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LITERATURA E ENSINO:
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REFLEXÕES E PROPOSTAS
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UNIVERSIDADE FEDERAT DO RIO GRANDE DO NORTE
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Angela Maria paiva Cruz Nara Juscely Minervino de
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Maria de Fátima Freire Melo Ximenes CAPA
lsmênio souza
DTRET.RA DA EDUFRN
Margarida Maria Dias de Oliveira EDTTORAçÃO EtErnOrutCa
Quatro z Dois
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Helton Rubiano de Macedo pRÉ_ltUpneSSÃO
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Alva Medeiros da Costa SUpenVtSÃO ED|TOR|AL
Alva Medeiros da costa
coNsELHo EDrroRrAt
Ciprìano Maia de Vasconcelos (presidente) SUPERVISÃO GRÁFICA
Ana Luìza Medeiros Francisco Guilherme de Santana
Humberto Hermenegildo de Araújo
Herculano Ricardo Campos
Mônica Maria Fernandes Oliveira
Tânia Cristina Meira Garcia
Técia Maria de Oliveira Maranhão
Virgínia Maria Dantas de Araújo
Willian Eufrásio Nunes pereira
Lireraturae eosjno: reflexóes e proposrâs / Lucrécio Araúio de Sá Íúnjor; Andrey pereira <ie
Olivcira rOrg:nizadores) Nrrl. RN : f DUFR\, 20t+
(CoJeçáo Ciências da Linguagem ApLicadas ao Ensj no;
v 7)
315 p
ISBN 978-85,425-0033 2
espontânea, fere
[...] a leitura de poemas desestabiliza a leitura
a ordem lógico-referencial de nossos hábitos de compreensão e
o mundo e torna visível o
A eliPse, a concentração,
de todos os níveis do tex
requerem um esforço interpretativo maior do que o habitual em
ouiras leituras. Aprender a ler um poema é aprender a construir
sua coerência, apoiando-se sucessivamente nas "zonas legíveis"
para o leitor que busca o sentido através de entradas sucessivas
(COLOMER , 2001, P. 177)'
r NTRODUçAO
A reflexão sobre questões metodológicas relativas ao ensino de
literatura, no meio acadêmico de Letras, tende, ainda, a ser considerada
coisa menor, assunto para pedagogo. A concepção que perdura é a de
que o professor de literatura ou o crítico literário não deve se pleo-
cupar com este tipo de questão, ]uma vez que está investido por uma
função mais sublime: vivenciar a grande literatura e comunicar a seus
alunos as suas descobertas, as suas reflexões e pesquisas' Chega-se,
inclusive, a denominar de pedagorreia qualqrter tentativa de refletir
sobre questões relativas à formação do leitor literário. Esta visão pre-
conceituosa vem lentamente mudando. Certamente, ela está ligada à
tradição bacharelesca que esteve na origem de nossos cursos de Letras,
entre outras razões.
Sabemos hoje bem antes que Todorov nos trouxesse o seu
belíssimo A literatura em perigo - que o estudante de Letras precisa de
uma formação metodológica mínima que o habilite arealizar um traba-
lho sério de formação do leitor no ensino básico. Para tanto, não é sufi-
ciente o conhecimento de teorias literárias, de leituras críticas. Digo
não é suficiente - o que não quer dizer que estas leituras não sejam
necessáriasl. Aliar um conhecimento metodológico a um conhecimento
I f)iscuto uma possib'ilìdade de articulação entre teoria literária, crítica literárìa e ensino
'frata-sc de uma perspectiva que palte do texto para chegar a uma
om Pirrhciro (200(r).
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. Coleção Ciências da Linguagem Aplicacl,rr ,rr I t lrìí, Literatura e ensino: reflexões e propostas r
crítico tlrrs olrlrrs i'o rrrt'llrot t;rrrrlrlro l)iìnì lìrrmação dos jovcns prolLs ' .nì livro didático. outro aspecto e a atenção dada à fala do
r'claÇão ao
sttrcs tle lilcr:rlrrr;r lrrl;r :.t' tlr' rrrrrir cl iscussão em andamento, mas.jli .rlrrr. através das entrevistas -, o que revela suas concepções, seus
corìì urÌriì Ir:rtlir,rro ,rle'csses, aspectos sempre esquecidos quando se pensa a abordagem
Ncslc iu ligo, rliscutiremos mais especificamente uma possi- rlrr tcxto literário na escola. o livro traztambémlongas entrevistas
com
bilirlirrlc tlç trabalho com o poema no nível médio. Trata-se de unrir r r rportantes professores, poetas
r
e críticos literários como Alfredo Bosi,
cscolha nascida de uma constatação, como se verá mais abaixo. Nossir l)ccio Pignatari, Haroldo de campos, Nelly Novaes coelho, dentre
abordagem terá três momentos: primeiro discutimos rapidamentc ,utros. Importa salientar que a pesquisa aborda a literatura no primeiro
algumas pesquisas e reflexões sobre o ensino da literatura a partir dit t' .t) segundo gÍaus (terminologias da época, que correspondem, atual_
década de 80 do século passado; a seguir elencaremos alguns problc- rrrcnte, aos ensinos fundamental últimas séries e médio). Não
- - há, na
mas bem antigos - relativos ao ensino desta disciplina e, por último, lrcsquisa, uma referência mais específica ao ensino da poesia. Fala-se
trazemos uma sugestão de abordagem em sala de aula de poemas dc tlc Literatura de modo geral e percebe-se que muitos entrevistados res-
duas poetisas contemporâneas. prndem referindo-se especificamente à leitura de obras de ficção.
O viés escolhido para a abordagem dos poemas é o que tenta Trabalho da maior importância, publicado em 19g3, é o de
aliar conhecimento crítico dos textos a procedimentos metodológicos l.ígia chiappini M. Leite, intitulado A invasão da catedral: literatura
que privilegiam o diálogo do leitor com o texto e não a mera reprodu- c cnsino em debate. A pesquisadora toma como corpus de sua pes-
ção e ìmposição, por parte do professor, de sua leitura. Essa perspectiva rluisa o ensino da literatura no Brasil e na França e justifica seu intento:
foge, portanto, da tradicional aula expositiva e investe no estímulo à "lmpunha a comparação, para saber se os problemas que
enfrentáva-
fala do aluno, e, conseçluentemente, à exposição de suas percepções. rìros na docência e na pesquisa deste ramo das chamadas Humanidades
Trata-se de um trabalho mais difícil, que exige, inicialmente, paciência cra coisa de país subdesenvolvido sob ditadura ou era fenômeno mais
por parte do professor. No entanto, os resultados, quase sempre, são geral da escola capitalista,, (LEITE, 19g3, p. l7). O livro traz,também,
mais expressivos do que se imagina ou espera. Dando suporte a este cnsaios ainda de grande atualidade, como uma reflexão dura sobre a
procedimento está a ideia de uma pedagogia da pergunta, formulada dependência do manual ("Do manual; pelo manual; contra o manual") e
por Paulo Freire há algum tempo. a abertura para se pensar uma "pedagogia da Ad-miração". parte deste
livro é retomada e ampliada numa publicação denominad,a Reinvenção
da catedralt Língua, Literatura, comunicação, novas tecnologias, polí-
1. ENSINO DA LITERATURA: ALGUMAS REFLEXõES tícas de ensino. o pensamento de Língua chiappini articula de modo
denso as questões de ensino às de política de educação vigentes no país.
O ensino da literatura no nível medio, no Brasil, vem sendo Por outro lado, não há propriamente uma metodologia voltada para o
objeto de pesquisa há bem pouco tempo. O primeiro estudo mais abran-
trabalho com a poesia.
gente sobre esta questão, de Maria Thereza Fraga Rocco, foi publicado
Mais recentemente, José Luis Jobim e\\9)publicou um ensaio
em 1981. Trata-se de uma dissertação de mestrado defendida em 19J5,
sobrel líteratura no ensino médio; um modo dever e usar.para o autor.
na Universidade de São Paulo, intitulada Literatura/ensino: uma pro-
blemática. O trabalho de Rocco investiga professores e alunos de esco- a introdução do texto literário em classe deve sempre tcr crìì
las públicas e particulares de São Paulo. Algumas questões observadas conta o universo dos seus receptores, estabelecendo, sc lìlr o
caso, uma "gradação textual" paratrazer ao público cslrrrltrrr(iI
ainda têm bastante atualidade, como a então dependência do professor
formulação teórica mínima;jamais iniciar, nesta fase do ensino, diretamente com a teo-
ria para aplicá-la
140 4
Enslno Literatura e ensino: reflexões e propostas r
' Coleção Ciências da Linguagem Aplicadas ao
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Litcratura e ensino: reflexões c propostas '
r coleção Ciências da Linguagem Aplicadas ao Enstno
citem o documento no Manual do Professor, de fato os conteúdos e 5. Henriqueta Lisboa e Gilka Machado não compaÍecem em
as metodologias permanecem os mesmos' Inclusive os
mesmos textos' nenhum deles.
Dentre os livros didáticos mais vendidos, alguns
já estão no mercado
Paralelamente a essa quase ausência da voz lirica feminina,
há mais de 20 anos e praticamente não há, por exemplo' acréscimo constatamos a presença de cerca de vinte poetas (homens), alguns
significativo de textos literários' embora muitos jâ tragam indicações com um enfoque que pode ser considerado razoavel. A disparidade,
o poema de
de livros, de filmes, de sites, etc. Eles limitam-se a abordar portanto, é gritante e permanece não só nos livros didáticos; ela está
uma perspectiva meramente histórica, lançando mão de fragmentos de
presente, também, em dezenas de antologias da poesia moderna e
que iiustram de modo mais claro as características dos estilos de época'
contemporânea.
Puru a situação, a proposta do ENEM, no que se refere à
"o-plicar Esta ausência, ao que nos parece, deixa cada vez mais frágil
abordagem da poesia, pouco favorece como incentivo à leitura - quel a formação de nossos estudantes, no sentido de que o acesso a uma
de livros de poetas em sua totalidade, quer de antologias'6
experiência humana peculiar, que é a da mulher, sobre a qual os alunos
poderiam discutir, se projetar ou mesmo rejeitar, fica fora de nosso já
2. IDENTIFICANDO NOVOS PROBLEMAS frágil ensino de literatura. Este sequestro davoz lírica feminina pode,
sub-repticiamente, significar que as musas da lírica estariam mais pro-
Mas as questões não são apenas estas a apontar' Inúmeras pensas ao homem...
outras nem sequer são percebidas pelos professores e pelos pesquisa- Outra questão - que não será possível enfrentar agora, mas
bastante que é importante apontar ê a ausência da literatura popular nos livros
dores em geral. Destacaremos três questões que nos parecem
problemáticas com relação ao trabalho com o poema' didáticos - ou o uso um tanto equivocado da literatura de cordel. os
Analisando um corpus de cinco livros didáticos - três volumes problemas aqui são os mais diversos: primeiro, relativo à origem do
do terceiro ano do Ensino Médio, série em que se estuda nossa
litera- nome cordel, uma vez que todos afirmam que a denominação é advinda
tlra apartir do Modernismo, e dois volumes únicos, que contemplam do fato de os vendedores colocarem os folhetos pendurados em bastan-
toda a literatura brasileira -, observei que há uma lacuna significativa tes/cordéis. Ora, vários pesquisadores já mostraram que, pelo menos no
com relação à produção de poesia escrita por mulheres' Lembremos Brasil, o que predominou durante mais de cinquenta anos foi o vende-
que se trata de um lastro que recobre nada menos do que oitenta anos dor ambulante e não o ponto fixo de venda. Mas o mais grave é o des-
-da décadade 20 do século passado à primeira decada do século XXl. conhecimento mesmo desta literatura. Os autores de LDs parecem não
observcmos alguns dados relativos à presença da lírica produzida
por ter leitura dos folhetos, não conheceÍ suas especifìcidades, a riqueza de
mulheres: temas e questões abordados nestas obras ao longo do século XX.
l. cecíliaMeireles: comparece em todos os livros observados, A última questão, e talveza mais complexa, diz respeito à meto-
sempre com um poema; dologia de ensino de literatura. Pouquíssimas obras didáticas ostentam
uma abordagem que parta inicialmente da leitura dos poemas para,
2.Adé|iaPrado:compaÍeceem4livros,masemtrêsdeleséapc_
depois, chegar a questões mais amplas de estilo de época, de traços de
nas citada;
autores e de temáticas predominantes, de aspectos históricos e ideoló-
. sour"-, li-ites da abordagem dos textos literários nos livros didáticos, disctttimos gicos presente nos textos. Junte-se a isto a tradição, ainda implacável,
algumas qucstõcs em Pinheiro (2006)
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r Coleção Ciências da Linguagem'Aplícadas ao Ensino
Literatura e ensino: reflexões e propostas r
Embora tenhamos contado nos últimos anos com programas que levam vertente satírica de Gregório de Matos Guerra não tem conseguido
livros às escolas, como a coleção Literatura em minha casa e, mais chamar a atenção de parte significativa dos jovens. E nem estamos,
recentemente, as constantes aquisições do PNBE (Plano Nacional de ainda, discutindo o método como esses textos são abordados.
Biblioteca E,scolar), não há nas escolas públicas brasileiras do ensino Um caminho que comparece nos Reíerenciais Curriculares
básico, bibliotecários, formação adequada do professor, egresso do
para o Ensino Médio do estado daParaiba sugere que no primeiro e no
curso de Letras, para fomentar o trabalho com a leitura. Ou seja, não segundo ano deveria ser realizado, a partir do estudo dos gêneros lite-
temos, de fato, mediadores de leitura em nossa tradição escolar, e essa rários, não das teorias dos gêneros - de uma conceituação estanque -,
lacuna pode ter sérias consequências no, sempÍe falado, baixo nível de mais leituras de obras. Nesse sentido, pode-se trabalhar, por exemplo,
leitura dos brasileiros8. um bimestre inteiro com a poesia. E é aí o documento traz várias pro-
Toda essa problemática, ao invés de nos desanimar, nos esti- postas, tais como: 1) organização de antologias temáticas envolvendo
poemas de diferentes épocas; ii) antologias organizadas por autores/
mula a pesquisar alternativas , a realizar experimentos que possam sel-
vir de base para políticas de leitura na e para a escola, e, dessa forma, as Drummond, Vinícius, Adélia Prado, Alice Ruiz etc; iii) antologias
contribuir com professores interessados em mudar sua prática e for- por gênero - poetas, poetisas; iv) antologias de cordel; v) antologias
mar adequadamente os estudantes de Letras que irão atuar no ensino com canções etc. Também pode-se trabalhar com antologias por for-
mas da lírica: sonetos, odes, hai kai, epigramas etc. Tais sugestões, con-
básico. É nesse sentido que estamos tentando formular/propor alternati-
vas para o ensino da literatura e, mais especificamente, para o trabalho
tudo, esbarram na metodologia: "como trabalhar?"; "Que abordagens
realizar?".
com o poema.
O trabalho com antologias tem inúmeras vantagens sobre o
LD. A primeira diz respeito ao número de poemas que pode ser bem
3. FORMULANDO UMA PROPOSTA maior. Os livros didáticos avaliados pelo MEC como bons trazem,
no máximo, três ou quatro poemas por autor, digo, dos considerados
grandes poetas. Outra peculiaridade da antologia: pode-se trabalhar
Discutimos um pouco esta questão no artigo denominado "caminhos da abordagem do
poema em sala de aula, In; Graphos: Revista de Pós-Graduação em Letras UFPB. Vol com poemas menos frequentes nos LDs que apresentem outras faces
10, n" 1,2008 do autor. E, por último, pode-se selecionar os poemas atendendo ao
Para quem possa ter dúvida sobre a importância do mediador ou do professor-mediador' horizonte de expectativas dos alunos, visando não só atendê-lo, como
veja-se a importante pesquisa de Michèle Petit (2008). Destaco, sobretudo, o quarto arnpliá-lo.
capítulo .,o papel do mediador" - como importante contribuição para se pensar otl
repronsar a metodologia de ensino de literatuara.
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. Coleção Ciências da Linguagem Aplicadas ao Ensino
Literatura e ensÌno: reflexões e propostas r
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F r coleção Ciências da Linguagem Aplicadas ao Ensino Literatura e ensino: reflexões e propostas r
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r Coleção Ciências da Linguagem Aplicadas ao Ensino Literatura e ensino: reflexões e propostas r
pareceu muito simples é também uma atitude a ser cultivada. A poesia aconselhável iniciar definindo metalinguagem. O leitor poderá che-
nem sempre se entrega à primeira vista, sobretudo se o leitor não tem gar ao conceito a partir de sua própria reflexão. Estimular uma refle-
uma experiência acumulada de leitura. Claro, não iniciar falando da xão sobre as diferentes denominações dirigidas às palavras "rédia" e
função poética ou, simplesmente, mostrando a diferença entre a lingua- "lâmina" - que sentido as palavras podem ter para nós? Quando uma
gem poética e a jornalística, por exemplo. Essa atitude tem como base a palavra é rédidÌ Quando é lâmina? A partir da reflexão sobre o sentido
predominância do conceito e não a vivência com o texto. Cas palavras na vida dos leitores, é possível aproximá-los de modo mais
Poderíamos começaÍ, portanto, pela leitura e discussão de significativo do poema. Outro aspecto relevante é instigar os alunos a
"Confidências". O título já anuncia a temática: revelação de algo pes- destacarem expressões do poema que fogem do modo comum de se falar.
soal, particular. No caso, um estado de espírito, poderíamos dizer, tm Por exemplo, ao lermos 'Ai de mim/ que sou tantas", que identidade é
tanto para baixo. Um procedimento adequado é partir de algumas pala- esta? Por que o eu lírico se diz tantas? Esta experiência é particular
vras: sugerir que observem, por exemplo, a palavra que dá título ao dela? Ou também nós poderemos ser tantos/as? Em que circunstâncias?
poema, além de outras, como "pobre", "sem nada", "lembrança vagd', Novamente, chamar a atenção para o fato de que a vivência posta no
"evapota", "encobre", tudo na primeira estrofe. São palavras e expres- poema, de algum modo, é - ou poderá também ser - nossa. O que pro-
sões que apontam para um campo semântico de desencanlo. A segunda cura esse eu lírico? Que significado tem "procurar palavras"? Por que
estrofe denuncia a passagem do tempo, que nem por isso trouxe novo as palavras são e não são eternas? Que sentido pode-se atribuir a esta
ânimo ao eu lírico: "as estrelas jâpartiram, e o mundo padece 'em seu antítese? Questionar os alunos para saber se conhecem outros poemas
leito"'. Alguns aspectos da linguagem devem ser destacados: o eu lírico que falam das palavras. Seria interessante aqui indicar o importante
denomina o "dia" como pobre, deslocando sua sensação, seu estado de poema de Carlos Drummond de Andrade, "O lutador", e numa aula
espírito para o dia, e a noite vai encobrir este dia que já parece conta- posterior, discuti-lo e compará-lo como o de Lenilde Freitas. Também
minado pelo sombrio. Na segunda estrofe, a denominação se volta para valeria à pena citar o poema de Cecília Meireles, do Romanceiro da
o mundo - que "padece em seu leito". Confirma-se no verso final o Inconfidêncic, o "Romance LIII ou do Carreiro", que inicia assim:
estado do eu lírico - "Não é fácil rir agort'. Mas não basta apenas dizer
o que estamos apontando. Antes, fazer pergtntas que levem a estas Ai, palavras,ai, palavras,
que estranha potência a vossa!
descobertas e, sobretudo, a outras que certamente serão feitas. Aqui a
atitude madura do professor consistiria em não ter a sua leitura como
Ai, palavras, ai, palavras,
sois do vento, ides no vento,
acabada e mais correta. De fato, ouvir o outro, interrogá-lo, contribuir
no vento que não retorna,
para que organize seu pensamento, fazê-lo sempre retornar ao texto
e em tão rápida existência,
contribui para que se torne mais preciso.
tudo se forma e transforma
Como fazer para que os leitores conversem/reflitam sobre
poema, articulem-no com sua vida, suas experiências? Certamente, Sois do vento, ides no vento,
após várias leituras, começa a despontar um processo de interação. E e quedais, com sorte nova!
importante fazer com que confrontem pontos de vista, retornem sem- Ai, palavras , ai, palavtas,
pre ao texto, reflitam sobre o objeto estético. que estranha potência a vossa!
Os dois poemas seguintes trazem uma reflexão sobre as pala- Todo o sentido da vida
vras e própria poesia. Mas esta informação não precisa ser dada.
a principia à vossa porta;
Ela deve ser inferida ao longo da leitura. Logo, também aqui não é o mel do amor cristaliza
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Literatura e ensino: reflexões e prop
r coleção Ciências da Linguagem Aplicadas ao Ensino
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r Coleção Ciências da Linguagem Aplicadas ao Ensino Literatura e ensino: reflexões e propostas r
desta Maria?
que você sonhou Que condições sociais são estas que interferem no destino
apagou Também atentar para o modo como a poetisa ]ultlliza a expressão popu-
à luz do dia lar "Maria vai com as outras", para conferir-lhe um sentido mais grave.
e agora Maria? Trazer o poema de Drummond e estimular a análise comparativa é,
val com as outras mais uma vez, um procedimento que pode render uma significaliva
vai viver vivência com os dois poemas. Apontar as peculiaridades da vivência
com a hipocondria feminina postas no poema de Alice Ruiz e, retomar, se já tiver discu-
(p. 163) tido, o conceito de intertextualidade. Por certo, se o aluno não conhece
o poema de Drummond, compteenderá que os sentidos dos textos se
O s trê s po emas tematizam situaçõ e s humanamente p eculiare s, constroem aparïtr das mais complexas relações'
numa linguagem musical, em que estão presentes repetições, rimas, poemas?
Quantas aulas levaríamos para trabalharmos estes
versos curtos. Ao mesmo tempo, expõem a compreensão da diversi- Para responder a esta pergunta, é preciso atentar para uma questão
dade de experiências, dos desejos, e do curioso diálogo com Drummond metodologica central: cada turma tem seu ritmo, sua experiência espe-
a partir de uma perspectiva bem pessoal da experiência feminina.
cífica de leitura. Se se tratar de uma turma que tenha uma experiência
Iniciar o diálogo apartir de um dado da linguagem, com alunos de partilhamento de leitura, talvez possamos fazer em pouco tempo:
do nível médio, pode ser bastante proveitoso. por exemplo, no primeiro duas aulas, por exemplo. Por outro lado, se se está iniciando a vivência
poema, chamar a atenção - às vezes, nem precisamos fazê-lo para a com o poema, talvez seja necessário um tanto de paciência, uma vez
sonoridade e a possível aproximação entre som e sentido.Isto parece que os alunos tendem a ficar calados, a não arriscar seus palpites ou,
ficar mais patente na segunda estrofe. Pedir que leiam várias vezes e melhor dizendo, a expor suas hipóteses de leitura. Quando se pensa
em voz alta, para perceberem que a aliteração do lpl pode sugerir a em formar leitores, a preocupação não deve ser apenas quantitativa -
ideia de quebra, de algo que se esfacelou. Se nenhum aluno levantar dar a conhecer o maior número de autores, cumprir um planejamento,
esta hipótese, levantá-la e colocá-la em discussão. comparar a sonori- um cronograma, como se faz constantemente. Se lermos os poemas de
dade das duas estrofes, observando que o mesmo lpl asstmeum caráter forma mais detida - qualquer que seja o poeta ou poetisa -, tetemos
diferente. observar também o tempo verbal nas estrofes - o que poderá mais chances de fixar imagens, de guardar na memória alguns versos,
ajudar a compreender as diferenças. A terceira estrofe revela um cará- de estabelecer pontes com nossas vivências e, até, de estabelecermos
ter mais suave algo não se partiu tão fortemente, e mesmo tendo ido, comparações entre autores. Portanto, parece-nos que quando o objetivo
deixou um pouco de si. o que estas três estrofes dizem dos nossos de nosso trabalho é a formação de leitores, demorar-se um pouco mars
relacionamentos afetivos? Mais rtma yez, a ponte com a vida se faz sobre os poemas poderá ter um resultado mais significativo'
necessária neste trabalho de formação de leitores. Saber que a poesia
fala da vida nossa de cada dia pode ser uma portaparairmos formancJo
leitores mais atentos. s. REFLEXõeS rlruRls
Chegamos ao terceiro poema. Novamente indagar se o pocma
lembra outro poema. Se não, conversar inicialmente sobre o texto crc Trazer a voz feminina configurada na poesia, alem de sanar
Alice. O que ele aponta relativo à condição feminina? eue aspectos tla ou, no mínimo, corrigir - uma deficiência de nossos livros didáticos
experiência da mulher podem ser discutidas a partir do conhecimcnto o antologias, antigas e contemporâneas, também favorece aos jovens
o accsso a vivências que dificilmente a voz masculina saberia figurar
dos próprios alunos? chamar a atenção, se não observaram, parir o torn
crrbora ha-ja algumas exceções. o apagamento da lírica feminina do
trágico de que se revestem os quatro versos finais da primcira cstrolc.
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r Coleção Ciências da Linguagem Aplicadas ao Ensino Literatura e ensino: reflexões e propostas r
livro didático pode ser driblado pelo profissional comprometido com a CIORDEIRO, Euda. A literatura na l" série do ensino médio: voz do aluno e
formação de leitores que conhecem tanto a expressão masculina quanto clo professor. Dissertação de Mestrado. João Pessoa/Campina Grande, UFPB,
feminina de nossa rica tradição lírica. Tirdo isso alicerçado numa meto- 2002.
dologia que privilegia o diálogo texto x leitor e texto x leitor x professor. DANTAS, José Maria de S. Didática da literatura. Rio de Janeiro: Forense
As duas poetisas trouxemos aqui, para exemplificar essa pro- Universitária , 1982.
posta de trabalho, podem ser melhor apre sentadas se trouxermos outros FARIAS, Alyere S. Encontro com Lalino e Cancão: estranhamentos e pare-
poemas para apreciação. Quisemos mostrar que, mesmo com três poe- cenças na vivência do texto literário em sala de aula. Dissertação de Mestrado.
mas, é possível estabelecer um diálogo significativo com a poesia. E POSLE/UFCG, 2OIO.
evidente, contudo, que este número deveria ser acrescido. E o professor F'REITAS, Lenilde. A corça no campo. Recife: Ed. da Autora, 2010.
ou professora que acompanhou esta leitura atê aqri, espero que se sinta Grãos na eira. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.
estimulado a conhecer estas e outras grandes poetisas de nossa língua.
.IOBIM, José Luis. 'A
literatura no ensino médio: um modo de ver e usar".
E para finalizar, mais uma vez a voz das poetisas , agora para o leitor, In: ROSING, Tania M. K. & ZILBERMAN, Regina (Org.). Escola e leítura:
na sua solidão, degustar a poesia: velha crise, novas alternativas. São Paulo: Globall/.BL,2009.
pensar letras LAEI Carlos de; BARRETO, Fausto. Antologia nacional: coleção de excer-
sentir palavras tos dos principais escritores da língua portuguesa do 20o ao 13' século. 37" ed.
a alma cheia de dedos Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1960.
(Alice Ruiz) MEIRELES, Cecília. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.
PAIVA, Aparecida; MARTINS, Aracy; PAULINO, Graça; VERSIANI,
voo Zélia (org). Democratizando a leitura: pesquisas e práticas. Belo Horizonte:
Coruja construo meu palco CEALE/AUTÊNTICR, 2004. (Coleção Literatura e Educação)
na duração de um espanto. PETIT, Michele. Os jovens e a leitura: uma nova perspectiva. Tradução:
Calco meu voo no não canto Celina O. de Souza. São Paulo: Editora 34,2008.
sem camuflados gemidos. PINHEIRO, Hélder. "Reflexões sobre o livro didático de literatura". In:
E na escuridão aguardo: BUZEN, Clécio & MENDONÇ4, Márcia. Português no ensino médio e for-
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r Coleção Ciências da Linguagem Aplicadas ao Ensino
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