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ELI-ERI MOURA

LINGUAGEM DA MÚSICA CONTEMPORÂNEA DE CONCERTO


EM CONTEXTO

Há inúmeras discussões em torno de linguagem musical. Na


visão de Suzanne Langer, fundamental para a existência de uma
linguagem seria sua natureza discursiva, própria da linguagem
verbal, o que excluiria a música. Outros filósofos e semiólogos
discutem se música é ou não signo e comunicação – e de que
maneira. Para teóricos da música, a linguagem é identificada com
estilo, tratamento dos materiais musicais, os próprios materiais,
técnicas, processos composicionais e sistemas sonoros, com os
quais, na verdade, se intercambia. Um exemplo é a referência à
“linguagem tonal” (para uma música apoiada no sistema tonal)
versus “linguagem não-tonal” (para uma que faz uso de um sistema
diferente). Há ainda visões a partir da comunicação social que
excluem qualquer noção de linguagem fora do sistema tonal.
Adentrar essa discussão está fora do escopo deste trabalho. No
entanto, para referenciar as idéias aqui expostas, partiremos de um
conceito do ponto de vista do compositor.
Linguagem musical é a própria música como interface entre
uma rede de referências culturais, uma rede de
significados/conteúdos (um campo de diferentes realidades ao qual a
música nos remete) e microuniversos sonoros artificiais (coletivos ou

Transcrição editada da participação do debatedor no projeto "A Saga da Música de Concerto no Brasil
de Hoje e na América Latina", patrocinado pelo Programa Cultura e Pensamento em 2007, através da
“Seleção Pública de Debates Presenciais”. Está autorizado o uso desse texto para fins não
comerciais, sendo sempre obrigatória a apresentação dos créditos.
particulares), com os quais o compositor trabalha geralmente em um
nível pré-composicional. Nesse nível, o compositor lida com fatores
de força existentes nas relações entre componentes sistêmicos (que
envolvem diversas funções e relações entre os parâmetros
musicais), estabelecendo normatizações que, influindo na
caracterização dos agentes catalisadores da sintaxe e do discurso
musicais, terminam por afetar de uma forma específica os aspectos
estruturais, formais, melódicos, harmônicos, texturais e tímbricos de
sua composição. Em geral, esses microuniversos são suportados por
um leque de determinantes ambientais (acústicos), cognitivos e
biológicos.
Nesse sentido, toda e qualquer música detém uma linguagem
que participa do processo comunicativo e, conseqüentemente, da
produção sociocultural e histórica. Em nossa exposição,
tangenciaremos aspectos desse processo que dizem respeito
especificamente a tópicos como compreensibilidade da linguagem,
nacionalismo e identidade cultural, inseridos na cadeia de produção,
circulação e consumo.
Ainda nessa acepção, consideramos a música como uma
linguagem universal (ou quase), mas exibindo tipos diferentes de
acordo com lugar e período, da mesma forma como a linguagem
verbal, enquanto fator lingüístico, é considerada universal, mas
emerge através de diferentes idiomas, dependendo do tempo e do
espaço. Isso é porque, transcendendo verbalização e oralidade, a
linguagem musical tem a capacidade de instaurar uma cadeia de
relações sonoras que se fecha até certo ponto na sintaxe, mas
permanece aberta em seus aspectos semânticos (seus conteúdos e
significados).
Além disso, contribuindo para tal universalidade, é qualidade

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comerciais, sendo sempre obrigatória a apresentação dos créditos.
precípua da música abrigar multiplicidades sintáticas
simultaneamente. Assim afirma Lucia Santaella:

[...] a música é uma linguagem que, além das sintaxes similares às


da língua, também trabalha com as sintaxes da simultaneidade,
sintaxes harmônicas, texturais, espessas, homólogas às sintaxes das
linguagens plásticas, visuais. A construção de cada acorde em si já
se constitui em uma sintaxe, relações sintáticas da simultaneidade,
enquanto as progressões harmônicas que determinam a passagem
de um acorde a outro no tempo, constitui-se em uma
seqüencialidade de tipo especial, obedecendo às leis determinadas
pela construção. Enfim, a harmonia como uma rede de transições,
progressões, modulações desenha uma sintaxe das espessuras, da
profundidade, dos relevos.

A autora ainda distingue como sendo compartilhadas pela


música uma sintaxe do movimento, tipicamente narrativa – em
função das diversas direcionalidades encontradas nos campos
melódico, harmônico e textural, e correlativas sensações de
expectativa, desenvolvimento e resolução – e uma sintaxe
diagramática, homóloga à da poesia – por conta das repetições,
paralelismos, variações, espelhamentos, etc., próprios do discurso
musical.

É importante perceber que, a partir do início do Século XX, com


a implosão do tonalismo, predominante desde o Século XVIII, ocorre
não somente um crescimento da complexidade sintática em todos os
seus níveis, mas de forma expandida a todos os parâmetros
musicais – lembrando que, no tonalismo, a sintaxe se centrava,

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sobretudo, nas alturas. A saturação da linguagem predominante
serve de estopim para uma verdadeira ‘corrida’ entre compositores
com o objetivo de desenvolver ou reinventar a linguagem musical,
não muito diferente das outras ‘corridas’ do século – tecnológica,
armamentista, espacial, etc. Numa rápida sucessão, a linguagem
desdobra-se em variantes, constituindo novas linguagens. Tal
transformação é um dos fatores a contribuir para a estratificação que,
no decorrer do século, polariza a música entre vários segmentos,
entre os quais o popular e o erudito (ou música de concerto). Por um
lado, a música, agora caracterizada como contemporânea, em
direção a uma complexidade cada vez maior, termina por se confinar,
a partir da segunda metade do Século XX, às universidades e
academias, difundida entre pares acadêmicos e entre aqueles
fluentes nos complexos códigos musicais – em geral, os próprios
músicos. Além dos fatores inerentes à própria evolução da
linguagem, a estratificação é incrementada pelo desenvolvimento
tecnológico que passou a permitir a gravação e a transmissão à
distância do som. Com o disco e com o rádio, alguns segmentos da
música que continuam a usar a velha linguagem referenciada pelo
sistema tonal tornam-se mercadoria/produto de massa com grande
apelo econômico, como a canção popular urbana e o rock. Outros
segmentos que surgem, como o jingle, a vinheta, a trilha sonora para
novelas de rádio e TV, música para cinema, etc., permeiam
diferentes tipos e níveis de linguagem.

Os anos recentes apresentam, mundialmente, um contexto de


pluralismo e ecletismo dominado por uma imensa variedade de
linguagens musicais (e decorrentes estilos, métodos, técnicas), que
envolvem um sem-número de fusões, rupturas, mutações e

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continuidades. A vanguarda, o experimentalismo, o novo pelo novo,
característicos das décadas de 1960 e 1970, ficaram rapidamente
datados, embora haja sempre os que insistam nessas linhas.
Ironicamente, obras de Cage e companhia, principalmente de
seu período aleatório, não fazem muito sentido em ser apresentadas
nos dias de hoje a não ser como itens de museu, que precisam ser
explicados e contextualizados historicamente. Não poderia ser de
outra forma, dada a irrelevância dos aspectos sintáticos e a ênfase
de estéticas muito particulares (várias delas de contestação) em tais
obras. Imagine o quão anacrônico é hoje procurar chamar a atenção
ou mesmo chocar uma platéia através da apresentação de 4’33’’, de
Cage, ou das peças da série Music, de LaMonte Young, por
exemplo.
Mesmo os protagonistas de novidades como serialismo total,
aleatorismo, minimalismo, massas sonoras, etc., retornaram a
procedimentos mais convencionais ou procuraram pontos de fusão
entre os diversos caminhos. Foi o caso de Boulez, Stockhausen,
Berio, Reich, Glass, Lutoslawski. Alguns deram guinadas
espetaculares, realizando o retorno em um contexto referencialista,
dentro do chamado pós-modernismo, como Kagel, Schnittke,
Zimmermann, ou num contexto assumidamente neotonal, neo-
românico, como Del Tredici, Pärt, Penderecki, Górecki, Andriessen.
O Brasil reflete essa situação de pluralismo e ecletismo. Se já
fomos anacrônicos no passado, em fases em que as músicas de
nossos compositores exibiam procedimentos importados já
desgastados, também já produzimos uma música de vanguarda
autenticamente brasileira, no final da década de 1960, quando
compositores do movimento Música Nova se envolveram com a
poesia concreta dos paulistas Haroldo de Campos, Augusto de

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Campos e Décio Pignatari. Mesmo os compositores desse
movimento fizeram o recuo a linguagens mais acessíveis, como
Gilberto Mendes, com sua metalinguagem musical que transpõe
fronteiras temporais e espaciais. Outros voltaram a trilhar caminhos
que são desdobramentos de uma estética apregoada por Mário de
Andrade, como foram os casos de Santoro, de Kaplan (dentro de um
universo intertextual), de Marlos Nobre, e de vários outros.
Diferente de qualquer outro período da história da música, o
presente momento permite que o compositor desfrute de uma
liberdade composicional sem precedentes, liberdade que abarca
decisões que podem ir desde a concepção do próprio som à criação,
a partir das mais diversas premissas, de elaborados cosmos sonoros
individuais e particulares.
Notoriamente, o avanço tecnológico da informação nas últimas
décadas e a crescente facilidade de acesso a ela foram fatores
primordiais à chegada desse patamar. A informação, podendo ser
rapidamente multiplicada e consumida, não somente ajudou a
esgotar e exaurir linguagens musicais emergentes. Ela tornou
possível o desencadeamento de novas relações e fragmentações
temporais e espaciais, indeléveis em nossos CDs, DVDs, iPods. Para
o compositor, em tal ambiente, nada mais natural, então, que
superpor, contrapor, fundir e transpor os espaços e tempos
acessíveis, projetando em suas obras múltiplas metalinguagens de
um chamado mundo pós-moderno. Antigas polaridades do pensar
composicional tornam-se arcaicas: antigo-novo, tradição-renovação,
conteúdo-forma, ocidental-oriental, nacional-universal. Assim, fica
propiciado também o reencontro entre o erudito e o popular.
Outra questão importante é o avanço que a música faz – com
as novas linguagens – na multiplicação de suas temporalidades. Se

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nos três séculos em que durou o tonalismo, a música exibiu
predominantemente uma temporalidade linear, baseada nas relações
de passado e futuro entre eventos musicais, a partir do século XX
várias das novas linguagens têm sua razão de ser justamente na
exploração de temporalidades não lineares, que enfatizam mais o ser
do que o devir, mais o presente do que as relações efêmeras de
passado e futuro. É quando se explora de forma plena a identidade
entre tempo e música, a qualidade da música em manipular o próprio
tempo. Parafraseando o “tempo relatado”, de Paul Ricoeur, é a
música, num nível mais profundo do que mitos e cronologias,
tornando-se uma mediação simbólica para o homem como tempo
incorporado, na tentativa de superar a desproporção entre o tempo
cósmico e o tempo vivido.
Imagino que ainda passaremos algum tempo neste pluralismo.
Eu não consigo vislumbrar, neste momento, um direcionamento
musical específico tão forte que domine uma boa parte dos
compositores, como acontecia no passado, quando escolas ou
movimentos composicionais bem caracterizados eram identificados,
tendências e correntes estilísticas apregoadas. Pelo menos não até
que novos parâmetros musicais sejam descobertos e utilizados,
como foi o caso das massas sonoras usadas como agentes do
discurso musical, que revolucionaram a música a partir da segunda
metade do século XX. Quem sabe?, parâmetros envolvendo novos
tipos de escuta, de percepção, holofonia (não no sentido da técnica
de gravação, mas de algo relacionado à elaboração de texturas
musicais)...
No atual contexto, de ‘liberdade composicional’ sem
precedentes, as diretrizes do fazer musical tendem a ser ampliadas,
demandando reflexões que extrapolam tradicionais discussões

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estruturalistas e cognitivas da música, e incluem temas
interdisciplinares de uma agenda contemporânea envolvendo
questões concernentes à circulação e ao consumo, além da
produção. É suposto que tais questões, fechando o círculo,
influenciem de alguma forma as linguagens adotadas pelos
compositores.
No campo da produção, uma dessas questões diz respeito ao
que é freqüentemente apregoado como a atual “tendência” ser
aquela que engloba e aceita todas as tendências, todas as
linguagens, tudo e todos, sendo todas as posições válidas. Isso num
sentido que transcende os ideais estéticos do pós-modernismo,
propiciando o uso de “velhas” linguagens não como metalinguagens,
mas num patamar de ordem primária. Penso que tal situação
simplesmente reflete a atual realidade de imensa diversidade de
mídias que exigem linguagens musicais específicas (do jingle
publicitário à música acusmática, da música incidental à música
abstrata). Tal realidade, até, força o compositor muitas vezes a
desenvolver o que chamo de “camaleonismo” composicional,
necessário para atender as mais diversas demandas do mercado.
Nesse contexto, é interessante notar que reações ainda surgem
quando determinados espaços são transgredidos por linguagens nos
quais tradicionalmente se tornaram alheias. Um exemplo bem
específico é a presença em eventos como a Bienal de Música
Brasileira Contemporânea (como visto este ano) de peças franca e
abertamente tonais, escritas não num contexto de metalinguagem ou
mesmo de new tonality, mas num âmbito em que a apreciação tem
por base aspectos de ordem primária mesmo, relacionados à
progressão harmônica, condução melódica, equilíbrio formal, etc.
Vários questionamentos podem ser levantados: situações como essa

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implicariam uma banalização das linguagens musicais? Até que
ponto pode ser considerada como reação a movimentos como o da
new complexity, implicando, portanto, em um suposto “refrescamento
musical”? O que dizer de implicações práticas que envolvem até
mesmo o meio acadêmico? Seria, assim, válida uma tese de
doutorado em composição que simplesmente reeditasse ou refizesse
os caminhos de uma sinfonia de Brahms ou uma cantata de Bach?
São questões abertas para discussão.

Um tema eternamente relacionado à música brasileira que


influenciou e influencia a linguagem é, sem dúvida, o nacionalismo. É
interessante perceber que, em diferentes graus, um fator de
“recontextualização” sempre acompanhou o evolver da música
nacional. Com o termo recontextualização refiro-me, num sentido
amplo, à maneira como compositores lidam com materiais e
procedimentos estilísticos e sintáticos alheios às suas linguagens
próprias e específicas.
Como se sabe, as primeiras idéias de uma música com
identidade nacional apareceram no final do século XIX. Em
concomitância com interesses políticos em incrementar a soberania
brasileira, a idéia foi liberar a música da dominação européia com
uma linguagem que, ao mesmo tempo, refletisse a realidade do povo
e fosse compreendida pelas pessoas. As peças resultantes foram
caracterizadas principalmente pelo uso de temas melódicos da
música popular urbana e de origem africana, tratados de acordo com
métodos harmônicos e polifônicos europeus. Nestor Canclini diz que,
reduzindo o étnico ao típico, a cultura dominante recontextualizou a
música do povo e atribuiu a essa música um novo significado em
função dos seus próprios interesses. Já na Semana de Arte Moderna

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de 1922, Mário de Andrade propôs estágios para a criação de uma
linguagem musical simultaneamente brasileira e moderna que
também implicavam diferentes tipos de recontextualização, indo
desde a adoção fiel de melodias folclóricas até uma música que
refletisse o inconsciente nacional, aquela que seria verdadeiramente
nacionalista em espírito – caso da música de Villa-Lobos.
Em 1946, o manifesto Música Viva, envolvendo os
compositores Koellreutter, Guerra-Peixe, Edino Krieger e Cláudio
Santoro, entre outros, introduziu no País as teorias de Schoenberg.
O manifesto atacava um “falso nacionalismo... que exalta
sentimentos de superioridade nacional e encoraja tendências
egocêntricas e individualistas...” e invocava uma música mais
“universal”. Assumindo o papel de defensor dos valores brasileiros
contra o Grupo Música Viva, o nacionalista Camargo Guarnieri
publicou em 1950 a “Carta Aberta aos Músicos e Críticos do Brasil”,
na qual ele chamou as idéias de Koellreutter de “formalistas e
infiltração antibrasileira” e se referiu à música dodecafônica como
“refúgio para compositores medíocres”. Por essa época, a fonte da
‘música nacional’ ainda era a cultura popular. A diferença é que os
elementos originais constituintes dessa cultura já haviam passado
pelo processo de mestiçagem, um processo de transformação dos
elementos estrangeiros (principalmente da África) em autênticos e
identificáveis produtos brasileiros. Ironicamente, na metade da
década de 1950, Guarnieri se viu lado a lado com seus antigos
“inimigos”, que também eram membros do Partido Comunista
Brasileiro, quando estes receberam uma orientação do Partido, por
assim dizer, para aderir a uma música nacional. Como afirma
Mounsey, o Partido, simpático à luta da então União Soviética contra
os Estados Unidos na Guerra Fria, tornou-se o defensor dos valores

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nacionais brasileiros: na sua visão, nacionalismo parecia ser a única
resposta às intenções imperialistas norte-americanas. Implicado aqui
é o começo de um novo ciclo de recontextualização. Para um país
em uma posição anacrônica, muito atrás dos últimos
desenvolvimentos da linguagem musical, os novos procedimentos
foram tão alienígenas quanto os elementos anteriores retirados da
cultura africana e nativa – embora esses procedimentos fossem
agora pertinentes apenas à música de concerto.
Envolvidos nestes embates, nossos compositores ficaram
afastados dos últimos avanços e desenvolvimentos da linguagem
musical até os anos de 1960 e 1970 (sendo Villa-Lobos um caso
discutível). É interessante notar, no entanto, que de forma coletiva e
inconsciente os compositores brasileiros, ironicamente, terminaram
por participar do processo de renovação da linguagem musical
contemporânea, antecipando determinados procedimentos, atitudes
e traços característicos do pós-modernismo. Isso porque, numa
situação periférica, foi simplesmente natural para esses compositores
usar a grande variedade de elementos estrangeiros bem como
linguagens musicais externas ao seu dispor como matéria-prima para
criar uma música que transcende fronteiras e, muitas vezes, abraça
contradições. Esse ecletismo, em vez de um problema, foi assumido
por eles como um traço fundamental de uma identidade Latino-
Americana, que vai além da recontextualização de referências
regionais. Nem uniforme nem homogênea, essa identidade é plural e
heterogênea, com múltiplas alternativas.
Sem dúvida, a realidade atual quanto a uma abordagem de
uma música com características nacionais é outra, diferente daquela
do século XX. Numa reação natural ao atual fenômeno da
globalização, mas, sem o “complexo do colonizado” e sem ranços

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antiimperialistas, uma enorme produção de música regionalmente
contextualizada ocorre em nossos dias. Essa é uma música que se
origina a partir da interação com elementos de uma cultura local, mas
que, em geral, transcende o simples apelo do exótico ou a tentativa
de evocar ou expressar atitudes nacionalistas e ideológicas. No
máximo, preocupa-se em implementar uma contextualização
geográfica, em favorecer (através da ênfase na identidade cultural)
uma visão do mundo culturalmente diversa, múltipla, em vez de uma
visão estreita, plana e globalizada. Tal contexto propicia as questões:
a linguagem musical pode ser pensada como fator de
identificação/diversidade cultural? É realmente possível haver uma
linguagem regional/nacional?
Na tentativa de concretizar uma música com identidade,
contextualizada, muitos compositores, na verdade, utilizam
linguagens já conhecidas e normatizadas e incrementam-nas com os
diversos elementos regionais, através de citação, evocação,
manipulação, estilização, etc. Nesse tipo de música, componentes do
background musical, geralmente pertencentes a práticas harmônicas
estabelecidas, suportam elementos de superfície (melódicos e
rítmicos), os quais são ajustados para receber os traços
característicos da manifestação musical local. Essa é uma
abordagem em que música tem uma orientação do universal em
direção ao regional. Nesse caso, não há, de fato, a criação de uma
linguagem específica, uma vez que, em geral, os determinantes
culturais agem apenas na superfície musical. Em minha opinião,
esse é um caminho já exaurido.
Outra maneira diz respeito à aplicação de referências locais no
sistema composicional de base transformando/criando uma nova
sintaxe, e, portanto, uma nova linguagem. Nesse caminho, há uma

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interação (com elementos de uma cultura local) passível de ocorrer
de forma estrutural, permeando os diversos níveis hierárquicos das
composições e dos seus processos de criação. Nessa interação, os
ingredientes culturais estão na base, no início do processo
composicional, influenciando a escolha da matéria prima, dos
procedimentos e das estruturas, e funcionando como um fator
causal. Nesse sentido, Bartók, um compositor que unificou num nível
pré-composicional e estrutural sua tonalidade expandida com a
música tradicional húngara, é uma referência. Em seu caso, há uma
direção distinta: uma transcendência do regional para o universal.
Paradoxalmente, esse caminho pode resultar numa música menos
identificável quanto a suas origens, uma vez que, a partir da posição
inicial e básica, os traços da cultura local em sua forma bruta podem
sofrer transformações que terminam por afetar os elementos e
aspectos mais internos e inerentes dos materiais per se. Eles podem,
assim, emergir em diferentes níveis hierárquicos da música,
apresentando formas variadas, nem sempre explícitas ou
identificadas com os macroelementos da cultura referencial. Apesar
disso, e talvez até por isso, em minha opinião, é uma trilha que ainda
pode ser bastante explorada, principalmente se a associação
envolver, de forma estrutural, não apenas alturas e ritmos, mas
também outros parâmetros, a exemplo de timbre, textura, densidade
e registro.

Se questões intrínsecas à linguagem musical que envolvem


produção dizem respeito diretamente aos compositores, questões da
circulação envolvem em muito os intérpretes, e, evidentemente, as
questões de consumo o público. Acredito que, nesse círculo,
veiculam fatos e mitos. Uma reclamação dos compositores é a velha

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história de que a maciça maioria dos programas de concerto no
Brasil contempla apenas a música do passado (com linguagens
conhecidas e mais facilmente assimiláveis). Essa história é velha,
mas é verdadeira. De fato, preferência se deu e se dá à promoção de
um repertório principalmente dos períodos barroco, clássico e
romântico. Olhando além dos nossos muros, há de se notar, no
entanto, que em alguns países essa situação começa a mudar. O
mesmo repertório tem-se repetido tanto que começa a se desgastar,
enquanto a produção mais recente cresce quantitativamente, e
evidentemente, em algum momento, superará a antiga. Assim, nota-
se cada vez mais freqüentemente a presença de compositores
consolidados da primeira metade do século XX em programas até de
grupos bastante tradicionais. Infelizmente, isso ainda está por
acontecer no Brasil. O argumento de alguns intérpretes e promotores
é de que não há demanda por parte do público para a música
contemporânea. O argumento traz a questão básica: como pode
haver demanda se o público desconhece quase por completo
qualquer repertório que transcenda o da música convencional? O
problema não é necessariamente porque as pessoas não são
expostas às novas linguagens. Essas estão até bem presentes em
nosso cotidiano – em filmes de cinema e TV, novelas, etc. –, embora
sejam assimiladas, evidentemente, de forma inconsciente. Para que
o sejam de forma consciente, através da música de concerto, difusão
da música e preparação do público se tornam necessárias. As
perguntas surgem: nós, compositores, temos tido os meios, os
agentes e mesmo a coragem de difundir com maior agressividade
nossa música?
A Internet revela-se como uma nova ferramenta para a difusão
de novas linguagens musicais, caso encontremos formas criativas de

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usarmos tal recurso. Por ser um meio mais democrático (ou
aparentemente mais democrático), com o qual se pode ter acesso
imediato a qualquer música, de qualquer lugar, sem depender da
vontade, do gosto artístico e do interesse comercial de quem manda
nos mercados musicais, ela oferece possibilidades para o
abrandamento de problemas de acessibilidade.
Nessa difusão, também precisamos de muitos mais
compositores atuantes, pois ainda pecamos nos critérios
quantitativos. Para se ter uma idéia, neste ano a Bienal de Música
Contemporânea Brasileira apresentou 89 compositores. Este é um
número pequeno considerando o contingente populacional do País e
o grande número de compositores ativos em outros países muito
menos densos da Europa.
Outra questão diz respeito à compreensibilidade da música
contemporânea, ao argumento de o público não entender ou não
conseguir assimilar as novas linguagens e, assim, se afastar das
salas de concerto, justificando a não inclusão desse repertório nos
programas. Acho que essa é uma questão bastante ambígua, com
diferentes facetas. A primeira consideração é que, numa dimensão
neutra, as propriedades naturais da linguagem musical, contendo
elementos de significação em aberto e não fechados, e o potencial
da mente humana em criar relações com tais elementos, permitem a
assimilação de qualquer música por parte de qualquer ouvinte.
Assim, em tese, um camponês do interior da Paraíba poderá apreciar
tanto um forró pé-de-serra quanto um concerto de Ligeti. O fator
diferenciador é justamente o nível da apreciação. Seu nível de escuta
e de compreensão será evidentemente menor do que daquele que é
iniciado na linguagem de Ligeti. Ainda assim, no entanto, relações
musicais serão efetivadas em sua mente. Outra consideração são os

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ouvidos com filtros apenas para a música com referências tonais
desenvolvidos ao longo dos anos. Se o ouvinte até desconhece que
as linguagens musicais são múltiplas e não se resumem apenas ao
código do sistema tonal, torna-se difícil para ele apreciar qualquer
outro tipo de música. Como apreciar plenamente Atmospheres, de
Ligeti, se durante toda a escuta fique a procurar suportes em
métricas regulares, melodias, progressões tonais que nunca
emergirão? Como sequer conseguir escutar HPSCHRD, de Cage,
sem saber das implicações estéticas e contextuais por trás da peça?
Nesse sentido, as linguagens de compositores da Ars Antiqua, como
leonin e Perotin são tão fora deste mundo quanto as da música
contemporânea. Vê-se facilmente que todas essas questões passam
pela problemática da educação, tão evidente, tão óbvia, tão
discutida, mas também tão permanente e onipresente. Não
adentrando essa discussão, apenas comento que a dimensão e o
nível de tal problemática produziram uma enorme massa de
brasileiros que não tem ouvidos para apreciar plenamente música de
concerto, muito menos contemporânea.
Para concluir, gostaria de mencionar uma interessante
experiência desenvolvida em João Pessoa, Paraíba, em que alguns
desses pontos se refletiram de forma notória. Visando implantar a
área de composição e atender uma significativa demanda de jovens
ávidos em adentrar no campo da criação musical, foi criado na
Universidade Federal da Paraíba, em 2003, o COMPOMUS –
Laboratório de Composição Musical. Cumprindo sua missão, o
Laboratório preparou o caminho para os cursos de Bacharelado e
Mestrado em Composição que hoje funcionam na Universidade.
Um dos principais eixos de enfoque do COMPOMUS conecta o
ensino da composição (em nível de extensão), parcerias com grupos

Transcrição editada da participação do debatedor no projeto "A Saga da Música de Concerto no Brasil
de Hoje e na América Latina", patrocinado pelo Programa Cultura e Pensamento em 2007, através da
“Seleção Pública de Debates Presenciais”. Está autorizado o uso desse texto para fins não
comerciais, sendo sempre obrigatória a apresentação dos créditos.
intérpretes, realização de concertos com a produção composicional
dos alunos, e, quando possível, registro do trabalho em CD. Iniciando
o trabalho com cerca de 12 alunos, rapidamente uma expressiva
produção de peças resultou dos cursos de extensão. Trabalhando
em equipe, esses alunos e seus professores articularam-se com
grupos instrumentais do Estado, em parcerias cujos termos se
baseavam no seguinte: os grupos realizariam oficinas de
instrumentação com os alunos e executariam suas peças em
concerto em troca de novas obras compostas especialmente para
seus integrantes. Ultrapassadas as tradicionais barreiras com os
músicos, que em alguns momentos se sentiram desafiados em tocar
peças de linguagens diversas, algumas com determinado nível de
dificuldade e complexidade, planejamos concertos com programas
integralmente formados por música contemporânea, numa
experiência quase que inédita na cidade. Nossa grande surpresa foi,
e tem sido, o grande sucesso de público e de recepção desses
concertos por pessoas que, digamos assim, não foram preparadas
para tal repertório. Hoje, numa ação inédita, pelo menos no
Nordeste, a Orquestra Sinfônica Jovem da Paraíba dedica um
concerto inteiro de sua temporada à execução das peças da Classe
de Orquestração do COMPOMUS. Dentre outras parcerias,
destacamos as realizadas com a Camerata Arte Mulher e com o
Sexteto Brassil de Metais. Com o primeiro grupo, gravamos este ano
um CD patrocinado pela UFPB, com peças dos alunos, em atual fase
de edição e mixagem. Com o Brassil, fizemos um dos concertos da II
Bienal de Música Brasileira Contemporânea de Mato Grosso, com
peças de compositores do COMPOMUS, e ganhamos este ano o
edital do Programa Petrobras Cultural para a gravação de um CD e
realização de uma turnê pelo País. Sem se pretender modelo, a

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comerciais, sendo sempre obrigatória a apresentação dos créditos.
experiência demonstra que é possível agir de forma articulada para
que as diversas linguagens da música contemporânea permeiem de
forma eficiente as esferas da produção, da circulação e do consumo.

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