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XXII Encontro Nacional de Engenharia de Produção

Curitiba – PR, 23 a 25 de outubro de 2002

ERGONOMIA E RESPONSABILIDADE FISCAL: O CAPITAL


DE COMPETÊNCIA NA FISCALIZAÇÃO DE OBRAS
PÚBLICAS

Novo, Jean Marcel de Faria, M.Sc.

Almeida, Carlos de Souza, M.Sc.


Prof. Programa de Engenharia de Produção – UGF

Vidal, Mario Cesar Rodríguez, Dr.Ing.


Prof. Programa de Engenharia de Produção – GENTE / COPPE / UFRJ
Av. Brig. Trompovsky, s/n Centro de Tecnologia, sala G-207
21.945-970 – Rio de Janeiro, RJ
mvidal@ergonomia.ufrj.br

This paper aims to propose a macroergonomic approach of the management of public


works. More specifically, we are targeting the efficacy reached by the Engineering when
serving the society, having as theoretical and methodological basis the contemporary
ergonomics as exposed elsewhere (VIDAL, 2001). Throughout this ergonomic approach it
is confronted the prescribed organization (constituted by the legislation of biddings and
contracts) with the actual procedures (as modeled by the ergonomic work analysis of the
public servants` involved in fiscalization activities of the contractual execution of public
works and services of engineering). As results, we will propose strategies through which
Public Authorities can take advantage of the out-tasking of this activity without, however,
losing the existent know-how in their own staffs.

Macroergonomics, public works, biddings

1. INTRODUÇÃO
Talvez o mais importante advento na área de obras públicas tenha sido a repercussão da
recentemente aprovada Lei de Responsabilidade Fiscal. Esta legislação colocou em tela
uma preocupação permanente de manter em ordem as contas públicas de Estados e
Municípios da Federação e isto se traduz por uma forte demanda pela boa execução das
atividades de Fiscalização e de Auditoria Fiscal. No entanto, há bem pouco tempo, a
maioria dos Municípios brasileiros, inclusive com grandes e importantes cidades, não tinha
nenhum profissional da área de engenharia em suas Prefeituras. Em 1943, dos 270
Municípios então existentes no Estado de São Paulo, cerca de 220 não possuíam
engenheiro ou arquiteto e em 170 não havia sequer um profissional da área da engenharia
(topógrafo, desenhista etc.) trabalhando para a Administração (TELLES, 1993). Ainda nos
dias de hoje é comum, em cidades do interior, haver Secretarias de obras dirigidas por
leigos em engenharia. Dentro da lei, algumas administrações nomeiam técnicos em cargos
transitórios, como diretores de obras, e/ou terceirizam completamente as funções de
fiscalização, como forma de se superar este grande problema de qualificação específica a
curto prazo. Tais municípios carecem de mão-de-obra própria que seja tecnicamente
qualificada capaz de assessorar os administradores de forma a mantê-los atualizados e
esclarecidos quanto a questões técnicas próprias de sua região, de forma permanente e
continuada, aprimorando a memória técnica do capital de competência existente em seus
quadros funcionais. Neste contexto, encontram-se os técnicos públicos que, em sua

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maioria, cumprem as atividades delegadas a si, entretanto, não raro, sem perceberem a
dimensão de seu papel como representantes da sociedade na fiscalização de obras públicas,
de forma a garantir que as obras e serviços de engenharia ofereçam um mínimo de
qualidade e suportem uma vida útil, compatível com os investimentos públicos, ao longo
de várias gestões e de variados mandatos de governo. As contratadas, por sua vez,
praticamente determinam quais procedimentos devem ser seguidos, em detrimento do
planejamento municipal, um dos principais instrumentos que a administração poderia
promover para a adoção de projetos coerentes com suas principais demandas.

2. OBJETIVOS
Tendo como pano de fundo a problemática apresentada, buscamos evidenciar, através dos
enunciados seguintes, as causas mais relevantes para a dificuldade de planejamento e
controle da execução de obras e serviços públicos de engenharia, por agentes públicos, em
alguns municípios brasileiros: (a) Carência de profissionais tecnicamente qualificados em
quadros permanentes das Administrações; (b) Terceirização não criteriosa da atividade de
fiscalização; (c) Descuido com a memória técnica de execução de obras públicas. Além
disso, através de modelagens da prescrição organizacional e da atividade real dos agentes
públicos fiscais, com o auxílio de ferramentas metodológicas propostas pela ergonomia
contemporânea, pretendemos demonstrar os enunciados seguintes:
1. Autonomia técnica da Administração. A liderança sobre os empreiteiros, ao longo da
execução contratual, depende do domínio de técnicas de planejamento e controle de obras
públicas e de maior valorização política em relação às decisões de ordem técnica;
2. Terceirização responsável. A participação de consultorias na fiscalização de obras,
quando acompanhada por técnicos públicos qualificados, pode trazer benefícios para o
empreendimento e para ambas as equipes, estimulando a formação de competência na
organização;
3. Geração e uso do conhecimento operativo. Informações e conhecimentos, quando
devidamente apropriados, podem formar a memória técnica da Administração e alavancar
empreendimentos públicos de engenharia com melhor custo/benefício (consumo de
recursos durante a execução/tempo de vida útil) e com maior valor agregado (tecnologia
incorporada/ necessidade intervenções para manutenções corretivas);
4. Compartilhamento de conhecimentos. Trocas de experiências, entre profissionais
qualificados de diferentes Municípios e Organismos Sociais, podem incrementar a eficácia
de novos empreendimentos e reduzir o custo/benefício da manutenção do patrimônio
público.

Para dar conta da análise da problemática que se apresenta, nos termos de uma Ergonomia
Contemporânea, conforme VIDAL (2001), estaremos olhando para o agente –
individualmente ou em coletivo – como um agente que produz sua atividade em uma
situação de trabalho socialmente determinada. Isto nos coloca a necessidade de elaboração
teórica em termos de macroergonomia e ergonomia cognitiva como suporte ao nosso
problema central, a qualificação da fiscalização.

3. QUADRO TEÓRICO
3.1 . Macroergonomia. A Macroergonomia nos aporta a indicação de que as organizações
possam buscar um equilíbrio sociotécnico (entre pessoas, tecnologias e organização)
assentado em bases de realismo e do ponto de vista da atividade das pessoas nelas
inseridas. As modelagens do trabalho real dos técnicos públicos, nos auxiliarão na
compreensão dos desequilíbrios sociotécnicos porventura existentes na situação de
trabalho que ocorrem no processo de inspeção e das regulações (realizadas pelas pessoas
para poderem dar conta de suas tarefas). Um desequilíbrio sociotécnico significa a

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passagem de uma situação que funciona em modo nominal para uma situação que
disfunciona em modo degradado. As causas desse processo de perda de governabilidade
não podem ser atribuídas à ação específica de um agente isolado, mas se estabelecem no
bojo das interações dos diversos grupos de agentes: agentes organizacionais, humanos e
técnicos. A regulação é o conjunto de ações que tem por finalidade tentar restabelecer o
funcionamento em seus níveis de governabilidade sub-crítica. Quando observamos a
atividade dos agentes em situação perturbada (que pode ser tanto pré-disfunção, como pós-
disfunção) não enxergamos a atividade nominal, procedimentada, estabilizada e sim a
atividade de regulação.
3.2 Ergonomia cognitiva. A ergonomia cognitiva trata da adequação dos sistemas de
acesso e manuseio da informação com relação a seus agentes usuários. Uma das funções
mais efetivas da ergonomia cognitiva tem sido a estruturação de memórias (técnicas e
organizacionais, distribuídas e compartilhadas dentro de uma organização). A memória
está relacionada à capacidade das pessoas organizarem e armazenarem informações, e que
posteriormente serão utilizadas, em momento oportuno, em função das exigências para a
realização da tarefa. As vivências dos operadores permitem adquirir informações que
podem vir a ser dinamicamente atualizadas e recuperadas em função das necessidades que
se colocam no desenvolvimento de uma dada atividade (VIDAL, 2001). A ergonomia
cognitiva, para este problema, pretende possibilitar a compreensão do modo como se dá a
apropriação de know-how referente à atividade de fiscalização de obras pela Administração
pública. Ela consistirá, portanto, em estudar a estruturação das memórias no decurso de
regulações em contexto de desequilíbrios sociotécnicos.
3.3 Ação Ergonômica. A ação ergonômica deve ser entendida como um conjunto de
princípios e conceitos eficazes para viabilizar as mudanças necessárias para a adequação
do trabalho às características, habilidades e limitações dos agentes no processo de
produção de bens e serviços, bem como dos produtos e sistemas, à luz dos critérios
apresentados: efetividade (eficiência, qualidade e custo-benefício), conforto (saúde, bem
estar e usabilidade) e segurança (confiabilidade, usabilidade e prevenção) (VIDAL, 2001).
A ação ergonômica apresenta-se como uma metodologia adequada para viabilizar a
implementação do capital de competência nas organizações e a elaboração de critérios para
a contratação de terceiros para atividades auxiliares da fiscalização e/ou de consultorias
para o acompanhamento da execução de projetos especiais.
3.4 Qualificação da fiscalização. A presença de profissionais habilitados no
acompanhamento da execução contratual de obras e serviços públicos de engenharia é
exigida por órgãos de controle externo, como os tribunais de contas, basicamente através
dos seguintes diplomas legais:
• Lei 4.320/64 que estatui normas gerais de direito financeiro para o controle dos
orçamentos e balanços da União, dos Estados dos Municípios e do distrito federal e em
seu artigo 63, prescreve que: “a liquidação da despesa consiste na verificação do direito
adquirido pelo credor, tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do
respectivo crédito”;
• Leis 5.194/66 e 5.524/68 que regulam o exercício das profissões de engenheiro,
arquiteto e técnico e obrigam que as medições dos serviços sejam realizadas e/ou
aferidas por profissionais habilitados (e também exigidas pelos Conselhos Regionais de
Engenharia e Arquitetura).
Desta forma, técnicos habilitados devem promover a fase de liquidação, verificando in loco
o cumprimento das obrigações por parte do contratado. As atividades de fiscalização,
supervisão e gerenciamento da execução contratual, de acordo com a legislação (8.666/93,
art. 9o), podem ser exercidos por terceiros, como consultores ou técnicos, em auxílio à
Administração pública no acompanhamento e fiscalização do empreendimento. É
estabelecido (8.666/93, art. 73) que haja recebimento formal de obras e serviços, após

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vistoria por servidor ou comissão de servidores públicos, que deve rejeitar, no todo ou em
parte, obra, serviço ou fornecimento executado em desacordo com o contrato. A legislação
prevê (8.666/93, art. 76) que, de acordo com a natureza do objeto, poderá exigir-se que os
servidores apresentem determinada qualificação profissional ou técnica. Portanto, não há
exigência formal para que os representantes da Administração envolvidos em tais
atividades sejam técnicos habilitados na área da engenharia.
3.5 Terceirização. Segundo o artigo 67 da lei 8.666/93, a fiscalização do contrato deverá
ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração, sendo facultada a
contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa
atribuição. A contratação de consultoria pode ser extremamente necessária ou mesmo
essencial para a boa condução de serviços com complexidade que supere os limites de
atuação dos agentes administrativos, sobretudo quando o próprio projetista acompanha a
obra tendo em vista a qualidade da execução e a retroalimentação de seus conhecimentos
teórico-práticos. Nestes termos, terceirizar deveria passar pelo pressuposto básico de uma
relação de parceria, por uma concepção de atuação semelhante com a empresa e sobretudo
uma relação de satisfação para as partes envolvidas e que trouxesse uma vantagem
competitiva para a empresa terceirizadora, através da economia de escala ou pela maior
especialização do Terceiro. (ALMEIDA, 2001). No entanto, a combinação da tendência
para composições de equipes transitórias de fiscalização com a necessidade de contratação
de consultorias pode ser prejudicial para as gestões públicas que buscam eficácia em seus
investimentos.

3.6 Gestão de competências


1. Conhecimento. O conhecimento operativo assimilável pelas organizações, somente se
produz em mentes que trabalham para aquela organização. Conforme VIDAL (2001), em
termos cognitivos, o ser humano transforma as informações de natureza física em
informações de natureza simbólica e, a partir desta, em ações sobre as interfaces. A
elaboração do conhecimento operativo requer uma certa estabilidade no ambiente que se
realiza a atividade, permitindo que condições semelhantes ocorram repetidas vezes e,
então, que representações simbólicas sejam elaboradas e relacionadas pelo agente da
atividade (FALZON, 1989). Neste quadro, a assimilação eficaz de conhecimentos
operativos pelo fiscal está relacionada a repetidas experiências em empreendimentos
semelhantes e a rotatividade de agentes públicos é indesejável.
2. Memória. A memória técnica é uma capitalização de saberes que a empresa pode
colocar à disposição de quem decide e de quem concebe. Estes conhecimentos acumulados
são dados técnicos sobre os procedimentos existentes, informações generalizadas,
estruturadas para conduzir um projeto espacial, mas também uma lista estruturada e
endereçada de know-how particulares (PAVARD, 1994). De acordo com a experiência da
empresa, a memória técnica permite evitar os “erros” passados, acelerar a condução de um
projeto utilizando os resultados existentes (PAVARD, 1994), revelar modos degradados
desconhecidos nos procedimentos operacionais nas diversas situações de trabalho bem
como indicar, a partir do planejamento e das estratégias de gestão, decisões impertinentes e
ineficazes para o seu funcionamento (CARVÃO e VIDAL 2001).
3. desenvolvimento proximal. O desenvolvimento proximal (VITGOSKY, 1984) diz
respeito à importância da participação ativa do agente, enquanto aprendiz, durante o
desenrolar de uma atividade, para que haja uma compreensão global de uma situação de
trabalho. Sendo o aprendizado, ou a apropriação do conhecimento operativo, facilitado
pela participação presencial do agente fiscal no ambiente em que se realiza a atividade, é
importante que contratações de consultorias visem a transferência de conhecimentos em
campo, com vistas à formação do capital de competência da organização.

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4. METODOLOGIA
A execução de obras e serviços pode ser vista como um supersistema que recebe recursos
públicos como insumo (entrada) e produz um patrimônio ou serviço público como produto
final (saída). Para nosso trabalho, tendo em vista a centralidade do ser humano no
processo de produção e no coração de sua problemática (VIDAL, 2001), elegemos a
atividade de fiscalização como subsistema essencial do processo e vamos investigá-lo do
ponto de vista da atividade real de trabalho do agente fiscal. Como método de investigação
da ergonomia organizacional, construímos os modelos seguintes, ora através de análises
top-down baseados na prescrição legal e na realidade encontrada em alguns Municípios e,
outras vezes, por análises bottom-up quando o foco é a partir do ponto de vista do agente
fiscal, em atividade real de trabalho.

5. APLICAÇÕES
5.1 Análises top-down. Nota-se (figura 1) que o fiscal convive com uma rede de interação
paralela exercida por sua chefia a nível político. Neste modelo, a autoridade do agente
fiscal fica fragilizada diante da empresa executora e pode passar a exercer tarefas
meramente burocráticas. Na presença da consultoria (figura 2), a rede paralela a nível
político fica intensificada, pois a chefia passa a contar com interlocutores a nível técnico e
a autoridade do agente fiscal, além de fragilizada, pode até ser negligenciada em casos de
impasse. A fiscalização assistida por uma empresa terceirizada tem as suas possibilidades
de desenvolvimento proximal eliminadas em relação ao primeiro modelo, pois grande parte
das tarefas é executada pela equipe de consultoria. Dentre essas tarefas podemos relacionar
interpretações de leis, jurisprudências e normas técnicas, alterações de projetos executivos,
mudanças de escopo e outros aportes desta natureza. Neste quadro, a atividade do fiscal
fica facilitada, pois este economiza o tempo e o esforço para compreensão e avaliação das
alternativas encetadas pela contratada. De fato, nesta situação de execução externa, o
trabalho da fiscalização tende a ficar nulo, devido ao insignificante número de interações
remanescentes para o agente fiscal. É fundamental entender que tal supressão de atividades
proporcionada ao fiscal, pela consultoria, se dá justamente em relação aos aspectos
técnicos do empreendimento, o que significa que a facilitação implica em aumento da taxa
de miséria cognitiva do sistema.
Projetos: desenhos, Legislações 8.666/93,
especificações, planilhas etc. 4.320/64
Projetos: desenhos, Legislações 8.666/93,
Normas especificações, planilhas 4.320/64
técnicas
Chefia: FISCAL
Prefeito ou canteiro de Normas
CREA técnicas
Secretário obras ou
Chefia: FISCAL
de obras Tribunal
Empresa Prefeito ou canteiro de
de Contas CREA
executora Secretário obras ou
de obras Tribunal
Empresa
de Contas
executora
Comissão Secretaria Departamento
permanente de de fazenda jurídico da
licitação Administração Comissão Departamento
Secretaria
permanente de de fazenda jurídico da
Interações do agente fiscal licitação Administração
Interações da chefia (rede paralela a nível
lí i ) da empresa executora do
Interações
Figura 2: Interações do fiscal de obras agindo
Figura 1: Interações do fiscal de obras agindo com o auxílio de consultoria (análise top-down)
durante a execução contratual de uma obra
(análise top-down)
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5.2 Análises bottom-up. Em geral, a atividade do fiscal não se dá somente em uma frente
de trabalho, havendo mais de uma fiscalização simultânea. O agente interage com
diferentes projetos, normas e empresas executoras, enfrentando escassez de recursos
(físicos, humanos, organizacionais) e regula, quando possível (a nível tático ou
operacional), diversos disfuncionamentos organizacionais (desorientações, sobrecargas e
conflitos), inserido em uma realidade de dissociação entre projetos, execução e fiscalização
dos empreendimentos que fiscaliza.
5.3 Disfuncionamentos
1. Desorientação a nível político. Na ausência da equipe técnica que acompanhou
determinado empreendimento e não se encontra mais na Prefeitura (em função de mudança
de Prefeito ou por alterações administrativas no mesmo mandato que, não raro, ocorrem
mais de uma vez), um simples entupimento na rede pública de drenagem consome dias
para ser diagnosticado, pois não há arquivo de plantas referentes ao que há sob a superfície
urbana. Como regulação, os agentes públicos tentam recuperar parte da memória urbana,
não registrada apropriadamente, através de moradores locais que eventualmente
presenciaram a condução das obras.
2. Desorientação a nível estratégico. Ao fiscalizar uma obra cujos projetos são deficientes
e não são de autoria do agente municipal, há dificuldades na fiscalização de procedimentos
executivos (posicionamento de instalações/equipamentos, utilização adequada de materiais
etc.) além do cumprimento das normas técnicas. As tomadas de decisão ficam, em muitos
casos, por conta dos técnicos da empresa executora.
3. Sobrecarga a nível político. (1) Com poucos recursos humanos muitas Administrações
não conseguem fiscalizar diariamente todas as obras em andamento e, às vezes, nem
semanalmente. Não há regulação em relação à garantia do uso da boa técnica executiva,
entretanto, em algumas Administrações, ocorre remanejamento de pessoal ligado à
fiscalização de obras particulares para o acompanhamento de obras públicas; (2) Da
mesma forma, por falta de automóveis disponíveis, a fiscalização pode ficar longe das
frentes de trabalho por vários dias. Há casos em que o fiscal usa seu carro particular, mas
este procedimento não é comum. Em ambos os casos, é comum uma regulação se dar,
através do auxílio dos técnicos das empresas fiscalizadas, na confecção da planilhas de
medição.
4. Sobrecarga a nível estratégico. (1) A reincidência de defeitos apresentados por obras
feitas repetidas vezes no mesmo município (escolas, calçamentos poliédricos, praças,
asfaltamentos etc.) denunciam, em alguns casos, a deficiente qualificação técnica do agente
fiscal em relação a métodos construtivos (mesmo aqueles já consagrados e que não
relacionam-se com as inovações tecnológicas, hoje cada vez mais freqüentes); (2) O
desconhecimento de Normas Técnicas de controle tecnológico é comum entre os agentes
públicos fiscais. Serviços como pavimentações asfálticas, concretagens ou execução de
argamassas para revestimento apresentam vida útil inferior às de projeto, enquanto os
parâmetros de seus componentes constituintes (finura, dosagem, homogeneidade etc.) e as
condições de sua aplicação (temperatura, ferramentas e equipamentos auxiliares, tempo de
transporte etc.) não são controlados. Nestes dois casos, os técnicos municipais, carentes de
conhecimentos, dependem tecnicamente dos profissionais fiscalizados.
5. Conflito a nível político. (1) Quando escolas são construídas com verbas destinadas à
Secretaria de Educação ou postos de saúde são edificados sob a supervisão da Secretaria de
Saúde, o corpo técnico da Secretaria de Obras interage com a execução das obras somente
em alguns momentos, em geral uma vez a cada mês quando as notas fiscais têm que ser
rubricadas, por engenheiro arquiteto ou técnico, para que o respectivo pagamento seja
autorizado pela Secretaria de Fazenda. Neste caso não há regulação e o técnico faz mero
serviço burocrático; (2) Os boletins de medição devem anteceder a confecção das notas
fiscais, pois os valores medidos compõem o total a ser pago à contratada. Entretanto, o

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fiscal depara-se com a Nota Fiscal preenchida e, quando não quer se indispor, são
tolerantes com “pequenas” diferenças entre o executado e o verificado no local. Como os
agentes fiscais, em geral, não possuem independência em relação a decisões políticas,
deixam para “corrigir” as diferenças nas medições seguintes.
6. Conflito a nível estratégico. (1) Planilhas e cronogramas nem sempre apresentam
valores compatíveis. Nestes casos em que os procedimentos de controle da execução
contratual não são bem traçados, o fiscal fica sem parâmetros para executar sua atividade.
Alguns cobram da contratada a confecção de novos documentos, outros fazem suas
anotações de forma paralela. Entretanto, a maioria dos agentes fiscais não se preocupa com
o prazo relacionado ao andamento dos empreendimentos. Nestes casos, tanto as empresas
como as Administrações fazem do Termo Aditivo regra quando deveria ser exceção; (2)
alterações de Projetos não são registradas (em desenhos, diário de obras, termo aditivo,
memorando etc.), comprometendo a memória técnica do empreendimento. Como não há
costume de fazer projetos as built ao final da obra, é comum que serviços aditados,
detalhes alterados ou troca de serviços aparentes (pinturas extras, instalações adicionais,
troca de materiais como pisos ou telhas etc.) ou enterrados (movimentos de terra, concreto
de fundações, tubulações etc.) não constem dos arquivos municipais. Para ambos os casos
não se faz regulação, pois os problemas de descontrole e de falta de memória técnica
persistem.

6. PROPOSIÇÃO
Vez ou outra é cogitada, entre auditores de Tribunais de Contas preocupados com a
qualidade das obras e serviços públicos de engenharia, a exigência da certificação ISO
9000 (em suas diversas variantes) como requisito de habilitação das empresas em licitações
públicas. É preciso cautela quanto a este tema pois, conforme JUSTEN FILHO (2000),
haveria, neste procedimento, grande risco de vício para o certame, além de ser questionável
a adequabilidade desta imposição em relação à satisfação do interesse público. Por outro
lado, a qualificação técnica das administrações públicas, especialmente de suas Secretarias
de Obras, parece ser de inquestionável valor.
A ação ergonômica apresenta-se como uma metodologia eficaz para viabilizar a
implementação do capital de competência nas organizações e a elaboração de critérios de
terceirização de terceirização (que promovam aporte de competências para o agente
público) de atividades auxiliares da fiscalização e/ou de consultorias para o
acompanhamento da execução de projetos especiais. Um roteiro de implementação do
capital de competência nas Administrações municipais, sugerido com base na ergonomia
organizacional, compreende três etapas: formação, apropriação e aplicação, que ocorrem
através de decisões políticas a curto, médio e longo prazos.
1. Curto Prazo. A formação do capital de competência através de ações coordenadas entre
o poder público e organismos sociais (IBAM, CREA, Tribunal de Contas etc.) em
programas de capacitação dos agentes públicos, além de uma revisão na legislação federal
no que se refere à fiscalização de obras e serviços de engenharia, pois é necessário que haja
maior ênfase no planejamento e no controle técnico das Administrações. Nesse sentido há
necessidade de ao menos um profissional, no quadro permanente da Prefeitura, de
formação generalista e com visão de conjunto para dar conta do acompanhamento de
diferentes tipos de obras e, de forma complementar, técnicos especialistas em áreas de
conhecimento relativas às características regionais predominantes (região serrana demanda
contenções; baixada requer drenagens; cidades médias demandam pavimentos asfálticos ou
de concreto etc.). Em muitos casos, bastaria um técnico em edificações para garantir que as
obras e serviços de engenharia oferecessem um mínimo de qualidade e suportassem uma
vida útil compatível com os investimentos públicos.

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2. Médio Prazo. A apropriação da memória técnica pela organização com o auxílio de uma
metodologia adequada como a Ação Ergonômica. A condição para a condução desta etapa
é a uma maior autonomia da fiscalização em relação a decisões políticas.
3. Longo prazo. A gestão de competências (know-how) por meio de bases de dados
organizadas com informações atualizadas e disponibilizadas em função das necessidades
da Administração. Neste momento, será possível aplicação do conhecimento acumulado
tanto na organização como em outras Administrações.

7. CONCLUSÃO
A carência de profissionais tecnicamente qualificados em quadros permanentes das
Administrações, a terceirização não criteriosa da atividade de fiscalização e o descuido
com a memória técnica de execução de obras públicas são fruto do desprestígio do técnico
frente às ações políticas (que se evidencia pelas redes paralelas de interação, notadas
através de modelagens de análises top-down) e concorrem para disfuncionamentos
(desorientação, sobrecarga e conflito) identificados por análises bottom-up. As regulações
nos níveis tático e organizacional relacionadas aos disfuncionamentos identificados,
dependem de ações individuais. Entretanto, na maioria dos casos apresentados, somente
decisões a nível político ou estratégico seriam eficazes. Além de investimentos objetivando
um equilíbrio sociotécnico entre pessoas, tecnologias e organização, as Administrações
precisam estar atentas para uma terceirização mais criteriosa das atividades auxiliares à
fiscalização, de forma a preservar a memória técnica necessária para um desejável
gerenciamento do capital de competência. Propomos que a implementação do capital de
competência (formação, apropriação e aplicação) seja alcançada em três momentos (curto,
médio e longo prazos) com o auxílio metodológico da ação ergonômica. No curto prazo, a
ênfase seria para a contratação (por concurso público) e capacitação de agentes fiscais; no
médio prazo, através da ergonomia contemporânea, se daria a apropriação da memória
técnica. Finalmente, após os dois primeiros momentos, a Administração estaria capacitada
à implantar uma gestão de competências. Como questão de fundo, levantamos a hipótese
de que a fiscalização assistida por uma empresa terceirizada parece obliterar o
desenvolvimento de competências em fiscalização pela total exclusão do agente municipal.
Este pode vir a ser mais um motivo para haver contratações mais criteriosas de consultorias
neste setor, tendo como pedra de toque a transferência progressiva de conteúdos de
acompanhamento da obra. Como segunda linha indicativa, apontamos o desenvolvimento
de treinamento e suporte baseados em computadores como assistentes de inspeção pelo
técnico da Prefeitura.

BIBLIOGRAFIA
ALMEIDA, C.S. e VIDAL, M.C.R. Gestão da Manutenção Predial: a tecnologia, a organização e as
pessoas. Rio de Janeiro: ed. do autor, 2001.
CARVÃO J.M. e VIDAL, M.C.R. A implantação de uma memória técnica em organizações empresariais
como recurso para uma Ação Ergonômica de sucesso. In: Anais do ABERGO 2000, Rio de Janeiro,
Brasil, 2000.
FALZON, P. Ergonomie cognitive du dialogue. Grenoble: Université de Grenoble, 1989.
JUSTEN FILHO, M. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. São Paulo: ed. Dialética,
2000.
TELLES, P.C. História da engenharia no Brasil: século XX. Rio de Janeiro: ed. Clavero, 1993.
PAVARD, B. (Toulouse: 1994) Rapport d’orientation ergonomique pour la constitution d’une memoire
technique. Tradução José Mário Carvão, 2001.
VIDAL, M.C.R. Ergonomia na empresa: útil, prática e aplicada. Rio de Janeiro: ed. evc, 2001.
VITGOSKY, L.S. (1984) A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos
superiores. Org. Michael Cole e col. Tradução José C.N., Luís S.M.B., Solange C.A. São Paulo:
Martins Fontes, 1994.

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