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Portugal – Que missão!

(Um ensaio)

Eurico Ribeiro; Março de 2008

Introdução

“O Português é um ser plural e é nessa pluralidade que ele tem que se afirmar”.
Agostinho da Silva

“Os seres não realizam em si o seu destino, mas naqueles a que sacrificam a sua
existência.”
Teixeira de Pascoaes, in Arte de Ser Português, Assírio e Alvim - 1998.

A época sombria em que vivemos tem sido


paradoxalmente um motor de esperança, em virtude do
aparecimento de muitos indícios que levam à redescoberta
do país onde nascemos, dos nossos antepassados, e das
verdadeiras potencialidades que possuímos. Como
portugueses que somos, descendentes da “ínclita geração”,
espero que sejamos merecedores ou capazes de levar por
diante a missão à qual por destino nos encontramos ligados.

Fig.1 – D. Duarte e a infanta Leonor de


Estou de acordo com todos aqueles que nos
diagnosticam de males, cujos sintomas nos acompanham já
Aragão de mão dada para a eternidade.
Panteão do Mosteiro da Batalha. há algumas décadas (para não ir mais longe...): uma certa
letargia, uma falta de esperança e aquela “vil tristeza” que
tem assolado o povo Português, sintomas que podemos constatar ao nível individual, bastando
para isso sair um pouco da rotina e tomar consciência da realidade – da nossa realidade. Esse
tempo de introspecção é necessário para observar o nosso estado de alma, para compreender o
que realmente somos e valemos ainda como povo milenar, e para constatar o desvio que já temos
dessa génese primordial: o fim do sentido de missão como povo activo da linha da frente a
simples servidores passivos medíocres dos interesses alheios à nossa história e ao nosso
propósito de ser e de estar num mundo em que demos início ao projecto de Globalização.

É importante começar por referir que este sentimento letárgico e de um certo fatalismo
endémico, não é de agora, refiro mesmo que é cíclico: a exuberância, a melancolia e o fatalismo.
Curiosamente ou talvez não, o nosso país desde a sua fundação tem apresentado ciclos de queda
que põem em causa a sua soberania como projecto-nação independente aproximadamente de 200
em 200 anos: 1383 - Crise do Interregno, 1580 – Dinastia Filipina, 1800 – Invasão Francesa e a
Guerra Peninsular e 1986 – Adesão à então CEE. Mínimos vibratórios, matematicamente
falando, durante os quais a alma portuguesa é obrigada a uma longa hibernação... emergindo
nessas alturas a “sua mística” pelos nossos utopistas, filósofos e poetas: foi assim com Bandarra,
com Luís Vaz de Camões, com o Padre António Vieira, com Fernando Pessoa, com o Agostinho
da Silva, bem como muitos outros. É nessas alturas que aparecem os soldados da pena...

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O reconhecimento da mudança de paradigma CEE-CE-EU

A Europa jaz, posta nos cotovelos:


De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando.

O cotovelo esquerdo é recuado;


O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se apoia o rosto.

Fita, com olhar esfíngico e fatal,


O Ocidente, futuro do passado.

O rosto com que fita é Portugal.

Fernando Pessoa, “O dos Castelos”, em a Mensagem, 1934.

Não podemos ocultar o facto de que a adesão à CEE, cuja


designação passou por CE e hoje é EU, tem sido uma falácia se
fizermos um exercício de memória sobre as vantagens e
expectativas de Portugal quando em 1986 assina o pacto
comunitário. A adesão ao organismo europeu além de se ter
reduzido ao paradigma económico, consubstanciado em regras
políticas conjunturais, corre o risco de se traduzir na pratica e
por essa via, no princípio do fim das soberanias Europeias,
concomitantemente a nossa (desagregada que ficou do processo de civilização lusófono que deu
início), com a ratificação do recente Tratado de Lisboa. A mudança da designação acompanhou a
alteração de paradigma dado que inicialmente de comunidade de países soberanos, passámos a
uma união onde se perfilam já os contornos de regiões e relações económicas interregionais
fronteiriças. O sistema de regiões, promovido estrategicamente pelos interesses estruturais da
UE, poderá surgir no plano territorial a partir do provável fraccionamento de alguns países pelas
suas idiossincrasias étnico-culturais latentes. As regiões desta feita irão emergir, como último
reduto, lutando na defesa de uma identidade não comunitária mas regional ou local, no sentido
da sua autodeterminação face a uma hegemonia imposta, cuja força é agora acrescida face ao
enfraquecimento das soberanias nacionais, e o distanciamento de poderes reais transferidos para
Estrasburgo em oposição a politicas e estratégias menores que vão sendo deixadas nas mãos dos
políticos nacionais como que a preencher um vazio... e a manter as aparências de que nada
mudou em essência!

A livre circulação de pessoas, no espaço comunitário, que se traduzirá na pratica na


atracção dos indivíduos mais competentes nas regiões mais desenvolvidas do ponto de vista
económico e financeiro, irá provocar a médio prazo por um lado a miscigenação dos povos no
espaço europeu com a perda total de identidade e cultura individuais e por outro o
empobrecimento regional mais acentuado ao nível do valor humano, nas regiões historicamente

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mais desfavorecidas. Veja-se a titulo de exemplo, o mercado de trabalho e a forma contratual dos
profissionais do futebol, que se tornou de decerto numa espécie de “teste piloto” para um futuro
tipo de mercado de trabalho, que se irá estender a todas as actividades profissionais, mesmo para
além das fronteiras europeias.

Assim, a polarização migratória para centros mais desenvolvidos e ricos por intermédio
dessa procura e da concentração de meios e recursos, irá provocar a vacuidade nas regiões menos
procuradas que são hoje reconhecidamente pobres, mas que ficarão ainda mais pobres, e na
dependência total dos subsídios, que virão em troca de mais empobrecimento e dependência. Irá
de certo modo acontecer uma repetição do movimento migratório dos meios rurais para as
grandes metrópoles que se deu no passado numa configuração nacional, agora ampliado à escala
regional o que irá ampliar ainda mais os aspectos negativos desse tipo de migrações. As
distorções na bolsa de mão-de-obra disponível irá aumentar os níveis de pobreza e com ela virão
os problemas de segurança e o aumento dos custos de manutenção deste sistema (energia,
segurança, meios de subsistência, etc.) que tornarão esses regiões ainda mais ineficazes à
envolvente social ou ambiental, do ponto de vista energético. Interessante será verificar que os
grandes centros de concentração e atracção humana irão provocar não só o despovoamento das
zonas desfavorecidas do ponto de vista tecnológico ou de desenvolvimento humano, como
também provocarão uma acentuada redução da população migratória, pois a falta de espaço e
parcos meios de subsistência irá condicionar gravemente a manutenção do edifício familiar bem
como a possibilidade de gerar novos elementos para a sociedade (a não ser que os governos
regionais subsidiem tal acção cuja decisão passará a ser de forma indirecta institucional e não
individual). Isto tanto se passa nas classes mais desfavorecidas como na classe média que apesar
de deter mais recursos, se habituou já a um nível de vida onde o princípio do hedonismo
perverteu completamente a noção do auto-sacrifício como fonte criadora. Ter filhos passa a ser
visto como um sério encargo que põe em causa o bem-estar dos progenitores (já que falarmos em
conjugues se torna cada vez menos necessário). Deste modo e tal como nas grandes metrópoles,
as regiões mais desenvolvidas irão ser as grandes unidades produtivas de uma Europa que terá
cada vez mais territórios com baixa densidade populacional e por consequência menor impacto
ambiental. Serão zonas obviamente procuradas pelas elites que não só buscam as suas origens
como pretendem melhor qualidade de vida, que as grandes metrópoles já não podem oferecer.
Não será também esta uma nova forma de “predação” por parte das forças centro-europeias que
para além de arrancar a posse da terra aos seus legítimos donos nacionais e regionais, os irão
acantonar em bolsas de trabalho indiferenciado numa mole humana miscigenada em regiões
desenvolvidas para tal, com o qual pretendem por um lado reduzir despesas com mão-de-obra
barata e acessível em abundância e por outro ocupar as regiões tornadas estrategicamente
subdesenvolvidas, mas num estado quase virgem e aprazível ao nível da qualidade de vida?

É urgente perceber qual a estratégia definida por Estrasburgo para os recursos naturais, que
se reflectem na política regional e que muito criticamos quando nos referimos à desertificação do
interior, ao empobrecimento das suas gentes e ao crescente empurrar de pessoas para as
principais cidades, mesmo havendo um crescente investimento das redes rodoviárias. Devemo-
nos perguntar para quem se destinam essas redes? Se não há estratégias de desenvolvimento
sustentado que leve à fixação das pessoas nas zonas onde as suas famílias vivem há várias
gerações e que por isso se vejam obrigadas a migrar por falta de oportunidade de trabalho ou
porque após terminarem os seus cursos superiores prefiram manter-se nas zonas de elevada
densidade populacional, então o desenvolvimento das vias rodoviárias e de comunicações
tornam-se paradoxais! A não ser que haja outro tipo de planos. E esses planos podem facilmente
perceber-se se juntarmos a outras políticas de desvalorização por um lado da terra e por outro à
elevada taxação directa ou indirecta da mesma (impostos e manutenção obrigatória devido ao

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perigo de incêndios), em especial quando nada ou quase nada produz, já que houve também via
Estrasburgo uma estratégia de “dumping agrícola” em que se tornou completamente ineficaz a
produção mesmo para efeitos de subsistência familiar… Deste modo se olharmos do ponto de
vista de mercado, a terra passa a ser dispendiosa para além de não produzir, o que para muitos
dos pequenos proprietários ou seus herdeiros se torna em mais um argumento de fuga para os
centros de elevada concentração populacional. Quero com isto referir que juntando todas os
indícios me leva a interpretar que estamos perante uma estratégia não só de reorganização
demográfica numa perspectiva de localizar bolsas de mão-de-obra qualificada em zonas de
desenvolvimento mais intenso, mas também da reorganização dos recursos naturais de tal forma
que muitas regiões serão propositadamente marcadas para uma desertificação demográfica que
lhes permita uma redução do impacto ambiental humano e lhes faça aumentar o valor por
procura acentuada por parte das elites europeias em estabelecer-se em zonas de maior qualidade
de vida. Como funciona a lei do mercado, naturalmente iremos perdendo o interior para
aldeamentos de turismo rural e condomínios de luxo onde os estrangeiros estarão claramente em
vantagem.

A regionalização será quanto a mim uma forma de reorganização do país que pode levar à
fixação dos chamados “filhos da terra” bem como promover o desenvolvimento local, através de
pessoas que mais dependem desses recursos, porque têm raízes profundas nesses locais,
contrariando as políticas centralizadoras e as suas estratégias menos claras. É uma forma de
obrigar a uma certa responsabilidade pessoal, na qual o poder se encontrará mais próximo do
cidadão, que através de movimentos cívicos (e não de partidos nacionais ou internacionais com
agendas centralizadoras) poderá fazer expressar as suas ideias para uma melhor gestão da sua
região. Apesar de aparentemente aumentar os custos com uma administração regional mais
pesada, penso que eles serão amortizados a curto prazo através de uma maior proximidade e
rigor administrativo desde que se promova a formação e o desenvolvimento intelectual da
população e da sua fixação. Tal como na Suíça, o federalismo num país pequeno mas com fortes
diferenças culturais não porá em causa o princípio nacional (veja-se a Madeira e os Açores),
antes pelo contrário, o irá ampliar e aprofundar, porque melhor do que qualquer outro estado irá
permitir o princípio da autodeterminação pessoal, regional reforçando a estrutura nacional, aliás
num princípio que funcionou neste país nas duas primeiras dinastias: “repúblicas regionais”
governadas por um rei que para o ser legalmente, tinha que ser aclamado pelo povo nessas
“repúblicas regionais” e pelas Cortes Gerais! Aliás um modelo copiado séculos depois pelos
ingleses com a Câmara dos Lordes e a Câmara dos Comuns…

Assim e voltando ao inicio do tema deste capitulo, no aspecto da mudança de paradigma da


CEE para a EU, é relevante por um lado a unidade do povo português continental e insular e por
outro o reforço de identidade lusófona com todos aqueles que subscreveram o pacto da CPLP, de
modo a que não só as fronteiras do berço da portugalidade se mantenham inalteráveis em todo o
processo que se venha a desenhar como se possa proceder ao desenvolvimento nacional em
articulação com os seus pares da lusofonia, em especial o Brasil. É necessário que se tomem
medidas de manutenção e fixação dos melhores indivíduos, na prestação de serviços à sua
comunidade, bem como políticas culturais baseadas na história e na missão Portuguesa agora
transferida ao plano da lusofonia, a fim de que a tradição seja de tal modo demolidora que quem
decidir ficar entre nós, terá não só que aprender o português, como ter acesso aos nossos
costumes e respeitar os nossos valores, um pouco como acontece nos países nórdicos. Essa
unidade só será possível através de líderes naturais que espelhem o símbolo despersonificado de
uma união económico-cultural com os restantes países da lusofonia, relembrando o
conhecimento prático da nossa história, adaptando-a à actualidade e projectando-a no futuro.

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É necessário ter a humildade de reconhecer que nunca Portugal necessitou tanto dos países
que criou pelo mundo, como hoje. E essa necessidade passa mesmo pela própria defesa cultural e
económica da “região berço” da lusofonia. Nesta perspectiva a Europa tem que deixar de ser
importante para Portugal, temos que saber sair debaixo da “asa dominadora”, estabelecendo-se o
oposto, em que Portugal passe a demonstrar por direito que é um parceiro com importância
muito acima da sua dimensão territorial, afirmando-se como a porta de entrada do espaço
económico lusófono na Europa ao nível económico e um motor de criatividade e de inovação.

A estreita faixa Ocidental da Península Hibérica, sempre teve a virtualidade de proteger o


desenvolvimento, a criatividade e os povos que perseguidos pelos radicalismos do interior do
Velho Continente encontravam aqui refúgio seguro. Terá isso contribuido mesmo para a nossa
fundação posterior como país? Esse fenómeno é aliás caracterizado pela conhecida expressão
atribuída a Caius Júlio César (100-44 AC): “Há nos confins da Ibéria, um povo que nem se
governa nem se deixa governar“. Essa incompreensão pela nossa forma de estar e de ser é
própria da opinião de um indivíduo do centro continental condicionado desde o berço a obedecer
numa sociedade muito hierarquizada, que não compreende o nosso carácter selectivo de receber
as ideias e os valores, nem o modo como a ordem é aqui estabelecida dentro de uma filosofia que
promove o individualismo, a participação no governo da baixa nobreza e dos mestres de ofícios,
ao contrário de uma Europa que sempre tendeu (e tenderá?) para um colectivismo mais ou menos
repressivo, autocrático (mesmo nos movimentos libertários) fortemente liderado pelos poderes
estabelecidos das classes superiores. Deste modo nós portugueses – descendentes genética e
culturalmente da “cepa Atlante” – talvés devido à nossa posição periférica, afastada dos
interesses centrais, e à nossa propensão natural e telúrica para a liberdade de pensamento, de
acção e de credos, reforçados pela protecção do indivíduo, se vê obrigado à eterna missão de ser
o portador da esperança não só para a Europa como para o Mundo, quando a sombra do
pensamento único e da hegemonica nele se abate. É neste contexto que observo a superioridade
criativa e adaptativa dos portugueses e nela contextualizo a expressão do Agostinho da Silva:

"Então não era a Europa o único continente onde os portugueses ainda não tinham
desembarcado?... se já tínhamos desembarcado em todas as outras partes do Mundo e sendo a
nossa maneira de ser a de nos misturar com os outros e se, ao longo da história o fizemos tão
bem, porque diabo iríamos agora falhar... nós, portugueses, vamos dar à Europa o que ela não
tem e lhe faz falta para abordar o Mundo, que é a vivência que temos desse Mundo que, para
nós, portugueses, não tem segredos".

Agostinho da Silva

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Quem é o Povo Português

O povo português sofre de atavismos próprios de quem já foi grande… a queda


no abismo leva à melancolia e à depressão, esse saudosismo que o Pessoa refere
como sendo do Futuro, reflexo de um passado incompleto! Este é o nosso Fado…

Contrariamente ao que é referido comummente, o povo


Português não é ingovernável nem se pode dizer que não se
pode esperar muito dele. Quando o povo português se torna
ingovernável e contrário às políticas vigentes, significa que
estas são naturalmente desajustadas ou insustentáveis,
emergindo o princípio paradigmático de auto-preservação e de
auto-regulação, subjacente a uma sabedoria ancestral gregária
que funciona como um corpo só através do seu subconsciente
colectivo, tal como um cardume de milhares de peixes que se
movimenta num todo e quase por instinto face a um qualquer
perigo externo! Seremos nós um exemplo social da Teoria do
Caos1 no que diz respeito ao aceitar de determinadas condições
– as tais leis que recusamos – nas quais introduzimos pequenas
alterações fazendo com que elas deixem de funcionar?

Há um dizer em Sintra que expressa: “Nascer em


Fig.2 – Hugo de Poyens, o ilustre Portugal ou por missão ou por castigo!” É um facto que o povo
cavaleiro Templário ajoelha-se diante Português não nasceu para seguir os outros e cumprir as suas
de São Bernardo de Claraval regras, mas para “andar à frente do mundo”, para dar “novos
mundos ao mundo” – não é um povo de terra mas um povo de mar... emocional, criativo e
dinâmico. Dêem uma missão impossível ao Português e ele é eficiente, dêem-lhe uma rotina e
ele desinteressa-se e torna-se improdutivo. Falando de produtividade, ela não pode ser um
objectivo principal para o povo português, mas secundário: falem de missão, tracem um rota e
mostrem um destino por mais impossível que seja, que o português saberá lançar mãos à obra e a
produtividade aparecerá consequentemente como por milagre! Gostaria de pedir aos governantes
e gestores para que conheçam o povo que governam ou os trabalhadores que dirigem antes de
implantarem as técnicas e métodos desenvolvidos noutros quadrantes pelos gurus da moda, que
são efémeros, que se têm mostrado ser comprovadamente ineficazes quando aplicados a um povo
sobranceiro e milenar como o nosso! E não é com repressão ou pela força ou ainda pela
intimidação que se tira o melhor de cada um – medidas aliás que têm conduzido sempre no limite
a convulsões revolucionárias, como que se de um tumor maligno o povo se quisesse ver livre.
Tira-se partido desta gente conhecendo e potenciando tão-somente a corda sensível que a
projecta e a transcende: a sua ambição pelo impossível! Tal foi a visão estratégica de São
Bernardo de Claraval, levada a cabo principalmente pela Ordem do Templo / Cristo na primeira
dinastia e Ordem de Avis na segunda. Estas foram as únicas potências estratégicas visíveis que
souberam como mais nenhuma até hoje, levar o povo Português às suas reais potencialidades:
criação de um vasto império territorial, cultural e emocional e de nações com uma dimensão
incomparável do ponto de vista de um exíguo rectângulo na orla ocidental da Península Ibérica.

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Teoria do caos, para a física e a matemática, é a teoria que explica o funcionamento de sistemas complexos e
dinâmicos. Em sistemas dinâmicos complexos, determinados resultados podem ser "instáveis" no que diz respeito à
evolução temporal em função dos seus parâmetros e variáveis. Isso significa que certos resultados determinados são
causados pela acção e a interacção de um vasto número de elementos de forma quase aleatória.

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Certo é ainda que o português gosta de conhecer as novidades porque se posicionam numa
perspectiva de descoberta, porque é um povo aberto para o mundo: é descendente do fenício,
filho da original casta Lusitana, mas também do celta, é constituído pelo árabe, pelo judeu e pelo
cristão! Na sua globalização, cruzou-se com o africano, com o índio americano, com os asiáticos
e com os indianos. Criou ou ajudou a criar países com idiossincrasias muito próprias e de certo
modo ligadas à nossa causa que é deles também. A nossa Globalização, o Port+Graal emergiu de
pequenas colónias ou feitorias para províncias ultramarinas espalhadas por todo o mundo. O que
se conclui que a filosofia era tornar Portugal não numa metrópole contida no pequeno rectângulo
original com colónias subjugadas de povos inferiores, mas “dilatar a Fé, o Império, e as terras
viciosas”, tornando Portugal todo e uno em qualquer lugar por onde se estabelecesse o gene
português.

Deste modo ele é aberto às novidades, expansivo e tolerante mas odeia ser obrigado a viver
pelas regras dos outros, porque criou a sua própria Paideia triplamente transmitida pela terra
onde nasce, pelos genes dos seus antepassados e pela oralidade dos poetas. O português tem
tanto de Vasco da Gama, quanto de D. Henrique quanto de Velho do Restelo. E todos são úteis:
o aventureiro que quer dar novos mundos ao mundo, o sonhador e estratega que concebe e
planeia, e o ponderado que embora refractário e reactivo o faz por defesa da sua terra natal face
aos perigos do caminho. No entanto sendo constituídos conceptualmente pelos três, tornamo-nos
seres inquietos, pelo paradoxo de que somos reflexo.

O português sendo aventureiro e missionário, não pode ser materialista no seu íntimo,
porque o risco de uma epopeia ou missão, implica a espiritualidade, o desapego completo, para
além do limite da sua própria vida! O espírito de desapego do português é tal que nas épocas de
governação estrangeirada, desconhecendo a sua ancestral missão ligada à do país onde nasceu,
subestimando a sua “raça”, o leva a raiar a traição, tal se encontra motivado a ser um cidadão do
mundo. Desse mal padecem as classes governativas e intelectuais infectadas pelo jacobinismo e
positivismo da revolução francesa de 1800 cuja continuidade atravessou dois séculos até ao
europeísmo actual com as filosofias neoliberais e niilistas, de cariz desagregador da nossa
paideia que se encontra alinhada com as Leis Naturais.

Do “ser português original” excluo obviamente o indivíduo mesquinho e de visão curta de


que muitos se tornaram, o que se alimenta da corrupção, porque parasitas os há em todos os
quadrantes e latitudes e não respeitam nenhuma terra que pisam. Excluo o novo-rico com as suas
manias e preconceitos que o manterá para sempre tão pobre e desligado interiormente como
nasceu: tem vergonha da sua condição, projectando a sua inferioridade no povo de que faz parte,
mas que não lhe reconhece pertença. Refiro-me sim aqui ao português de alma e coração: desde
o inovador cosmopolita mas conhecedor da sua missão, ao português profundo enraizado na terra
dos seus antepassados, o indivíduo estreitamente ligado à terra, ao ser autêntico, granítico, rude
de mãos e caras fendidas temperado pelo sofrimento, pelas alegrias e pelos elementos, mas com
um conhecimento empírico tal, que muitas vezes mancha o manto sobranceiro do académico.

O Português é um Homem livre, preparado para a incógnita, para o desconhecido que o


empolga, que o agiganta e que em suma o liberta, não para a rotina, para o conhecido, para as
regras dos outros que o aprisionam, o asfixiam e o condenam a uma morte lenta… A sua reacção
no presente é claramente de renúncia às regras impostas, ao sentimento de saudosismo, na
esperança de ver renascida das cinzas, projectada no futuro a missão vanguardista de quinhentos
que foi somente sua.

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O Português genuíno é o povo que primeiro se dispõe a abandonar a Caverna de Platão e as
suas sombras materiais sedutoras...

Como se caiu do Heroísmo na mediocridade?

Que sintomas podemos detectar?

A Queda do Português da sua idade de Ouro de nação que esteve na vanguarda da


Globalização, que deu Novos Mundos ao Mundo, na actual passividade e subserviência atroz,
leva-nos muitas vezes a questionar a veracidade da nossa história e a observar o fosso que nos
separa dos outros povos ditos avançados. Estarão os outros povos mesmo mais avançados do que
nós, ou será que somos condicionados por uma direcção materialista de mundo monocromático,
liderado pelos povos conquistadores do norte da Europa, cuja ascensão teve início na indústria
do ferro e do carvão do século XIX? Os povos do ferro e do fogo!
Esse condicionamento de inferioridade atávica, que teve início nessa mudança de
percepção sobre o mundo moderno, levou-nos desde então a mendigar-lhes vergonhosamente,
fórmulas e recursos que o seu desenvolvimento material e económico tornou possível (à custa do
anterior desenvolvimento dos povos do sul e dos recursos de além mar), ou seja pensamento
intelectual – político e filosófico – meios técnicos e subsídios, que nos pudessem tirar desta
letargia, desta “triste sina” em que nos vemos arrastar dia-a-dia. O problema é que tal como o
enfermo, as fórmulas e os recursos estrangeiros que nos chegam verificaram-se meros paliativos
que ao invés de tratar a nossa sociedade só aprofundam ainda mais o mal instalado porque
mascaram os sintomas, mas não eliminam a doença!
Deste modo tal como o médico perante o seu paciente, temos que saber identificar, tanto
quanto possível, mais do que as causas mas pelos sintomas apresentados, quais são as fraquezas
e as debilidades estruturais que levaram à queda do Português como homem de vanguarda e
fazedor de coisas impossíveis num moribundo que já não vive mas sobrevive pelo motivo de
dizer mal de tudo e todos, projectando sem saber em tudo e todos a sua pior face e toda a sua
nudez.

"Creio que uma das atitudes fundamentais do ser humano deve ser a de reconhecer em si,
numa falta de compreensão ou numa falta de acção, a origem das deficiências que nota no
ambiente em que vive; só começamos, na verdade, a melhorar quando deixamos de nos queixar
dos outros para nos queixarmos de nós, quando nos resolvemos a fornecer nós mesmos ao
mundo o que nos parece faltar-lhe; numa palavra, quando passamos de uma atitude de
pessimista censura a uma atitude de criação optimista, optimista não quanto ao estado presente,
mas quanto aos resultados futuros. O mesmo terá já dado um grande passo para impedir os
ataques, quando aceitar que só puderam existir porque a sua acção não foi o que deveria ter
sido; quando se lembrar ainda de que toda a sua coragem se não deve empregar a combater,
mas a construir."
Agostinho da Silva, em “Textos e Ensaios Filosóficos”

Por outro lado e antes de mais, torna-se necessário desmistificar os sintomas que para uns
são vistos por pecados ou pecadilhos e para outros por erros ou debilidades. É por demais
evidente que o excesso de uma virtude conduz ao seu oposto, ao vício! Deste modo parto do
princípio de que todas as acções, todas as teorias, todas as obras de pessoas de boa vontade, que
alicerçam o seu querer naquilo que se caracteriza subjectivamente por amor incondicional,
conduzem naturalmente a virtudes e são factores construtivos que levam à evolução. O abuso
que se dá à aplicação de tais acções, teorias e obras que naturalmente é levado a cabo

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“condicionalmente” pelos seus discípulos mais autocentrados é que irá conduzir inexoravelmente
a resultados destrutivos.
Muitos exemplos mais, poderia referir aqui. Mas deixo apenas dois, mais ilustrativos deste
fenómeno, um do campo religioso e outro do político: a mensagem que Jesus o Cristo legou à
Humanidade e a aplicação que muitos dela fizeram institucionalmente ou individualmente e que
a corromperam consciente ou inconsciente pela busca de poder e domínio sobre os outros; o
pensamento de Karl Marx e a sua corrupção que gerou na sua implementação duas das piores
configurações de autocracias (a nacional socialista e a soviética), que escraviza o indivíduo,
despojando-o de tudo, desde os seus valores mais interiores como o direito à sua espiritualidade
como aos mais externos como o direito à conservação da propriedade privada que começa desde
o seu corpo até ao chão que pisa. Como seria o seu espanto (ou talvez não) se hoje cá estivessem
para observar o desvio que sofreram as suas doutrinas…

Como a envolvente é demasiado complexa, qualquer medida ou descoberta que se


alcandore no orgulho e glória vãos das capacidades humanas, quer sejam ao nível das ideias ou
da tecnologia, começam desde logo a traçar irremediavelmente o seu fracasso. É a repetição do
voo do Ícaro! Mas quando o Homem se prepara para ser o agente material de uma mudança cuja
acção e timing não lhe pertence mas apenas às Leis Naturais ou Divinas que tudo regem – a
verdadeira “Mão Invisível” ou melhor Indizível e superior a si mesmo – e o faz de forma
humilde e pelo amor do bem-fazer, então a Humanidade dá mais um passo na sua evolução. É o
amor do bem-fazer e não o mero lucro financeiro, a “energia que anula o esforço” e que contraria
as leis da entropia! É comummente aceite que voltar a colocar todas as coisas no seu lugar num
compartimento desarrumado obriga a um esforço incomensuravelmente maior do que a sua
natural desarrumação. Se olharmos para o ganho económico, poucas vezes é rentável tal esforço,
mas se o fizermos pela forma mais irracional e subjectiva do prazer e não pela força coerciva
(que despende igualmente imensa energia), aproximando-nos da tal concepção do “prazer
incondicional do bem”, então o compartimento é arrumado não só num espaço de tempo inferior
ao esperado como praticamente sem o esforço inicialmente previsto pelas nossas simulações
mentais!

Voltando ao povo português, importa saber para além das suas virtudes, um pouco já
referidas em capítulos anteriores, os seus vícios, que são o abuso das primeiras, ou o seu mau uso
face às condições envolventes. Teixeira de Pascoaes soube como poucos identificar os vícios dos
portugueses, pelo menos os principais que nos caracterizam como povo pelo nosso lado negativo
e que nos condicionam a evolução. Sintomas de um mal que nos persegue há séculos, um mal já
quase crónico. Ao todo, ele enumera seis sintomas muito característicos, quais pecados mortais,
que nos acorrentam como as grilhetas do condenado: a falta de persistência, a misantropia, a
inveja, a vaidade e a intolerância (é verdade a intolerância)!

Quanto à falta de persistência mais uma vez se caracteriza a incapacidade do português


para a rotina, para a automação da sua forma de vida, para as asfixiantes regras que coordenam
todos os segundos da vida seja ela privada, profissional ou social. Tudo isto conduz à avaliação
de incompetente e preguiçoso com que muitas vezes somo rotulados. A pior coisa que podem
fazer ao português tal como o índio americano é enclausurá-lo na prisão da rotina e das regras
rígidas: é condená-lo à morte lenta. Agora não o podem acusar de falta de persistência para
derrotar o impossível, personificado no nosso mito de que ir para além do “Adamastor é ir para
além da dor”! E é sobre a primeira causa que Teixeira sublinha, a meu ver a nossa falta de
persistência, a da rotina:

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“Podemos dizer que o génio de aventura é uma virtude deste defeito. A aventura não tem
continuidade na sua acção. Opera por impulsos que nem sempre se coordenam para um
determinado fim. E por isso, a obra empreendida, muitas vezes, morre no seu início.
Quando uma virtude ou qualidade enfraquece, logo o seu defeito originário ganha nítido
relevo. E assim o génio de aventura, decaindo, transformou-se na mais completa falta de
persistência. Ela aparece em todas as manifestações da nossa actividade, a cada passo
interrompida ou abortada, o que a torna tristemente caricatural.
Ei-la passeando o seu desânimo, pelas estradas que pararam, mortas de cansaço, a dois
quilómetros do ponto de partida. E vive num belo edifício público sem telhado... Sozinha? Não:
com a sua bem amada companheira, a vil tristeza, apesar de ser tão velha que já Luís de
Camões a conheceu...”

Para esbater a nossa falta de persistência torna-se necessária uma liderança forte que
coloque nas mais pequenas coisas, metas e objectivos grandiosos, mesmo utópicos ou
impossíveis. É necessário dar a perceber que mais ninguém é tão capaz como nós de
desempenhar uma determinada tarefa, seja ela um simples acto operativo ou a uma acção do
mais elevado teor estratégico, tecnológico ou criativo.
É essa uma forma de anular o desânimo pelo estado decadente em que se encontra e da
incapacidade aparente de inverter o rumo dos acontecimentos. Falta-nos energia anímica para
voltarmos “a mover montanhas”. Este sintoma alimenta o estado depressivo e saudosista do
indivíduo português, continuamente a viver das miragens do passado, eternamente à espera de
um D. Sebastião, que vem de fora... Um argumento para o nosso aparente fracasso. Falta-nos
liderança e projecto, e quanto mais audacioso melhor, porque leva ao rubro a ambição desmedida
do português e ocupa-o com a problemática de contornar o seu próprio Cabo das Tormentas, o
impossível que o fascina. Continua assim Teixeira:

“Também se pode dizer que a saudade é a virtude deste defeito.


A vil tristeza, a tristeza má sem alma e corpo, é a saudade cadavérica, dentro de um
caixão.
Que tragédia, a terrível ausência da nossa alma! O sonâmbulo automatismo em que
vagueia a nossa Pátria sem destino, tão aleijada e apagada de feições que é difícil reconhecê-la!
Será ela? Não será?
O incolor, o insípido, o inodoro, esfumam em nódoa pálida e fria, seu vulto mortuário,
errando ao sabor daqueles que exploram a sua morte...
A saudade, no mais alto sentido, significa a divina tendência do português para Deus; na
sua expressão decadente, patológica, representa a tendência do português para o fantasma...”

O outro estado patológico que não constrói, ou quando muito o faz de forma condicionada
e por despeito é a inveja. A elevada capacidade atávica do português aprisionada no seu canteiro
rectangular torna-se uma ameaça aos que se acotovelam neste espaço exíguo numa tentativa de
afirmação. Os que têm o “azar” de subir mais alto tornam-se alvo de um ataque cerrado desse
sentimento, sentimento este que é letal quer para quem sobe demais ou rapidamente, quer para o
próprio país, porque vê as suas melhores capacidades a serem castradas à nascença ou destruídas
numa autofagia quase que orgíaca! Um D. Sebastião em potência é abatido antes de o ser de
facto! A solução é a exportação de valor excedentário para canteiros estrangeiros a fim de que
possam crescer e dar frutos onde há escassez de valor. Mas continua Teixeira sobre a inveja:

“O sentimento de independência, o poder de individualidade, é também a virtude deste


defeito.

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A vil tristeza apagou-nos o carácter, o dom de ser. Somos fantasmas querendo iludir a sua
oca e triste condição. Por isso, o valor alheio nos tortura, revelando, com mais clareza, a nossa
própria nulidade.
A inveja é ainda uma reacção do indivíduo contra a morte; e a calúnia é a sua arma...
Imaginamos, embora erradamente, que a falta de seres vivos, em volta de nós, dá ao nosso
ser presença viva.
A Inveja! Nós vemo-la, nas trevas, farejar: é um esqueleto de hiena visionando um
cemitério...
Eis a inveja da vil tristeza, a inveja decadente, amortecida, afinal, no seu vigor de outrora.
Ela teve também a sua época. Encontrou a sua encarnação heróica em João das Regras. Nesse
tempo vivia e era alguém. Mostrava as garras que se cravaram no próprio escudo de Nuno
Álvares. E, orgulhosa dessa empresa, ladrou furibunda aos calcanhares de Camões e de
Bocage.”

O orgulho é outro mal que nos impede, quer a saída do estado decadente, quer alcançar os
limites das suas potencialidades. É como se não fosse necessário qualquer esforço porque se
julga ainda no pedestal. O primeiro passo para a mudança compreende o autoconhecimento de si
mesmo, para isso é necessário a humildade de se tentar conhecer (os seus pontos fortes e fracos),
sem qualquer ponta de complexos, mas não a cedência humilhante da sua automática
inferioridade face às novidades estrangeiras à sua forma de ser e de estar nem a cegueira com
que muitos padecem de ficarem a olhar para o passado. Nós temos que saber aumentar a auto-
estima percebendo qual a nossa função como células de um corpo que é universal – a
Humanidade – que não é gigante que mas se agiganta quando o mundo dele precisa. Continua
Teixeira:

“É outro defeito muito vulgar num Povo que foi grande e decaiu. Inferior e pobre,
considera-se ainda possuidor dos bens arruinados. Continua a viver, em sonho, o poderio
perdido. Mas, como toda a vida fantástica pressente o próprio nada que a forma, torna-se, por
isso mesmo, de uma susceptibilidade infinita, sangrando dolorosamente, ao contacto de
qualquer coisa de real que, junto dela, se ponha em contraste revelador da sua ilusória
aparência.
O português é um herdeiro esbulhado dos seus bens materiais e espirituais. Mas vão dizer-
lhe que é pobre! Suprema ofensa! Não ignora a sua pobreza, porque é vaidoso, mas quer que os
outros a ignorem; e serve-se para isso, de todos os meios que iludem, criando o seu drama em
que é autor e actor. E engendra mil preconceitos, fórmulas, propícios à atmosfera de ilusão em
que pretende viver acompanhado... E assim, o arrastar de uma espada já imprime heroicidade,
dois termos de tecnologia científica embutidos na prosa amorfa de jornal já fazem o sábio, como
duas rimas banais fazem o poeta, e um correio a cavalo uma entidade superior do Estado.
Elevamos quimericamente as pequenas coisas de hoje à grande altura das antigas.
Fingimos a grandeza e o mérito perdidos. Representamos, enfim, o nosso Drama de sombras,
que dá um pouco a vida humana depois da Queda...”

Para quem sempre se achou tolerante para com os outros povos – até mais do que qualquer
outro povo do eurocentrismo – parece um pouco estranho ver-nos diagnosticado tal enfermidade!
A intolerância aqui tem a ver com a defesa dos nossos valores, princípio e interesses, algo que
pode anquilosar todo o projecto da lusofonia se não olharmos com atenção para este ponto. Até
porque a dispersão do mapa lusófono é incompatível com lideranças autocentradas. As
autocracias que passaram pelo comando de Portugal e de outros países de expressão portuguesa,
onde os nossos genes estão presentes com mais força, ficaram-se a dever à visão míope que
alguns desses líderes tiveram, talvez como forma de defesa face ao tal paradigmático canteiro

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exíguo onde o mal da inveja existe. Mesmo em países grandes como o Brasil, o canteiro de
interesses existe sempre e é sempre exíguo para um número sempre elevado de candidatos! Se
quiser prosperar entre nós, o líder acha que não só tem que mostrar capacidade, mas também
força, em especial num povo em que cada indivíduo é um chefe e um líder em potência – pelo
menos assim se considera. Mas há excepções quer nas pessoas, quer na forma de ser e de estar,
que o diga Agostinho da Silva… Mas sobre a intolerância Teixeira refere que:

“Este defeito é uma forma da vaidade susceptível que se alimenta da sua quimera
dolorosa. Quem duvida do próprio valor não pode suportar a dúvida alheia que lhe diz, em voz
alta e clara, o que ele mal se atreve a murmurar.
Mas a intolerância tem outra origem mais positiva; é ainda um processo de defendermos
os nossos interesses.
Se é uma utilidade para mim a seita (política, religiosa, etc.) a que eu pertenço, os
princípios que esta segue, compete-me torná-los dogmáticos, absolutos, indiscutíveis. Sim...
porque discutir uma ideia é pô-la em conflito com a verdade.
O Deus dos padres e a Liberdade dos políticos, para eles, são coisas indiscutíveis – quero
dizer, essenciais à existência das suas igrejas sagradas e profanas.
Uns prometem a Liberdade, os outros prometem Deus; e, suspensa de tal promessa,
conseguem ter obediente aos seus desígnios a eterna criança ludibriada – o Povo.
A intolerância defende os interesses de uma seita e imprime à criatura o mais odioso
fácies!
É a alma negra da anarquia.”

Por último nesta simplificação de sintomas principais temos o espírito de imitação. Esse é
de longe o mais avançado dos sintomas de degenerescência de um organismo – funcionar por
instinto do mimetismo. A imitação é um estímulo que é induzido pelo instinto de sobrevivência.
O corpo já não tem capacidade de pensar, já não toma consciência de quem é ou de quem foi e
muito menos de quem será. Vive porque os outros vivem. Segue os outros sem os questionar,
naquilo que é mais visível ou mediático, para o bem ou para o mal que já não sabe distinguir. Daí
que se diz entre nós que só sabemos copiar o que de errado os outros já se livraram. Lemos
Voltaire, Descartes, Proudhon, Marx entre muitos outros, para os recitarmos de cor (para darmos
asas ao nosso orgulho interno atávico através de lógicas por vezes virtuais porque muito parciais)
sem que tenhamos elaborado nenhuma análise crítica prévia; convencidos que estamos à partida
da nossa inferioridade e incapacidade. Para o imitador o objecto da sua imitação é como que um
deus na terra, logo impossível de o pôr em causa a penas de uma excomunhão por parte da
“comunidade de clones” a que pertence. Copiamos e aplicamos indiferenciadamente as melhores
e as piores teorias nos campos da economia, da sociologia, da educação e da ciência de forma
imitativa e sem qualquer análise critica ou adaptação às nossas realidades, mas tentamos ser
como agora os primeiros a fazer os trabalhos de casa tal como o aluno bem comportado!
Este espírito só pode ser contrariado pela alteração da nossa auto-estima, pela anulação do
sintoma do vaidosismo que importa dos outros toda a espécie de inutilidades só para acalmar o
seu complexo de inferioridade. O cidadão lusófono, independentemente do país em que se
encontre é melhor do que isso, desde que o descubra e desde que tenha terra fértil onde germinar.
Sobre a imitação Teixeira diz:

“Quando o carácter adoece e se dilui, é natural que o espírito de iniciativa dê lugar ao


imitativo ou simiesco. A degenerescência inferior apaga os valores adquiridos que se
conservam, em nós, como que num estado de perpétuo esforço. Sempre que o homem hesita na
sua humanidade, aparece o macaco. Este persegue-nos constantemente, vigiando-nos, e
aproveitando o primeiro descuido da nossa pessoa, para se lhe substituir.

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Mommsen dizia que a Alemanha, nos seus períodos decadentes, imitava a medíocre
civilização francesa. Este grande historiador também era um pan-germanista feroz, tinha a
assanhada carne de alemão, o que o fez patrioticamente falsear a verdade, quando estudou a
civilização dos celtas.
Mas é certo que a decadência de um Povo lhe destrói a faculdade inventiva e iniciadora.
Estes defeitos, que felizmente não atingem todas as classes sociais, representam, afinal, a
queda do espírito de sacrifício, a quebra da relação entre o indivíduo e o seu destino de chefe de
família e patriota.”

Mas isso não responde à questão inicial da nossa queda do heroísmo na mediocridade! São
tudo consequências desta, a inércia de um movimento de ascensão que ainda não se deu conta da
sua inversão!
Independentemente das razões históricas que levaram à nossa queda como nação de
vanguarda que fomos, que podem passar desde a exaustão de valor humano interno que se
espalhou e se sacrificou para edificar o primeiro acto de Globalização, às reacções aos erros
cometidos ou que fomos levados a cometer, ao ataque de que fomos alvo pelas nações
conquistadoras do norte da Europa às riquezas por nós descobertas ou ainda à mudança
ideológica e prática do sentido de modernidade que se deu com a revolução industrial pelas
nações ricas em hulha, ferro e mais tarde petróleo que condicionaram o mundo à ideologia
monocromática actual do domínio monopolista da economia de mercado; importa antes de mais
transmutar os sintomas observados em virtudes. Se os vícios, como vimos, são perversões das
virtudes, importa realinhar a nossa actuação com a actualidade e com a envolvente, tal como o
guitarrista faz quando afina as cordas do seu instrumento.
Um corpo saudável tem capacidade regenerativa desde que seja potenciado para isso. Tal
como o médico, os líderes do espaço lusófono terão apenas que reequilibrar os sintomas
eliminando os excessos, adaptando as nossas virtudes aos desafios que se avizinham.
A terapêutica pode passar por uma nova demanda! Portugal como se já referiu eclipsou-se
e não será mais líder material, mas pode com a ajuda dos seus “filhos”, as nações fortes e cheias
de vigor como o Brasil e Angola, reinventar os Descobrimentos com naus que já não serão feitas
da madeira nem dos panos e cordame deste mundo, porque os mares nunca antes navegados se
encontram para além do mundo sensível, para além da imaginação, no mundo da criatividade e
da fraternidade.

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É a hora! Valete, Frates
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer –
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer,


Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a hora!
Valete, Frates

Fernando Pessoa, “Nevoeiro”, em a Mensagem, 1934.

Mais importante do que empunhar a espada é a preparação necessária para a empunhar


devidamente, quando a hora soar! O trabalho que cada um de nós deverá fazer é interior e duplo:
conhecer-se a si mesmo e saber transmutar os seus vícios em virtudes, afinando a sua “corda
sensível” com a frequência do “Monocórdio da Lex Natura” – a Harmonia dos Opostos –
imaginando-se em cada momento a responder ao chamamento. Em cada instante sem o saber
estará a viver A Mudança: a sua mudança que conduzirá à transmutação do mundo e à
aproximação da Hora!

Como se diz na sabedoria popular, o “Homem põe e Deus dispõe”, o que significa entre
muitas coisas que o melhor que o Homem pode fazer é preparar-se para o princípio de se tornar
útil ao cumprimento das Leis Naturais. Como disse o Mestre da Galileia, o importante é
“prepararmos as veredas daquele que está para vir” e estar “vigilante”. A Mensagem existe à
mais de 2000 anos e ainda poucos são aqueles que verdadeiramente se deram conta dela! O toque
de rebate não nos pertence a nós dar, senão arriscamo-nos a conduzir o mundo a mais uma
opressão liderada por mais um Lúcifer convencido que domina a Luz que lhe ilumina o caminho.
Ao invés de cumprir os desígnios superiores à sua condição, sobrepõe a sua vontade particular
aos outros, passando-a como sendo Divina, independente do carácter gnóstico ou agnóstico com
que a justifica. Este foi o caminho que levou as civilizações aos seus piores momentos, em nome
de um deus menor que se tornou afinal bem conhecido pela sua perversidade… A Lusofonia
sendo descendente do radical etimológico Luz, torna-se por isso num caminho, numa via e não
uma doutrina com direitos deste ou daquele autor. Os seus promotores não deverão liderar nunca
pela palavra, mas pela acção, pelo exemplo que não se resume a em si mesmo, mas pela atitude
natural do indivíduo alinhado, já que o foco deverá ser Superior – Sobre-Humano. Essa liderança

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deverá ser tão elevada e tão sublime como só o consegue a mais pura das crianças… com tudo
aquilo que se atribui à condição de criança!

No capítulo anterior caracterizaram-se os sintomas degenerativos de um tecido composto


por todos os herdeiros da lusofonia ou da lusofilia ou da lusofia. Esses sintomas estão presentes
de forma mais intensa em todos os momentos de queda nacional, como se verificou no início, de
cerca de 200 em 200 anos no caso português. Naturalmente, estamos a sair de um mínimo
vibratório que ocorreu em meados da década de oitenta do século passado. Deste modo quem
vive a seguir a esse mínimo tem que perceber que terá uma árdua missão pela frente a cumprir,
que é a de ajudar ao levantamento do novo ciclo, mesmo havendo a possibilidade de nunca
chegar a ver os resultados desse trabalho, já que esses são visíveis quase que por inércia a seguir
ao ponto máximo e muito próximo do final desse ciclo. No entanto se estou hoje a escrever estas
linhas em português, é porque o sacrifício dos meus antepassados o tornou possível. É com esse
sentido de dever que teremos que saber cumprir do mesmo modo esse devir. E este devir é muito
superior ao exíguo e talvés ultrapassado conceito de nação como organismo orgulhosamente
isolado, conceito que foi enterrado no século passado. Tal como o indivíduo, a nação é um ser
colectivo e aberto a todos, que tem que saber cooperar quer com os seus irmãos de sangue quer
com todos os outros desde que o sejam de bem.
É natural que após o atravessar de um ciclo de queda se observem ainda muito vincados os
principais sintomas de uma doença endémica social que pode gerar pandemias ao nível das
outras nações lusófonas que carregam os mesmos genes, ou uma forte influência de 500 anos!
Assim a falta de persistência, a misantropia, a inveja, a vaidade e a intolerância como vimos
terão que ser extirpados, ou melhor transmutados, já que o vazio é o caminho mais curto para o
abismo. A transmutação é um acto de purificação ou recentramento ou realinhamento que, de
dentro para fora, substitui um vício pela sua correspondente virtude, ajustando os seus pontos
fortes em adaptação aos novos tempos. Não é mais do que saber usar de uma característica na
medida e no tempo certo, sem a perverter nem distorcer a noção de envolvente por acção de um
desalinhamento interior inconsciente ou pior do que isso consciente!
Deste modo o trabalho a realizar, longe de ser coercivo e autocrático no seu processo,
deverá ser conduzido por lideranças descentralizadas que estimulem para a necessidade,
respeitando sempre o eu individual. O ritmo depende de cada um, dado que a regra é a da
dissemelhança e o nível completamente desigual. O estímulo tem que passar por ser um
objectivo impossível como se referiu e por lideranças fortes no cumprimento das metas e dos
resultados, lembro-me da célebre personagem histórica que teve estas características – Afonso de
Albuquerque, o Homem que se estabeleceu o domínio Português no Oriente, conquistou Ormuz,
se preparava para “mudar o curso do rio Nilo” e “chegar a Meca pelo Golfo Pérsico” quando a
morte finalmente o derrotou, bem como em curto espaço de tempo ao seu Rei D. Manuel!

Lusofonia ou Lusofilia?

Por vezes o conceito pode condicionar todo um plano mental e com isso limitar processos
cognitivos essenciais a uma mudança que leve na realidade à construção de um caminho sólido
onde aspectos de uma Utopia podem ser materializados. A palavra Lusofonia em minha opinião,
não só peca por escassa, como também exclui luso-descendentes não falantes da língua, mas que
ainda o são por comportamento e por afinidades familiares.
Mais do que aspectos culturais a Luso... (eu prefiro à falta de melhor começar a usar a
Lusofilia nos meus rabiscos) tem a ver com a forma de ser e de estar no mundo e na interacção
com os outros. É certo que o Brasil terá a sua forma cultural por vezes até um pouco distante da
nossa como é óbvio terão ainda mais os nossos irmãos africanos, fruto da mistura das culturas

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étnicas locais com 500 anos de influência lusa. Agora o que é totalmente diferente é eu, ou
melhor nós (porque sou português) os tratarmos por irmãos, coisa que nenhum povo ou potência
colonizadora (mesmo hoje os EUA) o fez até agora!
É esta "estranha forma de vida" a nossa, que caracterizo também por Lusofilia, que é uma
pertença a um ideal de LUZ que simbolicamente toma a imagem da Verdade, do conhecimento
aplicado ou Sabedoria e consequentemente da aceitação plena no outro; não daquela tolerância
mesquinha e forçada (uma certa comiseração pelos povos ou indivíduos considerados inferiores,
que não deixam por isso de o ser na nossa estrutura mental) mas da plena aceitação do outro por
mais dissemelhante que seja, ou na nossa percepção menos desenvolvido que nós, porque os
analisamos somente nos aspectos que damos mais valor comparando aquilo que não é
comparável. Deste modo fechamo-nos à possibilidade de aprender coisas novas e diferentes, em
suma aquilo que o outro tem de melhor para nos dar e que nesse espaço nos é claramente
superior. Essa capacidade tão nossa de nos aproximarmos de quem quer que seja é também na
minha interpretação a Lusofilia, já que o outro é como que obrigado pela nossa atitude de
paridade a vir ao nosso encontro e não a armar-se para nos combater no terreno dele... Há deste
modo e acima de tudo uma hospitalidade mental ou intelectual para além da material!
Por esse motivo é que a Lusofilia não pode ser particularizada num partido (político)
porque é naturalmente inteira e indivisível. Não deverá ficar restrita ao espaço geográfico dos
Descobrimentos, porque estes ainda não acabaram, pelo menos na essência, como diria o
Agostinho da Silva, falta-nos descobrir a Europa e semear nela estes valores...
Agora e a meu ver a Lusofilia ou porque não a Lusophilia não pode ser materializada
totalmente porque rapidamente se extinguiria num ideal finito e numa aplicação impossível. Tal
como o “fogo que arde sem se ver”, a Lusofilia deverá ser materializada aos poucos, através de
ideais e de acções práticas (a CPLP pode e deve ter acções reais, pode criar grupos de influência
ou estimular movimentos cívicos) sem nunca se materializar totalmente. Deve portanto continuar
a ser a Grande Utopia, em suma o farol nas noites tempestuosas que a Humanidade irá ter que
passar.

Independentemente dos acontecimentos ou das provas realmente difíceis por que tem que
passar, o desânimo não nos pode habitar nunca! Nós cumprimos o desígnio do resiliente
construtor que vai colocando pedra sobre pedra para fazer a parede de uma construção. Mesmo
que haja tremores de terra, ou arruaceiros a atirar as pedras abaixo e a atacar o nosso construtor,
ou poderes a proibir a erecção dessa construção, ou uma multidão a zombar pela forma rude da
obra; o nosso construtor a nada liga e volta mesmo do zero e as vezes que sejam necessárias a
reconstruir, ou melhor a construir como se fosse sempre a primeira vez tal como se de uma
mandala se tratasse! Um dia alguém verá a injustiça cometida sobre o nosso construtor que se
mantém na sua incansável missão de construção e de vida, e outras mais se juntarão. Nesse dia
todas elas se fartarão dos "galifões", dos arruaceiros e dos poderes de um sistema que já não mais
representa a vontade da Humanidade. Nesse dia se revoltarão contra eles e juntos com o nosso
inicial construtor irão erguer não só aquela parede, mas toda a construção que será num ápice
erigida.
No entanto e voltando ao início deste capítulo, mais importante que essa parede ou a
construção em si (que nunca será acabada verdadeiramente) terá sido e será a emoção e a
comoção, em suma o verdadeiro sentimento que levou e levará toda aquela gente a esse feito. Os
sentimentos assim reunidos manifestarão assim a vinda do mítico Paracleto!
Este é o paradigma do Amor Incondicional, a utopia que é motor da Vida e sem ela então
não haverá esperança.

Dadas as minhas inúmeras limitações, descobri (e é geralmente à custa de sofrimento


pessoal como manifestei no início deste ensaio) que não interessa muito o que se faz mas os

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sentimentos mais interiores, que se coloca em tudo aquilo que fazemos! O juízo mais importante
sobre as nossas acções não será nunca externo mas ao nível da nossa consciência individual,
simbolizado superiormente na tradição do Antigo Egipto pela balança do Julgamento da Alma.
Numa das muitas interpretações possíveis, a pena de Maat – da justiça – é em nós a consciência
que advém do Todo e o coração o órgão que representa e que se encontra na zona da fonte desse
sentimento indescritível (porque superior) por debaixo do Plexos Solar se falarmos em termos da
tradição oriental. O equilíbrio dos dois pratos indica não só a leveza da consciência mas a
percepção de que tudo o que fizemos foi dentro da equidade de acordo com as Leis Naturais ou
Divinas. O que materializámos de pouco interessa na sua resultante final, dado que poderá ser
tanto pervertido por quem tem essa missão (interesses pessoais ou egotistas – a via de Lúcifer,
trevas, Set, Kali, etc.) como aproveitado por aqueles que têm o mesmo estado de alma ou a
vontade inata e verdadeira de crescimento e da construção (a via da Luz).

Vejo assim a Lusofilia como um movimento lento e incansável de colocar pedras na


construção de um mundo melhor.
Não queiramos ver particularizado esse movimento, nem o condicionemos por esta ou
aquela perspectiva que pertence somente ao Velho Mundo, porque nesse instante mataremos o
movimento e a sua via de salvação! A Lusofilia é para mim (mas não se reduz à minha
interpretação) aquele sentimento que se realizará no dia em que os homens decidirem dar as
mãos para a construção de um mundo melhor. O mundo em si nem será melhor nem pior porque
a obra material é finita, mas o que certamente melhorará é a forma interior como olharemos essa
obra, que mesmo imperfeita e incompleta, ela o será ainda e na mesma perfeita!

A sobrevivência da Lusofilia depende assim do seu posicionamento como símbolo de


salvação não só de nós mas do Mundo. Deste modo toda a preparação individual em verdade, em
liberdade e em responsabilidade pessoal não só é necessária como é a única coisa que
verdadeiramente se encontra ao nosso alcance. O Toque a Rebate já não depende dessa vontade
individual mas da colectiva cuja liderança não será só espontânea como Transcendental…
Pode parecer um discurso romântico ou utópico, mas no fundo se olharmos para o mundo
em que vivemos e reflectirmos um pouco, verificamos que só esta Utopia que está desde sempre
presente em nós, neste rectângulo a ocidente da península ibérica, nos Cultos do Divino Espírito
Santo reflectido no nosso Brasão de Armas Nacionais... é que nos poderá guiar ao Novo Mundo,
ainda por descobrir e a Ele levar a Humanidade inteira!

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A Lusofilia numa época de mudança
Temos o "privilégio" de viver um tempo histórico de
mudança de paradigma vaticinado por Agostinho da Silva, que
em minha opinião irá conduzir a sociedade ao princípio da
responsabilidade individual, no realinhamento com as Leis
Naturais. Nada que tenha relevância e sustentabilidade no
plano da forma, poderá existir se não assentar nos princípios
complementares dos deveres e dos direitos do indivíduo de e
para com a envolvente, seja ela o tecido social ou ecológico.

A situação actual da Crise Económica, que materializou a


Crise de Valores e dos Princípios Morais que há muito se
constatava, é prova de que a mudança está a um passo e nada
será jamais como dantes. Esta mudança será contudo difícil e
dolorosa, como o é qualquer "parto" e poderá levar mesmo a
algumas convulsões de ordem social, se bem que a dor será
Fig.3 – Quadro “O Santo tanto maior quanto mais apegados nos encontrarmos ao
Condestável” do Mestre Lima de chamado “velho mundo” que agora finda. O Homem tem que
Freitas. Urge restaurar o espírito.
inexoravelmente seguir a Via da Dor para encontrar a Via do
Amor, única via geradora de Vida. Desta feita, o futuro tem
que ser visto com esperança em especial pelos rejeitados do “velho mundo”, pois neste particular
a ameaça que todos sentimos é ao mesmo tempo uma oportunidade, esta dor pela qual temos que
passar é essencial à aprendizagem e ao crescimento e catártica para o próximo estádio de
evolução do Homem.
Este é o passo essencial – a Via-sacra do Homem – para o cumprimento das condições
necessárias à materialização da Utopia do Quinto Império de que nos falou o seu último
eminente profeta lusófono – o Professor Agostinho da Silva. Este Quinto Império, que se
encarregará de conduzir o mundo à Terceira Idade, foi descrito numa linguagem simbólica
intemporal, que embora tendo sobrevivido ao passar de inúmeros séculos, tem que ser
reinterpretado e repensado conscientemente, segundo a forma de ser e de estar do Homem do
Século XXI. A Idade do Espírito Santo, como nos diz a tradição, só terá início quando for
verdadeiramente sentida no coração dos Homens. Esta é a Utopia Agostiniana, esta é a nossa
utopia!

Nós, os luso-descendentes, temos, mais do que outros povos implantada a Semente da


Idade do Espírito Santo, passadas que estão as Idades do Pai e do Filho da filosofia de Joaquim
de Fiore. Essa semente germinará no dia em que houver “solo fértil”. A nossa capacidade inata
para o relacionamento de igual para igual, para a miscigenação das raças, no sentido de criar uma
“nova raça” num novo mundo, a crença no Homem Superior, livre e criativo e não no Super
Homem niilista, são tudo características necessárias ao despontar do novo ciclo, de uma Nova
Ordem Natural, não imposta por nenhum interesse material ou particular, mas ao serviço de
todos.
A acção unificadora e construtora que os Portugueses trouxeram ao mundo com os
Descobrimentos, direi antes o primeiro e o mais sustentável projecto de Globalização jamais
alcançado por outro povo, interrompido que foi, terá que emergir novamente. Teremos que

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perceber contudo que a difusão desse paradigma já não é só nosso, mas de todos aqueles que
falam a nossa língua e nela se revêem culturalmente. Refiro-me quer aos indivíduos dos países
de língua oficial Portuguesa, à diáspora constituída por emigrantes de todos esses países, que só
por si formam uma grande nação, bem como e ainda todos aqueles que mesmo não falando o
português, sejam descendentes pela via do sangue e que se posicionem na mesma forma de ser e
de estar desse povo fundador. Refiro-me ao Oriente onde não só deixamos indeléveis mas
profundas marcas, como também por ele fomos profundamente transformados e enriquecidos...
A rede lusófona terá que ser restaurada novamente, sem medos nem complexos
colonialistas, algo de que fomos acusados injustamente pelos países que efectivamente o foram e
que continuam sub-repticiamente a sê-lo, através das suas ex-colónias tornadas soberanas na
aparência. Foi um excelente pretexto para lhes oferecermos o fruto apetecido. Países que, criados
por nós, se deveriam ter emancipado pela acção intrínseca do seu próprio crescimento e
desenvolvimento autónomo e não por intermédio de forças e ideologias estrangeiras às
verdadeiras necessidades do seu povo que era à data também nosso povo.

O conceito colonialista encontra-se estreitamente ligado aos povos conquistadores de raiz


continental ou terrestre e não de vocação marítima. Estes é que levaram e ainda hoje levam a
cabo acções de genocídio cultural ou rácico, acções de usurpação dos recursos naturais,
subjugando ou exterminando os seus legítimos donos. O conquistador não percebe que um povo
ou raça particular é na sua terra mãe, o melhor produto de adaptação àquela envolvente, cujo
complexo cultural que desenvolveu ao longo da sua evolução importa conhecer e estudar a bem
da biodiversidade Humana. Os Portugueses dos Descobrimentos percebendo da mais valia das
trocas de conhecimentos e de produtos que garantissem a sustentabilidade da sua economia,
preferiram estabelecer parcerias e alianças, recorrendo à negociação, lançando os alicerces do
próprio sector terciário de actividade – serviços – à escala mundial. As poucas conquistas
territoriais serviam apenas para a consolidação de pontos estratégicos na linha de costa, para a
manutenção do comércio como motor de sustentabilidade económica, bem como na utópica
demanda do Prestes João. Se olharmos para os mapas do chamado “Império Português” no seu
apogeu, onde figuravam os contornos dos oceanos marcados pelas “nossas gentes”, verifica-se
que ao invés da terra, era o mar que “nos pertencia”, era o mar que nos interessava. Aquele
“Mare Nostrum” indomável e salgado como as lágrimas derramadas pelos filhos e viúvas
daqueles que reclamava...

“Non Nobis Domine, sed Nomini Tuo da Gloriam”.


Lema Templário – nosso lema.

A nossa queda foi consequência do rompimento da tradição que nos levou, no confronto
com os países de raiz conquistadora (Castela, Inglaterra e França), à corrida da posse de terra na
perspectiva do poder e glória mais céleres, ao invés de mantermos a estratégia da tradição
marítima. Faltaram-nos os Infantes e os homens valorosos e interrompeu-se o desígnio!
Deixámos de olhar para o alto ofuscados pelos tesouros mundanos, tornámo-nos novos-ricos,
colonialistas e sofremos as consequências. É necessário curar da amnésia as novas gerações e
motivar os desinteressados do futuro, fazendo-lhes sentir que o hedonismo tem os dias contados.
É necessário aprender com os erros cometidos ao longo de 900 anos. Portugal já não é um jovem
na sua puberdade como o são países ainda na sua infância histórica e onde vamos
inconscientemente buscar padrões de vida irreconciliáveis com os nossos…

A mudança de paradigma urge que se arrepie rapidamente caminho, ou seremos tragados


pelos acontecimentos tal como os “ratos de Hamelin”. É necessário levar as pessoas deste espaço
de língua Portuguesa a interpretar e colocar à discussão estes e outros aspectos da nossa

19
Tradição, repito num contexto mais alargado de lusofonia e não de portugalidade. É necessário
reinventar a nossa história para melhor nos conhecermos e percebermos qual a nosso rumo no
contexto actual. Temos que nos realinhar com o trajecto há muito perdido, temos que deixar de
nos continuarmos a queixar de nós próprios. Não somos mais a cauda da Europa, posicionemo-
nos antes como a sua Cabeça. Portugal é o porto da Europa para o mundo. A lusofonia torna-nos
num parceiro Europeu com voz activa por direito e não apenas um pequeno país
subdesenvolvido periférico. A Europa terá que ser um espaço a desenvolver também pela
Lusofonia, sendo Portugal a porta de entrada nesse espaço, assim como o Brasil no continente
Americano, Angola e Moçambique juntamente com Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e a Guiné
Bissau no continente Africano, Timor, Macau e as regiões históricas da Índia no espaço Asiático.
Sabendo daquilo que somos capazes, teremos que potenciar os nossos pontos fortes como o
fizeram os nossos antepassados, a fim de que os descendentes da “ínclita geração” voltem a ter
uma voz activa no Mundo, que se vê a desmoronar a cada dia que passa, fruto da acção
destrutiva, dos actuais “conquistadores financeiros”.

A comunidade lusófona é descendente de um povo de construtores, capaz de dar Novos


Mundos ao Mundo, e não estamos hoje sós, porque temos connosco nações emancipadas e
influentes que souberam superar as suas crises de crescimento, ainda com mais energia e
necessidade de afirmação na senda e na linha que nos une. Temos massa crítica para alavancar
movimentos empresariais que resultem em projectos válidos e sustentáveis à melhoria das
condições de vida do Homem e à sua caminhada evolutiva neste mundo. Se guiarmos os
projectos no plano económico através da nossa filosofia, baseada no direito e no valor da
diferença, na pluralidade como diz Agostinho da Silva, teremos garantido o sucesso financeiro
que só existirá realmente se for consequência e não causa. Colocar o ganho financeiro à frente da
missão e do projecto de servir a Humanidade conduziu-nos à crise que presenciamos.

Temos que saber restaurar em cada um dos países da lusofonia a nossa Paideia ancestral,
consubstanciada hoje na pluralidade, no realinhamento com as Leis Naturais que os nossos
antepassados souberam respeitar. Precisamos de recordar a nossa razão de ser como motor
civilizacional construtor, alavancar projectos culturais agregadores da lusofonia associados
através de grupos económicos. Estes últimos deverão servir esta causa, no religamento do cordão
umbilical, contribuindo para essa chama que não só aquece e vivifica a esperança de todos nós,
como iluminará as novas rotas dos Descobrimentos que estão para acontecer nos planos da
Criatividade e do Desenvolvimento e nos levará a descobrir e a dar mais uma vez novos Mundos
ao Mundo.

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O Quinto Império ou a era Quinquenária da Imaterialidade
Deste modo Portugal, reúne ainda todas as
possibilidades de cumprir a profecia do Quinto Império:
estamos a entrar numa nova era, que levará a sociedade à
imaterialidade. Este aspecto já é vislumbrado por
variadíssimos indícios, se podem resumir em dois
paradigmas, um respeitante ao Homem (lembro aqui da 3ª
vaga de Alvin Tofler...), e outro ao meio em que vive – o
Ecossistema.

No primeiro vem-me à memória as sucessão dos


sectores de actividade que nos acompanham desde os
primórdios da actividade do homem sobre a Terra: o sector
primário com a caça, pesca e agricultura que é já uma
actividade de transição ao sector secundário que aparece
mecanizado nos finais do século XIX com a revolução
Fig.4 – Quadro “O Quinto Império” industrial. O sector secundário é uma actividade de
do Mestre Lima de Freitas. transformação efectiva da natureza, cuja necessidade proveio
inicialmente da conservação dos produtos perecíveis do
sector primário e da criação de novas ferramentas e utensílios auxiliares à actividade do Homem.
O sector terciário que aparece globalmente só na segunda metade do século XX, foi iniciado
pelos portugueses de quinhentos, através dos seus avançados sistemas de logística, montados nas
rotas comerciais e de serviços – sim porque as nossas feitorias e frotas marítimas para além de
pólos comerciais, também forneciam serviços de protecção ao nível da costa aos senhores dessas
regiões, tal como Macau, que protegia a China contra a investida da pirataria costeira. Era o que
se poderia chamar hoje de uma relação Win-Win.

Voltando aos sectores de actividade, o terciário que se destina aos serviços, como vimos,
sendo alavancado pelos dois sectores anteriores, potenciou uma mudança total e completa de
paradigma: da produção alicerçada somente nos bens passou-se a uma produção de aproximação
cada vez maior às necessidades e procura de mercado dos indivíduos tornados clientes.
Actualmente vivemos no sector quaternário que se caracteriza pela era das tecnologias da
informação e conteúdos, que cumprem as necessidades de uma sociedade global. Do futuro
espera-se que isto venha a suceder na era quinquenária do “Wellfare” ou do bem-estar. Os
impérios da história acompanharam todos estes sectores, e impuseram paradigmaticamente a
mudança, como nós portugueses com a implementação do sector terciário.

As organizações seguiram igualmente a tendência da desmaterialização, passando para


sobreviverem ao primado das marcas, das ideias, dos conteúdos e da informação. Substituiu-se a
materialidade empresarial centrada no produto e nas organizações rígidas do tipo familiar ou
estatal, cujos activos (corpo material) se vêem disseminados por um conjunto indefinido de
novos donos, accionistas, que por sua vez não são fixos, porque são livres de comprar e vender
as participações nessas empresas. A personalidade e identidade, em suma, a alma destas
organizações, reside agora só e apenas na marca, cuja mobilidade é tal que pode mudar de corpo,

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e de donos. A sua desligação acentuada ao plano material, pode no entanto conduzi-las à sua
extinção, por perda de influência e de objectivos concretos que alimentam a ideia de identidade...

A internet tem substituído a materialidade dos livros, das bibliotecas, dos suportes
multimédia e de algumas empresas. Grande parte do trabalho é hoje executado em suportes
imateriais, cada vez mais o trabalho do homem reside nas ideias, na criatividade e na mudança de
mentalidades, mais balanceado para o pensar, para o criar e menos para o fazer, ou executar…

No segundo paradigma, o do Ecossistema, tem-se verificado e propagado aos quatro ventos


que os três primeiros sectores de actividade, são extremamente lesivos ao equilíbrio dos recursos
naturais, daí que a actividade económica tenha que transitar rapidamente ao plano das ideias
alavancada pela alta finança, saindo do âmbito do plano físico. Desde que se articulem
estratégias sustentáveis de manutenção das necessidades básicas de subsistência das sociedades,
a actividade ou o negócio do Homem transitará para o mundo criativo das ideias, suportado
através de meios virtuais, que interfiram o mínimo possível com os ecossistemas terrestres, que
são o suporte de todas as actividades.

Deste modo, a harmonização dos dois paradigmas prevêem a salvaguarda do equilíbrio


Natural e a sustentabilidade das Sociedades do Homem, que sem as obsessões actuais se tornam
num cumprimento absoluto das Leis do Equilíbrio Natural – ou Leis Divinas. Devo contudo
referir, que mais nefasta que a poluição física dos ecossistemas, é a poluição mental dos Homens,
ou melhor a falta de Amor Incondicional, do Amor Verdadeiro e fraterno que é a única Força
agregadora e criativa do Universo.

Antes de seguir o raciocínio quinto imperista e de o


adaptar como o Padre António Vieira, nos soube deixar na sua
História do Futuro, importa meditar sobre o seguinte texto:

“Considerem agora os Portugueses, e leiam tudo o que


daqui por diante formos escrevendo com este
pressuposto e importantíssima advertência: que, se
alguma cousa lhes poderia retardar o cumprimento
destas promessas, seria só o esquecimento ou
desconhecimento do soberano Autor delas, quando por
nossa desgraça fôssemos tão injuriosamente ingratos a
Deus, que ou referíssemos os benefícios passados, ou
esperássemos os futuros de outra mão que a sua.
Fig.5 – Padre António Vieira e a sua
Prometeu Deus de livrar os filhos de Israel do cativeiro
obra mais consagrada, “História do
Futuro”. do Egipto, como tinha jurado aos seus maiores, e de os
levar e meter de posse da terra da Promissão; (…) se
buscarmos no Texto Sagrado as causas deste desvio e dilação (a qual durou
quarenta anos inteiros, sendo a distancia do caminho breve, e que se podia vencer
em poucos dias) acharemos que foram, três. Agora nos servem as duas, depois
diremos a terceira. A primeira causa foi atribuírem a liberdade do cativeiro a
Moisés; (…) A segunda, e ainda mais ignorante (sobre ímpia e blasfema), foi
atribuírem a mesma liberdade ao ídolo que de seu ouro tinham fundido no deserto.

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(…) Basta, povo descortês, ingrato e blasfemo! Que Moisés e o vosso ídolo foram os
que vos livraram do cativeiro do Egipto?! (…)

Mas antes que passemos às outras utilidades, que ficarão para os capítulos
seguintes, justo será que fechemos este com a terceira causa do castigo que
ponderávamos, a qual refere o Texto Sagrado no cap. XIV dos Números, e pode ser
de grande exemplo para outra casta de gente, que são os que a Escritura chama
filhos da desconfiança.”

Padre António Vieira em História do Futuro, Cap. II vol. I

Segundo o P. António Vieira existem três aspectos que podem impedir que a profecia se
cumpra: a destruição da concepção do Princípio Divino que é o desrespeito às Leis Naturais, a
anulação do ideal da aristocracia natural transferindo-a a ídolos com pés de barro e a perda de fé
do indivíduo em sim mesmo.

No primeiro pode haver o risco das novas gerações perderem a noção da dependência das
Leis Naturais (Lex Natura), pela ignorância ou pela arrogância. O falso conhecimento pode levar
ao caminho divergente da verdadeira Luz com adoração iconoclasta a falsos profetas e deuses
menores da ciência, da política, da finança e dos “media”.

Na segunda, a criação e adoração de "bezerros de ouro": os bens materiais que conduzem


ao hedonismo numa sociedade virada somente ao prazer e à futilidade. A procura do ter, mais e
melhor do que o outro, a ostentação de sinais externos de riqueza, o sentimento de que a
sociedade do Homem tem ferramentas prontas a resolver todos os problemas e o autismo com
que os privilegiados encaram a sua vida e viram a cara à miséria dos excluídos, sem direitos aos
frutos da prosperidade.

Na terceira, o eterno recalcamento depressivo a que o português é sujeito desde a infância,


levando-o ao complexo de inferioridade pelo nascimento, a desacreditar em si próprio, a pensar
que é menos capaz que todos os outros, que é atrasado e que nunca chegará à linha dos povos da
frente. O sentimento desde o berço de que nasceu num país pobre e pequeno, e que é filho de um
povo atrasado e medíocre. Bombardeado pelos “media”, passando pelo estabelecimento de
ensino, à empresa onde trabalha e às conversas de circunstancia, não lhe é permitido que o seu
espírito germine e que erga a cabeça. Para isso tem que imigrar, para viver o seu ostracismo num
sítio onde não seja identificado e anatematizado por ser tão só Português!

Para que Portugal dos portugueses possa liderar, por direito próprio, num futuro próximo, o
avanço da Humanidade como o fez desde o século XII ao XVI, terá que saber transmutar os
agentes internos que se mantêm presos a ideologias e interesses que o aprisionam nestes três
aspectos.

No primeiro, penso que terá que se mudar o paradigma, criando em todo o português um
ideal superior, uma mística, uma missão, um Leitmotiv, uma paideia segundo Camões, Padre
António Vieira, Fernando Pessoa, Agostinho da Silva, António Quadros bem como muitos
outros! Terão que se seguir estratégias que levem a sociedade a partir dos seus elementos a uma
conduta de vida que obedeça às Leis Naturais ou Divinas. Sobre as Leis Naturais ou Divinas
repousa o conceito do Sagrado, de algo superior inatingível, utópico mas que serve de farol ao
Homem e que lhe permite crescer e transcender as suas limitações. A obediência às Leis Naturais
exige que se restaure o Sagrado em cada um de nós, projectado na sociedade esse ideal superior.

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Este conceito de Sagrado não tem que vestir necessariamente nenhum dogma ou seguir nenhuma
igreja particular, digo e repito necessariamente, porque sendo um assunto do foro individual e
íntimo de cada um, ele deverá ser vivido segundo a liberdade e a consciência de cada um. O que
importa aqui e independentemente da via religiosa ou espiritual de cada um é a forma como o
Sagrado nos transporta ao domínio do inefável de algo concentrador e elevador das consciências.
Deste modo o Sagrado é ainda agregador a tal ponto porque promove a recriação das condições
necessárias à elevação das consciências individuais através da repetição ritualizada de práticas
ancestrais ancoradas pelos símbolos da tradição. O enfoque na cultura e nas tradições regionais
como as festas religiosas populares tornam-se essenciais à restauração desse “plano Sagrado”,
muito próximo daquilo que em tempos se conheceu como Religião Natural. A Natureza é por
definição a nossa melhor professora e a analogia a melhor das ferramentas de observação dos
fenómenos, que ao nível social se permite entender a partir das festas populares simbólicas.

Na segunda, a educação não para a igualdade castradora, taylorista, mas para a natural
separação de indivíduos por capacidades e potencialidades, de tal forma que os que se
encontram à frente se tornem nos ideais a projectar nos que estão mais a trás, os líderes naturais
pelo abnegável exemplo, pelos princípios e em suma pelo valor e não pela falsa imagem que leva
os indivíduos das classes inferiores a questionarem os das classes mais privilegiadas. Temos que
colocar líderes naturais equilibrados pela Lei Natural e pela mais valia técnica e humana, a fim
de servirem de força de tracção a toda a sociedade pelo seu trabalho operativo e pelo seu
exemplo como seres humanos. A democracia tem que se ver alicerçada na meritocracia, para que
continue a ter existência prática. Tem que se cultuar a transparência social, o conceito de verdade
e dos princípios nos indivíduos que têm a seu cargo o “sacerdócio” da condução dos outros. Num
contexto de meritocracia e de transparência, os melhores indivíduos em cada uma das suas áreas
de afectação e de especialização deverão servir de “benchmarking” natural para aqueles que os
vão suceder. Para além do exemplo deverá deixar-se sempre espaço à criatividade e à mudança
que cada ciclo geracional é obrigado a promover a fim da sociedade poder evoluir e melhor se
adaptar aos tempos. Neste ponto deverá existir o bom equilíbrio entre a necessária transmissão
do conhecimento que os melhores indivíduos em cada área irão transmitir e que os ligará numa
longa cadeia ao início daquelas actividades e a criatividade daqueles que os irão substituir, a fim
de não haver corte do conhecimento passado nem resistência à mudança, quando ela é a única
certeza neste plano.

Na terceira, perceber e mostrar que o povo Português é naturalmente igual ou mesmo


superior aos outros povos em muitas áreas e se não se consegue avançar pelo caminho que os
outros o querem dirigir e confinar é porque ele não nasceu para o fazer, como já referi. Como diz
Teixeira de Pascoaes, quando se obriga o povo português a seguir uma determinada metodologia
estrangeira aos nossos valores e incoerente com um esquema mental muito peculiar, impede-o de
fazer melhor do que ninguém aquilo para o qual nasceu obrigando-o à mediocridade naquilo que
os outros se tornaram exímios. O português deverá conhecer o seu caminho e segui-lo sem
complexos de nenhum tipo. Ele nasceu para criar os seus próprios caminhos para lá do
impossível, tornando-se no vanguardista, no descobridor, no navegador que dá novos mundos ao
mundo! Devemos deixar de nos queixarmos de nós próprios, de dizermos mal de tudo sem
olharmos seriamente para as coisas tentando perceber as inúmeras soluções que a nossa
criatividade pode materializar. As novas gerações terão que quebrar com o espírito redutor,
medíocre que criamos depois da nossa queda como motor civilizacional, chancelado pelos cerca
de 400 anos de ditadura e opressão castradora em que fomos mergulhados até ao século passado.
Está na altura de erguermos a cabeça e percebermos que não somos um povo decadente e fraco
mas um dos povos líderes que permitiu a construção de um mundo à escala global que aboliu a
escravatura e a pena de morte. Somos um povo que substituiu o conflito pela negociação e pelas

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relações humanas à escala mundial, algo que ainda longe dos ideais de uma verdadeira
fraternidade entre os povos se aproxima como nenhum outro destes princípios.

Plano estratégico a desenvolver

“Não há maior erro que a pretendida substituição das qualidades próprias por aquelas que
admiramos nos outros Povos. Destruímos por completo o nosso carácter e adulteramos, em nós,
o que há de bom nos estrangeiros. Não troquemos a nossa figura pela máscara importada.”

Teixeira de Pascoaes, em “Arte de Ser Português”

Contudo penso mais uma vez que a real defesa da


nossa identidade, terá que passar, nesta conjuntura em
que se perfila uma amálgama de povos miscigenados,
pelo pragmatismo, seguindo o caminho possível, que é
para mim se torna o de sobrevivência à travessia do
deserto dos valores espirituais.

Antes de mais importa reflectir um pouco sobre as


mudanças sociais do final do séc. XIX início do séc. XX.
Vejo na analogia da evolução que levou à imaterialidade das empresas, antigas entidades com
personalidade familiar individual muito sólida, como já referi atrás, uma transição equivalente
operada na sociedade Portuguesa de então. Mais, a transformação social que derrubou a
monarquia – a família dona da nação, e a substituiu pela república é muito semelhante às
transformações que dentro das organizações empresariais, substituíram as administrações
familiares – o patrão, pelas administrações representativas da vontade dos accionistas. As nações
como organizações sociais, e em especial a Portuguesa eram fortemente governadas pelo
paradigma familiar tradicional. Esta era o núcleo mais importante de organização,
independentemente do grau de complexidade, fosse ele apenas uma família, uma empresa, uma
localidade, região, nação e mais importante ainda de uma nação global – compreende-se que a
nossa estrutura cultural organizativa estava em dissonância com as vontades da nova ordem
mundial!

Nos finais do séc. XIX começou-se a desenhar a mudança de paradigma que iria alterar por
completo todo este núcleo organizativo, passando o poder a estar disseminado (aparentemente
em potência) por todos os indivíduos sem desigualdade de privilégios, ao contrário do que o
sistema das classes sociais tinha definido até aqui. Era o início do primado do indivíduo, levando
à emancipação de uma nova classe alicerçada na alta finança. Não fosse a eterna capacidade de
alguns se diferenciarem dos demais, agora pela capacidade de conquista financeira, acumulando
riqueza e poder, desarticulados dos valores morais e éticos ancestrais na nobreza europeia, não
teríamos qualquer diferença entre os regimes de cariz capitalista e marxista onde a acumulação
de riqueza neste último, não poderia acontecer por doutrina (a não ser à classe dirigente, a
verdadeira gestora dos bens do povo). Estavam estabelecidos os novos planos para a nova ordem
mundial e é nesta conjuntura, contendo as duas ideologias em cada um dos pratos da mesma
balança social socialista que se dá a passagem do século XIX para o XX, sistematizando-se ao

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longo deste até ao séc. XXI e na qual Portugal terá que encontrar a melhor estratégia, junto dos
seus pares da Lusofonia, para retomar a sua missão, caso contrário a sua sobrevivência estará
comprometida a médio prazo.

Porém, a sua missão actual, está longe de ser a do líder do espaço da Lusofonia, porque
nela não poderá ser mais o motor que foi, mas sim o gerador da mística e da sabedoria histórica
do sentido de missão que a sua vetusta idade lhe permite! Se reflectirmos um pouco, verificamos
que já não somos pátria mas mátria, pois de nação activa com projecto autónomo passámos a
nação passiva, na estrita obediência de missões estrangeiras! Veja-se que desde a restauração de
1640 por D. João IV, passámos a ter como padroeiro visível não o S. Miguel Arcanjo que foi
instituído pelo fundador D. Afonso Henriques, mas a Virgem Santa Maria, coroada pelo rei
restaurador! No Mosteiro dos Jerónimos no célebre pórtico Sul, o personagem que se encontra
em cima do pilar a meio da porta dupla (Infante D. Henrique?...), tem a espada a apontar para
baixo, em sinal de desarme ou rendição. Se olharmos bem, verifica-se que inicialmente ela
apontava para cima em sinal de guarda e de acção… O Escudo acima da entrada norte da Igreja
do Mosteiro dos Jerónimos, encontra-se partido a meio. Diz-se que ele partiu no exacto momento
em que Alcácer Quibir tombava D. Sebastião… por outro lado o partir de um escudo ou da
lâmina da espada – peça militar defensiva, com carácter não só de protecção física como mágica
(dado que possuía símbolos pessoais ou nacionais) – simbolizava tal como a queda por terra da
bandeira nacional, a derrota e a submissão.

Com estes passos simbólicos se dá conta da orfandade paterna e do condicionamento do


nosso povo, que ainda sofre com o seu estado de menoridade, tal como a viúva e os seus filhos
sofrem, quando perdem o chefe da casa e o seu ganha-pão! Com a mudança deste paradigma, se
verifica a morte do Mestre Cistercense da Ordem do Templo, de Cristo e de Avis: perdemos o
Pai pátrio, o Guia e o Líder da missão que por isso fica interrompida! Ou terá sido sublimada…

Voltando ao plano estratégico a desenvolver, no que diz respeito à imagem e aos valores
culturais que lhe estão associados, Portugal terá que se adaptar, defendendo-se nesta travessia do
deserto dos valores espirituais. Esta será a primeira fase, que pode durar ainda algum tempo,
antes de poder retomar junto do seu património luso mundial, da missão interrompida. O retomar
dessa missão será oferecido à Lusofonia se esta com Portugal cumprir os desígnios que Vieira
tão bem aponta e o seu reinício será seguido de uma forte necessidade mundial... a queda
esperada do sistema capitalista vigente após a queda do socialismo e do modo de ser e de estar
estimulado por ambos.

A estratégia a desenvolver aqui, terá que cobrir os dois planos da consciência, refiro-me
como já disse ao “plano do Sagrado” que importa restaurar. Este influencia decisivamente o
plano concreto e tangível do dia-a-dia. Um tem reflexo no outro, já que o plano do sagrado induz
motivações e projecta ideias muito profundas que se concretizam no plano visível material. Em
jeito de analogia, pode-se intuir que no plano da consciência, o Sagrado comporta-se como que
um sol interior, onde um pensamento é como que um objecto, uma identidade no plano material
e “um estado de alma” é como que um local, um sítio, uma paisagem no plano material.

Tendo em conta estas considerações, e o que já foi referido atrás, penso que a solução no
primeiro plano passa pelo retorno da sociedade ao nível do Sagrado, através das motivações
individuais e interiores de cada um, mas consubstanciadas nas tradições das festas populares que
deverão ser restauradas em cada região do nosso país.

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Importa dar uma pequena explicação histórica sobre a organização ritual e hierarquizada
das ordens que construíram o nosso país e o converteram num projecto plataforma para o mundo
através dos Descobrimentos. Assim e tal como no tempo da fundação de Portugal, se pode tirar a
ilação de que existiriam pelo menos três tipos de ordens organizacionais e hierarquizadas na
condução dos destinos da nação, esse mesmo modelo poderia ser restaurado da base. Os
Templários, a Ordem de Cristo e a Ordem de Avis, para referir as mais importantes porque
geraram dinastias, eram por assim dizer organizações intermédias ou executivas, situadas entre a
Ordem Interna (desconhecida) que estabelecia a estratégia e a mais externa, que me permitam
que considere, à falta de melhor designação, por "ordem nacional", que incluía todo o povo como
uma egrégora unido por uma missão: quanto mais não fosse a união contra o poder de Castela...
Esta ordem externa tinha para além de uma multiplicidade de tradições mais ou menos
ritualizadas ou cerimoniais, uma tradição que foi estabelecida, provavelmente pelas hierarquias
superiores e que foi chancelada mais tarde pelo Rei D. Dinis. Este rito externo ou tradição
popular, construído sobre um cerimonial catártico era baseado numa história evocativa de
valores e de princípios filosóficos. A sua função era de elemento agregador de todo um povo à
volta de um desígnio, cujo objectivo seria como foi a elevação das consciências individuais no
plano acima do físico ou tangível conhecido por plano espiritual do domínio do Sagrado. Eram
as festas do Senhor Santo Cristo e do Espírito Santo, cujas implicações advinham do pensamento
joaquinista2 das Três Idades do Mundo. Este é um exemplo funcional que deu provas como já
vimos na expansão de Portugal nos Descobrimentos.

Voltando à actualidade, verifica-se que o problema


principal da crise de valores deste tempo, advém da descida
da grande maioria da população – em especial daquela que
tem a responsabilidade da condução dos destinos dos outros
– aos planos inferiores da existência, o lado Humano cedeu
terreno ao lado animal mais abjecto. Matámos o Sagrado,
potenciamos os instintos, as paixões e os vícios que são um
abuso desses instintos, e descemos ao nível animal através
do liberalismo selvagem que sucedeu ao exagero da presunção dos direitos de indivíduos não
elevados interiormente e por isso incapazes de serem de facto líderes, se olharmos para o
princípio de dever e de auto-sacrifício que a liderança obriga.
É sabido que o poder muda o indivíduo de tal forma que se este não tiver uma forte
constituição autónoma ao nível dos valores e dos princípios, muito acima dos seus interesses
pessoais, das suas paixões e vícios por mais indeléveis que sejam (quando esse poder ainda não é
efectivo), quando ele tiver que exercer esse poder, ele será totalmente controlado não por um
indivíduo consciente e sóbrio, mas por estes instintos que distorcerão por completo a equidade e
a justiça a favor dessas mesmas paixões e desses mesmos vícios que irá satisfazer a todo o custo.
Desta forma a força destruidora será da ordem de grandeza dos números que estiverem nas suas
mãos. Para indivíduos de baixa formação moral e de valores, o liberalismo, ou ainda a versão
mais ortodoxa do neo-liberalismo foi o argumento há muito esperado para lhes legitimar todos os
actos. Para muitos deles ser criminoso é tão só ser-se apanhado! O que equivale nessa visão
redutora e relativista à definição de criminoso como ser perdedor, manifestamente inferior, logo
justamente condenado ao desaparecimento. É darwinismo puro, só os melhores é que sobrevivem
e o mesmo se passa com as organizações empresariais que dirigem!

2
Joaquim de Fiore (c. 1132 — 1202), também conhecido por Gioacchino da Fiore, Joaquim de Fiori, Joaquim,
abade de Fiore ou Joaquim de Flora, foi um abade cisterciense e filósofo místico, defensor do milenarismo e do
advento da idade do Espírito Santo que se seguia às idades do Pai com o judaísmo, e do Filho com o cristianismo.
Esta filosofia teve muita força em Portugal sendo seguida pelas suas classes dirigentes, no qual se chegou mesmo a
posicionar Lisboa como sucessora de Jerusalém e Roma como sede da nova Igreja do Espírito Santo.

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Curioso é verificar que por muito que o Homem se ache evoluído e emancipado continua
no fundo irremediavelmente tão preso como sempre às amarras das Leis Naturais…
Neste paradigma é certo que não há solução, que não seja o conflito nesse plano da
existência. Iremos assistir ao agudizar dos problemas que se sucederão do seguinte modo e à
medida que se gorarem todos os paliativos: da referida queda dos valores e do Sagrado
passaremos à crise económico-financeira, que provocará o desencadear de uma crise social, que
levará a uma crise política e cuja incapacidade para a resolver, levará por último a problemas de
segurança da ordem pública, desencadeando uma crise militar. Nessa altura teremos a violência e
a guerra como sempre houve nos finais dos ciclos civilizacionais (vide as crónicas da decadência
do Império Romano, cujas semelhanças no tecido social actual são por demais evidentes às que
se verificaram nesse tempo).
Deste modo penso que a restauração do Sagrado em cada um de nós com a aplicação
prática de harmonização com as Leis Naturais ou Divinas será a única saída descrita por Vieira
numa linguagem ecuménica própria de há 400 anos, mas de renovada actualidade. A classe
política dirigente tem a responsabilidade de ter percepção desta realidade e de criar
antecipadamente os argumentos necessários para articular com o povo que governa o conceito do
Sagrado numa época em que ele foi completamente anulado nas nossas sociedades. Deverão ser
criados mecanismos alavancadores das tradições populares como as indústrias do turismo (seja
ele rural ou ecológico ou ainda de saúde e bem estar), dos conteúdos de audiovisuais ou
multimédia e ainda o financiamento de associações culturais regionais que potenciem o trabalho
de inúmeras pessoas de “boa vontade”, muitas delas pensionistas, que ao serviço das suas
comunidades tudo fazem para reviver as tradições culturais onde o Sagrado ainda se encontra
protegido. O governo poderá e deverá ainda potenciar o trabalho destas associações com as
indústrias de turismo e multimédia a fim de lhes conceder a sustentabilidade sem necessidade da
dependência do subsídio estatal.
Deverão ser postos em funcionamento planos de acção, ao nível dos conteúdos
audiovisuais e das escolas que permitam a elevação da consciência das populações, em especial
das novas gerações, através da restauração dos princípios tão benéficos como a fraternidade e a
solidariedade, sentimentos fortíssimos que por exemplo podem ainda ser sentidos de forma
muito intensa nos Açores, onde nas festas do Espírito Santo, se verifica uma coesão
impressionante da população à volta de uma tradição de uma enorme profundidade filosófica e
emocional. O sentimento de corpo, de união e partilha fraternal, são bem patentes, tocando o
mais insensível dos indivíduos.
Esta forma de tomada de consciência permite a protecção de um povo contra perigo dos
novos “arautos dos valores” e "das reservas morais" que se arrogam detentores da verdade e que
numa época de dissolução dos princípios e de crise estrutural corremos o risco de ver culminar
num regime autocrático. Aliás foram momentos como este que serviram de esteira aos piores
ditadores do passado.
Encontramo-nos em final de um ciclo civilizacional e do ponto de vista da preservação da
“espécie Humana” temos como sempre duas saídas, a da elevação das consciências num
alinhamento superior ao Sagrado, que significa a aceitação do erro e a vontade expressa de
mudança – esta é a Via construtiva do Amor; e a Via disruptiva da Dor que se caracteriza pelo
extremar de posições à medida que se vão dando inúmeras rupturas ao nível do tecido social por
ineficácia dos variados paliativos que se vão introduzindo. No final só funcionarão os métodos
correctivos que como sempre só terão lugar debaixo de um “punho de ferro” ” ou do bisturi do
cirurgião. Cabe-nos a nós escolher o melhor caminho a bem da sobrevivência da Humanidade
neste plano.

No plano concreto da forma, até se cumprirem os desígnios que as Leis Naturais irão ditar,
e seguindo as alterações de paradigma social, teremos que saber desenhar e encetar estratégias

28
que cubram os vários domínios de actividade e de desenvolvimento a fim de suportar a vida do
homem com o mínimo do dignidade e de condições que lhe permitam a sua evolução,
independentemente do nível moral e intelectual em que este se encontre.

A meu ver Portugal terá que rapidamente se tornar uma marca registada pelo seu escudo e
pela sua bandeira com as suas cores. A sua personalidade agora em estado volátil terá que passar
a conteúdo ou identidade caracterizada pela portugalidade (cultura, língua, história, gastronomia
e vitivinicultura com zonas demarcadas, artesanato, monumentos, paisagem e mar). Com isto
terá que se tornar num alfobre de produtos e serviços que a possa garantir como identidade
própria numa sociedade actual caracterizada pelo mercado livre global. Terá que para ser
conhecido, e por isso garantir a sua sobrevivência, saber-se vender nesse mercado, porque agora
e no curto prazo vender é existir – “vendo logo existo”... E para vender tem que ser novidade.
Terá que encetar actividades estratégicas que o dirijam nessa direcção, como por exemplo a
utilização da CPLP como bolsa das marcas-nação da lusofonia. Se os corpos “estados” estão
presos aos interesses e contingências dos acordos dos espaços económicos em que se encontram,
o mesmo não se pode passar com as marcas-personalidade, que podem e devem resguardar a sua
essência, levando-a até com mais facilidade aos quatro cantos do mundo, seguindo as mesmas
Leis de Mercado. O mundo tem que voltar a conhecer Portugal, não como realidade menor, mas
como identidade actual e passível de ser seguido.

Como actividades estratégicas vejo as Tecnologias de Informação, como actividade a


investir porque irão alavancar tudo o resto que se irá passar no dealbar do século XXI. A era das
telecomunicações como meio de ligação entre pessoas e povos afastados geograficamente é um
dado adquirido cujo boom pertence ao século passado. Trabalhou-se no final do século XX numa
evolução das redes de telecomunicações, que funcionando sob protocolos de transmissão IP
permitiu uma convergência dos meios antes rigidamente associados aos serviços de voz e dados,
num único meio. Esta evolução teve como consequência a hegemonia e normalização das redes,
permitindo-lhes suportar uma infinidade de serviços em contínua evolução substancialmente em
capacidade e rapidez. A arte da técnica terá que acompanhar as necessidades que se forem
criando, arranjando soluções que as tornem possíveis. Por esse motivo a área das
telecomunicações, não mais liderará estrategicamente o futuro. Ela normalizou-se e é hoje uma
auto-estrada já pronta a ser percorrida pelos multiserviços. Daí que as tecnologias da informação
estão a ser o passo actual para a interligação de todos os serviços de apoio das sociedades:
negócios, conhecimento, cultura, relações pessoais e serviços de variada ordem. As tecnologias
da informação colocam à disposição dos indivíduos veículos que obedecendo às “regras de
transito” das auto-estradas das telecomunicações podem usar os muitos serviços de apoio à
circulação, com o fim de beneficiar de tudo o que é e será aí possível de circular no futuro.
Portugal como posição estratégica única e fazendo uso dos seus melhores recursos, pode e deve
dar cartas porque é paradigmaticamente um novo mundo a explorar e a dar!

Nas Biotecnologias e novas áreas da medicina com alguns portugueses já na linha da frente
ao nível mundial que não é de admirar, mesmo com os parcos recursos de um país
geograficamente pequeno em comparação com os EUA ou a Inglaterra ou a Alemanha, mas
porque possui uma raça extremamente grande.

Os serviços de diplomacia mundial, são para nós inatos, dado que fomos o primeiro povo
globalizador, cuja manutenção dos territórios se devia não só à prestação de serviços aos líderes
locais, através da bravura e estratégia, ou às actividades comerciais e de logística, mas em
especial da diplomacia, que nos tinha que ser natural, para minorar os eventuais conflitos de
interesse, porque não havia nem modelos nem os estudos em sociologia e psicologia

29
comportamental que hoje enchem as bibliotecas. Vemos a força natural que accionamos como
povo e que se amplificou pelos grupos de interesses e lobbies internacionais, que culminaram na
autodeterminação do povo Maubere de Timor Lorosae. Mais, para além dessa “empresa” para a
qual não tínhamos qualquer poder económico ou militar em função da nossa diminuta condição
geográfica em relação à Indonésia – um dos tigres asiáticos, Timor decidiu escolher a língua
portuguesa como sua, contra todas as expectativas. O povo português mais uma vez se agigantou
e foi determinante a sua acção pela sua força de coesão.

A língua como última fronteira, num mundo global deverá ser protegida. Longe de ser una
deverá ser plural, porque historicamente o português é e terá que ser um cidadão do mundo.
Embora tenha que concordar com a unificação da língua Portuguesa no plano internacional, no
sentido de lhe conferir a força compatível com o número de indivíduos que dela fazem uso
actualmente, vejo nesse acordo de unificação um perigo, que mais uma vez facilitando no curto
prazo, poderá trazer consequências nefastas no futuro. Qualquer unificação contraria o princípio
da biodiversidade, que por analogia significa a capacidade de adaptação e que sendo sinónimo de
riqueza cultural, se torna garantia única de sobrevivência do indivíduo. A língua portuguesa, cujo
léxico, vocábulos e regras particulares vejo como um alfobre etimológico e cultural inestimável
de todos os povos que por herança dela fazem uso no seu dia-a-dia. São os sons, as articulações
com corruptelas ou evoluções propositadas, bem como os vários sentidos e interpretações
próprias de cada região, povoação ou mesmo família que a tornam rica e lhe dão vida.

Deste modo temo que possa ser mais fácil a sua descaracterização se ela passar a ser escrita
e futuramente ensinado às novas gerações por uma só Regra. As perguntas que se levantam são:
quem serão os “Guardiões dessa Regra”? Que critérios passarão pela modificação futura dessa
regra? Como irão adequar uma Regra comum nas várias regiões de língua portuguesa – nas
quatro paradas do mundo – que por um lado mantenham os “arcanos etimológicos”
indispensáveis à manutenção da cultura que lhe deu origem e por outro adaptar essa mesma
Regra às necessidades de um mundo em constante mutação? Estas são as questões que importam
reflectir, muito mais importantes que as lutas territoriais das editoras por mais legítimas que
sejam. Para mim, uma solução passaria pelo desdobramento do português numa versão
simplificada de trabalho (mais fácil de ser aprendida por todos os estrangeiros a ela mesma),
comum a todos os países de língua portuguesa e que poderia ser o Português Unificado ou
Internacional, e ao mesmo tempo manter em cada país da lusofonia a sua forma própria de
escrever ligado às idiossincrasias de cada um e que seria a versão literária ou intelectual do
português.

Deve ser dada a cada povo que faz uso do português como língua materna, a liberdade de o
escrever e de o falar modulando-o à sua cultura, à sua forma de pensar e às suas necessidades
locais. A unificação monocromática total deveria ser contrariada, porque a protecção não é feita
num qualquer organismo por mais competente que seja na CPLP mas pelo mais humilde
daqueles que a usam desde o berço e que junto com os seus semelhantes, a amplificam e lhe dão
a voz de todo um povo. Vem-me à ideia o exemplo do povo de Moçambique que tendo aderido à
Commonwealth se tornou num dos melhores defensores da língua portuguesa do que qualquer
organismo centralizado para esse efeito no interior da CPLP, em especial numa conjuntura
geográfica do “Corno de África” adversa onde o Inglês impera como língua oficial de vários
países vizinhos. Como ele lembro-me igualmente de Timor Lorosae. Apoio a criação do
Português Unificado escrito para fins pragmáticos e instrumentais ao nível da diplomacia e dos
negócios, que possa ser mais facilmente aprendido por nacionais de outros países, mas ao mesmo
tempo permitir a escrita de outras versões particulares e regionais do português, algo que aliás irá
continuar a existir, independentemente de todas as regras, em especial fora das áreas urbanas.

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No domínio dos conteúdos, realço o aspecto da educação e formação – sendo a primeira de
base e a segunda contínua ao longo da vida do indivíduo. Os conteúdos que nos chegam pelos
variadíssimos meios de telecomunicações e sistemas de informação, serão formalmente num
futuro próximo a educação e a formação per si. Caberá às instituições de ensino produzir esses
conteúdos e reconhecer as competências dos indivíduos, que os posicionarão no lugar
correspondente da pirâmide social. Longe estamos do tempo em que as Universidades eram
instituições fechadas, de clausura (i.e. claustro – cloister – close) desde os Templos Egípcios, as
Escolas dos Gregos, os mosteiros medievais, onde um reduzido número de eleitos eram iniciados
do ponto de vista técnico e comportamental, sendo graduados consoante as suas capacidades para
se tornarem condutores das sociedades de então. A democratização e a massificação do ensino,
vocacionado para as funções operativas, não acabou, é certo, tal como o paradigma ancestral do
ensino da excelência, que advém da Velha Tradição. O nome da Instituição associada ao preço
da propina e ao processo cirúrgico de admissão, mais baseado na entrevista comportamental do
que em exames particulares psico-funcionais do intelecto, tem e fará toda a diferença. A quem é
admitido, espera-se uma entrega total num rigor selectivo que irá potenciar ao máximo as suas
qualidade técnicas, criativas e comportamentais intrínsecas e extrínsecas, dentro de um método
em tudo semelhante com o praticado nos mosteiros medievais, nas Escolas dos Gregos e dos
Templos Egípcios, para dar somente alguns exemplos históricos.

Para os que não têm lugar nestas instituições, terão o ensino das “artes de ofício” que
actualizadas aos nossos tempos, se referem ao ensino técnico das áreas do saber prático, a fim de
se tornarem profissionalmente bons executores ou executivos, das tendências estratégicas
emanadas pelos primeiros.

Num terceiro nível, ficarão essencialmente aqueles que não pertencerão a nenhum dos
níveis anteriores, e cuja formação será mais curta e terá que ser extremamente especializada e
operacional.

Portugal terá que criar ao nível da CPLP, excelência neste capítulo. É importante a criação
de instituições de ensino em língua portuguesa de altíssima qualidade, instituições que possam
formar as futuras elites da lusofonia, à escala do que existiu até 1535, tal como se referiu atrás.
Elites no sentido de terem a capacidade de pensar estrategicamente a “longo prazo”, ao contrário
do que se observa hoje, onde se vêem apesar de tudo muitos bons técnicos, mas com um
altíssimo índice de miopia reflectiva. A falta de sentido crítico, mesmo nas melhores práticas e
técnicas que nos entram pelas instituições de ensino ou espaço empresarial, leva-os a seguir
caminhos que embora se possam apresentar sedutoras no curto prazo, servirão inexoravelmente a
médio longo prazo os interesses de quem os desenhou e divulgou mais acima, na grande maioria
dos casos em clara oposição daqueles que cegamente os implementam. Deverá ser feita
quantitativamente e qualitativamente uma clara separação desde a infância entre as competências
de natureza estratégica da executiva, de modo que o português possa ter um espaço estratégico e
criativo. Temos a obrigação já de subir do patamar executivo em que nos encontramos para o
estratégico e criativo, porque temos capacidades e antiguidade como povo para estabelecer novos
caminhos...

A formação das massas – executivos e operacionais – terá que seguir, neste paradigma
existencial, o método de mercado: criação de uma necessidade, apresentação de uma solução e
prestação do serviço. Para as escolas funcionarem, desde o 1º ciclo até à universidade, terão que
saber criar a sua necessidade junto dos alunos – a necessidade adaptada aos tempos, longe que
estamos dos tempos da revolução industrial – terão que saber implementar soluções técnicas e
comportamentais estrategicamente inovadoras que estimulem os interessados. Por último, essas

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soluções terão que se dirigir às necessidades dos próprios alunos, prestando-lhes um serviço com
alto nível de qualidade prática. Mesmo aqui será de todo o interesse que a base educativa parta
da razão de ser e de estar da portugalidade, até porque é das únicas que melhor se adapta a todas
as outras, mantendo o português como indivíduo em vantagem no mercado global. Deste modo
só com elites formadas na portugalidade se pode ter na base práticas e metodologias
consentâneas. Lembro-me ainda que as forças armadas, poderão ter ainda uma palavra a dizer na
formação das novas gerações, abolida que foi o serviço militar obrigatório. Refiro-me por
exemplo ao Colégio Militar e à Escola de Fuzileiros Navais, que poderão levar a cabo
metodologias mais ou menos intensivas com programas destinados a vários níveis etários que
ensinem e reforcem os princípios morais, éticos e cultuem a liderança, o princípio do
reconhecimento do valor e da responsabilidade individual, dentro dos parâmetros da
portugalidade e da missão da nossa história.

Como conteúdo de diversão (que não deixa de ser outra veículo potencialmente educativo),
vejo o Futebol a par com outras actividades desportivas ao nível da selecção ou dos clubes, uma
forma de não só aumentar a força de coesão nacional, que é a identificação com um corpo de que
fazemos parte, num legado oitocentista, mas de assegurar a ideia, o sentir, o vibrar, o lutar
desportivamente e o viver Portugal. É uma actividade que emociona e toca de modo especial
todo um povo, por isso é hoje mais do que nunca uma potente arma de defesa da nação
Portuguesa.

Vejo a aposta na indústria do turismo, a possibilidade


de salvaguardar os locais patrimoniais de referência, da
nossa história, bem como os usos e costumes. O turismo de
habitação pode alavancar o redescobrimento das aldeias
históricas e das vilas acasteladas, da agricultura biológica
(com as práticas de subsistência ancestrais) e esta da nossa
restauração típica e tradicional, bem como dos produtos
regionais demarcados com embalagens biodegradáveis. A
indústria pesada já não faz sentido porque é onerosa e
extremamente poluente, em especial como vimos, numa época paradigmática das tecnologias de
informação, que tende a evoluir para o “Wellfare”, mas a agricultura biológica, apesar de ser do
primeiro sector, fará sempre parte do futuro (quanto mais não seja pela necessidade básica) caso
seja sustentável e não lesiva ao ecossistema, tal como eram os métodos tradicionais utilizados
pelos nossos antepassados. Penso deste modo que o caminho de defesa da nossa identidade
poderá ser perfeitamente consubstanciado com os paradigmas da sucessão dos sectores de
actividade que vimos atrás em harmonia com o ecossistema, em que Portugal ideia de nação se
transmuta conceptualmente para Portugal – Marca Registada3, porque o queremos no domínio
dos vivos e não do estudo dos paleontólogos. Os dinossauros foram seres fantásticos, mas como
não souberam acompanhar a evolução do meio natural, desapareceram do mundo dos vivos,
destino que espero não ver repetir no “organismo” ou “indivíduo” Portugal.

3
http://a.icep.pt/marcas.asp

32
Conclusão
O povo Português para sobreviver como
identidade própria, tem que conhecer exactamente a
sua história e perceber sem reactividades nem
vinganças, de que a sua raça, a "milenar raça
portuguesa" foi condenada desde 1535 à lenta
extinção, pela ignorância, castração e amnésia.
Paradoxalmente, todos esses movimentos têm, ao
contrário do que se possa pensar, tido início dentro do
próprio país, desde 1139 pelos descendentes daqueles
que não acreditam num Portugal livre e independente.
A crise que levou à 1ª união ibérica de 1580 a 1640 e
Fig.6 – Capelas Inacabadas no Mosteiro da ao império dos Habsburgo, não foi provocada por
Batalha. É necessário dar seguimento à Obra,
mesmo sabendo que nunca poderá ser nenhuma invasão espanhola, nem devido ao facto
acabada… muitas vezes adiantado pelos nossos historiadores
submetidos às idiossincrasias políticas, de que não
havia pretendentes ao trono vago, após a morte de D. Sebastião, rei que afinal morre encarcerado
nos Limoges em França, cujos ecos ficam gravados no Sebastianismo do colectivo nacional! A
decisão foi consentida pelos iberistas da época, que oportunamente se aproveitaram da crise
política, emergindo o país numa crise financeira a fim de justificarem ao povo a união ibérica
com Espanha. Desta feita preferiam o rei Filipe II de Espanha (futuro Filipe I de Portugal) a D.
António I, neto de D. Manuel I ou a D. Catarina da Casa de Bragança, cujo neto D. João II futuro
el Rei D. João IV viria curiosamente a restaurar a independência. Mais, todos os inícios
dinásticos das Reais Casas portuguesas se deram através de filhos ilegítimos: na Casa de
Borgonha, suspeitando-se que D. Afonso Henriques possa ter sido filho de D. Egas Moniz
perfilhado pelo Conde D. Henrique por incapacidade física do filho natural, a Casa de Avis
aparece com D. João I, filho ilegítimo de D. Pedro I e de Teresa Lourenço (filha do mercador
lisboeta Lourenço Martins), e por sua vez a Casa de Bragança com o 1º Duque Afonso, filho
ilegítimo de D. João I e de Inês Pereira. Desta feita qualquer argumentação sobre a legitimidade
das sucessões, cai por terra, num país que desde o início 1139 até 1910 teve uma monarquia
muito própria, cuja sucessão era baseada não só com base na hereditariedade mas no princípio da
aclamação popular e das cortes.

Assim, a destruição da nossa paideia por dentro, por uma classe de portugueses “sem
berço” ou por descendentes de ideologistas da ibéria, foi consumada do exterior através da
Espanha que trouxe com ela a Igreja e a inquisição, pela França de Napoleão que trouxe o
racionalismo redutor da época das Luzes, pela Inglaterra que desde o nosso empurrão ao seu
início expansionista e colonialista (oferecido pela “ajuda” em Aljubarrota consumado pelo
casamento do D. João I com Filipa de Lencastre em 1387), continuou pelo nefasto Tratado de
Methuen (acordo comercial estabelecido entre Portugal e Inglaterra em 1703 que se traduziu

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numa relação desigual compensada pelo ouro do Brasil), passando ao nível das ideias pelo
liberalismo constitucional, implantado sem a devida adaptação aos nossos usos e costumes e que
por último se tentou aproveitar do estatuto de “Oldest Ally” após 1815 para tornar Portugal uma
colónia de facto, aproveitando-se da circunstância da ingovernabilidade do país no período que
se seguiu à derrota dos franceses. Por último a consanguinidade e a miscigenação estratégica das
casas reais europeias vieram ainda a toldar ainda mais a nossa missão, enfraquecendo e
condenando posteriormente os Braganças (Casa Real periférica e com perigo de afirmação
contrária aos interesses mundiais que levaram aos dois grandes conflitos 1ª e 2ª Grande Guerra),
as forças ocultas e desestabilizadoras por detrás da 1ª república – movimento que não reflectia os
desejos do povo português na sua maioria alheio a tudo isso, os poderes mundiais materializados
pelos EUA e URSS na instabilidade forçada que levou à independência antes do tempo das
nossas colónias e finalmente a CEE/CE/EU numa sucessão ideológica subreptícia, culminando
no perigo que mais uma vez se avizinha da dissolução total da identidade e independência de um
povo milenar. Mais uma vez a sombra da perda de soberania nacional é consentida pela classe
governativa seguidora do iberismo transferido agora por conveniência ao europeísmo.

Atrevo-me a pensar em suma que as forças destruturantes que se acercaram do nosso país
desde 1535, se deveram ao facto da missão portuguesa se encontrar muito à frente da capacidade
e mentalidade do mundo nessa época e adverso ao materialismo capitalista que se desenvolve
alguns séculos depois. Era necessário travar os Portugueses, e a sua ideia do mundo unido, era
necessário que depois de D. Manuel I (que apercebendo-se do fim, se apressa a registar para
épocas mais propícias a missão portuguesa nos sólidos livros de pedra do manuelino), a missão
nunca mais fosse restaurada, era necessário matá-la de vez, impedindo que D. Sebastião
regressasse a casa… Era necessário em suma que o projecto Templário planeado pelo visionário
São Bernardo de Claraval – o Porto do Graal – soçobrasse de vez!

Deste modo é de todo necessário que as condições mundiais se deteriorem de tal modo que
Portugal emerja da sua hibernação e volte a ser o centro do mundo material, porque se encontra
no centro do “mapa mundi” (posição estratégica) e em esperança espiritual porque é o único país
verdadeiramente universalista reflectido no seu povo amistoso e nas armas da sua bandeira: a
propagação do Quinto Império sobre o Mundo!

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