implantação
de sistemas de planejamento, prestação de contas, monitoramento
de desempenho e democratização da gestão só se efetivam com o
envolvimento da alta direção.
(2) Mudar as regras de responsabilidade: quando todos estão envolvidos
no sistema de prestação de contas sistemáticas, avaliação do
desempenho real com as missões assumidas, sistema de monitoramento,
mecanismos de participação consolidados, a organização passa a ter
alta responsabilidade e demanda planejamento sistemático.
194 Planejamento e gestão inovadora

(3) Concentração em problemas relevantes: nenhum problema é óbvio


para ser processado tecno-politicamente, deve-se operar uma
seleção sistemática de problemas, e ele deve ser processado em níveis
diferenciados em que possa assumir maior valor e importância.
(4) Reformular primeiro o conteúdo, depois a forma: as estruturas formais
da organização (organogramas e carreiras funcionais, por exemplo) só
têm sentido na sua mudança se decorrem de efetivas transformações
nas práticas de trabalho e estas nas estruturas mentais e na cultura
institucional que lhe sustenta e legitima. É por isso que o investimento
em capital humano, em treinamento e capacitação, é absolutamente
estratégico para reformar as organizações públicas.
(5) Promover estratégias descentralizadas: todo problema deve ser
processado no nível hierárquico em que possuir maior valor. Fora do
seu espaço institucional de governabilidade o problema tende a ser
tratado de forma rotineira, superficial e burocrática.
(6) Centralização: problemas complexos, cuja solução exige um espaço
maior de governabilidade, não devem ser processados nos espaços
originais em que surgiram, sob pena de um déficit de responsabilidade,
visão estratégica ou domínio de variáveis mais amplas. Este princípio
deve ser combinado com o anterior.
(7) Normatizar problemas bem-estruturados: problemas complexos, mas
bem-estruturados, isto é, com certa previsibilidade e conhecimento
de lógica interna, devem ser processados e monitorados por níveis
inferiores, liberando a alta direção para problemas complexos de
gestão.
(8) Modular problemas repetitivos: há um conjunto de problemas rotineiros
cuja solução é pré-processada modularmente, através de modelos,
manuais de procedimentos e outras formas mais simples e menos
custosas.
(9) Reformar órgãos é mais efetivo que reformar sistemas: há muitas
reformas no setor público que são focadas em sistemas específicos
(compras, orçamento, pessoal, etc.), passando por vários órgãos
simultaneamente. Uma desvantagem básica disso é a coexistência
dentro da mesma organização de sistemas com lógicas diferentes e às
Planejamento e gestão inovadora 195

vezes opostas. A falta de continuidade administrativa e as resistências


dos sistemas não reformados acaba inviabilizando esta estratégia
“horizontal” de reforma. Este princípio sugere a prioridade por reformar
um órgão verticalmente, atacando todos seus sistemas simultaneamente,
envolvendo todo o “triângulo de ferro”.

Quadro 44 – Processo de planejamento – diagrama explicativo

Questões
1. O planejamento estratégico é uma das funções mais complexas e
importantes na gestão inovadora. Você concorda? Justifique sua
resposta.
196 Planejamento e gestão inovadora

2. A identificação de uma situação problemática ou uma oportunidade


nunca é um processo neutro ou apático, mas no PES a “análise
situacional” procura mudar esta perspectiva. Você sabe por quê?
3. O momento da execução do planejado é onde tudo se decide, por
isso ele implica refletir sobre os sistemas de gestão e sobre o desenho
organizacional. Quais ferramentas ou técnicas poderiam ser utilizadas
nesta fase pelo gestor?

Referências comentadas
MATUS, Carlos. Política, planejamento e governo. Tomo I e II. Brasília: IPEA,
1993.
Esta é a obra fundamental de Carlos Matus, traduzida e publicada pelo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada do Ministério do Planejamento em
1993. Matus expõe sistematicamente o que ficou conhecido como Planejamento
Estratégico e Situacional. Mais do que um método, o PES é uma metalinguagem
sobre planejamento, é filosofia de planejamento. O autor se propõe a uma
critica demolidora do estilo de planejamento governamental dos governos da
América Latina e propõe uma visão mais contingencial ou situacional, baseada
na complexidade da administração pública e na imprevisibilidade dos cenários
sociais, políticos e econômicos.

MATUS, Carlos. Estratégias políticas: Chimpanzé, Maquiavel e Ghandi. São


Paulo: Ed. FUNDAP, 1996.
Nesta obra o pensador chileno Carlos Matus discute o tema das estratégias.
Uma das inovações da metodologia de planejamento estratégico proposta é
exatamente a compreensão de que qualquer planejamento implica lidar com
relações de poder. Estas relações existem dentro da empresa privada ou do setor
público. As pessoas estabelecem processos de autoridade, obediência, resistência
ou passividade, aceitação e conformidade conforme cada contexto. Matus
adota as metáforas de Maquiavel, do chimpanzé e de Ghandi para sistematizar
diferentes estilos estratégicos. Livro fundamental para entender o processo
estratégico no planejamento.
Planejamento e gestão inovadora 197

MATUS, Carlos. O líder sem estado maior. São Paulo: FUNDAP, 2000.
Neste livro o já falecido economista chileno Carlos Matus elabora com
maestria e brilhantismo uma profunda crítica ao funcionamento dos governos na
América Latina. Ele desenvolve a tese de que a democracia se enfraquece quando
os governos são incapazes de resolver os problemas concretos dos cidadãos. Para
isso três variáveis são fundamentais: a governabilidade, a capacidade de governo
e o projeto de governo. Matus analisa também o funcionamento do Gabinete
Presidencial, mas sua reflexão vale para todas as estruturas de direção pública.
É de leitura obrigatória para quem trabalha ou quer conhecer a função pública,
especialmente se desempenhar funções de liderança e direção.

CHIAVENATO, I.; SAPIRO, A. Planejamento estratégico. Rio de Janeiro:


Elsevier, 2000.
Nesta obra Chiavenato e Sapiro realizam um trabalho de pesquisa
importante, reunindo diversas técnicas e ferramentas de planejamento voltadas
especificamente para o setor privado, mas que podem ser utilizadas com
alguma adaptação ao setor público. Além da revisão conceitual, a obra tem um
sentido de aplicação prática. Cabe especial menção à parte III, com importante
contribuição para a formulação da estratégia como política de negócios, modelos
de cooperação e concorrência e desempenho organizacional. É uma leitura
complementar indispensável para manejar os instrumentos do planejamento
estratégico público.
9

Temas emergentes
na gestão pública inovadora
O período que estamos vivendo no Brasil desde os anos 90 é um período de
reformas e de ajuste do Estado. Muitos temas emergem neste debate, as ideias
ainda não estão consolidadas e as conclusões ainda padecem de um saber
provisório.
Entre estes temas selecionamos alguns de especial relevância, para ajudar a
compor este mosaico de novos insights e potencialidades para a gestão pública
inovadora.
Neste capítulo vamos abordar os seguintes temas:
• o impacto das novas tecnologias, em especial os temas do governo
eletrônico;
• a gestão do conhecimento no setor público;
• os processos de participação social e parceria; e
• os novos formatos organizacionais criados pelo movimento de reforma
do Estado nos anos 90.
200 Temas emergentes na gestão pública inovadora

9.1 Novas tecnologias e o governo eletrônico


A revolução causada nos sistemas produtivos pelo emprego maciço de novas
tecnologias de comunicação e informação foi gigantesca. Ao ponto de muitos
autores chamarem este período do capitalismo em que estamos vivendo de “era
do conhecimento”, “capitalismo pós-industrial” ou simplesmente “sociedade da
informação”.
Na administração pública as coisas não foram diferentes. Surgiu uma
organização pública eletrônica ou governo eletrônico melhorando a informação e
a prestação de serviços aos cidadãos, aumentando em eficiência (os custos foram
reduzidos) e a eficácia aumentada. Além disso, a transparência foi aumentada
radicalmente. A base do processo foi a universalização das redes, criando
condições para conexão de todos com tudo, a qualquer hora.
A administração eletrônica ou o governo eletrônico é caracterizado por:
• ênfase no fluxo de informações e prestação de serviços;
• transformações na organização e funcionamento da administração
pública;
• uso intensivo das TICs e processos de convergência, integração e
sofisticação dos serviços públicos.

A administração eletrônica é um estágio superior ao governo eletrônico,


pois a administração pública é composta por sistemas perenes de gestão que
ultrapassam o horizonte contingente dos governos. Ela pode se desdobrar em
várias dimensões: o e-Serviços, a e-Democracia, a e-Gestão ou o e-Comércio,
ou qualquer outra forma de configuração.
No futuro os funcionários públicos deixarão de usar canetas, pois passarão a
autenticar seus documentos e notas técnicas através de assinaturas eletrônicas. O
fluxo de informações ligará o serviço visível na linha da rua (o front office) com
a retaguarda da administração (o back office). Serão verdadeiros “despachantes
eletrônicos”. O ambiente de trabalho será o portal, pois através dele o funcionário
fará gestão do seu tempo produtivo, das suas tarefas e metas de desempenho.
As ações de coordenação são impactadas pelas novas tecnologias. Elas
permitem a desterritorialização de muitos serviços, que podem ser conectados a
Temas emergentes na gestão pública inovadora 201

lugares muito distantes, sem prejuízo da sua qualidade. Imagine, por exemplo, no
benefício da educação e da disseminação de conhecimentos através da educação
a distância. Ainda mais num país com milhões de habitantes e dimensões
continentais como é o Brasil.
Devemos centralizar os serviços em portais, por exemplo, mas descentralizar
o poder por meio da difusão de informações. Há perdas ao não descentralizar
que devem ser contrabalançadas.

Quadro 45 – Centralização ou descentralização da informação

Centralizar Não descentralizar


Ganhos Perdas
Integração Identidade
Uniformidade e facilidade de utilização Inovação
Economia de escala Velocidade e agilidade
“Janelas únicas”, “One-stop-shops” Proximidade a públicos específicos
Coordenação estratégica Autonomia departamental

A governança no ambiente informacional passa por sete dimensões diferentes:


conhecimento, autoridade, partilha, controle interno e externo, capacidade de
implementação e indução legislativa e regulatória.
Um grupo de consultoria, o Gartner Group, criou as quatro fases mais
divulgadas de maturidade da administração pública eletrônica. Segundo Vidigal
as fases são:
• Fase 1 – Presença: esta fase de desenvolvimento da administração
pública eletrônica é caracterizada pela pressa que todos os órgãos da
administração pública têm para ter uma página na internet. A meta
primária é publicar informação, tais como a missão do organismo,
endereços, horários e, possivelmente, alguns documentos oficiais de
relevância para o público;
• Fase 2 – Interação: esta fase é caracterizada por sítios da Web que
disponibilizam capacidades de procura básica, formulários para
download e ligações a outros sítios pertinentes, assim como e-mail dos
organismos e, em alguns casos, dos funcionários públicos. Nesta fase
202 Temas emergentes na gestão pública inovadora

é fornecida informação crítica para o cidadão, bem como formulários


que, de outro modo, exigiam a deslocação ao serviço;
• Fase 3 – Transação: esta fase é caracterizada por permitir algumas
componentes para administrar e resolver tarefas completas on-line. O
foco desta fase é construir aplicações de autosserviço para o público
acessar on-line, mas também usar a Web como um complemento para
outros canais de entrega. Os serviços típicos que são migrados para esta
fase de desenvolvimento incluem recolha de declarações e pagamento
de impostos, renovação da carta de condução e pagamento de multas
e licenças. Adicionalmente, muitos governos colocaram anúncios e
regulamentos on-line para concursos, como uma forma precursora
de e-Procurement. Esta é a fase atual em que se encontram alguns dos
países mais evoluídos na administração pública eletrônica e é o objetivo
mais imediato para a maioria dos países. Não só realça os benefícios a
disponibilidade de serviços “24x7”, mas também cria oportunidades para
desenvolver serviços compartilhados de forma interdepartamental;
• Fase 4 – Transformação: esta fase é a meta em longo prazo de quase
todas as iniciativas de administração pública eletrônica em nível
nacional e local. É caracterizada por meio da redefinição dos processos
de fornecimento de serviços públicos, provendo um único ponto de
contato, tornando a organização da administração pública muito mais
transparente para os cidadãos. Esta fase baseia-se em ferramentas
robustas de relacionamento com o cidadão (CRM) e novos métodos
de fornecimento dos serviços, que melhoram significativamente as
relações dos cidadãos e das empresas com a administração pública.
Também aumentam as facilidades para os cidadãos participarem mais
diretamente nas atividades do governo (por exemplo, referendos e
votações eletrônicas). Exemplos de transformação incluem sítios na Web
muito sofisticados ou “serviços virtuais”, em que a administração pública
fornece informação e serviços de forma proativa e em que se podem
obter diversos serviços em um só lugar, com interfaces automáticas e
integradas com os diversos departamentos envolvidos nas transações.
Esta fase também incluirá o desenvolvimento de intranets e extranets,
ligando os funcionários públicos de departamentos diferentes de
forma a participarem nos processos decisórios e no respectivo fluxo
de informações e serviços.
Temas emergentes na gestão pública inovadora 203

Para o Gartner Group, as prioridades de serviços eletrônicos para os cidadãos


seriam:
1. mudança de endereço
2. marcação de consultas médicas
3. documentos sobre automóveis
4. votação eletrônica
5. acesso aos políticos eleitos
6. pagamento de multas
7. licenças e autorizações
8. declarações de impostos
9. acesso aos registros de saúde

Os cidadãos teriam as seguintes expectativas:


• ter o direito de escolher qual o canal de atendimento que preferem na
sua relação com o Estado (intermediação presencial, contact center,
quiosques, internet, etc.);
• evitar ter de dialogar com várias entidades para completar uma simples
tarefa;
• ver os vários órgãos da administração pública dialogando entre si,
para cumprir processos básicos que digam respeito aos cidadãos e às
empresas;
• evitar custos sociais incomportáveis relacionados com tarefas de
certificação, licenciamento e transporte de dados e informações, que
competiriam ao Estado garantir no seu interior (em back office);
• fornecer, apenas uma só vez, dados à administração pública, dando
cumprimento a um dos princípios atualmente mais relevantes nas
estratégias de modernização administrativa – “Pedir uma vez e usar
muitas vezes” (Ask once, use many).

Esta é exatamente a lógica dos portais em que o cidadão, em tese, tem uma
oferta integrada de serviços de acordo com suas demandas e não de acordo
com as divisões administrativas e departamentais. Atualmente, as tecnologias
204 Temas emergentes na gestão pública inovadora

ainda são usadas de forma verticalizada, cada organização pública tem seu site,
seus serviços, seus contact centers. O problema não é somente colocar todos os
serviços juntos virtualmente, é fazer com que troquem informações.
Quase não há compartilhamento de cadastros ou informações complementares,
serviços prestados com base na residência, por exemplo, o que obriga o cidadão
a percorrer labirintos virtuais e uma verdadeira burocracia eletrônica. É como se
cada órgão tivesse um silo de informações do cidadão, independente dos demais
órgãos. Será de muito pouca eficácia substituir certidões e atestados em papel
pelos seus equivalentes eletrônicos, estes documentos não deveriam passar de
simples pontos automatizados em um workflow interdepartamental.
O governo eletrônico não se resume a um site público para pagar impostos
ou emitir certidões. A “lógica do guichê” não deveria ser reproduzida por meio
eletrônico, a tecnologia disponível permite criar uma nova relação com os
cidadãos, mais dialógica, de mão dupla, com interatividade. Estas facilidades
viabilizam algumas diretrizes da administração gerencial, inclusive a maior
participação dos cidadãos.
Em qualquer cenário futuro a presença da administração eletrônica será
uma constante. A virtualidade, a portabilidade, a miniaturização, os processos
em tempo real e os serviços públicos on-line serão expressões cada vez mais
naturalizadas e incorporadas no dia a dia. A conectividade ajudará a romper as
fronteiras do organograma, tornando as organizações mais flexíveis e permeáveis
hierarquicamente. Grupos e redes se formarão com maior fluidez, teremos
teletrabalho e telerreuniões com maior frequência.
Para resumir o impacto das novas tecnologias nas organizações, inclusive no
setor público, vamos apresentar os pontos colocados por Chiavenato:
• cadeias de comando mais curtas: a antiga cadeia escalar e linear de
comando está terminando. Os níveis hierárquicos mais enxutos
e flexíveis serão dominantes. As estruturas serão mais achatadas,
flexíveis e fluidas, proporcionando maior capacidade de adaptação das
organizações à conjuntura;
• menos unidades de comando: a autonomia das equipes nas relações
horizontais ou diretamente com os clientes está reduzindo a quantidade
de chefes e as unidades no topo da pirâmide;
• amplitude de controle mais ampla;
Temas emergentes na gestão pública inovadora 205

• mais empowerment e participação: com a transferência de


responsabilidades e maior delegação viabilizada pelos fluxos
instantâneos de informação (que ajudam no controle, supervisão a
distância e prestação de contas), haverá maior responsabilização na
base das organizações;
• ênfase nas equipes de trabalho: estruturas matriciais e por projetos ficam
mais viáveis nas novas tecnologias;
• os antigos departamentos se tornam unidades independentes de ação
ou execução de serviços e produtos. As funções de coordenação estão
facilitadas pelo apoio dos sistemas gerenciais, como os de Business
Inteligence (BI) e outros;
• menos rigor no controle externo sobre as pessoas: transferência do
controle sobre os meios (horário de trabalho, por exemplo) para o
controle sobre os fins (contratos flexíveis, salários variáveis, avaliação
de desempenho, etc.).

9.2 Gestão do conhecimento no setor público


É absolutamente normal e esperado que a capacidade de aprendizagem e o
conhecimento sejam valorizados na época atual. Sempre que o mundo passou
por grandes e aceleradas transformações, especialmente durante as crises ou
logo após eventos traumáticos como guerras e conflitos, a sociedade e o Estado
tiveram que se reinventar para uma nova fase de estabilidade e crescimento. Não
é por acaso que a gestão do conhecimento passou a ser tão valorizada no setor
público e privado nos últimos anos.
Segundo Batista, o papel da gestão do conhecimento na área pública é:
I) tratar de maneira adequada e com rapidez desafios inesperados e
desastres;
II) preparar cidadãos, organizações não governamentais e outros atores
sociais para atuar como parceiros do Estado na elaboração e na
implementação de políticas públicas;
III) promover a inserção social, a redução das desigualdades sociais e
um nível aceitável de qualidade de vida para a população por meio
de construção, manutenção e ampliação do capital social e do capital
intelectual das empresas;
206 Temas emergentes na gestão pública inovadora

IV) criar uma sociedade competitiva na economia regional e global por


meio da educação dos cidadãos para que eles se tornem trabalhadores
competentes do conhecimento, e mediante o desenvolvimento das
organizações para que estas se tornem competitivas em todas as áreas
do conhecimento.

Novas tecnologias, novos processos de trabalho, novos perfis de cidadãos-


consumidores, novas variáveis da “era da informação” estão provocando
mudanças cada vez mais profundas e rápidas. No sistema produtivo um dos eixos
centrais passa a ser a agregação de valor aos produtos e serviços pela agregação
de conhecimento, seja ele incorporado como novas tecnologias de produto ou
processo ou novos arranjos produtivos.
No setor público a gestão do conhecimento passou a ser uma das variáveis
explicativas centrais do desempenho organizacional, da avaliação institucional
e do aumento da produtividade dos funcionários.
O ciclo da gestão do conhecimento:

Quadro 46 – Gestão do conhecimento – diagrama

Um dos primeiros autores nesta área, Peter Senge, afirmava que as


organizações têm capacidade de aprender, desde que dominem cinco disciplinas
Temas emergentes na gestão pública inovadora 207

distintas. Cada uma destas disciplinas implica uma estrutura de desenvolvimento


com capacidade para realizar resultados específicos.
Todo aprendizado organizacional começa no plano individual. As pessoas
armazenam experiências e informação, reelaboram novos conteúdos em
confronto com os já consolidados e produzem novos mapas mentais. Estes mapas
são roteiros para a ação, para a produção de novas informações e experiências no
mundo real. Este ciclo é alimentado continuamente se o ambiente institucional
favorece a aprendizagem, mas é empobrecido e diminuído se o ambiente não
estimula a inovação, a criação e a aprendizagem.
O ciclo de aprendizagem individual se completa no ciclo de aprendizagem
coletiva e um alimenta o outro. A aprendizagem de que falamos aqui está longe
daquela visão convencional de “armazenagem de conteúdos prontos”, da escola
tradicional. Aprender significa mais do que identificar, coletar e sistematizar
informações, significa criar novos conhecimentos com base na práxis diária e
fazer isso coletivamente.
O aprofundamento do conhecimento depende de alguns fatores:
• arquitetura organizacional: a organização precisa de empowerment, isto
é, precisa ser gerenciada com flexibilidade, participação, autonomia
dos escalões intermediários, comunicação horizontal e estruturas mais
matriciais;
• cultura organizacional: já debatemos o tema da cultura nas organizações,
vimos o quanto é difícil sua mudança e o quanto são complexos os fatores
que a formam e a dinamizam. O fundamental é estimular uma cultura
participativa, democrática e envolvente, baseada em relacionamentos
humanos e não em cargos e hierarquias verticalizadas. O fundamental
é criar um senso de comunidade, de comunhão de interesses. Isso não
significa abolir a autoridade, o comando e o controle, mas organizá-los
de uma forma legítima, natural e transparente;
• compartilhamento da informação: a informação deve ser cuidadosamente
gerenciada de modo a ser pertinente, eficaz e acessível a todos os
funcionários e escalões de autoridade. Não basta o funcionamento
de sistemas sofisticados de inteligência artificial e bancos de dados
208 Temas emergentes na gestão pública inovadora

superpotentes, se não há, previamente, uma disposição da alta direção


em socializar informações críticas, em confiar nos seus funcionários;
• liderança estratégica: a visão compartilhada do futuro surge na alta
direção e se enriquece e ganha vida em todas as áreas da empresa. O
envolvimento dos dirigentes não se limita ao compromisso verbal, deve
ocorrer o testemunho vivencial, o compromisso emocional através de
atitudes e comportamentos autênticos e não manipulatórios.

O conhecimento é tácito. Na maioria das vezes, o conhecimento não está


sistematizado, estruturado e documentado em textos ou formatos digitais. Ele
está nas experiências pessoais, na cabeça das pessoas. Relaciona-se intimamente
com o meio no qual nos construímos como pessoas, com identidades
próprias. Por isso, é de difícil transmissão, precisa de ambientes informais
que viabilizem o contato face a face, e só a intimidade da comunicação direta
pode compartilhar este tipo de conhecimento. O conhecimento tácito é a
expertise do funcionário sobre uma tarefa específica ou sobre o modo de vida
na organização.
O conhecimento é orientado para a ação. Polanyi, que pesquisou o
conhecimento, dizia que o processo de saber é a tentativa de juntar pistas
fragmentadas a partir das lembranças que são agrupadas em categorias que
criamos de acordo com nossa percepção da realidade. Isso quer dizer que o
contato com o mundo real testa nosso saber de forma automática e instantânea,
quando refletimos, questionamos esta automaticidade, problematizamos o saber,
criamos novos saberes. A linguagem expressa este saber através dos verbos:
aprender, fazer, esquecer, lembrar, compreender.
Uma organização com capacidade de aprendizagem deve sempre combinar
o conhecimento tácito e o conhecimento explícito que já foi codificado e
internalizado. Ela deve criar instrumentos de compartilhamento, de socialização
entre as pessoas para possibilitar a aprendizagem. A internalização só acontece
quando o conhecimento tácito se formaliza em novos procedimentos e regras
de conduta.
A gestão do conhecimento é a função responsável pelo processamento destas
questões na organização. Ela demanda um planejamento estratégico para definir
como agregar valor à organização, que informações devem ser identificadas,
Temas emergentes na gestão pública inovadora 209

coletadas, armazenadas, estruturadas e divulgadas para que se transformem em


conhecimento para a ação. O primeiro passo é identificar:
• quais categorias de conhecimento são necessárias para subsidiar o
planejamento estratégico da organização;
• qual é a situação atual do conhecimento na organização, quais são suas
fontes, onde ele está e como se manifesta;
• quais as atividades necessárias para criar uma base de conhecimentos;
• quais os benefícios que o uso deste conhecimento trará para a
organização;
• como criar condições para que o conhecimento tácito seja compartilhado
e se torne conhecimento explícito;
• como monitorar informações ambientais, de organizações parceiras e/
ou competidoras, dos cenários estratégicos e de variáveis-chave para o
planejamento;
• quais e como implantar os instrumentos, técnicas e competências
necessárias para operar os sistemas de informação necessários à gestão
do conhecimento (sitemas de BI – business inteligence, SIGs, sistemas
de informação gerenciais, etc.).

Não devemos esquecer que informação não significa conhecimento. Saber,


por exemplo, qual é o déficit habitacional de um município não significa
conhecer, por exemplo, quais as relações entre o número de sub-habitações e
os padrões de renda familiar. Da mesma forma, o conhecimento não é ainda
inteligência. Ele precisa ser reelaborado, reestruturado, combinado com outros
conhecimentos e submetido a um propósito, um objetivo. Assim, se sabemos
o que é o déficit habitacional, quais são suas causas e consequências, e se
temos o propósito de diminuí-lo 20% a cada ano, podemos elaborar um plano
estratégico para isso. A elaboração deste plano requer então “inteligência”, que
é o conhecimento aplicado.
Os sistemas de informação são a base da gestão do conhecimento. Eles devem
representar sempre a combinação entre aquilo que os dirigentes e gerentes da
organização pensam que precisam saber e conhecer com aquilo que eles realmente
precisam saber para tomar decisões. Um sistema deve prover informações no
210 Temas emergentes na gestão pública inovadora

tempo certo, com simplicidade e confiabilidade necessárias. As perguntas


universais que devem ser respondidas são quase sempre as seguintes:
• Quais decisões os dirigentes tomam regularmente?
• Que informações são necessárias para tomar estas decisões?
• Que estudos especiais e não rotineiros são solicitados com alguma
regularidade?
• Quais informações temos hoje e quais ainda não?
• Como vamos obter, armazenar, processar e compreender as novas
informações e combiná-las com as já disponíveis?
• Quais atributos as novas informações devem ter: formato, profundidade,
tipo de relatório, periodicidade, design, etc.

Muitos se esquecem que a própria organização é uma fonte riquíssima


e inesgotável de informações. Imaginem, por exemplo, se todos os contatos
importantes dos funcionários com clientes e fornecedores fossem cuidadosamente
identificados, estruturados e sistematizados para consulta, quanta informação
poderia se transformar em conhecimento estratégico. Hoje existem no mercado
inúmeros sistemas de CRM – “Customer Relationship Management” e de ERP
– “Enterprise Resource Planning”, disponíveis, o problema; entretanto, não é de
ordem tecnológica, mas de natureza política e institucional.

9.3 Administração participativa


O conceito de “participação política” resulta, ele mesmo, de um processo de
evolução da compreensão da teoria política sobre a América Latina. O paradigma
clássico da análise da ação coletiva na América Latina consistiu no predomínio
de uma concepção que concebia a sociedade como articulação de diversas
estruturas inter-relacionadas (econômica, social, política, etc.), seguindo leis
que determinavam o comportamento dos atores sociais.
As sociedades podiam ser classificadas de acordo com “fatores estruturais”
determinantes em desenvolvidas ou subdesenvolvidas, democráticas ou
autoritárias, modernas ou tradicionais e assim por diante. A mudança de
padrões sociais ao longo da história ocorreria através de etapas sucessivas de
Temas emergentes na gestão pública inovadora 211

modernização. Nesta concepção os atores sociais são definidos a partir de


parâmetros externos a si próprios ou às suas circunstâncias, são portadores a
priori de algum papel ou missão histórica. Nos anos 80, este paradigma cedeu
cada vez mais terreno para um outro tipo de análise que abandonava a visão
monolítica e determinística da sociedade, o que implicou na adoção de várias
hipóteses explicativas.
Em comum a todas elas, a noção de que as relações entre economia, política,
cultura e sociedade são definidas por esquemas flexíveis, sem uma determinação
universal, mas sujeitas aos momentos históricos e contextos específicos de cada
região ou país. Os processos sociais por sua vez começam a ser vistos com mais
autonomia em relação à sua “base estrutural”. Assim, determinada sociedade
possui uma “matriz sociopolítica” única e definida, sintetizando um modo
específico de configuração entre Estado, sociedade, partidos políticos, sociedade
civil e base social.
Nesta concepção analítica o papel do ator social que atua politicamente
assume importância chave, porque ele não é mais tributário de uma estrutura
fixa, ao contrário, cria suas próprias circunstâncias históricas, possui densidade,
identidade e alteridade. Não há mais um único sujeito da ação histórica,
predestinado a cumprir um papel modernizador, seja ele um partido político
ou um movimento social. Há vários sujeitos, assim como há vários sistemas de
dominação produzidos pela crescente autonomização da esfera política, social
e econômica.
Neste embate teórico e prático surgiram novos eixos para a ação coletiva na
América Latina. O primeiro e mais importante foi a democratização política,
implicando o retorno da dinâmica conflitiva de sujeitos sociais novos como
movimentos sociais, populares, étnicos, etc., junto com partidos políticos – que
ganham maior protagonismo –, e a reconstrução de organizações estatais. Implica
reconhecer que a sociedade moderna é plural, heterogênea e composta por um
conjunto de identidades diferenciadas. Nem sempre a lógica da democracia
representativa consegue fazer com que todos sejam representados.
Entretanto, nossa democracia é débil e os sistemas de representação são
frágeis, há uma infinidade de pontos na agenda de transição que não foram
completados. Há um desencanto crescente de parcela significativa da população
com a ineficácia dos mecanismos clássicos de representação para mudar o modo
de vida.
212 Temas emergentes na gestão pública inovadora

Duas décadas de democracia em muitos países não mudaram substancialmente


o quadro de injustiça social, concentração de renda e atraso econômico. Um
segundo eixo são as lutas pela democratização social e pelos direitos da cidadania,
assumindo a forma dos direitos políticos, econômicos ou sociais.
A incorporação de minorias, as lutas étnicas ou de gênero, o direito à
informação, ao ambiente, etc. Movimentos da juventude, periferias urbanas
e uma gama enorme de lutas específicas e pontuais entram nesta agenda. Um
terceiro eixo mobilizador poderia ser chamado de “a disputa pelo modelo de
desenvolvimento”, no contexto da globalização. Neste último caso, a ação coletiva
é pautada ou pela defesa de condições ameaçadas, por exemplo, na privatização
de serviços públicos gratuitos, ou pela proposição de novas agendas capazes de
recompor a intervenção estatal em setores estratégicos.
Uma experiência notável de inovação no aspecto participativo foi a elaboração
do orçamento feita por diversos municípios ao longo das últimas duas décadas.
Os casos mais conhecidos foram os de Lajes (SC) e Boa Esperança (ES) – adotadas
entre 1978 e 1982 – e, posteriormente, Diadema (SP), iniciada em 1983, e Vila
Velha (ES), ocorrida entre 1986 e 1989. Mas foi a experiência de Porto Alegre,
dada sua longevidade e repercussão internacional, a mais conhecida. Até 2004,
havia 195 municípios brasileiros onde o orçamento participativo estava em
funcionamento, incluindo algumas capitais importantes como Porto Alegre,
São Paulo, Recife e Belo Horizonte, reunindo anualmente só nestas cidades em
torno de 200 mil participantes.
O processo do orçamento participativo é basicamente um sistema de
consultas organizadas por temas, regiões geográficas ou rubricas orçamentárias
abertas à participação individual dos eleitores e organizados por órgãos estatais,
normalmente as prefeituras. Em algumas experiências mais consistentes a
população elege delegados que compõem comissões de controle e monitoramento
ad hoc de obras e serviços públicos.
Não há fórmulas nem receitas de bolo, o fundamental é manter algumas
diretrizes, três delas são comentadas a seguir:
• Empoderamento dos participantes e das arenas de disputa e pactuação: a
“participação” aparece na agenda do debate sobre governo e Estado “só”
porque há uma distribuição não equitativa do poder. Não precisamos
fazer um debate sobre a origem e a reprodução do sistema capitalista para
Temas emergentes na gestão pública inovadora 213

saber que os processos de produção de políticas públicas e de governo


em geral são profundamente concentradores do poder político, desiguais
e não equitativos. Assim, processos de planejamento que não resultem
de situações prévias de empoderamento de seus participantes, não são,
de fato, participativos. Ou, melhor, serão participativos tanto quanto
maior for o grau de empoderamento, de autonomia, de capacidade de
fazer valer suas decisões e quiçá de institucionalização da vontade dos
participantes. Neste sentido, o tema da “participação” é um problema
que, a rigor, se resolve antes da aplicação de técnicas, ferramentas ou
instrumentos de planejamento, não durante, muito menos depois.
Planejar sem poder é deixar-se manipular, participar de um simulacro
democrático. Se não é “para valer”, então não é participativo.
• Comunicação e transparência de procedimentos: todo processo
participativo é um processo comunicativo. Sem livre fluxo das
informações e a possibilidade do encontro entre as diferenças de visões
de mundo, posicionamento, atitudes e posturas, que a socialização da
informação proporciona, não há participação. Esta é uma condição
necessária para equalizar o saber e o conhecimento, anular a diferença
de poder representada pela posse do saber acadêmico ou intelectual.
Todo processo participativo pressupõe ambientes, regras e instituições
que favoreçam a negociação, a formação de pactos e consensos - o que
obriga a exposição pública e o processamento público de conflitos e
divergências. Para que a negociação aconteça, a comunicação qualificada
é imperativo básico, a capacidade de expressão, a capacidade de escuta,
a retórica acessível ao homem comum.
• Mecanismos de monitoramento e avaliação de resultados autoconstituídos e
regulados: se os participantes não tiverem mecanismos de responsabilização
pelos resultados esperados do planejamento, não há participação, no
máximo o que ocorre é uma “encenação participativa”, um engodo. Seria
melhor administrar conforme as circunstâncias, um dia depois do outro.
O processo participativo não garante, por si mesmo, eficácia da ação
coletiva (pública ou não). Seria uma ilusão substituir o “planejamento
sem participação” pela “participação sem planejamento”, isto é, sem
domínio da “boa técnica” que se requer para avaliar os outcomes e os
outputs planejados, decidir o que fazer para corrigir desvios, mudanças
de cenários e estratégia de stakeholders, por exemplo.
214 Temas emergentes na gestão pública inovadora

9.4 Novas organizações na administração pública


No movimento de reforma gerencial do Estado brasileiro dos anos 90 foram
criados novos formatos e arranjos administrativos, entre os quais as organizações
sociais, as agências executivas e as agências reguladoras. A intenção foi adaptar o
aparelho do Estado às diferentes formas de organização e prestação dos serviços
não exclusivos. Vamos analisar as configurações básicas.

As organizações sociais
As organizações sociais, ou simplesmente OS, como ficaram conhecidas,
são um dos modelos de organização pública não estatal destinada a absorver as
atividades passíveis de publicização, ou seja, de se converteram em atividades
públicas, embora não estatais. Trata-se de uma propriedade pública não estatal,
constituída por associações civis sem fins lucrativos, que não são propriedade de
um indivíduo ou grupo e estão orientadas prioritariamente para o atendimento
de um interesse público.
No fundo as OS são um modelo de parceria entre o Estado e segmentos da
sociedade. O Estado emite as diretrizes e faz o controle, repassa recursos públicos
e em troca tem demandas sociais atendidas com menores custos coletivos e
maior qualidade dos serviços.
As OS têm autonomia administrativa bem maior que os órgãos da
administração direta ou indireta como as empresas, fundações ou autarquias
públicas. Em compensação, elas contratualizam metas e resultados com o poder
público, através de um Contrato de Gestão que estabelece objetivos, formas de
incentivo ou penalidades aos seus dirigentes. Juridicamente, elas são associações
sem fins lucrativos, com pessoa jurídica de direito privado. Normalmente, sua
qualificação como OS acontece mediante decreto do Poder Executivo, após o
atendimento de uma série de quesitos.
O modelo das OS não é um simples convênio de transferência de recursos
públicos para o setor privado não lucrativo. Os conselhos administrativos devem
ter representantes do Estado e da sociedade, e a gestão, ainda que privada, deve
atender os princípios da administração pública, além da orientação para os
resultados contratados.
Temas emergentes na gestão pública inovadora 215

A princípio o modelo das OS tem a agilidade de uma empresa privada, na


gestão dos recursos, aquisições e política de pessoal, por exemplo, sem perder
a natureza de uma função pública.
As organizações sociais ainda são em número reduzido, no governo federal
elas predominam na área de ciência e tecnologia: o Centro de Gestão e Estudos
Estratégicos (CGEE); o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA); o
Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM); a Associação Rede
Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP); e a Associação Brasileira de Tecnologia de
Luz Síncrotron, que gere o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS).
Em 2005, um decreto federal obrigou as organizações sociais a seguirem as
normas de licitações públicas para aquisições de bens e serviços.
Além das OS, foram criadas as Organizações da Sociedade Civil de
Interesse Público, as OSCIP. Através de um termo de parceria, a organização
não governamental estabelece um processo de cooperação com o governo para
realização de projetos específicos. Ao contrário das OS, em que é reservada ao
Estado a concessão da qualificação, a lei das OSCIP tornou sua qualificação
automática, já que é um ato vinculado ao cumprimento de exigências
específicas. Este dispositivo visava impedir o clientelismo e diminuir os custos
procedimentais.
Para obter a qualificação de OSCIP, a associação deve apresentar diversos
documentos ao Ministério da Justiça que deferirá ou não o processo em 30 dias
de acordo com o interesse público.
Para ser uma OSCIP, a organização não deve ter fins lucrativos e deve
desenvolver atividades de interesse social como a assistência social, a promoção
da cultura, a defesa do patrimônio histórico e artístico, a promoção gratuita
da educação, a promoção da segurança alimentar, o voluntariado, o combate
à pobreza, à experimentação de modelos socioprodutivos e de sistemas
alternativos de produção, comércio, emprego e crédito, etc. Além disso, o regime
de funcionamento deve incluir nos seus estatutos os preceitos da esfera pública
que a tornem viável e transparente com a devida responsabilização pelos atos
praticados.
Assim como as OS, as OSCIP podem receber verbas da União, através de
destinações específicas no orçamento geral da União. Diferente das OS, as OSCIP
não exigem a participação do poder público no conselho de administração. Além
216 Temas emergentes na gestão pública inovadora

disso, não existe a possibilidade, ao contrário das OS, de cessão de servidores


públicos para as OSCIP. Atualmente, há centenas de OSCIPs já qualificadas
atuando em inúmeras áreas.

O contrato de gestão
O contrato de gestão é um instrumento utilizado pelo poder público e pelas
entidades não estatais, mas com funções públicas para prestação de serviços,
como as OS e as agências executivas. O contrato deve ser assinado entre a
organização e um Ministério da administração direta que funciona como órgão
supervisor das metas, resultados e desempenho previstos.
Os resultados do contrato são aferidos periodicamente através de relatórios e
comissões conjuntas que publicam os resultados. Os órgãos de controle interno
e externo também auditam os resultados do contrato.

As agências reguladoras
Este formato institucional também precisa de uma qualificação por decreto
do executivo, criando uma autarquia especial para prestação de serviços
exclusivos do Estado. Elas foram uma das maiores inovações do plano de reforma
do Estado, foram inspiradas no modelo britânico conhecido como “Next Steps”.
Elas seriam autônomas, flexíveis e teriam as condições institucionais para
viabilizar a nova cultura gerencial proposta pelo Plano Diretor da reforma do
Estado. Deveriam ter contratos de gestão e um tipo de administração voltado
para obtenção de resultados.
Na gestão do presidente Fernando Henrique, quando foram criadas, apenas
o INMETRO foi qualificado como agência executiva. No modelo original
concebido pelo Plano Diretor as agências executivas têm:
• flexibilidade de gestão dos seus recursos humanos;
• reordenamento de sua estrutura organizacional, respeitando os limites
quantitativos autorizados para cargos comissionados;
• gestão orçamentária e financeira agregando os recursos em apenas um
projeto e/ou atividade, observando os demais grupos de despesa de
pessoal e outros custeios e capital.
Temas emergentes na gestão pública inovadora 217

Sua institucionalização legal ocorreu em 1997. Houve muita resistência da


administração direta em transformar parte de suas funções no novo modelo
pelo temor da perda de atribuições, cargos e poder.
Além destas agências, outro modelo previsto no Plano Diretor foram
as agências de fomento como a ADENE, Agência de Desenvolvimento do
Nordeste, e a ADA, Agência de Desenvolvimento da Amazônia, ambas só
regulamentadas recentemente. Além disso, há outro tipo de agências, como a
ABIN, agência de inteligência, e a AEB, agência espacial, que imitam o modelo
norte-americano.
Já as agências reguladoras têm outro papel. Cabe a elas regular os serviços
públicos concedidos ou permitidos. As primeiras a serem criadas a nível nacional
foram a ANEEL, para regular o sistema de energia elétrica, a ANATEL, para
os serviços de comunicação, e a ANP, para o mercado do petróleo. Por outro
lado, as demais agências que sofrem com a não regularidade de transferências
financeiras, pois as agências reguladoras têm base independente de arrecadação,
baseada em taxas pagas pelos serviços regulados.
Originalmente, as características que nortearam a criação as agências se
pautaram pela:
• total autonomia e independência decisória do ente regulador, com
o estabelecimento de mandatos para seus dirigentes, nomeados pelo
presidente da República, após aprovação do Senado federal;
• autonomia administrativa para regular mediante a adoção de novos
critérios e formatos mais democráticos e menos intervencionistas
e burocráticos. Imprimindo agilidade processual e simplificação
das relações mantidas pelos atores envolvidos, agência, usuários e
investidores;
• participação dos usuários e investidores no processo de elaboração das
regulações, com a realização de audiências públicas;
• imitação da intervenção do Estado ao limite indispensável à prestação
de serviços.

O modelo das agências foi criado para revitalizar a administração direta,


modernizar a prestação de serviços e evitar a monopolização de empresas
218 Temas emergentes na gestão pública inovadora

concessionárias. Entretanto, ainda persistem muitos pontos de conflito.


A heterogeneidade e a fragmentação do setor público, com milhares de
organizações, ainda impõem um pesado custo e ônus de coordenação. O tema
da autonomia e da independência das agências também não está pacificado.
Há um conflito latente entre o Poder Executivo e as agências reguladoras em
relação a uma série de funções de regulação, por exemplo, a política de tarifas
e a política de concessões.
Uma síntese dos principais arranjos organizacionais recentes na administração
pública brasileira:

Agências executivas:
• natureza jurídica de direito público;
• personalidade jurídica própria;
• sujeição aos princípios e regras da administração pública: licitação,
concurso, orçamento, controles interno e externo;
• qualificação: processo e requisitos;
• contrato de gestão – relação hierárquica x relação contratual;
• flexibilidades: autonomia financeira, limites de licitação, contratação
de servidores, controles de resultado;
• receitas próprias e flexibilidade salarial.

Organizações sociais:
• entidades criadas por “indução” e sob controle do Estado;
• natureza jurídica de direito privado;
• personalidade jurídica própria, não integra a administração;
• sujeição parcial aos princípios da administração pública;
• administração privada do patrimônio público;
• redução do aparelho estatal: substituição de entes estatais;
• qualificação: processo e requisitos;
• contrato de gestão;
Temas emergentes na gestão pública inovadora 219

• flexibilidades: dotação global, licitações, contratação de pessoal (CLT),


controles ex post (de resultados);
• desqualificação e sucessão, em caso de descumprimento do contrato
ou gestão irregular.

Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público:


• orientação estratégica do PPA 2000/2003: “o novo padrão de
relacionamento entre Estado e sociedade impõe a participação, a
formação de parcerias e o senso de responsabilidade social”;
• Lei do 3º Setor: Lei Federal nº 9.790, de 23 de março de 1999;
• natureza jurídica de direito privado, reconhecida como de utilidade
pública, não integra a administração;
• atuação substitutiva ou complementar à estatal;
• sustentadas por recursos públicos e receitas próprias;
• sujeição estatutária e parcial aos princípios da administração pública;
• prestação de contas ao TCU;
• termo de parceria, firmado entre a OSCIP e o Poder Público, precedido
de consulta aos conselhos de políticas públicas setoriais;
• fiscalização e acompanhamento pelo Poder Público e conselhos;
• flexibilidades: não sujeição ao regime jurídico administrativo;
• premissa: maior eficiência e agilidade na prestação de serviços.

OSCIPs – áreas de atuação:


• promoção da assistência social;
• promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e
artístico;
• promoção gratuita da educação;
• promoção gratuita da saúde, de forma complementar;
• promoção da segurança alimentar e nutricional;
• defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do
desenvolvimento sustentável;
220 Temas emergentes na gestão pública inovadora

• promoção do voluntariado;
• promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à
pobreza;
• experimentação, não lucrativa, de novos modelos socioprodutivos e de
sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito;
• promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e
assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar;
• promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da
democracia e de outros valores universais;
• promoção de estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias
alternativas, produção e divulgação de informações e conhecimentos
técnicos e científicos nas áreas de atuação.

Fundação Pública de Direito Privado:


• este é um novo formato proposto em 2007 pelo Executivo federal
sobretudo para o setor de saúde, e ainda tem muitos oponentes,
especialmente das entidades de trabalhadores que temem a precarização
das relações de trabalho no regime celetista;
• requisito: lei complementar definindo áreas de atuação das fundações,
permitindo a instituição de dois tipos de fundação: Fundação Pública
de Direito Público e Fundação Pública de Direito Privado;
• objetivo: permitir a utilização criteriosa de modelo jurídico-institucional
adequado para as entidades públicas responsáveis pela execução de
atividades em que o Estado não detém a exclusividade (áreas de saúde,
educação, cultura, proteção ao meio ambiente, assistência social,
tecnologia, etc.);
• forma de propriedade pública – integra a administração pública
federal;
• regida pelo Direito Civil;
• sem fins lucrativos – patrimônio próprio;
• autonomia administrativa, orçamentária e financeira;
• estrutura de governança participativa – governo + sociedade;
Temas emergentes na gestão pública inovadora 221

• regime de emprego celetista;


• sujeita ao controle do TCU e tutela do Ministério Público;
• firma contrato de gestão.

Questões
1. O processo de inovação na gestão pública passa pelo uso das novas
tecnologias de informação na área de gestão. Você poderia citar e
comentar alguns exemplos desta utilização que você conhece?
2. No processo de modernização do Estado surge com muita força a
importância da gestão do conhecimento. Um dos pilares desta gestão
é a transformação de conhecimento tácito em conhecimento explícito.
Que estratégias podem viabilizar este processo?
3. A participação dos cidadãos deixou de ser uma bandeira ideológica
ou política para tornar-se um dispositivo desejável e normal de gestão
eficiente e eficaz. Você concorda com esta afirmação? Justifique a
resposta.

Referências comentadas
NOGUEIRA, M. A. Um Estado para a sociedade civil: temas éticos e políticos
da gestão democrática. São Paulo: Cortez, 2004.
O Estado, atualmente, está em crise: tem desafetos à direita e à esquerda.
Marco Aurélio, porém, adverte contra os riscos de um “Estado sem sociedade
civil” e também contra os riscos de uma “sociedade civil sem Estado”. Nas
condições em que nos encontramos, arrastados num processo de mundialização
que não corresponde às nossas aspirações, temos, entretanto, a chance de
aproveitar importantíssimos avanços técnico-científicos, de promover uma
desprovincianização.
Por tudo isso, mesmo em plena globalização neoliberal, Marco Aurélio
Nogueira recusa a sedução de uma perspectiva catastrofista ou apocalíptica e
busca delinear um reformismo democrático radical, para que possamos vir a
ter acesso a formas de vida mais justas e mais inteligentes.
222 Temas emergentes na gestão pública inovadora

RICCI, R. Contradições na implementação das ações de participação. Revista


Espaço Acadêmico, n. 36, 2004.
Neste artigo o sociólogo Rudá Ricci faz uma abordagem sobre a fragilidade dos
processos de participação no Brasil, com especial menção à nossa ambivalência
em relação à cultura democrática. O artigo sugere uma institucionalização maior
dos valores participativos através de uma rede de “escolas da cidadania” que
pudessem funcionar como centros irradiadores desta nova cultura.

CHIAVENATO, I.; SAPIRO, A. Planejamento estratégico. Rio de Janeiro:


Elsevier, 2003.
Nesta obra Chiavenato e Sapiro realizam um trabalho de pesquisa
importante, reunindo diversas técnicas e ferramentas de planejamento voltadas
especificamente para o setor privado, mas que podem ser utilizadas com
alguma adaptação ao setor público. Além da revisão conceitual, a obra tem um
sentido de aplicação prática. Cabe especial menção à parte III, com importante
contribuição para a formulação da estratégia como política de negócios, modelos
de cooperação e concorrência e desempenho organizacional. É uma leitura
complementar indispensável para manejar os instrumentos do planejamento
estratégico público.

CHIAVENATO, Idalberto. Administração geral e pública. Rio de Janeiro:


Elsevier, 2006.
Este livro foi elaborado originalmente para auxiliar os estudantes de nível
superior nos concursos públicos relacionados às carreiras federais, que são muito
exigentes na área da gestão pública. Na verdade, o livro adquiriu uma densidade
e uma abrangência ímpares na literatura disponível. Inicia comentando as
escolas clássicas da administração para em seguida entrar nos assuntos típicos
da gestão pública: processo administrativo, gestão de pessoas, comportamento
organizacional até as novas abordagens da recente reforma gerencial. É
indispensável para quem quiser se aprofundar no assunto.
Temas emergentes na gestão pública inovadora 223

BATISTA, Fábio. Governo que aprende: gestão do conhecimento em


organizações do executivo federal. Texto para discussão 1022. Brasília: IPEA,
2004.
Neste trabalho o autor discute o conceito da Gestão do Conhecimento
(GCO) e a sua importância para a administração pública, além de identificar o
estágio de implementação da GCO em que se encontram seis organizações do
Executivo federal – Banco do Brasil, Banco Central do Brasil, Caixa Econômica
Federal, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Serviço de
Processamento de Dados (Serpro), e Petróleo Brasileiro (Petrobras) –, com base
no método da American Productivity and Quality Center (APQC): “Road Map to
Knowledge Management Results”. O estudo destaca algumas práticas de sucesso,
situa o tema GCO nas organizações públicas no campo de estudo da Gestão
Pública e defende a tese de que a finalidade da GCO em tais organizações deve
ser vista de forma mais ampla que em empresas do setor produtivo.
10

Experiências na gestão inovadora


10.1 1º caso: Sistema inovador de Gestão
e Planejamento na esfera nacional
Vamos relatar o caso da criação e implantação do SIMEC, o Sistema de
Planejamento, Orçamento e Finanças do Ministério da Educação do governo
federal. Esta experiência conquistou o primeiro lugar no Concurso de Inovação
na Gestão Pública Federal, na sua 13ª edição, realizada em 2008.
O SIMEC é um sistema baseado em software livre que integra os processos
de planejamento, gestão e orçamento do MEC e que está rapidamente se
disseminando através da cessão do sistema a outros órgãos federais e estaduais.
Entre 2003 e 2007, o orçamento do MEC passou de R$ 18,1 bilhões para R$ 28,7
bilhões, um aumento de 58,5%. Tal volume de recursos impunha um sistema
mais sofisticado de controle que nasceu como um sistema para monitorar as
ações do MEC no PPA federal, o que antes era feito através do SIGPLAN (ver
glossário). Em 2003, o Ministério iniciou a elaboração do sistema utilizando um
sistema de sinalização cromática para o status das ações e projetos e a construção
dos planos de trabalho como instrumentos de programação das atividades. Uma
parceria como programa PNUD da ONU e a agência ABC do Ministério de
Relações Exteriores permitiu a primeira plataforma do sistema em 2005.
Atualmente, o sistema possui dez módulos que se integram com outros
sistemas do governo federal, como o SIGPLAN, o SIDOR e o SIAFI. Entre os
módulos encontram-se, como exemplo: monitoramento e avaliação do PPA,
226 Experiências na gestão inovadora

programação orçamentária, elaboração e revisão do PPA, orçamentário e


financeiro, etc.
Em 2007, o MEC elaborou o PDE, Plano de Desenvolvimento da Educação,
o que ensejou a elaboração de uma quarta versão do sistema. Foram criados o
módulo de monitoramento do PDE, o módulo de reestruturação e expansão das
universidades federais e o Plano de Metas, o módulo “Brasil Profissionalizado”
e o módulo “Plano de Ações Articuladas” (PAR). Este último módulo permite
a captação do diagnóstico da situação educacional e a definição de um Plano de
Ações Articuladas de estados e municípios. O módulo permite subsidiar as metas
para o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) das escolas e das
redes municipais e estaduais e tornou mais transparente a política de assistência
técnica e apoio às demais unidades da federação.
No atual estágio de implantação, o sistema possui 20 mil usuários cadastrados,
incluindo governos de estados e municípios, as 175 unidades orçamentárias do
MEC, a Presidência da República e o Ministério do Planejamento. O sistema
demandou o investimento de R$ 2,2 milhões, considerando inclusive os recursos
humanos envolvidos. A equipe responsável é composta por nove consultores de
organismos multilaterais e nove programadores terceirizados.
Os benefícios mais diretos do sistema são os ganhos de processamento interno
de informações e a melhor qualificação do processo de gestão estratégica do
Ministério. Indiretamente, o sistema qualifica o processo decisório na medida
em que viabiliza acesso a informações estruturadas, integrando ferramentas de
planejamento, gestão e orçamento e redefinindo o padrão de relacionamento
entre as esferas de governo.
Tela inicial do SIMEC na web:
Experiências na gestão inovadora 227

Figura 1 – Portal do Ministério da Educação

10.2 2º caso: Modernização da função


de Planejamento na esfera subnacional
Vamos descrever o processo de modernização administrativa nas funções
de gestão e planejamento. O caso que será descrito é o processo acontecido
nos últimos anos no estado de Minas Gerais. O estado tem 583 mil km2, 853
municípios e uma população de 18,6 milhões de pessoas, com um PIB de R$
166 bilhões. É um dos três maiores estados brasileiros.
O processo iniciou com medidas de reestruturação das funções e do
organograma do governo:
• o colegiado de gestão governamental foi criado;
• criação das câmaras temáticas;
• as áreas de planejamento, gestão e finanças de cada órgão e entidade
foram integradas;
• a função de gerente executivo de projetos foi criada;
• foi criado o comitê de governança eletrônica;
• foi adotado o modelo das OSCIP como estratégia de parceria para
promoção dos serviços não exclusivos do Estado.
228 Experiências na gestão inovadora

A iniciativa marcante e inovadora foi a integração entre o processo de


orçamento e o processo de planejamento. Medida que já havia sido tomada
no governo federal com a flexibilização das categorias orçamentárias da Lei
nº 4.320/64 e com a definição metodológica da categoria “Programa” como
ligação entre a peça orçamentária e o planejamento. O Plano Mineiro de
Desenvolvimento Integrado (o PMDI), como é denominado o plano plurianual
naquele estado, foi elaborado com base numa matriz SWOT divulgada e debatida
em todo o estado. Com base no plano, foi definido um conjunto de trinta projetos
estruturantes que compuseram a “gestão estratégica dos recursos e ações do
estado”, a GERAES.
A experiência recente do governo de Minas Gerais aliou duas dimensões: o
ajuste à realidade e a inovação. As principais medidas de saneamento financeiro
e organização da máquina administrativa foram:
• regulamentação de registro de preços para ganhos em escala com
compras comuns aos diversos órgãos e entidades;
• obrigatoriedade do pregão para compras e contratações de bens e
serviços comuns;
• instituição de cotação eletrônica de preços (para compras por dispensa
– baixo valor); integração com o Sistema Integrado de Administração
Financeira – SIAFI – com a adoção do empenho prévio automático;
• vedação de reconhecimento de dívida por via administrativa;
• melhoria do Portal de Compras e diversas outras leis, decretos e
resoluções.

A inovação foi representada pelo novo Plano Mineiro de Desenvolvimento


Integrado e pelo Plano Plurianual de Ação Governamental – PPAG, ilustrados
a seguir.
Experiências na gestão inovadora 229

Quadro 47 – Gestão pública em Minas Gerais – diagrama

Síntese dos aspectos mais importantes da reforma gerencial:


• reorganização da estrutura do governo: redução de 59 para 6 Secretarias
de Estado, extinção de 3 mil cargos e funções comissionadas. 15
secretarias, 2 secretarias extraordinárias, 6 órgãos autônomos com status
de secretaria de Estado e subordinação ao governador, 18 autarquias, 15
fundações, 17 empresas públicas, 6 órgãos autônomos e 51 conselhos
de políticas públicas. Foram criadas a Ouvidoria Geral do Estado, a
Advocacia Geral e a Auditoria Geral, reforçando os instrumentos de
controle e transparência; criação da Secretaria de Planejamento e Gestão,
unificando a função orçamentária com a de planejamento;
• metodologias inovadoras no planejamento: com base em câmaras
temáticas e colegiados que viabilizam a transversalidade necessária das
políticas públicas, foram elaborados os planos PMDI e PPAG utilizando
a técnica de cenários exploratórios e prospectiva;
• modernização da gestão de pessoas: avaliação de Desempenho
Institucional (Acordo de Resultados); adoção de novo modelo de
parceria para a implementação de políticas públicas (OSCIP); avaliação
de Desempenho Individual; desenvolvimento e Implementação de
230 Experiências na gestão inovadora

Políticas de Recursos Humanos, e formação, qualificação e capacitação


de Recursos humanos pela Escola de Governo (da Fundação João
Pinheiro); Redução do número de carreiras, implantação de remuneração
variável e intensificação da capacitação (curso de graduação permanente
na Escola de Governo);
• sistemas de avaliação de desempenho e acordos de resultado, conforme
ilustrado a seguir. As setas azuis representam os ganhos se os resultados
são alcançados e as vermelhas as perdas se as metas não forem atingidas.
Foi implantado um sistema de autonomias nas instituições conforme
o desempenho, inclusive com censura pública para reincidência de
resultados insatisfatórios (3 em 5 avaliações);

Quadro 48 – Avaliação de desempenho

• foi criada uma premiação chamada “adicional de desempenho”,


distribuído em 40% vinculado ao desempenho institucional, 50% ao
desempenho individual e 10% vinculado à formação acadêmica. O
montante do prêmio era definido conforme a economia de despesas
correntes, posteriormente ampliado para o limite de 10% das receitas
diretas, vedadas as receitas decorrentes do poder fiscalizatório;
Experiências na gestão inovadora 231

• modelo matricial de gestão: cada linha horizontal corresponde a um


programa ou projeto com resultados contratualizados com os gerentes
responsáveis e o governador do estado. Acordos verticais com os
órgãos também foram feitos com a mediação e coordenação da área
de planejamento (SEPLAG), conforme demonstrado a seguir.

Quadro 49 – Governo Matricial

Relação das autonomias negociadas e vinculadas ao desempenho


institucional:
• abertura de créditos suplementares em custeio e capital, mediante
cancelamentos até o limite de 10% (o previsto na LDO-LOA é 7% para
o geral);
• alteração do quantitativo e da distribuição de cargos comissionados e
de funções gratificadas, sem aumento de despesa;
• aprovação ou readequação de estruturas ou estatuto do acordado;
• reversão de no mínimo 50% da receita diretamente arrecadada que
superar o efetivamente realizado no exercício de 2003;
232 Experiências na gestão inovadora

• limites de dispensa de licitação em dobro;


• modalidade de licitação de consulta;
• além de diversas outras flexibilidades em relação à gestão de recursos
logísticos, benefícios indiretos, estagiários, etc.

Um dos efeitos de médio prazo foi a redução da dependência de transferências


da União e o aumento da arrecadação própria do estado, como demonstram
os gráficos a seguir.

Gráfico 1 – Receitas próprias e transferidas em Minas Gerais

Uma síntese da experiência mineira pode ser visualizada a seguir, com os


principais componentes da estratégia adotada para o período 2003/2007:
Experiências na gestão inovadora 233

Quadro 50 – Planejamento da gestão pública em Minas Gerais

10.3 3º caso: Aplicação do balanced scorecard


na gestão municipal
Aqui vamos descrever o caso da Prefeitura de Porto Alegre, que vem aplicando
nos últimos anos um modelo de gestão inovador, baseado na preservação dos
mecanismos de participação popular do Orçamento Participativo implantado
nos anos 90 com ferramentas modernas de gestão como é caso do balanced
scorecard.
Porto Alegre é a capital mais meridional do Brasil, estado do Rio Grande
do Sul, e possui 1,4 milhão de habitantes, um IDH de 0,865, alto para os
padrões brasileiros. O produto interno bruto da cidade é de R$ 30,1 bilhões,
com uma renda per capita mensal de aproximadamente R$ 1,6 mil. A cidade
é predominantemente um centro de serviços com 37% dos estabelecimentos
vinculados ao comércio e 51% a serviços diversos que detém 66% dos postos
de trabalho.
234 Experiências na gestão inovadora

Segundo a empresa de consultoria Symetics, que apoiou a execução do


projeto, a Prefeitura de Porto Alegre elaborou, com o apoio do Programa Gaúcho
da Qualidade e Produtividade (PGQP), um novo modelo de gestão, o que
tornou Porto Alegre a primeira capital brasileira a utilizar ferramentas como o
balanced scorecard (BSC), que permite o acompanhamento através de programas,
utilizando indicadores e metas de desempenho a médio e longo prazos.
A adoção da ferramenta BSC permitiu ainda a comunicação e a visualização
da estratégia em todos os níveis da organização. A gestão por programas
estratégicos gera a integração entre diferentes órgãos, a otimização de recursos
e o trabalho conjunto para vencer desafios. A direção do trabalho foi dada por
objetivos estratégicos, indicadores e pela constante perseguição de metas através
dos 21 programas que integraram o Plano Plurianual 2006-2009 e visavam à
garantia de uma cidade ambientalmente responsável, empreendedora, capaz de
atender à população, sem deixar de lado a responsabilidade financeira e fiscal.
A governança propõe-se a estimular o capital social, envolvendo a comunidade
em favor de um projeto comum. Cabe ao governo identificar e respeitar as
diferenças de cada território que compõe a capital.
Os programas de governo:

Quadro 51 – Eixos do planejamento público de Porto Alegre


Experiências na gestão inovadora 235

Os programas foram gerenciados por servidores, que são funcionários


de carreira, escolhidos por sua experiência e dedicação à administração do
município. Dessa forma, as ações e os programas não sofreram descontinuidade
e as informações foram mantidas ao longo do tempo. Com esse trabalho, a
administração municipal buscou desenvolver ações que aumentaram a qualidade
de vida dos cidadãos, atendendo às demandas e prestando serviços com
qualidade. De forma geral, o modelo de gestão envolveu duas frentes de trabalho,
sendo uma estrutural e outra emergencial. A primeira inclui explicitar a alinhar
a visão de futuro, desenhar e implementar o modelo de gestão, desenvolver
ferramentas de acompanhamento e gestão (através do BSC e de um portal na
internet), definir os principais programas e implementar a gestão de programas.
A segunda frente de trabalho implica aumentar a receita, reduzir despesas e
aprimorar processos na saúde.
O modelo concebia uma visão sistêmica de governo, conforme diagrama a
seguir.

Quadro 52 – Governança do município de Porto Alegre – diagrama


236 Experiências na gestão inovadora

As informações obtidas a partir do site da Prefeitura (www.portoalegre.rs.gov.


br) indicam que o modelo de gestão combina, de forma integrada, a gestão da
estratégia, a gestão de processos e a gestão de conhecimento, o que permite o
alinhamento de esforços para alcance da visão de futuro, compartilhando a
estratégia para todos os níveis da organização. O modelo adota como premissas
o conceito de participação cidadã (Governança Solidária Local), a estruturação
da organização por eixos de atuação (Visão Sistêmica) e a contínua avaliação
de resultados.
O modelo é gerenciado pelo Portal de Gestão e sustentado por diferentes
ferramentas como Mapa Estratégico (gestão da estratégia), Programas de
Governo – PPA (execução da estratégia) e Gestão de Processos. Os aspectos
contemplados pelo Modelo de Gestão estão colocados a seguir.
• Criação de valor na relação governo e sociedade: o conceito de criação
de valor baseia-se na percepção dos benefícios gerados pela Prefeitura
frente ao principal público-alvo: a sociedade. A proposta é trabalhar
para que os esforços maximizem a satisfação dos usuários de serviços
prestados pela Prefeitura. O papel da Prefeitura é o de maximizar
o potencial do capital social existente na sociedade, promovendo
condições para que seus ativos possam construir, de forma conjunta, o
desenvolvimento dos cidadãos. O principal conceito que sustenta este
esforço é a governança solidária local.
• Governança solidária local: é uma rede intersetorial e multidisciplinar
que se organiza territorialmente para promover espaços de convivência
capazes de potencializar a cultura da solidariedade e cooperação entre
governo e sociedade local.
• Gestão da estratégia: para atender aos desafios colocados, a Prefeitura se
organiza a partir da Visão Sistêmica, que divide a atuação das secretarias
e órgãos em eixos de atuação e propõe a criação de estruturas coletivas
para discussão das estratégias nos respectivos eixos. Para explicitar
a estratégia, avaliar o desempenho da organização em relação aos
respectivos eixos e estabelecer os níveis desejados de desempenho, a
Prefeitura utiliza o Mapa Estratégico.
A Prefeitura assumiu o objetivo de implantar um Modelo de Gestão
que garantisse a integração e unidade do governo, na busca da
Experiências na gestão inovadora 237

qualidade na execução e monitoramento dos programas, no alcance


das Diretrizes Estratégicas definidas e nos compromissos de campanha
assumidos. Para tanto, foi desenvolvida uma estrutura organizacional
que sustentasse a gestão da estratégia visando ao estabelecimento de
um padrão gerencial que organiza e racionaliza o funcionamento da
instituição.
Um dos alicerces desta estrutura para a gestão da estratégia esteve na
organização coletiva e descentralizada do trabalho. Daí a importância
da implantação de estruturas coletivas de gestão, permitindo que as
áreas atuem de forma integrada, racionalizando o orçamento público,
evitando retrabalho e duplicidade de atividades e potencializando o
resultado das políticas públicas.
A estratégia pode ser entendida como a descrição daquilo que a
organização pretende atingir no longo prazo e pode ser expressa na
forma de objetivos estratégicos integrados. A estratégia da Prefeitura
partiu de uma visão de futuro definida – onde queremos chegar – e das
Diretrizes Estratégicas – como a Prefeitura quer chegar – e “traduziu”
essas diretrizes e visão em objetivos estratégicos. Esses objetivos foram
comunicados a todos para que possam direcionar seus esforços para o
mesmo foco.
• Gestão de processos: alguns programas de governo utilizam a gestão
de processos como ferramenta de melhoria contínua. A implementação
desta ferramenta compreende o Gerenciamento Matricial de Despesas
e de Receita, utilizado para o planejamento e acompanhamento do
orçamento anual, e na área da Saúde visa à melhoria dos processos a
fim de qualificar o atendimento à população.
• Gestão de conhecimento: o modelo de gestão está baseado na
gestão do conhecimento com ênfase na gestão da mudança, focada
na capacitação e na comunicação. Este processo é fundamental, pois
dissemina o conhecimento para todos os níveis da organização, estimula
a participação no planejamento e execução de ações governamentais,
promovendo a efetividade e a continuidade das políticas públicas.

O diagrama a seguir ilustra as relações entre a governança, os objetivos e os


processos estabelecidos.
238 Experiências na gestão inovadora

Quadro 53 – Processos, objetivos e governança

A ferramenta de um portal na web foi fundamental para coordenar,


comunicar e dar transparência aos procedimentos de monitoramento e controle
dos programas:

Figura 2 – Ferramenta virtual de gestão estratégica


Experiências na gestão inovadora 239

A experiência de Porto Alegre com o BSC, além de inédita, trouxe lições


importantes para a gestão inovadora. Podemos, por exemplo, considerar as
dimensões que o próprio BSC sugere para uma organização orientada para
a estratégia: (1) traduzir a estratégia em termos operacionais, (2) alinhar a
organização para criar sinergia, (3) transformar a estratégia em tarefa de todos,
(3) transformar a estratégia em processo contínuo e (4) mobilizar a mudança por
meio da liderança executiva. O primeiro aspecto foi confirmado pela experiência,
o programa de governo foi base para a montagem do Mapa Estratégico, ainda que
os indicadores estratégicos não tenham sido formulados, o que é foi uma lacuna
importante. O alinhamento da organização apresentou problemas decorrentes
das tensões entre a estrutura verticalizada da burocracia tradicional e a lógica
transversal do modelo.
O modelo enfrentou problemas de disseminação, dado o linguajar técnico
e as dificuldades de capacitação para os 17 mil servidores. Um ponto positivo
foi o reconhecimento de desempenho dos gerentes, a remuneração variável
não foi implantada, mas houve premiação na forma de cursos no exterior.
Outros pontos vulneráveis da experiência foram a pouca integração entre
estratégia e orçamento, a complexidade do processo decisório interno e a não
contratualização de resultados.

Questões
1. Quais elementos comuns podemos identificar nas experiências dos
governos de Porto Alegre, de Minas Gerais e no Ministério da Educação,
em termos de gestão pública inovadora?
2. Pense na sua cidade; que tipo de projeto, programa ou atividade
poderia ser desenvolvido pelo governo ou pela sociedade para tornar
a administração pública mais efetiva, eficiente e eficaz?
3. Se você fosse um gestor público na sua cidade, responsável pela prestação
de um serviço importante para a população, quais as principais medidas
a serem tomadas para modernizar a gestão pública? Justifique sua
resposta.
240 Experiências na gestão inovadora

Referências comentadas
CORRÊA, Izabela Moreira. Planejamento estratégico e gestão pública por
resultados no processo de reforma administrativa do estado de Minas
Gerais. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro 41(3):487-504,
maio/jun. 2007
Reformar uma organização já é, administrativamente, uma tarefa árdua.
Reformar uma organização como o Estado pode ser ainda mais complicado.
Essa tarefa pode tornar-se menos complexa quando o governo é capaz de
estabelecer estratégias claras de intervenção no modelo de administração pública
e negociação com o Legislativo. Neste artigo o autor desenvolve o argumento
de que o processo de reforma do estado em Minas Gerais foi viabilizado pelo
desenvolvimento do planejamento estratégico e facilitado pela política de gestão
pública por resultados – acordo de resultados –, que garantiu o alinhamento
estratégico dos órgãos, entidades e servidores às metas do governo.

CUNHA JUNIOR, Luiz Arnaldo Pereira da. O governo matricial em Minas


Gerais: implantando o choque de gestão. IX Congreso Internacional del CLAD
sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública. Madri, Espanha,
2-5 nov. 2004.
Neste artigo o autor analisa as mudanças de gestão ocorridas no governo de
Minas Gerais no último período, conhecidas como “choque de gestão”, e aponta
perspectivas de continuidade futura das melhorias e dos avanços alcançados.

Referências
PERDICARIS, Priscilla; FORMOSO JUNIOR, Aurélio; NOGUEIRA, José
Marcelo Maia. Limites e desafios do uso do BSC em organizações públicas:
o caso da Prefeitura de Porto Alegre. II Congresso Consad de Gestão Pública
– Painel 13, Brasília, 2009.

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