Um índice, utilizado pela OMS (2001) (DALY- DisabilityAdjusted
Life Years), contabiliza a morte prematura e anos de desabilidade gerados por uma determinada patologia. Neste recorte, o impacto associado aos casos de Saúde mental supera o de doenças cardiovasculares e é o dobro do que o câncer, por exemplo, sendo um dos maiores casos de incapacitações e perda de anos produtivos de vida no mundo (Thornicroft e Tansella, 2003)
Um dos maiores desafios para a vida hoje na sociedade que vivemos
atualmente consiste não apenas nas dificuldades de proteção, controle e resiliência às doenças que nos abatem. Segundo o sociólogo germano-coreano Byung-Chul Han, se a sociedade moderna foi marcada pelo caráter imunológico, bacteriológico e viral de anulação e controle das variáveis que levam ao adoecimento, a sociedade pós- moderna se caracterizaria pelo caráter patológico neuronal, causadores de “infartos psíquicos”. É notório que cada época possuiu suas enfermidades fundamentais, sendo o século XXI marcado cada vez mais não pelo caráter de negatividade que as estratégias de “rejeição” dos determinantes da doença, mas pela necessidade de desempenho e autocobrança e hiperestímulo. Neste contexto, a necessidade de autoafirmação e vigilância constante sobre um modelo de funcionamento do Eu, tem produzido na sociedade um conjunto de doenças como a síndrome de hiperatividade (TDAH), transtorno de personalidade limítrofe (TPL) ou a Síndrome de Burnout (SB), por exemplo. Trata-se de uma relação esquizoide onde a incapacidade de vivência de um Eu projetado (não pela negação, pela inviabilidade; mas pela positividade, pela demanda exponencial de Ser-mais) produz estafa e a depressão aparece não como “tristeza”, mas como cansaço. Neste contexto, a epidemia de dependência química, seja através das drogas lícitas ou ilícitas, coloca em xeque o futuro da nossa juventude. Antes, o alcoolismo atuava como forma de amortização, como forma de escape para uma sociedade super opressiva, disciplinar e de controle. Hoje, na sociedade de desempenho, drogas como Prozac, e antipsicóticos em geral, são mobilizados cada vez mais para a potencialização das capacidades individuais. Desconsidera-se que a aceleração do tempo e do espaço produzem não apenas o hiperestimulo, como também a perda das referências espaço-temporais que dão segurança ao nosso self e nos servem para construção de nossas identidades e sentidos sobre o mundo. Neste contexto, como que dessensibilizado, os sujeitos deslocam-se de ponto a ponto como que de “sobrevoo”, num constante futuro exponencial, de passado esquecido e presente pouco experenciado. O hiperestimulo produz a perda de interesse, enquanto que a perda das referências produz o alheiamento. Para dificuldade de consistência na experimentação presentificada, as grandes indústrias farmacêuticas apresentam calmantes, antidepressivos, antipsicóticos e toda uma série de medicações que “nos auxiliam” a lidar com o adoecimento estrutural da sociedade do século XXI: nas universidades, a necessidade da excelência e a busca das metas dos órgãos de pesquisa, adoecem os trabalhadores; nas escolas e hospitais, a perda de direitos e aprofundamento da exploração das condições de trabalho, adoecem os trabalhadores; nas instituições públicas, as relações da tecno-burocracia e os problemas estruturais, adoecem os trabalhadores; nas empresas privadas, a hiperexploração, instabilidade profissional e a hiperespecialização do trabalho, adoecem os trabalhadores. Todo este conjunto de situações colocam um importante desafio para a Saúde Pública: como dar conta do adoecimento psissomático que cada vez mais apresenta caráter estrutural na nossa sociedade? Como produzir de fato políticas públicas de cuidado que não se apoiem na medicalização e nas forças do capital do complexo médico-industrial e médico- financeiro? Como lidar com os crescentes casos de suicídio da juventude? É papel dx Geógrafx a reflexão acerca dos processos de produção do espaço que produzem esse quadro patológico próprio da sociedade pós-moderna. Também é papel dx Geógrafx o auxílio na produção de conhecimento e informações e cartografias para intervenção do poder público nos contextos sociais como forma de cuidado e produção de saúde. Neste sentido, considerando ainda que o último Encontro o eixo sobre Saúde Mental, chegou a tão importância de debate que mobilizou a produção de um livro (no prelo). É mister e urgente a reafirmação do eixo de Geografia e Saúde Mental para o 9º GEOSAÚDE – ainda mais se considerado a possibilidade do tema ser “Geografia e a defesa do SUS: Políticas, Formação Profissional e os impactos dos desastres naturais na atenção básica”.