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Resumo: O presente artigo apresenta uma argumentação geral acerca da moeda, bem
como a importância de sua centralização, e os problemas que a sua descentralização
geraria. Sendo assim, o objetivo do artigo é expor uma crítica às ideias de descentralização
da moeda, promulgadas principalmente pela Escola Austríaca de Economia, tendo a
grandiosa obra “Desestatização da Moeda”, de F.A Hayek, como referência aos
argumentos desta escola de pensamento econômico.
– Milton Friedman
Sumário
1. INTRODUÇÃO
2. POSTULADOS GERAIS ACERCA DA MOEDA
2.1 Teoria Quantitativa da Moeda (TQM)
“O dinheiro não é nada além da representação do trabalho e dos produtos de uma economia, servindo
somente como um método da avaliação ou de mensuração. Onde a moeda se encontra em maior
abundância, maior a quantidade que se exige dela para representar a mesma quantidade de bens,
não podendo ter efeito algum, bom ou mau, além de simplesmente alterar a escrita dos comerciantes.”
(HUME, 1752)
Muito embora Hume (1752) tenha deixado claro que isso não deveria ser entendido
como ponto de maior relevância em sua teoria, ele percebeu a existência de efeitos
transitórios sobre os preços, emprego e quantidade de bens em circulação antes que
o estado da economia alcance o nível de equilíbrio em consequência de uma variação
no estoque monetário. Tais efeitos se dariam pelo fato de que a mudança na
quantidade de moeda não acontece de modo uniforme na economia. Alguns agentes
são privilegiados por que se beneficiam de ter em seu domínio uma maior quantidade
de moeda antes dos demais agentes da economia.
“Quando certa quantidade de moeda é importada por uma nação, de início ela não se dispersa,
permanecendo confinada nos cofres de algumas poucas pessoas que imediatamente procuram tirar
vantagens disso. São industriais ou negociantes (…) que se tornam capazes de empregar mais
trabalhadores os quais não demandam inicialmente por maiores remunerações (…) Esses
trabalhadores agora com mais dinheiro podem comer e beber melhor. O fazendeiro e o jardineiro
percebendo que suas mercadorias estão sendo levadas, esforçam-se em conseguir mais bens de
consumo (…) É fácil perceber que a trajetória da moeda em seu percurso acelera a diligência dos
indivíduos antes que o preço do trabalho se eleve.” (HUME, 1752)
No entanto, essa teoria só veio a se tornar oficial a partir de 1911, com o economista
Irving Fisher (na obra The Purchasing Power of Money).
PY = MV
A TQM seria, então, uma teoria que tratava da demanda por moeda. Muita atenção
neste detalhe, muitas pessoas acabam confundindo-a como uma teoria de análise do
nível de preços do mercado.
Para tornar a TQM uma teoria de oferta de moeda, e não apenas uma simples
identidade, Fisher assumia que a velocidade de circulação da moeda era constante e
que o produto era dado no curto prazo, determinado pela oferta. Logo, variações no
estoque de moeda levam a variações na mesma magnitude e direção no nível de
preços. Já na segunda equação, assumindo equilíbrio no mercado monetário, isto é
(v = 1/k), o que leva a que (M = Md), tem-se uma demanda por moeda que depende
basicamente dos preços, pois, mantendo as hipóteses feitas por Fisher, a proporção
da renda nominal mantida sob a forma de moeda e o produto são constantes no
equilíbrio. Dessa forma, garante-se a estabilidade da demanda por moeda, no sentido
que, para um dado nível de preços, os agentes sabem o quanto de suas rendas
nominais devem alocar sob a forma de moeda.
Fisher tinha em mente que existe uma relação estável que diz que o estoque de
moeda bancária é um múltiplo do total de moeda básica. Assim, quando este volume
se altera continua valendo a ideia de que o nível de preço muda na mesma proporção.
A forma expandida da equação de Fisher serve para analisar os efeitos temporários
de uma mudança no estoque de moeda. De acordo com Fisher (1911) “quando o
estoque de moeda dobra repentinamente os efeitos iniciais e finais não são os
mesmos”. Uma vez terminado o processo, o nível de preços se multiplica por dois.
Entretanto, durante o período de transição “antes que se alcance um novo equilíbrio
os preços podem oscilar para cima e para baixo”. Uma ideia fundamental em Fisher é
a de que são os movimentos na taxa de juros induzidos pela inflação durante o período
de transição que geram os ciclos econômicos. No clássico The Theory of Interest, de
1930, ele propôs o que se conhece hoje como “Efeito Fisher”, que diz que a taxa de
juros nominal se ajusta na mesma medida da taxa de inflação. Contudo, isso não
acontece de modo imediato e a lentidão deste ajuste, segundo Fisher, é o cerne dos
períodos de euforia e crise da economia.
2.2 Estabilidade Macroeconômica e Políticas Monetárias na Visão Monetarista
O objetivo final da política monetária é o bem-estar da sociedade. Embora seja difícil
discordar deste objetivo, certamente existe grande divergência entre os economistas
de como implementá-lo na prática. Os monetaristas enfatizam a estabilidade do nível
de preços; os economistas keynesianos preferem o nível de emprego. A controvérsia
sobre a curva de Phillips terminou convencendo os economistas keynesianos que no
longo prazo a política monetária afeta somente o nível de preços e não o nível de
atividade econômica.. Todavia, os economistas keynesianos acreditam que mesmo
assim o Banco Central pode contribuir para que a duração de uma recessão seja
abreviada com uma política monetária mais expansionista.
Não podemos falar da estabilidade monetária sem falar do monetarismo, uma vertente
de pensamento liberal associada à Milton Friedman, da Escola de Chicago
(Economia).
Quatro textos se destacam: Friedman (1960), Friedman (1962), Friedman & Schwartz
(1963) e Friedman (1968).
Friedman (1962) volta a sugerir a regra monetarista, mas lembra que ter uma regra é
mais importante do que a regra em si e admitindo que a regra que ele estava propondo
era a melhor naquele momento do conhecimento científico e que poderia ser
modificada no futuro.
Sobre o Fed, o texto ressalta que essa instituição foi criada em 1913 com o objetivo
de garantir a liquidez em meio ao padrão ouro. Friedman & Schwartz (1963) lembram
que antes de os EUA terem uma autoridade monetária centralizadora e emissora de
papel-moeda, a moeda era um bem privado emitido pelos bancos comerciais. Em
momentos de crise as pessoas corriam aos bancos e tentavam trocar seus dólares
por ouro. Acontece que nem toda moeda era lastreada em ouro; por esse motivo os
bancos dificultavam a conversibilidade, pois caso a permitissem livremente se
tornariam insolventes. Por esse motivo os próprios banqueiros propuseram a criação
de um banco central que garantisse a liquidez do sistema em momentos de crise, em
meio ao padrão ouro. Ocorre que logo após a criação do Fed eclodiu a Primeira
Guerra Mundial, o que fez com que os EUA abandonassem o padrão ouro.
Sendo assim, Friedman & Schwartz (1963) dizem que logo após ser criado o Fed
perdeu parte do seu sentido e passou a ser uma instituição que detinha o monopólio
sobre a emissão de moeda e que poderia, a partir do fim do lastro, emiti-la sem
limitações. Com esse imenso poder discricionário e certa falta de experiência na
função de emissor único de moeda, o BC americano passou a ser muito mais um
gerador de instabilidade do que um estabilizador. Essa conclusão ratificava a defesa
das regras de política monetária feita por Friedman. As questões levantadas em
Friedman & Schwartz (1963) abriram caminho para Friedman explorar mais ainda os
detalhes da política monetária, o que veio a ocorrer em 1968. Resumidamente, pode-
se afirmar que Friedman (1968) ressalta o que a política monetária pode fazer, o que
ela não pode fazer e o que ela deve fazer. Além disso, o autor tentava mostrar qual
deveria ser o papel dos BCs na economia
Friedman (1968) afirma que o que a política monetária não pode fazer é garantir que
a inflação e o desemprego sejam baixos ao mesmo tempo; segundo o texto a política
monetária só pode afetar variáveis reais no curto prazo, o que consolida a ideia de
que a moeda é neutra no longo prazo. Em relação ao que a política monetária pode
fazer, no longo prazo, Friedman (1968) afirma que ela pode afetar as principais
variáveis nominais da economia (taxa de câmbio, inflação e estoque de moeda). Logo,
se uma regra monetária fosse necessária teria que ser sobre uma dessas variáveis.
Dessa forma Friedman ratificava o que havia dito em 1962: no estágio do
conhecimento daqueles tempos a melhor regra possível era a monetarista – controle
do estoque de moeda – pois das três variáveis a moeda é aquela sobre a qual o BC
tem maior influência. Friedman (1968) fala que uma regra sobre a taxa de câmbio
geraria dificuldades de adaptação aos agentes no mercado e aparentemente não tem
sentido quando o objetivo é controlar a inflação. Por esse mesmo motivo poderia
parecer mais do que natural que o autor propusesse uma regra sobre o nível de
preços, como as metas de inflação, mas ele enfatizou que a política monetária leva
certo tempo para fazer efeito. Na visão do autor essa defasagem seria menor quando
se manipulasse a moeda do que quando se tentasse afetar preços diretamente. Dessa
forma mesmo que o ideal fosse controlar inflação diretamente a defasagem da política
monetária não permitiria tal atitude. Essa justificativa se baseava no fato de que
quanto maior fosse o período de defasagem melhor deveriam ser as previsões. Como
fazer previsões de longo prazo era algo bastante complicado uma regra que
permitisse um período de previsão menor parecia mais viável. Por esse motivo o
Friedman (1968) defende uma regra sobre a moeda.
Dessa forma pode-se dizer que os anos 1960 consolidaram a escola monetarista. A
política monetária, que estava em segundo plano na teoria keynesiana, era colocada
em papel de destaque por Friedman e seus seguidores, uma vez que ideias centrais
do monetarismo como a importância de regras na condução da política monetária, a
função estabilizadora da política monetária e o papel do BC de gerenciador do nível
de inflação foram estabelecidas nessa década.
4. Conclusão
A principal motivação para a escrita de tal artigo é o alto crescimento do ideal austríaco
de repúdio ao Banco Central – que considero o coração da economia. Como sabemos,
é quase que inegável a necessidade da estabilidade macroeconômica, e quando
falamos de macroeconomia, falamos de moeda. A estabilidade da cadeia de agentes
econômicos depende fundamentalmente de uma estabilidade nas flutuações do
referencial obtido por eles para a fixação de seus valores e pagamentos de contas,
bem como dos investimentos. A estabilidade da oferta de moeda é o principal fator
pelo qual o Banco Central existe, e o fim dessa instituição geraria danos gigantescos
na economia, o que acarretaria em quebra do sistema bancário, isto é, seguidamente
de quebra do sistema capitalista moderno. Seria o fim da sociedade pelo qual estamos
acostumados a viver.
A principal teoria de políticas monetárias com o intuito de manter essa estabilidade é
o corpo teórico monetarista, proposto por Milton Friedman. Ademais, sabemos que o
monetarismo fracassou por onde passou, não pelo corpo teórico em si, mas pelas
falhas técnicas de aplicabilidade das políticas, pelo fato de ser muito complexo
monitorar a base monetária, isto é, teríamos que monitor precisamos M1, M2, M3 e
M4, algo praticamente impossível de se fazer, mesmo com toda a tecnologia atual.
No entanto, é óbvio que essas falhas técnicas não derrubaram a tese, que possui
bases muito fortes e postulados muito bem embasados com a realidade em que
vivemos. Evidentemente, os monetaristas fizeram uma espécie de defesa à sua teoria
frente a essa cadeia de choques. Primeiramente, para eles, a regra monetarista foi
mal conduzida pelo Fed e, por conta disso, o seu fracasso não poderia justificar
medidas que se opõem ao monetarismo. Friedman, em 1983 e 1984, afirmou que a
suposta política monetarista adotada pelo Fed no início dos anos 1980 com Volcker
na presidência da instituição, tinha pouca relação com o que os monetaristas haviam
proposto e nada mais era do que a repetição da discricionariedade que se fazia nos
anos 1960, só que dessa vez usando moeda no lugar de juros. Esses textos resumem
a adoção dessa política monetária supostamente monetarista da seguinte maneira:
realmente se adotou o controle de estoque monetário, mas esse controle foi feito de
forma discricionária, e não por meio de regras, e isso não era monetarismo na visão
do autor e, por isso, a estabilidade não foi alcançada. Os resultados dessa política
chamada de antimonetarista por Friedman (1984) – como a recessão americana dos
anos 1980 – eram previstos pela verdadeira teoria monetarista, segundo o próprio.
“A ‘monetary policy experiment’ was conducted from October 1979 to the summer of 1982, but many
commentators have misinterpreted its character and have drawn the wrong conclusions from the
evidence it generated. They have termed it “a monetarist policy” and have interpreted the results as
failure of monetarism. Though the Federal Reserve System’s rhetoric was “monetarist” the actual
policy was antimonetarist (see my 1983 article). And the evidence generated by the experiment
strongly supports rather than contradicts the propositions that recommend monetarist policy.”
Friedman, 1984, p. 397.
Friedman ainda ressaltou que embora o controle do estoque de moeda seja uma clara
proposição monetarista, o monetarismo é muito mais do que isso, pois envolve como
peça fundamental de sua proposição um crescimento estável e previsível de qualquer
agregado monetário que tem como objetivo maior eliminar a instabilidade da política
monetária, algo que Volcker não fez na visão de Friedman. Além disso, os
monetaristas acreditam que mesmo que houvesse certa instabilidade de curto prazo,
o poder do BC é bastante grande sobre a moeda e por mais que não tenha um controle
absoluto sobre essa variável ainda exerce uma grande influência, o que serve de
argumento para ratificar a posição que indica uma falha do Fed ao abandonar o
monetarismo.
Concluímos assim com a certeza de que as teorias de centralização da moeda, com
o intuito de estabilizar a mesma jamais fracassaram em si mesmo, mas sim foram mal
aplicados. Diferentemente do que é dito, o corpo teórico do monetarismo possui fortes
bases, e os problemas técnicos não são suficientemente capazes de derrubar todo o
corpo teórico, mas apenas uma parte dele, que diz questão da aplicabilidade. Além
do mais, isso não muda o fato de que a descentralização da moeda seja uma utopia
no sistema atual. Para isso se concretizar, teríamos que regredir no sistema
capitalista, e revolucionar não só o sistema financeiro e bancário, como também a
funcionalidade da moeda e de reações dos agentes econômicos acerca das
flutuações cíclicas presentes no mercado capitalista.
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