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Hegel: A Consciência-de-si e a Luta pelo Reconhecimento

07nov07
Trabalho originalmente apresentado em Julho de 2007 à disciplina Teoria das Ciências
Humanas I, ministrada por Vladimir Pinheiro Safatle.
Apresentação

Diante do estudo realizado neste primeiro semestre sobre os primeiros capítulos


da Fenomenologia do Espírito de Hegel (1807), o este trabalho tem como objetivo
apresentar introdutoriamente o movimento em geral da consciência desenvolvido pelo
autor até o estudo do primeiro estágio de autoconsciência, a consciência-de-si. O foco
da presente monografia estará, a partir de então, na explanação do movimento em
particular da consciência-de-sua e a conexão daquele com o que Hegel denominou
como “luta pelo reconhecimento”. Em seguimento às propostas apresentadas para a
execução desta pesquisa, o tema escolhido para ser desenvolvido é o excerto
correspondente ao parágrafo 178 da obra, o primeiro da seção A (Independência e
Dependência da Consciência de Si: Dominação e Escravidão) do capítulo IV (A
Verdade da Certeza de Si Mesmo) da Consciência: “A consciência-de-si é em si e para
si quando e porque é em si e para si uma Outra; quer dizer, só é como algo
reconhecido”1.
Levando-se em conta a estrutura do próprio livro e o desenrolar até o presente momento
dos estudos realizados na presente disciplina, torna-se evidente que não há pretensão de
se empreender uma análise minuciosa da figura “consciência-de-si”, mas sim apresentar
a sua formação partir ainda das figuras elementares da consciência individualizada e
algumas linhas interpretativas acerca de sua constituição. Para tanto, serão utilizados,
para além da versão em português da Fenomenologia, alguns dos textos da bibliografia
básica do curso, especialmente Habermas, Kojève, Koyré e Habermas, além do uso
acessório de Inwood e Timmermans como auxílio para esquematização das categorias
hegelianas.

Introdução: O Desenvolvimento da Superação das Figuras da Consciência de Objeto

Hegel, em sua Fenomenologia, compreende que a sua contemporaneidade representa o


surgimento de uma nova época, exigente de uma nova maneira de se compreendê-la e se
interpretá-la. Esse novo momento era fundado principalmente na tríade Reforma
Protestante-Iluminismo-Revolução Francesa; ao mesmo tempo, o pensamento filosófico
vigente, na consideração do autor, radicalizava cisões e clivagens entre sujeito e objeto,
certeza e verdade, empirismo e transcedentalidade. Hegel entendia que o pensamento
dualista de Immanuel Kant era a maior representação dessa condição que, conforme
afirmado, não era capaz de compreender o que anacronicamente denominaríamos por
modernidade. Esta nova época seria, para Hegel e para outros idealistas alemãos, um
momento de valorização da subjetividade, de sua capacidade, baseada na razão, de
apreender o saber em sua totalidade, para além da finitude kantiana, que limitara o
conhecimento da consciência ao aparente.
Tendo como pressuposto a necessidade – balizada no elemento da racionalidade e da
experiência como motor de aprendizado – da consciência em saber, e admitindo-se que
em última instância a consecução desse projeto fenomenológico implica na identidade
(não-linear e não-simbolizadora de mera e “pura igualdade”) entre as categorias
cindidas mencionadas, como a certeza do sujeito e a verdade de objeto (o que
corresponderia à adequação entre as expectativas de reconhecimento do sujeito e o
campo das determinações fenomenais), Hegel realiza o movimento inicial de crítica ao
que denomina como senso comum, num caminho também percorrido por alguns
predecessores. No entanto, é possível dizer, em alguma medida, que a compreensão
dialética das categorias e o associado reconhecimento da história como motor de
contínua formação das mesmas são elementos que tornam peculiar a linha de
desenvolvimento filosófica hegeliana.
A primeira figura da consciência tematizada por Hegel, que simboliza mesmo o
primeiro e mais imperfeito estágio de interação entre consciência e objeto é a certeza
sensível. Neste momento, o saber da consciência é direto, inferencial, intuitivo, sem
mediações. Nesta maneira de compreender a coisa, o sujeito visa o particular, o isto, o
fenomenal. Essa espécie de apreensão se coloca como a mais pura, na medida em que
preza a capacidade de se afirmar “esta coisa é”. Hegel, buscando empreender uma
crítica ao dogmatismo, coloca esse código relacional como o mais pobre possível, na
medida em que não se pode dizer mais nada do ser da coisa do que ela é, o que
inevitalmente torna a pura essência e a pura nadidade (que deveria ser, do ponto de vista
racional, o seu oposto) a mesma coisa. Sendo o pressupostos essenciais dessa operação
a imediaticidade como marca da verdade da certeza que aparece (como um indicativo
mesmo de que essa proximidade “sem filtros” impediria que a consciência fosse
desvirtuada do saber pleno sobre o seu objeto) e o processo de indicação ostensiva do
objeto como comprovação da busca efetiva do sujeito pelo singular, Hegel quer
demonstrar, simplificadamente falando, que o resultado que chega à consciência é
contraditório ao seu conceito. Pode-se dizer que, baseando-se nos pressupostos
hegelianos, o fato mesmo de se visar, como um “eu” cognoscente, a um objeto e aspirar
sabê-lo sem mediações é, em si, um processo mediatizado mesmo por essa expectativa
(ou, talvez anacronicamente dizendo, por essa crença) de que a sensibilidade ou a
intuição sejam capazes de dar conta dessa pressuposição (que é uma pressuposição em
si da infalibilidade da razão sem a convivência histórico-pedagógica, que parece ser, a
meu ver, um dos pilares centrais do pensamento que Hegel pretende derrubar).
Hegel associa e descreve a maneira linguística da certeza sensível (a designação
ostensiva, já mencionada) como um mecanismo de descrição da experiência que essa
figura da consciência passará que então perceba a não correspondência entre o que
pretendia saber e o que sabe ao final do processo. Tal associação leva-o a destacar o
espaço e o tempo como dimensões essenciais da maneira de se relacionar inferencial,
dada a sua perspectiva inerentemente exemplificadora no trato da interação sujeito-
objeto. Ao revelar que o “este”, “deste momento”, pode ser tornar completamente outro
no momento a se seguir, da mesma forma que o “isto”, “neste local”, pode se converter
igualmente em outra coisa, Hegel indica o quanto que a consciência, afinal de contas,
chegou não a um “isto”, como pretendia, mas em primeiro lugar a um “não-isto”. Isso
porque o processo cognitivo empreendido pelo sujeito, ao levar em conta esse desejo de
imediaticidade – e o subsequente agarramento do conceito às coordenadas do espaço-
tempo – levou-o, no desenvolvimento da sua experiência interativa, a apreender o não-
singular ou, em outras palavras, o mais abstrato, o indeterminado, o universal.
A sequência de fracassos enfrentada pela consciência a levará, de acordo com a
pressuposição hegeliana, a buscar novas maneiras de apreender satisfatoriamente o
saber (ou, em outras palavras, a levar a filosofia à condição de ciência). Esse processo,
descrito ao longo da Fenomenologia, não é linear, nem puramente cíclico: é, em vez
disso, dialético, e histórico, na medida em que a consciência possui algo como uma
memória que a leva a não tentar repetir os mesmos erros de antes, que a faz não partir
do início, mas que ainda sim repercute em nossos insucessos e em “idas-e-vindas”. Em
nosso desenvolvimento, a experiência da consciência referente à certeza sensível, que a
levou, por seus métodos, a descobrir o universal presente no particular, não é
meramente um fracasso: é um aprendizado, alicerçado na experiência desse negativo,
que agorá fá-la tentar buscar a universalidade nos objetos.
Esse segundo estágio (ou figura) da consciência Hegel denomina percepção, associado
mesmo ao empirismo do senso comum. Nesse momento, a consciência
pedagogicamente tem por conta a possibilidade de que pode-se, nesse novo processo,
tomar a coisa como outra coisa do que ela seja, isto é, há o risco da ilusão. A
pressuposição elementar de que a experiência ainda se dá pela comparação entre o que
se pensa a respeito da coisa (a partir de representações mentais a seu respeito) e o que
ela é persiste, tal qual a cisão entre o eu e o objeto. No entanto, diferentemente do
estado anterior, a consciência, decepcionada com a falência da busca pelo singular por
um singular (o sujeito), inverte seu princípio, para poder então evitar que os instantes
mudem o que se está querendo saber: ela quer, agora, o universal, que, por ser
procurado por meio de representações e se desconsiderando a mutabilidade cognitiva do
pensar na interação com o que quer compreender (quer dizer, permanece a autonomia
entre sujeitos e objetos), ainda se atrela a se tentar encontrar o essencial que está no
objeto, e não em-si. Isso quer dizer que a consciência, a partir de agora, enxerga a coisa
como uma individualidade que é capaz de ser apreendida por uma universalidade de
propriedades determinadas. No entanto, mais uma vez Hegel pretende demonstrar a
existência de contraditoriedades internas ao conceito estabelecido pela percepção, que
de maneira especular se traduzem em contraditoriedades e fracassos da consciência em
compreender adequadamente seu objeto durante a experiência. O conhecer da percepção
significa a atribuição e enumeração de propriedades universais ao objeto, todas estas
características que aparecem à consciência presentes juntas, extra-temporalmente no
objeto (caso uma se esgote, passa-se simplesmente a estudar outra coisa) e não auto-
anuláveis, sendo portanto indiferentes entre si, mas de tal forma que só tenham sentido
para a composição do objeto de maneira associativa. Hegel faz questionamentos, então,
que tem em comum a necessidade de se compreender a coisa de maneira relacional à
Outras (algo não previsto ou tematizado pela percepção) para que o objetivo da
experiência, então, não fracasse.
Em primeiro lugar, o mecanismo atributivo às coisas é, em última instância,
inesgotável, e não se encerra à própria coisa, que pode ser, em si, uma propriedade. Não
é possível apreender todas as propriedades de um objeto, principalmente se levarmos
em conta o fato de que o seu isolamento no mundo não implica nem no isolamento de
suas propriedades, nem no enclausuramento destas ao mesmo, nem na pressuposição de
que estas só existem nesta espécie de [não-] interação. Em segundo lugar, a existência
dessas propriedades só faz sentido do ponto de vista relativo: ou seja, as propriedades só
existem em-si e para-si enquanto negações de outras propriedades, que, como se pode
presumir, não se encontram no objeto analisado pela percepção. Portanto, a coisa é, ao
mesmo tempo, Um (ou Unidade) e Múltiplo. A unidade só existe como tal por
representar uma negação determinada do Outro, seu contrário. É Múltipla por conter em
si tais propriedades que são são cognocíveis por meio da apreensão do que lhe é
negativo. Quer dizer, as contraditoriedades intrínsecas dessa maneira de pensar se
refletem em contraditoriedades mesmas ao resultado do caminho da experiência com os
pressupostos cognitivos da percepção: a coisa só existe como particularidade num
mundo relacional, de outras coisas. De maneira diferente, a consciência chegaria ao
mesmo resultado da certeza sensível: a coisa como algo indeterminado e incognoscível,
senão abstrato. Ao buscar apreender as propriedades da coisa, a percepção chega, então,
às propriedades de uma relação entre coisas.
A cicatriz gerada pelo fracasso desse segundo turno do caminho experencial-
fenomenológico reverberará num novo salto cognitivo, numa nova figura da
consciência, o entendimento. A consciência percebe, por meio do movimento anterior,
que não é possível salvar a validade da experiência anterior (centrada na percepção da
verdade no objeto) já que, para tanto, precisaria defender verdades parciais (a verdade
do Um ou a verdade do Múltiplo) que são em si e para si contraditórias, por remeterem
necessariamente a um outro para serem válidas. Esgotando-se a possibilidade de se
obter a correspondência entre o ser e o pensar atribuindo-se o critério de verdade
exclusivamente ao primeiro e neutralizando-se as influências do segundo, a consciência
adotará novos pressupostos para a apreensão da coisa.
Por meio desta última experiência, a consciência aprendeu que a busca pela coisa em si
por meio de um processo atributivo havia fracassado; em contrapartida, ela havia
chegado à compreensão de uma coisa para um outro, essencialmente relacional. Fica
ainda mais evidente para ela a impossibilidade da apreensão daquilo imediatamente.
Neste novo processo experiencial, representado pela categoria kantiana do entendimento
(que Hegel também pretende criticar), a consciência mantém-se distante de seu objeto
mas, ao perceber, a partir da percepção, o duplo caráter da coisa (unidade e
multiplicidade), ela tentará unificá-los por meio do que Hegel e vários de seus
precedessores denominaram força. A força será o caminho pelo qual a consciência
tentará apreender a forma da coisa, percebida no movimento anterior como a “unidade
na diferença”, ou seja, como algo que se auto-constituiu no meio da diversidade de
relações com outras coisas2. Ao mesmo tempo, a força é, destarte, a substância da (s)
coisa (s); diferentemente de outras propriedades, porém, ela não é algo puramente
observável: só vemos os seus efeitos. Nesse momento, a consciência descobre a bi-
dimensionalidade da realidade: o existente não é meramente o aparente, o
genericamente fenomenal; se a força tem como sua essência o o vir-e-desaparecer, então
saímos, pela primeira vez, do mundo visto do ponto de vista sensível, aparente, para o
supra-sensível, essente, algo que está para além da superficialidade táctil do objeto;
descobre-se que as coisas possuem um interior, ainda que o entendimento não
compreenda bem o que isto signifique.
Como característica dessa força, Hegel aponta para seu caráter bipolar, o meio da
potência ao ato, algo que diferencia-se de si mesma nesses dois momentos, mas que só
se constitui como totalidade essente no conjugar desses pólos: ela é, portanto, um
movimento, uma dinamicidade. Dentro dele, cada extremo mencionado compreende o
outro como seu oposto, só se realizando enquanto tal exatamente nesse reconhecimento;
sua efetivação completa enquanto força vem, contudo, com seu desvanecimento, que
completa todo o movimento enunciado. O entendimento, no entanto, ainda sem poder
compreender a superação do mundo sensível trazida pela força como esse novo
mecanismo de aproximação entre o existir e o saber, entende-a como fenômeno, como
aparência que faticamente se perde, e não se realiza (de acordo com sua própria
essência, desenvolvida acima). O interior das coisas ainda aparece como puro vazio, já
que o entendimento aé baseado numa gramática da finitude, alicerçado na presença
enquanto visibilidade. Para Hegel, no entanto, a cisão entre mundo sensível e supra-
sensível – própria à teologia – que coloca a segunda como um espaço vazio, torna
mesmo a primeira um espaço igualmente esvaziado, pois em sua consideração não é
simplesmente possível apreender corretamente os objetos que não seja de uma
perspectiva dialética. Essa negação (que parece tão evidente) existente no mundo supra-
sensível não lhe é exclusiva: o caráter evanescente dos fenômenos também está presente
no mundo aparente, como a própria certeza sensível foi capaz de captar ao querer visar
o particular por meio de estruturas linguísticas universais. O supra-sensível é, então, o
fenômeno como fenômeno, é a essência mesma do mundo “terreno”.
A resposta do entendimento à aporia encontrada na experiência com o objeto baseada na
força (que levou a descoberta de um mundo para além da pura sensibilidade) é a
atribuição do caráter da força e da resultante diferença em razão de sua aplicação
como lei, ou seja, algo que expressa e estabelece a diferença entre os mundos, a essência
e a aparência, que leva à instabilidade do fenômeno3. As leis funcionariam como a razão
que explica a relação entre os fenômenos e a subseqüente desconexão entre os mesmos
e entre eles e suas essências à observação. Todavia, o esforço do entendimento em criar
tais princípios leva – necessariamente, para Hegel – à criação de uma legislação cada
vez mais geral, numa tentativa crescente de unificar todo o processo sob um único
fundamento, o mais verdadeiro, que efetivamente explique esse “algo” em comum que
determina o comportamento fenomenal. Para Hegel, esse esforço é em vão,
primeiramente por que perde-se a capacidade explanatória ao se tratar o singular cada
vez mais tão longinqüamente; secundariamente, e mais importante, a hierarquização das
leis para explicar mais fenômenos representa não o aprofundamento dos preceitos
explanatórios, mas o uso de pressuposições e abstrações próprios às leis anteriores, e
não aos objetos: a “sofisticação analítica”, que continua a abandonar a interioridade dos
objetos, só é possível para o entendimento por meio de um processo de auto-
referenciamento contínuo4. Hegel considera esse processo como a inversão do mundo
sensível, ou “mundo invertido”. O resultado (a representação do novo fracasso da
consciência) é que as leis gerais resultam, no fim, em um grande vazio, o que leva à
consciência suspeitar que ou o que aparecia como referente ao mundo fenomênico era,
na verdade, supra-sensível5 (e então anula-se mesmo o que se entendia como “mundo
dos fenômenos”), ou então o que pressupunha como a “diferença universal”, imbricada
na conceituação de lei, fora um equívoco.
A nova tentativa de se salvar o vivido nesse processo experencial é inverter e
transvalorar so valores do entendimento, numa busca pela passagem ao oposto, que se
mantém, ainda de acordo com os pressupostos do entendimento enquanto representação,
inerentemente estático (não há aí, portanto, dialética). Se a imobilidade persiste, assim
também se dá em termos do entendimento sobre sua essência: o resultado é, portanto, o
mesmo de antes. Esgota-se aí, portanto, possibilidade de se compreender o objeto
adequadamente do ponto de vista fixo da representação, que autonomiza sujeito e objeto
e distancia o visível do compreensível.

O Caminho para a Consciência-de-Si


Apesar de todos os esforços analíticos, o entendimento – figura mais elevada da maneira
representacional de se compreender o mundo – não encontrou nada mais do que o
contrário do que procurava. O adotar das leis não foi capaz de compreender a essência
das coisas; pelo contrário, permaneceu, na ótica do entendimento, um grande vazio. A
pura inversão de seus pressupostos – o mundo invertido –, a inversão das diferenças,
dos opostos, não alterou a essência dos objetos. Diante da falha do método opositivo em
deduzir qual a interioridade do que se analisa, resta logicamente à consciência pensar
que há algo mais do que a oposição em jogo, uma polaridade ainda mais profunda: a
contradição. Por meio dela, traz-se os opostos para dentro de uma mesma interioridade
(do objeto em questão). O que a consciência observa, então, é uma determinidade que
contém em si sua própria diferença, seu negativo. O Outro, o oposto, é posto dentro de
si: dirigimo-nos a algo que é, ao mesmo tempo, idêntico e contrário a si, uma coisa que,
por sua estrutura não completamente “visível”, era impensável de ser apreendida pelo
entendimento; é o universal que abriga o singular mas que nem por isso se desfaz: pelo
contrário, esta conservação é exatamente sua essência. Hegel denomina esse processo
integrativo entre fenômeno e mundo supra-sensível como infinitude.
Chegamos, então, numa das passagens mais importantes da Fenomenologia e que dá
introdução à preocupação maior desta monografia: a passagem da consciência à
consciência-de-si. Para que a consciência saia da aporia de se deparar com algo que não
pode compreender por meio das categorias até então empreendidas, Hegel admite o
postura idealista de se admitir que sujeito e objeto, sendo ambos unidades formadas a
partir da internalização de diferenças, possuem a mesma estrutura. Se neste momento
das experiências a infinitude é exatamente este objeto para a consciência, o filósofo
pode afirmar, então, que a consciência é consciência-de-si (já que a consciência toma
conhecimento de um objeto que corresponde essencialmente a ela mesma). A infinitude
havia sido postulada pela primeira vez ainda no processo experiencial do entendimento,
ao descrever-se a essência da força ou do jogo de forças que movimentava a relação
entre fenômenos. O entendimento, no entanto, não havia sido capaz de compreender a
sua totalidade constitutiva, admitindo-o somente enquanto fenômeno. Na decorrência
desse processo, a satisfação maior do saber, a conjunção entre a certeza do sujeito e a
verdade do objeto, esboroou-se.
Agora, no entanto, aqueles equiparam-se pela primeira vez. A consciência, ao perceber-
se em si, vê que a verdade existia para si mesma. O reconhecimento de si mesmo é o
caminho da verdade, ao contrário do caminho das representações, que só a afastava dele
ao fazer com que se obtivesse do resultado da experiência algo outro do que a
objetividade de sua certeza; na certeza sensível, chegou-se ao universal ao invés do
pretendido particular; na percepção, o intento de se buscar o universal no particular
resultou numa intransponível dicotomização do objeto entre sua universalidade e sua
multiplicidade; no entendimento, a tentativa de se compreender a relação entre
fenômenos implicou numa nova dicotomia insuperável para esta maneira de pensar: a
descoberta de um mundo supra-sensível para além do fenomenal e a decorrente
impossibilidade de se cindir os dois, tal qual sustentaria uma visão representacional de
mundo. Agora, contudo, quando o saber compreende que seu objeto é a própria
consciência e que, portanto, nesse tempo todo, ele compreende que lidava não mais do
que com a sua própria estrutura do saber, percebe-se que o em-si do objeto e o seu ser-
para-um-outro são idênticos. O saber não necessita ir além de si mesmo, onde o cenceito
corresponde ao objeto e o objeto ao conceito (HEGEL, 1992: 119).
Consciência-de-Si e um Prolegômeno sobre a Dialética Senhor-Escravo

Até a sua satisfação enquanto consciência-de-si, a consciência passa por um processo


experiencial complexo. O reconhecimento inicial de si mesmo como objeto do saber
coloca a consciência num patamar distinto. A descoberta da autoconsciência coloca o
sujeito numa interação diferenciada com o mundo; a relação com os objetos muda
sensivelmente: agora ele tenta apropriar-se deles, numa contínua tentativa de provar a si
mesmo a sua nova condição (MARCUSE, 2004: 107). Este é um salto considerável
perante a consciência de objeto. Esta, baseada genericamente em preceitos positivistas,
tendia a compreender a relação sujeito-objeto de maneira cindida, colocando o sujeito
como um “puro Eu”. Como veremos a seguir, a consciência-de-si, apesar de aferrar-se
inicialmente a essa concepção (como parte mesma do processo dialético de superação
efetuado pela experiência fenomenológica da consciência), descobrirá, em seu trajeto,
que a satisfação enquanto tal (ou em-si e para-si) só se dará a partir do momento em que
for reconhecida por uma outra desta maneira. Nesta seção, observaremos o caminho
percorrido pela consciência-de-si até a sua efetivação como tal; para tanto, será
necessária, ao final da mesma, uma apresentação bastante introdutória da dialética do
senhor e do escravo desenvolvida por Hegel que amplifica a luta por reconhecimento,
alvo da presente dissertação.
Possivelmente um dos aspectos mais significativos na transição da consciência de
objeto para a consciência-de-si seja a mudança da percepção relacional e definidora do
sujeito para com o mundo. No movimento de efetivação da consciência-de-si, o “puro
Eu” se converte num “Nós”, reverberando o caráter intrinsecamente social presente na
noção hegeliana da autoconsciência. O caminho dessa conversão rumo à subjetivação
do mundo passa por dois caminhos: a constatação pela consciência de que sua interação
com o objeto não é pura subsunção; a necessidade de satisfazer sua constatação de
autoconsciente por meio do desejo. Em última instância, o completamento desses
processos repercutirá em dois regimes de reconhecimento: o intersubjetivo e o baseado
no objeto, que só serão unificados ao final da Fenomenologia, interação esta que não faz
parte dos objetivos desta pesquisa.
A experiência que consagra a transição de uma figura da consciência para a outra não
implica – dado o pressuposto lógico da identificação estrutural entre o sujeito e o objeto
feita por Hegel – na mera apropriação integral do objeto ao Eu. Tal posição
representaria uma radicalização do idealismo que inviabilizaria completamente a idéia
hegeliana de reconhecimento, como veremos. Se a consciência de si é a consciência da
consciência e se ambas possuem a mesma estrutura, pode-se dizer então que o processo
reflexivo efetuado pela primeira é tanto sobre si mesma como sobre um outro6. Para
Hegel, portanto:

“(…)A consciência-de-si é a reflexão, a partir do ser do mundo sensível e percebido; é


essencialmente o retorno a partir do ser-Outro. (…) Para a consciência-de-si, portanto,
o ser-Outro é como um ser, ou como momento diferente; mas para ela é também
unidade de si mesma com essa diferença, como segundo momento diferente (…).”
(HEGEL, 1992: 120).
Temos, então, que, mesmo em sua origem, a interação social (no sentido mais claro de
contato com o mundo sensível) se apresenta à consciência como essencial para a sua
constituição. É por meio da experiência que a consciência-de-si consegue pôr-se diante
de si mesma; mais importante, e apreendido desde a Percepção, seu objeto só possui
validade de sentido enquanto categoria relacional, como um para-um-outro. É a
internalização dessas diferenças (visto ainda na seção destinada ao Entendimento) que
tornará a consciência-de-si em-si e para-si mesma. Nessa trajetória fenomenológica
ficará clara a necessidade de um outro para a satisfação do desejo da consciência por
reconhecimento.
Como parte do processo de apreensão da nova condição da consciência enquanto real
detentora do saber do conceito, o sujeito categorizado na autoconsciência passa a
vislumbrar os objetos de uma outra maneira. Até então, aquele se via perante seu oposto
enquanto mero observador, ser da reação, calculador das leis da natureza. Em sua nova
condição, descobre-se enquanto um ser de iniciativa, como ator, combatente, lutador.7 A
consciência, sabendo que observara o tempo todo senão a si mesma, vê a sua certeza
corresponder-se à verdade do objeto; diante de tal potencialidade, parte de maneira mais
confiante a usufruir e subsumir os objetos ao seu redor, numa tentativa de comprovar a
verdade de sua nova certeza e a sua nova condição.8 Em outras palavras, o homem
passa, mediante o fim da passividade contemplativa, a desejar, aspiração essa que
coloca o sujeito numa interação social.
Hegel postula que o desejo de ser a unidade da consciência-de-si consigo mesma só é
possível por meio da internalização do ser-para-um-outro (no caso, a própria
consciência). Como vimos, esse ser-para-um-outro funciona como o negativo, o
contrário puro da consciência, ao mesmo tempo em que, por ser parte da mesma, não é
contrário algum. A satisfação do desejo da unidade da consciência-de-si é, portanto, é a
consecução de seu projeto enquanto infinita unidade das diferenças. Hegel estabelece
que a vida é essa unidade; aquela também possui como essência a infinitude, o “ser-
suprassumido de todas as diferenças”9. Dotada dessa característica, a vida é, portanto, o
objeto do desejo. Temos, portanto, duas condições que indissociavelmente colocarão a
consciência numa espécie de confronto para que ela cumpra o seu objetivo de se
constituir essencialmente enquanto consciência-de-si: primeiramente, é necessário que
ela tenha a diferença como sua essência; secundariamente, e em razão desse primado e
do postulado acima, seu objeto de desejo é um ser vivo. Hegel deduz, então, que o o
objeto de desejo imediato da consciência é um ser-outro, um ser-refletido-sobre-si, para
que ela, então, seja reconhecida. Observamos, então, que a mera apreensão dos objetos
do mundo fenomênico não é suficiente para o reconhecimento da consciência-de-si
enquanto tal. Diante de tais colocações, Hegel, então, afirma:

“A consciência-de-si é em si e para si quando e porque é em si e para si para uma


Outra; quer dizer, só é como algo reconhecido. (…)” (HEGEL, 1992: 126).

A análise de Alexandre Kojève10 – um dos fundamentais intérpretes do que se está


querendo explanar – sobre o desenvolvimento da necessidade do desejo para o
reconhecimento da consciência-de-si passa por uma distinção entre o que significa tal
atributo para o homem e para o animal, e busca compreender a insuficiência do desejo
subjetivo pelo objeto como maneira de satisfazer a sua condição de autoconsciente. Para
ele, o desejo consciente de um ser é o caminho necessário para que um homem volte a si
mesmo após a sua absorção por um objeto: ou seja, o desejo é aquilo que transforma a
mera contemplação em ação, em interferência direta sobre o objeto para efetivamente
subjugá-lo ao gosto do sujeito. Torna-se evidente para ele, então, que o ser consciente
de si, do homem, “implica e supõe o desejo”. Contudo, esse desejo, sozinho, constitui
somente o sentimento de si, não sendo suficiente para alçá-lo à consciência-de-si. Para
tanto, é necessário que o desejo se dirija a um objeto não-natural, pois – dentro de uma
interpretação racionalista – querer algo natural pressupõe ser algo natural, o que
definitivamente não é próprio da consciência-de-si, considerada em si um modo
superior de experienciação de mundo, não aferrada às representações naturais da
Certeza Sensível. Kojève, então, considera que só o próprio desejo é aquilo que
ultrapassa o real dado, o que significa que o desejo da consciência-de-si busca
exatamente outro desejo; está presente aí a atividade negadora e assimiladora que
permite à consciência moldar (e ser moldado pela) realidade – dado o caráter reflexivo e
interativo da experiência e, por derivação, da essência da consciência-de-si enquanto tal.
O filósofo francês admite, então, que esse desejo, caracterizado tanto pelo almejar do
querer do outro (portanto pelo Outro enquanto essência) como por um objeto natural
que o Outro também se empenhe em obter, possui, portanto, caráter intrinsecamente
social. Finalmente, afirma que esse ato implica necessariamente no colocar-se no lugar
do valor desejado pelo desejo (já que, de outra forma, demonstraria-se que o que se
busca na verdade seria o próprio objeto, e não o desejo em si), pois ao fazê-lo indico
que o que quero é também o que o que o outro quer. Se só o “vice-versa” dessa
consideração valida não só a autenticidade do caráter da minha obstinação como a
minha existência racional em si, temos então que o que está em jogo é uma luta, um
desejo por reconhecimento, por algo que revele a autonomia dos sujeitos – e, portanto,
de mim mesmo enquanto consciência – perante os objetos.
Em outras palavras, Hegel descreve esse processo de desenvolvimento inicial da
consciência-de-si por meio de um esquema em três partes: inicialmente, o seu objeto
imediato é um puro Eu indiferenciado, marca mesma da descoberta de si enquanto
medida da verdade; essa imediatez do objeto é, na realidade, mediação absoluta, na
medida em que a necessidade da certificação de que a sua certeza é a verdade só se dá
por meio do desejo de suprassunção do que é tido como independente de si mas que,
como vimos, só possui sentido se o pensarmos como uma diferença interiorizada do Eu,
que não se torna mais, portanto, indiferenciado; o processo reflexivo da consciência-de-
si, pautado por sua duplicação, demarca o negativo, o infinito como o motor da
vivacidade da própria. Esse assumir-se da consciência-de-si enquanto objeto para nós –
representando a unidade de si mesmo em seu ser-Outro – é, de acordo com Hegel, a
primeira manifestação do Espírito, somente desenvolvido enquanto unidade das
diversas consciências-de-si (ou o Eu que é Nós e o Nós que é Eu de acordo com a
dialética hegeliana), no entanto, nas últimas seções da Fenomenologia. É naquela
reflexão enquanto consciência-de-si que a consciência realiza o seu salto fundamental,
que “a afasta da aparência colorida do aquém sensível, e da noite vazia do além supra-
sensível, para entrar no dia espiritual da presença”11.
É esse desdobramento da duplicação da consciência-de-si que catalisa o movimento do
reconhecimento. Nessa dinâmica, a consciência-de-si vê a si mesma quando vê Outra
consciência-de-si. O desejo, essa paixão de ter a certeza de si como essência12, faz a
consciência suprassumir o Outro, o que implica na tentativa de se tomar a si mesmo
para si, quer dizer, uma dupla suprassunção. De outra perspectiva, tal ação resulta num
retornar a si mesmo, que liberta o Outro novamente. Temos, então, um fracasso: a
consciência percebe que não pode fazer para si esse objeto; diante da falência dessa
tentativa de apropriação pura do objeto, percebe logicamente que a satisfação de seu
desejo só se estabelece se a Outra fizer o mesmo com ela também: é aí que entra o jogo
de forças à interioridade dessa relação entre consciências, funcionando mesmo como
consciência-de-si para essas extremidades. A saída dessa condição, isto é, o
reconhecimento, só pode se dar, nesse contexto, a partir do momento em que cada um
sai de si (ou seja, de sua posição aparentemente independente), e se tornam, então, para
si e para o Outro. Enfim, o reconhecimento só é efetivo como tal enquanto
reconhecimento mútuo. Como veremos, o agir unilateral será inútil para a validação
desse desejo.
Chegamos, finalmente, ao cerne da dialética do senhor e do escravo, que representa em
Hegel a completação do que é denominado como “luta pelo reconhecimento” e que
leva, em sua completude, à realização da consciência-de-si como um em-si e para-si
viável para-um-outro. Aqui faz-se necessário apresentar alguns pontos de vista em tese
discordantes sobre o que queremos muito brevemente apresentar. Timmermans13, por
exemplo, ressalta que o que está em jogo nesse momento não é exatamente o senhor e o
escravo, mas sim a dependência e a independência da consciência-de-si. Para ele, isso
significaria que a luta mencionada não implica necessariamente num conflito entre
pessoas singulares, o que permite supor que aquela pode muito bem se referir a um
só indivíduo tomado em sua dualidade. Esse outro que vai me reconhecer pode ser, de
fato, algo exterior a mim, mas também pode fazer parte da minha interioridade. De fato,
como veremos, tal afirmação faz sentido a partir do momento em que vislumbramos que
uma consciência está disposta a suprassumir a si mesma (ou seja, negar a vida, o meio
para sua existência) caso o Outro (que pode ser parte de si, algo não difícil de se
imaginar por meio de uma ótica psicanalítica) não reconheça a sua liberdade de ser o
que é. Kojève14 afirma que “Sem essa luta de morte por puro prestígio nunca teria
havido seres humanos na Terra”. O fato de que a verdade da essência de um passa pelo
agir do outro leva a relação entre consciências, necessariamente, a um conflito onde a
vida está em jogo, e a morte é uma possível consequência. Habermas15, no entanto, vê a
luta por reconhecimento não tanto como uma luta de vida ou de morte, já que “a
dialética entre senhor e escravo visa menos a subjugação e a emancipação do que à
construção social de um ponto de vista com pretensão à imparcialidade, o qual
possibilite as referências objetivas ao mundo e juízos que tenham força de obrigação
intersubjetiva”. Em outras palavras, esse conflito tem como fulcro a necessidade de
aprendizado por parte da consciência de que é necessário, para a sua existência, um
novo nível de autonomia, que não signifique a afirmação egocêntrica de juízos e planos
construídos a partir de si mesma, mas sim por meio do reconhecimento recíproco e
intersubjetivo que resulta na produção social de pretensões e valores normativos.
Façamos, então, uma leitura geral sobre a dialética do senhor e do escravo. Hegel
admite primeiramente que o processo de reflexão da consciência-de-si sobre si mesma
revela a desigualdade existente entre ambas, pautada no fato de que o refletir de uma em
outra representa a condição de uma ser aquela que reconhece e a outra a reconhecida.
Cada uma das consciências se apresenta para outra como certas de si mesmas, enquanto
vêem um ao Outro como independente, imediato. Disso decorre que elas não interagem
entre si, de fato, como consciências-de-si, pois não estão certas da Outra (somente de si
mesmas, como mencionado), justamente por esta, que também é uma consciência,
também revelar-se, portanto, enquanto só certa de si mesma. Nesse impasse, alguém
tem que ceder, apesar da necessidade mútua por reconhecimento. Timmermans16 aponta
três saídas para a consciência dessa aporia: em duas delas, a opção é pelo conflito;
numa, ela vence; em outra, ela fracassa, morre ou abdica; finalmente, pode escolher não
correr o risco de falhar, o que redunda no reconhecimento da liberdade do outro sem
impor a sua própria, ou seja, no reconhecimento do direito do outro de lhe ditar as leis.
Hegel afirmará que a essência da consciência-de-si não é o ser, mas sim o ser-para-si. O
caminho da morte é ruim para ambas as consciências: primeiro, porque a vida é tão
essencial para a consciência-de-si como ela mesma; segundo – e em clara derivação do
primeiro –, porque a ausência de uma consciência-de-si resulta na impossibilidade
lógica de reconhecimento para a outra, que esvazia-se de qualquer possibilidade de
para-si se aquela não lhe aparece sequer enquanto objeto. O jogo de forças, que media a
relação entre extremos, se torna uma unidade morta, imóvel, sem dinamicidade. Sobre
tal ponto dessa interação, Kojève postula que, caso os seres humanos se comportassem
de maneira idêntica, “a luta levaria necessariamente à morte de um dos adversários, ou
dos dois”17. Com a morte de um deles, desapareceria o desejo pelo desejo de um, o que
levaria o outro a impossibilitar-se mesmo de desejar o desejo do outro, pois este agora
inexiste. Para que ambos continuem vivos, é necessário que exista uma desigualdade na
relação; tal condição, associada ao significado decisivo da vida para a consciência-de-si
(diferentemente, como vimos, da consciência, que por considerar-se autonomizada do
que observa não valoriza tão atributo, sequer o conhece), leva a inferior a temer a morte.
Ao fazê-lo, opta então por abandonar seu desejo e a satisfazer o desejo do outro, o que
implica no reconhecimento de um para aquele sem o movimento inverso.
Hegel denomina as consciências nessa interação desigual como senhor e escravo. O
primeiro é tido como consciência independente, cuja essência está, nesse momento, em
seu ser-para-si. O segundo é a consciência dependente, para qual a essência é a vida ou
o ser-para-o-outro. O senhor, nessa condição, alcança a forma do em-si e para-si, graças
respectivamente à certeza de sua condição aliada ao reconhecimento desta pelo Outro.
Em outras palavras, o momento do reconhecimento desigual entre senhor e escravo
passa pela suprassunção do segundo pelo primeiro e pela auto-subsunção do segundo. O
mundo fenomenal e o escravo serão instrumentalizados, subsumidos, apropriados de
acordo com seu desejo. Diante dessa posição de autonomia e independência, o senhor
não vê sua situação, em última instância, como um meio [para a consecução de seu
desejo], mas sim como um fim, quer dizer, sua vida se dirige para a satisfação
imediata.18 A reflexão sobre os processos que levam à preparação processo intrínseco à
duplicação da consciência-de-si, desvanece-se. Ou seja, a consciência mesma do
escravo torna-se inessencial para o senhor.
O escravo, em contrapartida, só existe enquanto ser-para-o-outro. Enquanto para o
senhor se relaciona com a coisa por meio do escravo e de maneira negativa e supressora,
o escravo, apesar de também a superá-la, ele não a consome, como faz o senhor, mas a
transforma, trabalhando nela, como parte essencial da mediação feita para a fruição do
senhor. O escravo é, inicialmente, um cadáver vivo. Tudo o que ele faz é, na verdade,
uma atividade do senhor, pois são os desejos deste, e não os seus, que são
realizados.19 No entanto, o trabalho, que determina toda a essência do escravo, terá um
papel essencial na formação da sua consciência. Inicialmente, ela só existe mesma
enquanto coisicidade, marca mesma da dependência para com o senhor, seu superior.
No entanto, ao perceber que os produtos do seu trabalho ocupam e perpetuam o mundo
social do homem, ele finalmente vê e reconhece a si mesmo nas coisas que o cercam.
Sua consciência está exteriorizada no trabalho.20
Chegamos, então, num momento em que uma duplicidade de fatores revela uma
alteração significativa da condição da relação senhor-escravo. Primeiramente, como
vimos, a condição de senhor enquanto reconhecido e não reconhecedor – apesar de
torná-lo apto a um status de ser em-si e para-si – apesar da consecução de suas
satisfações, leva, no decorrer do processo, a uma descaracterização do escravo enquanto
consciência, pois o agir deste é visto como inessencial, só existente enquanto necessário
para o senhor. Quer dizer, “(…) O senhor lutou e arriscou a vida pelo reconhecimento,
mas só obteve um reconhecimento sem valor para si (…)”.21Secundariamente, a
interação do escravo com a coisa de uma tal maneira que só seria possível em
detrimento da sua posição mediativa para o desejo do senhor tornou o subalterno
autoconsciente.22 Como afirma Habermas23:

“O escravo arrebenta as correntes de sua dependência graças à independência


cognitiva adquirida na obediência às ordens de seu senhor, ao se esfalfar junto à
realidade e, nisto, aprender com a natureza como dominá-la. (…)”

O escravo, ao ser confrontado constantemente com as demandas do senhor, pouco a


pouco se exercita na tarefa de compreender a diferença entre o que o senhor quer e o
que ele próprio faz. É aí onde se localiza a negatividade de seu agir, que lhe revela que,
na verdade, no produto do seu trabalho ele não é nem exigido nem esperado pelo outro.
O trabalho, sua essência, se revela gradativamente como um para-si.24
Diante dessa experiência, nos salta que a independência do senhor se convertera, no
curso da mediação feita pelo escravo com os objetos do mundo, em dependência. Ele
não só depende do escravo para realizar o seu desejo, mas ao não reconhecê-lo enquanto
consciência, torna o seu objeto inequivocamente distante do seu conceito. Sua certeza
não é mais a verdade de si mesmo; sua essência está no outro, que age por ele. Essa
carência do agir se contradiz mesmo com o movimento essencialmente dinâmico do
interior da consciência; se não reconhece seu negativo, sua interioridade é um vazio.
A posição do escravo no curso dessa relação vai invertendo-se à do senhor, mas não
culmina na mera ocupação do posto original de seu oposto:

“O escravo, ao contrário, reconhece desde o início o outro. Basta-lhe pois impor-se a


ele, fazer-se reconhecer por ele, para que se estabeleça o reconhecimento mútuo e
recíproco, o único que pode realizar e satisfazer plena e definitivamente o homem.”25

O trabalho possui caráter formador. Para além da identificação de sua produção no


mundo como algo além do destinado para o senhor, a transformação dos objetos permite
ao escravo superar o próprio medo que então constituía o atributo da sua desigualdade
para com o senhor, na medida em que exatamente esse formar da coisafaz com que o
negativo do escravo, o seu ser-para-si (já que sua essência é ser-para-o-outro) seja
suprassumido, pois o resultado daquele processo é um objeto que é o resultado do seu
trabalho, do seu interagir, enquanto senhor da natureza, com o mundo e deixar a sua
marca, o seu apropriar-se, o agir. Quer dizer, esse negativo é interiorizado pelo sujeito,
que admite em si a infinitude que lhe coloca, permanentemente, na posição de para-si-
essente, atributo esse que lhe faltava quando da relação inicial de reconhecimento para
com o senhor. Ausente essa condição exterior opositiva, desvanece o medo enquanto
inibidor da autoconsciência do escravo; assim:
“(…) precisamente no trabalho, onde parecia ser apenas um sentido alheio, a
consciência, mediante esse reencontrar-se de si com si mesma, vem-a-ser sentido
próprio.”26

O negativo, como vimos, só é deparado pelo escravo; o senhor, ocioso, só tem o


prazer27 mediante o seu afastamento do trabalho. Diferentemente do senhor que, apesar
de sua posição privilegiada, atingia apenas parcialmente a satisfação de seu desejo (pois
não reconhecia aquele que o reconhecia) resultando-se, portanto, na incompletude ou
despotencialização da realização da consciência-de-si, no escravo o movimento
dialético entre a produção de objetos para alguém e o vislumbre fenomenal dos mesmos
(ambos calcados na disciplina do trabalho) produziu simultaneamente a dependência do
alheio – desde o início reconhecido pelo escravo – e a contaminação dos elementos do
mundo de si28, o que permite identificá-lo consigo mesmo. Ao retornar dessa reflexão
no mundo sensível, em que interage com o Outro – seja ele uma consciência ou uma
coisa aparente –, o escravo, e não o senhor, empreende essencialmente o que Hegel
entende por experiência e, portanto, realiza a determinação da consciência-de-si.

Conclusão

A passagem de uma figura da consciência à outra, introdutoriamente apresentada nesta


monografia mostrou a impossibilidade da consciência de se adequar as suas
expectativas de saber com as essências dos objetos enquanto ela mesma não saísse de
sua posição de espectadora e se colocasse num esforço de compreensão de si mesma
para que então apreendesse qual o caráter das suas interações com os objetos e, em
última instância, qual a sua posição e o seu papel no mundo. O esgotamento dos
intentos de se apreender as coisas por meio de mecanismos representacionais foi
respondida por Hegel por meio do postulado idealista que admitia a simetria estrutural
entre o Eu e o Conceito, entre o Sujeito e o Objeto, posição essa que não somente
colocava o homem enquanto centro de emanação do fazer e do saber no mundo (posição
filosófica que se tornaria central para a modernidade) como resolvia as então
insuperáveis cisões analíticas daquele mundo contemporâneo por meio do
extravasamento da dialética enquanto maneira de compreender a diferença (que poderia
ser entendida mesmo como a manifestação e captação da singularidade humana, ao
contrário do que afirmavam alguns dos detratores de Hegel, que tentariam transformá-lo
em supressor do particular e devoto do absoluto29), internalizada não como esforço de
esmagar o particular por meio do universal, mas sim por reconhecer que, num mundo
tão complexificado, não fazia mais sentido compreender a alteridade e as coisas em si
enquanto estaticidades incontamináveis.
A consciência-de-si é exatamente esse momento de desvanecimento da eficácia do
método positivista de inquirir a realidade. O colocar-se do Eu enquanto entidade de
saber e questionamento já havia, evidentemente, sido empreendido na filosofia. O salto
hegeliano substantivo se dá (inclusive com relação aos contemporâneos idealistas) na
colocação desse “Eu” como um sem sentido se não o pensarmos enquanto um “Nós”, e
um “Nós” que possui validade e essência somente em âmbito social. Ainda que se
mantivesse a firme perspectiva de atribuir a esse Nós a plena determinação da realidade,
ela não é exatamente apriorística. Ainda que não seja formalmente histórica, a formação
desse processo não parte senão da necessidade de se reconhecer uma alteridade para a
sua composição; de outra maneira, Hegel cairia no puro transcendentalismo ou, mais
profundamente, na absolutização do idealismo. A consciência é algo que possui uma
espécie de memória, o que não a leva a renegar as suas experiências: se elas não são a
verdade (ou nada senão um momento desta) ou não realizam o seu objetivo, funcionam
como um negativo para um novo empreendimento do sujeito rumo a outro caminho. O
direcionamento deste, conforme se aprofunda a transformação da consciência em
consciência-de-si, é potencialmente social. Ao romper as bolhas que separavam sujeito
e objeto e ao colocar-los no mundo que admitia a infinitude da unidade da vida como
sua essência, e permitir ao Nós se estabelecer nele, o filósofo alemão dá à
Fenomenologia algo de material e palpável, o que pode ser observado mais
explicitamente na luta pelo reconhecimento. Esta, essencial para a validação da
descoberta de si mesmo enquanto medida da verdade se pauta pela consideração
arriscada e, portanto, profunda, de se só admitir a própria existência enquanto ser
racional para além do unitarismo do puro Eu. É possível admitir tal consideração
mesmo quando se pensa o choque de consciências como algo eventualmente interno ao
sujeito, como vislumbrado por Timmermans30. Isto é, a luta por reconhecimento parte
do pressuposto de que existe a alteridade, o diferente, o negativo àquilo que se
estabelece, o que significa que o ser não é algo para sempre igual ou essencialmente o
mesmo: ele se transforma, não é único. Cada manifestação sua, sim, o é, e não
representa mera polaridade perante o existente. A combinação das diferenças produz
uma infinitude de consciências. Se é a vida que está em jogo e se estamos inseridos num
mundo, então necessariamente estamos falando de uma questão social e intersubjetiva,
que não precisa se referir, como vimos, a uma série de indivíduos isolados.
Desta maneira, o processo de tomada de consciência-de-si aparece como um agir, um
sair de si mesmo para se colocar na posição de alteridade, experienciar e aprender com
ela, para que ocorra então um retorno a si, mas que não é o mesmo do início do
movimento dialético: suas certezas sobre si mesmo e sobre o outro são outras. A
consciência percebe a sua individualidade, mas a reconhece como tal do ponto de vista
moral e epistemológico ao admitir a individualidade de outra dentro de uma
universalidade e ao considerar tais particularidades como dinamicidades que se
influenciam e se determinam continuamente, pois elas singularidades não são unidades
puras (caso contrário o refletir da consciência sobre si mesma resultaria ou na obtenção
de um “puro nada” ou seria, em si, desnecessária, e então retornaríamos a um estágio
prévio de desenvolvimento da consciência, no qual sujeito e objeto seriam somente
polaridades de mesmo sinal, intocáveis). O reconhecimento nos aparece como uma
libertação: sua completação para a realização da consciência-de-si não representa a
dominação, mas sim a autonomia, a consagração do fazer perante o puro ócio, a
interdependência, a valorização da alteridade e de cada uma de suas qualidades e a
possibilidade do fim da condição de seres acríticos perante a nós mesmos e ao mundo. É
preciso reconhecer para saber.

Bibliografia

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TIMMERMANS, Benoit. Hegel. São Paulo: Estação Liberdade, 2005


1HEGEL, G.W.F. Fenomenologia do Espírito. Petrópolis: Vozes, 1992, 2ª Ed., p. 126.
2MARCUSE, Herbert. Razão e Revolução. São Paulo: Paz & Terra, 2004, 5ª Ed., 2004,
p. 103.
3 Correspondente, como exemplo, à percepção da consciência sobre o movimento em si
do jogo de forças, o seu vir-e-desaparecer.
4Como explicar, de acordo com o próprio exemplo de Hegel, a luz, pelas leis da
eletricidade, que remetem à força elétrica, etc, levando a uma espiral crescente de
“postulados” que, em última instância, funcionam como maneiras distintas de dizer o
que se afirmava antes (que eram, em si e em comum, leis). A verticalização funciona,
nessa ciência, na atribuição cada vez maior de “sub-propriedades” ao fenômeno, sem
alterar sua essência, numa espécie de formalização superior da experiência do
entendimento.
5 Já que, como vimos, o entendimento compreende o movimento da força como puro
desvanecer e a decorrente descoberta da interioridade das coisas, a sua essência, como
puro vazio.
6Processo denominado por Hegel como duplicação (1992: 127).
7TIMMERMANS, Benoit. Hegel. São Paulo: Estação Liberdade, 2005, p. 87.
8MARCUSE (2005: 107).
9HEGEL, (1992: 121).
10KOJÈVE, Alexandre. “À Guisa de Introdução” IN Introdução à Leitura de Hegel,
trad. Estela dos Santos Abreu, Rio de Janeiro: Contraponto, 2002, pp. 11-16.
11HEGEL (1992: 125-126).
12Timmermans (2005: 87) fala mesmo que essa paixão, ao contrário do que se poderia
se imaginar a priori para uma mente que valoriza a Razão, não leva a consciência para
trás, mas sim para algo maior, mais complexo, para uma realidade mais profunda. Trata-
se, assim, de uma outra maneira de se dizer o que Kojève (2002: 11-12) afirmava sobre
o potencial do desejo enquanto atributo distintivo do homem que pensa profundamente.
13Idem (Ibidem: 89-90).
14Kojève (2002: 14).
15HABERMAS, Jürgen. “Caminhos da Destranscedentalização – De Kant a Hegel, e de
volta” IN Verdade e Justificação: Ensaios Filosóficos. Trad. De Milton Camargo Mota,
São Paulo: Edições Loyola, 2004, pp. 204-206. Para um aprofundamento da
compreensão dessa perspectiva social e epistemológica, Cf. PINKARD, Terry. Hegel’s
Phenomenology: The Sociality of Reason. Cambridge: Cambridge University Press,
1994, pp. 57-62.
16TIMMERMANS (2005: 90-91).
17KOJÈVE, 2002, p. 14.
18TIMMERMANS, 2005, p. 92.
19KOJÈVE, 2002, pp. 20;23.
20MARCUSE, 2005, p. 109.
21KOJÈVE, 2002, p. 23.
22“O senhor força o escravo a trabalhar. Ao trabalhar, o escravo torna-se senhor da
natureza. Ora, ele só se tornou escravo do senhor porque – à primeira vista – era
escravo da natureza (…). Quando, pelo trabalho, se torna senhor da natureza, o
escravo liberta-se de sua própria natureza, do instinto que o ligava à natureza e que
fazia dele o escravo do senhor. Ao libertar o escravo da natureza, o trabalho também o
liberta de si próprio, de sua natureza de escravo: liberta-o do senhor (…)”. Idem,
Ibidem, p. 26.
23HABERMAS, 2004, p. 206.
24TIMMERMANS, 2005, pp. 93-94.
25KOJÈVE, 2002, pp. 24-25.
26HEGEL, 1992, p. 133.
27 Atingido apenas parcialmente enquanto satisfação do desejo, já que o senhor não
reconhece aquele que o reconhecia – e ainda o faz.
28Ou a “ (…)criação de uma ordem social racional através da ação livre do próprio
homem (…)” como coloca Marcuse (2005, p. 108). Essa ponderação, de acordo com o
próprio Marcuse, se relaciona completamente com a definição que Hegel dá para o
sujeito autoconsciente, ou sujeito do pensamento: “(…) Diz ele [Hegel] que o sujeito do
epnsamento não é o ‘eu abstrato’, mas a consciência que sabe que é a ‘substância’ do
mundo. Ora, o pensamento consiste em saber que o mundo objetivo é a objetificação do
sujeito. O sujeito que realmente pensa, compreende o mundo como ‘seu’ mundo. Neste,
as coisas só atingem sua verdadeira forma como objetos ‘compreendidos’, isto é, como
parte essencial do desenvolvimento de uma autoconsciência livre. A totalidade dos
objetos que compõem o mundo humano tem de ser libertada da sua ‘oposição’ à
consciência, e os objetos devem ser tomados de tal maneira que venham a fazer parte
do desenvolvimento da consciência.”(Idem, p. 110).
29Parte do debate sobre o debate sobre as formas do hegelianismo e de suas distintas
apropriações encontram-se em MARCUSE (2005), especialmente em sua terceira e
última parte (pp. 333-356). As nossas reflexões iniciais a partir das leituras iniciais de
Hegel e de alguns de seus comentadores nos faz compreender que a dialética hegeliana,
ainda que com seus “freios e contrapesos” tende muito mais a renegar o puro e imexível
Absoluto e conceder à particularidade uma efetiva capacidade de expressão do que
reforçar o seu inverso; por outro lado, esse processo não parece reverberar num
relativismo ético que coloca toda e qualquer consideração em pé de igualdade: o
primado idealista epistemológico de atribuir ao ser humano um papel central na
natureza nos parece um passo considerável de afastamento à neutralidade,
principalmente se entendermos que essa premissa antropocêntrica não parece redundar
nem no puro domínio da diferença e do meio (a natureza), nem em mero recurso de
validação estrutural da lógica de funcionamento da filosofia hegeliana. Mais do que
isso, parece representar, mesmo que com vicissitudes, uma opção ética e condizente
com o projeto gnoseológico do filósofo alemão acerca da modernidade. Contudo, diante
do propósito amplamente prefacial de nossas leituras e deste escrito, não podemos
afirmar categoricamente tais colocações, nem desenvolvê-las apropriadamente no
presente momento.
30Cf. p. 14 da presente pesquisa e a seção “Dominação e Servidão” em
TIMMERMANS (2005: 88-94).

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