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A marca da globalização

O mundo não voltaria a ser igual depois de as primeiras caravelas sulcarem os


mares do Atlântico e derrubarem mitos persistentes. O primeiro impulso dos
Descobrimentos foi inequivocamente para leste e para o Índico.
No início do século XV, o mundo estava compartimentado e muitas civilizações
viviam fechadas sobre si próprias com poucos contactos com o exterior. A conquista de
Ceuta, em 1415, e a passagem do cabo Bojador, em 1434, fizeram de Portugal o pioneiro
da Expansão europeia e, consequentemente, da Globalização, um movimento que se
tornou imparável e irreversível desde que Gil Eanes e os seus homens venceram o mito
do Mar Tenebroso. Outras civilizações tinham galgado os seus limites originais e haviam
alargado muito a sua influência ou mesmo o seu domínio, adquirindo até configurações
intercontinentais, como sucedera na Antiguidade com o império de Alexandre e depois
com o dos romanos, e mais tarde com o califado e com o império mongol; os juncos da
dinastia Ming atingiram a actual Tanzânia precisamente no início do século XV, mas
nenhum destes movimentos, que chegaram a parecer imparáveis e avassaladores, havia
persistido.

Américo Vespúcio em gravura contemporânea. Explorador e cartógrafo, o seu


nome foi perpetuado no continente americano. No topo da página, navio relicário de Santa
Úrsula de ouro, prata, coralina e esmalte. Foi doado por Henrique III de França à Catedral
de Reims em 1574.
A conquista de Ceuta, em 1415, e a passagem do cabo Bojador, em 1434, fizeram
de Portugal o pioneiro da Expansão europeia e, consequentemente, da Globalização.
Ainda assim, a Eurásia constituía a área que tinha contactos mais globais e que
persistiam há milhares de anos, e muitos dos progressos da Cristandade resultaram da
aprendizagem de invenções e criações asiáticas, como foi o caso do papel e das armas de
fogo, inventados na China, ou dos algarismos, criados na Índia; até a religião que unia
todos os europeus tinha despontado na costa asiática do Mediterrâneo. No entanto, os
povos da Europa desconheciam objectos como a porcelana, animais como o rinoceronte,
e mesmo a religião budista, por exemplo, e tinham uma ideia muito imperfeita sobre a
Índia, o seu território, as suas gentes e as suas crenças, apesar de consumirem
intensamente as especiarias há mais de mil anos.

Colombo: atrevimento ou pura ambição?


Primeiro perante a corte portuguesa e depois perante a castelhana, Cristóvão Colombo
terá defendido a ideia de que se poderia chegar às Índias pelo oceano Atlântico. A sua
real convicção é ainda objecto de debate.
A travessia do oceano Atlântico navegando por águas desconhecidas até ao Ocidente, à
procura da Ásia, era um empreendimento ousado, para não dizer imprudente. Colombo
tinha uma fé cega nos seus cálculos e pediu aos Reis Católicos não só uma frota, mas
também uma série de regalias sobre as terras descobertas. Essas exigências sugerem
que, para além da ambição do genovês, Colombo tinha forte confiança na sua demanda,
talvez por contar com informação prévia. É aqui que entra a teoria do prenauta, um
navegador que pode ter chegado acidentalmente à costa oeste do Atlântico e que, de
regresso à Europa, confiara o avistamento a Colombo antes de morrer. O inca Garcilaso
de la Vega chega a nomear esse piloto anónimo: Alonso Sanchez, natural de Huelva. Na
imagem, Colombo no Mosteiro de La Rábida, óleo pintado em 1856 por Eduardo Cano
de la Peña (Palácio do Senado, Madrid).
Nessa época, o oceano Atlântico era um espaço por onde os homens não
circulavam, salvo ao longo da costa europeia e no extremo noroeste africano.
Para lá dos limites do conhecido, tudo era possível de existir, e mesmo os europeus
alimentavam hipóteses fantásticas: a Terra era plana ou redonda?
Além disso, nenhum ser humano sabia a configuração do planeta Terra, nem sequer
o número de continentes ou de oceanos existentes. Fora da Eurásia, as populações
comunicavam pouco e, por isso, os aztecas nunca souberam da chegada dos castelhanos
às Caraíbas até que os homens de Cortés penetraram no seu império um quarto de século
depois da primeira viagem de Colombo; e mesmo na periferia da Eurásia havia povos que
tinham conhecimento limitado do exterior, como os japoneses, que designavam o resto
do mundo como “os três países” e que não tinham armas de fogo, embora os chineses as
tivessem e fossem os inventores da pólvora.
Para lá dos limites do conhecido, tudo era possível de existir, e mesmo os europeus
alimentavam hipóteses fantásticas: a Terra era plana ou redonda? Tinha a maior parte da
sua superfície coberta por água ou por terras emersas? Existiam seres maravilhosos, como
homens com quatro olhos, cara de cão ou só uma perna? E o mar nas zonas mais quentes
fervia ou era habitado por monstros medonhos? Hipóteses que hoje nos parecem incríveis
e disparatadas eram, afinal, a realidade do mundo exterior dos povos da Terra,
independentemente do continente em que viviam.
Todos criam que as águas a sul do Bojador eram povoadas por seres bestiais e
agressivos, e todos julgavam que a própria água era quente demais por causa do aumento
do calor sempre que se avançava para sul.
Se as lendas sobre os seres fantásticos de terras ignotas podiam gerar curiosidade e
quiçá uns calafrios aos mais imaginativos, a realidade próxima dos europeus provocava-
lhes um grande receio. Se a ausência de viagens de exploração para as águas ocidentais
se compreendia, devido ao desconhecimento de terra firme alcançável e devido à falta de
meios de orientação em mar alto aberto, a recusa de explorarem a costa ocidental africana
radicava apenas no medo – todos criam que as águas a sul do Bojador eram povoadas por
seres bestiais e agressivos, e todos julgavam que a própria água era quente demais por
causa do aumento do calor sempre que se avançava para sul. E não se tratava de hipóteses
quiméricas ou de relatos de jograis: era a realidade, a certeza de todos, que estava
consubstanciada no facto de nenhum dos aventureiros que tinha ousado partir para o Sul
ter voltado. Era, pois, o medo que tolhia a exploração do oceano, e era a capacidade militar
do islão que bloqueava as frentes oriental e meridional da Europa. Aliás, nesta época, o
território da Cristandade estava a diminuir à medida que a máquina de guerra otomana ia
esmagando todos os exércitos que a enfrentavam nos Balcãs.
Embora cercada e acantonada no extremo ocidental da Eurásia, a Cristandade
beneficiava do facto de se situar numa zona temperada e estimulante, num território
menos sujeito a catástrofes naturais, e foi capaz de desenvolver uma sociedade global
que, da Escandinávia ao Mediterrâneo e da Hispânia às terras da Moscóvia, se organizava
em sociedades assentes num sistema de três ordens (guerreiros, sacerdotes e
trabalhadores) segundo a tradição indo-europeia; que partilhava uma religião comum, o
cristianismo, estruturada por uma instituição internacional hierarquizada, a Igreja; que
dispunha de uma língua de comunicação falada por todas as elites, o latim, e um sistema
de saber que circulava rapidamente e que se organizava em torno das universidades; e
que desenvolvia um sistema comercial integrado ávido de metais preciosos e sedento de
produtos que eram obtidos em mercados distantes, sobretudo as pedras preciosas, os
perfumes, o marfim, os tecidos finos de seda e de algodão e as especiarias.

Os portugueses na Ásia: o comércio como outra forma de domínio


A coroa portuguesa concentrou esforços durante todo o século XVI nas ligações
marítimas com a Índia e na negociação de um monopólio para comércio das especiarias,
reduzindo deste modo a importância das rotas terrestres. Iniciou-se assim a expansão
portuguesa pelo Índico, primeira prioridade da aventura ultramarina.
Beligerantes ou dialogantes consoante a ocasião e as necessidades diplomáticas, os
portugueses que chegaram ao continente asiático fizeram-no num primeiro momento com
uma intenção maioritariamente comercial. No entanto, a necessidade de assegurar o
abastecimento na região, de evitar a concorrência de outras potências europeias, árabes
ou otomanas e, ao mesmo tempo, de estabelecer proveitosas alianças e relações com os
diferentes reinos indianos acabaram por formar as bases da expansão militar e colonial.
O seu principal artífice foi Afonso de Albuquerque. Enviado por Dom Manuel I à Índia
em 1509 na qualidade de vice-rei, iniciou, um ano depois, uma bem-sucedida campanha
de conquistas. Conseguiu conquistar Goa, que estabeleceu como entreposto das Índias
Orientais. A essa conquista seguiu-se o estabelecimento de portos comerciais em pontos
tão longínquos como Ceilão, Malaca, Timor, Macau ou Nagasáqui. O estabelecimento de
uma rede de fortalezas por todo o oceano permitiu-lhe exigir taxas aos barcos que ali
transitavam.
Ambiciosos, individualistas, empreendedores, crentes na superioridade da sua
civilização e tendo a sua religião por absolutamente verdadeira, os europeus tinham as
condições ideais para provocarem o desencravamento do mundo fragmentado dos alvores
do século XV. Já haviam tentado sair dos seus limites pelas Cruzadas dos séculos XII e
XIII, e tinham estado de novo à beira de atacar o islão no século XIV, a partir da Península
Ibérica. Foi precisamente entre 1341 e 1345 que Dom Afonso IV (que reinou de 1325 a
1357) definiu a doutrina expansionista da coroa lusa, ao obter uma bula de Cruzada que
reconhecia o direito de Portugal à conquista do reino de Fez, e que reclamava o senhorio
das ilhas Canárias, sob o argumento da proximidade geográfica. Em meados de Trezentos,
o rei português compreendia que o rectângulo peninsular era insuficiente e que Portugal
tinha de se projectar para o exterior de acordo com as suas próprias características de
potência marítima. Não sabemos se o monarca estava em condições de iniciar uma
efectiva política de expansão ultramarina, mas é certo que o curso da história lhe bloqueou
qualquer ousadia. Com efeito, em 1348 eclodiu a Grande Peste e a Europa mergulhou
numa crise profunda, agravada por conflitos longos como a Guerra dos Cem Anos e o
Grande Cisma, a que se juntaram na Hispânia as sucessivas guerras luso-castelhanas;
durante décadas, Portugal correu o risco de ser absorvido por Castela, Lisboa foi cercada
duas vezes e só a vitória inesperada e retumbante de Aljubarrota pôs fim à ameaça
castelhana.
O infante Dom Henrique (1394-1460), não se conformou com os limites milenares
da Cristandade e quis descobrir as terras para lá do cabo Bojador, a última porção de
terra conhecida da civilização euro-mediterrânica.
Portugal foi o primeiro país a libertar-se desta crise e, no início do século XV, abriu
um novo capítulo da sua história ao sair dos seus limites continentais com a conquista do
porto de Ceuta e a ocupação dos arquipélagos da Madeira e dos Açores. Depois, um
membro da família real, o infante Dom Henrique (1394-1460), não se conformou com os
limites milenares da Cristandade e quis descobrir as terras para lá do cabo Bojador, a
última porção de terra conhecida da civilização euro-mediterrânica. Buscava aliados
militares para combater o islão e novos mercados com os quais pudesse comerciar, além
de desejar conhecer esses territórios inexplorados e de dilatar a religião cristã. No entanto,
a passagem do cabo parecia ser uma viagem para a morte e durante doze anos as
tripulações enviadas pelo infante não se atreveram a tentar a passagem.
Em 1434, finalmente, Gil Eanes e os seus homens venceram o medo e abriram uma
nova era para a humanidade. Os Descobrimentos prosseguiram lentamente, ao longo do
século XV, mas sempre imparáveis. A porta aberta em 1434 nunca mais se fechou, as
explorações marítimas nunca mais pararam e as tripulações nunca mais recearam
monstros marinhos ou águas ferventes. Como se vê pelo mapa de Martelus Germanus,
desenhado em 1490, os primeiros 60 anos de explorações marítimas foram marcados pelo
reconhecimento da costa ocidental africana e do oceano Atlântico. Depois, porém, as
viagens de Cristóvão Colombo (1492), Vasco da Gama (1497-1499) e Pedro Álvares
Cabral (1500-1501) abriram novos horizontes, como nos testemunha o mapa de Cantino,
composto em 1502. O rei Dom Manuel I de Portugal (que reinou de 1495 a 1521) foi, por
isso, o primeiro soberano do mundo a ter oficiais às suas ordens em quatro continentes
diferentes.
Vasco da Gama (1469-1524)
O grande navegador português aparece aqui representado num manuscrito iluminado de
meados do século XVI.
Os Descobrimentos correspondem, pois, a uma revolução geográfica, que alterou
radicalmente a relação do homem com o planeta. Os seres humanos apreenderam,
finalmente, qual era a configuração da Terra e abriram novas vias de circulação. O
Atlântico, que fora uma barreira até ao século XV, a partir de Quinhentos tornou-se o
grande eixo das comunicações intercontinentais. E homens, animais, plantas, objetos e
ideias cruzaram o mundo em todas as direções. Hábitos localizados em áreas restritas do
Globo foram-se generalizando, lenta, mas irreversivelmente, como sucedeu, por exemplo,
com o consumo do açúcar, da pimenta e da canela, do gengibre e do cravo, do tabaco, do
café, do chocolate, do chá, do algodão e das porcelanas ou com a utilização de armas de
fogo.
O Atlântico, que fora uma barreira até ao século XV, a partir de Quinhentos
tornou-se o grande eixo das comunicações intercontinentais.
Os portugueses foram os pioneiros deste movimento globalizador. Iniciaram-no e
foram um dos seus atores principais nos séculos seguintes. Seguiu-se-lhes Castela, no
final do século XV, e a partir do século XVII as potências do Norte da Europa criaram os
seus próprios impérios coloniais. Mas voltemos ao princípio, à viagem pioneira.
A passagem do Bojador
Em 1434, foi um feito singular, pois marca uma mudança estrutural da história da
própria humanidade. Como referi, até então o Atlântico, além de ser desconhecido na sua
configuração, era uma imensa superfície aquática deserta de navios – era, de facto, a
última barreira que impedia o homem de circular pelo planeta; cem anos depois, este
mesmo oceano seria o eixo que permitiria que o homem circulasse por todo o planeta.
1434 assinala, assim, o início de uma Revolução Geográfica – um rasgar de horizontes
que proporcionou a capacidade de compreender finalmente a verdadeira dimensão e
configuração do mundo. O que distingue a viagem de Gil Eanes é que foi esta, de uma só
vez, que venceu o Medo e o mito do Mar Tenebroso; as lendas não desapareceram de
imediato, certos receios sobreviveram, mas nunca mais um objectivo geográfico foi
evitado porque os exploradores tinham medo de não poder voltar. Sintomaticamente, no
texto da Crónica de Guiné, que relata as primeiras viagens, surge amiúde a palavra
“nunca” como testemunho da consciência do cronista de que os feitos narrados
assinalavam uma ruptura, uma mudança extraordinária.
Avanços cartográficos
Um dos principais contributos das navegações portuguesas o século XV foi produzido
no domínio da cartografia. Anteriormente, os mapas europeus incluíam figuras
monstruosas ou fantásticas nos mares não explorados. O historiador Paulo Lopes, autor
de O Medo do Mar nos Descobrimentos, lembra que a visão do Atlântico antes da viagem
de Gil Eanes era ainda inspirada nas concepções da Antiguidade.
Como se viu, Portugal reunia as condições para desencadear este movimento
globalizante, nos primórdios de Quatrocentos, mas não foram simplesmente essas
condições que empurraram a tripulação de Gil Eanes para aquele feito extraordinário. Ao
ambiente favorável acrescentou-se a vontade férrea de um homem, o infante Dom
Henrique. Duque de Viseu e governador da Ordem de Cristo, era um príncipe devotado à
Cruzada, que alcançara a glória na conquista de Ceuta, em 1415. Ao contrário dos seus
irmãos, esse sucesso não o sossegou, pois entendia que o reino devia realizar ataques
sistemáticos contra o reino de Fez. No entanto, a coroa não tinha meios financeiros, nem
garantias políticas de Castela que lhe dessem a força e a segurança para lançar
permanentemente a sua hoste contra os mouros.
A localização dos Açores, em 1427, mostra-nos que a navegação portuguesa
ganhava confiança e que era capaz de navegar pelas águas adjacentes. Faltava quebrar
o mito do Mar Tenebroso.
Em 1420, começou, entretanto, o povoamento das ilhas da Madeira e de Porto
Santo; era o sinal de que Portugal estava, de facto, pronto para alargar os seus domínios
e as viagens entre o reino e o arquipélago aumentaram a habituação às coisas do mar. A
localização dos Açores, em 1427, mostra-nos que a navegação portuguesa ganhava
confiança e que era capaz de navegar pelas águas adjacentes. Faltava quebrar o mito do
Mar Tenebroso.
Foi, pois, neste contexto que, em 1422, Dom Henrique desejou alcançar as terras a
sul do Bojador, desejoso de satisfazer a sua curiosidade, e motivado pela esperança de
obter mais riquezas e de encontrar o mítico Preste João, um poderoso rei cristão que se
supunha existir a sul do Magrebe islâmico. Sem se atrever a enfrentar pessoalmente o
Bojador, o infante desejou vencê-lo e foi insistindo com os seus homens, ano após ano,
desde 1422, para que passassem o cabo. O medo dos marinheiros fê-los desistir doze
vezes, mas à décima terceira vez, as ordens de Dom Henrique foram finalmente
satisfeitas; a sua tenacidade e persistência e a coragem dos seus navegadores alteraram o
curso da história do mundo. Por isso, o medo nunca mais impediu a exploração
sistemática do planeta.

Chegada de Cortés à costa mexicana


A imagem recria o momento em que os emissários de Moctezuma recebem Cortés, que
lhes falou de paz, embora tenha mostrado as suas armas de fogo e os seus cavalos. Óleo
sobre tela do século XVI, de autor anónimo (Fundação Jay I. Kislak, Miami).
O regresso de Gil Eanes com as rosas de Santa Maria, porém, não resolveu o
problema; realizaram-se novas expedições nos anos de 1435 e 1436, mas progrediu-se
pouco para sul e depois as navegações foram interrompidas. As barcas (navios pequenos
de pano redondo) tinham cada vez mais dificuldade em realizar a torna-viagem devido
aos ventos constantes que sopram de norte para sul junto à costa africana; era preciso
navegar pelo mar alto para regressar ao reino, mas para isso era preciso um navio mais
robusto e que bolinasse, ou seja, que navegasse contra a direcção do vento. Uma vez mais
o infante Dom Henrique foi decisivo e viabilizou a continuidade dos Descobrimentos.
Por um lado, reuniu em Lagos homens de diferentes saberes que tinham por missão
resolver os problemas que se colocavam aos navegadores; por outro, enviou carpinteiros
algarvios para os Países Baixos, onde se juntaram a artesãos flamengos na criação de um
casco adequado à navegação oceânica; dotaram depois esse novo protótipo de velas
latinas (triangulares) e criaram um novo tipo de caravela. E enquanto uns criavam o navio,
outros estudavam a forma de os marinheiros não se perderem no mar oceano e criaram as
condições para o desenvolvimento da navegação astronómica, com a adaptação de um
instrumento de observação da altura das estrelas, o quadrante. Muitos destes sábios eram
judeus, alguns naturais do reino, outros convidados a colaborar, como Jaime de Maiorca.
A herança hebraica, que se entranhava no mundo europeu há mais de um milénio, dava,
assim, o seu contributo para a conquista do mundo.

Os Chibchas
Habitantes do planalto cundiboyacense, na Colômbia Central, os chibchas ou muiscas
eram a segunda civilização mais importante da América do Sul depois dos incas. O povo
chibcha vivia na região desde o século VI a.C., e, na época da conquista espanhola, os
seus soberanos exerciam também domínio sobre os territórios vizinhos circundantes. Os
tunjos (objectos votivos como o da imagem), de ouro ou tumbaga (uma liga composta de
ouro e cobre), constituem uma das manifestações mais características desta cultura
(Museu da América, Madrid).
A partir de 1441, as viagens para sul recomeçaram definitivamente. Escudeiros e
cavaleiros da Casa do Infante comandavam as caravelas, compunham parte das
tripulações e encabeçavam as razias contra as populações costeiras. Ao longo da costa
saariana, foram encontrando populações muçulmanas e repetiam os procedimentos
habituais em Marrocos, atacando-as e aprisionando todos os indivíduos que conseguiam
e que depois eram vendidos como escravos, à sombra do conceito de guerra justa.
Portugal olhava agora para o Atlântico como um mare nostrum, o que foi, aliás,
reconhecido pela própria Cristandade, desde que o papa Nicolau V assinou a
bula Romanus Pontifex, em 8 de Janeiro de 1455.
Encontrada a forma de vencer as dificuldades do mar, Portugal afirmou-se de vez
como uma potência marítima. Os Descobrimentos henriquinos foram assimilados pela
coroa em 1443 quando o rei de Portugal se afirmou como o senhor dos mares. A carta
assinada pelo regente Dom Pedro é uma das peças mais extraordinárias da diplomacia
portuguesa. Dom Henrique ordenara as viagens para sul, no âmbito de uma empresa
privada, mas agora os negócios da Guiné começavam a ser lucrativos e a despertar o
interesse de outros privados, portugueses ou estrangeiros. O infante queria manter o
exclusivo da exploração e do comércio da Guiné, mas faltava-lhe autoridade de Estado
para poder reclamar legalmente qualquer tipo de monopólio. Foi decerto fácil o
entendimento com o irmão regente, e este concedeu, em nome do rei, o exclusivo da
navegação a sul do Bojador a Dom Henrique, a título vitalício. Ao conceder este
monopólio a um dos seus súbditos, a coroa estava, afinal, a proclamar a posse do mar
oceano, o que levou as caravelas henriquinas a atacar todos os que desafiassem esta
doação, mesmo que fossem estrangeiros. Quer isto dizer que, depois de ter obtido um
estabelecimento na boca do Mediterrâneo e de ter ocupado as ilhas mais próximas do seu
território peninsular, Portugal olhava agora para o Atlântico como um mare nostrum, o
que foi, aliás, reconhecido pela própria Cristandade, desde que o papa Nicolau V assinou
a bula Romanus Pontifex, em 8 de janeiro de 1455, que confirmava os termos da carta de
1443.
Entretanto, em 1444, a geografia experimentada pelos navegadores mudou
subitamente e a costa estéril ocupada por populações islamizadas e indefesas deu lugar à
floresta luxuriante povoada por gente aguerrida que, cada vez mais, não professava a Fé
do Profeta.
Continuava a haver ouro e continuaram a obter-se cativos, mas acabaram os
ataques. As populações a sul do rio Senegal chegaram a massacrar tripulações
inadvertidas e os portugueses aprenderam a respeitá-las, pelo que Dom Henrique ordenou
que cessassem as acções militares e que se limitassem as relações com os guinéus ao
comércio pacífico. Como eram populações belicosas, que mantinham guerras com
vizinhos, foi sempre fácil obter cativos. Eram negócios muito lucrativos para ambas as
partes, pois tanto portugueses como africanos entregavam produtos que tinham pouco
valor para si e que eram valiosos para o interlocutor. Dispondo de uma economia
desenvolvida e sofisticada, mas não monetarizada, os africanos mantiveram sempre os
preços sujeitos às regras da oferta e da procura, mas não atribuíam muito valor ao ouro,
o que viria a fazer a fortuna da coroa de Portugal durante décadas.
Mercadores portugueses no Japão
O país do Extremo Oriente era conhecido na Europa desde os tempos de Marco Pólo, que
lhe chamou Cipango. Sabe-se que os portugueses chegaram à ilha de Kyushu em 1543,
mas os contactos comerciais iniciaram-se nos princípios de 1550. O negócio com o Japão
tornou-se um monopólio português. Os comerciantes lusos aparecem em plena actividade
neste biombo
de seda pintada do início do século XVII que se conserva no Museu de Arte Asiática de
São Francisco.
Nos anos 50 do século XV, prosseguiu o avanço sistemático para sul, e dispomos
do relato interessantíssimo de Alvisse Cadamosto, um veneziano que foi duas vezes à
Guiné ao serviço do infante Dom Henrique. O aventureiro deixou-nos um testemunho
precioso das características destas viagens e do maravilhamento dos homens perante a
prodigalidade da fauna e da flora. Descobriram animais nunca antes vistos, como o
hipopótamo, que julgaram ser um peixe por passar quase todo o tempo dentro de água e
que Cadamosto descreve como tendo uma cabeça de cavalo, corpo de vaca e dentes de
javali; e a surpresa era recíproca porque o impacte da globalização impressionava todos,
e por isso o veneziano diz que os guinéus inicialmente julgavam que as caravelas eram
grandes peixes, por nunca terem visto navios de grande porte, e que nalgumas localidades
lhe cuspiram na mão e a esfregaram para se convencerem de que a alvura da pele não era
pintada. Este é um sinal claro do carácter revolucionário dos Descobrimentos, pois
passados 130 anos seria um senhor feudal japonês a pensar que o negro que estava à sua
frente não passava de um impostor com a cara pintada.
Ao contrário do que a tradição fez crer, Dom Afonso V foi um rei atento ao
progresso dos Descobrimentos e que controlou as viagens de exploração desde a morte
do infante Dom Henrique, em 1460.
Dom Henrique quis que as caravelas nunca interrompessem o avanço para sul, e as
explorações só eram interrompidas quando a tripulação entendia que os objectivos da
viagem já estavam alcançados ou quando as línguas dos povos recém-descobertos eram
tão distintas das dos mais a norte que era necessário obter novos intérpretes. No final dos
anos 1450, as informações dos cartógrafos dos Descobrimentos já se articulavam com os
conhecimentos tradicionais da Europa no mapa de Fra Mauro e pela primeira vez é feita
uma referência difusa à Índia. Admito, por isso, que nos últimos anos da sua vida, Dom
Henrique tenha admitido que a exploração sistemática da costa ocidental africana poderia
levar a Cristandade aos mares da Ásia.
Ao contrário do que a tradição fez crer, Dom Afonso V foi um rei atento ao
progresso dos Descobrimentos e que controlou as viagens de exploração desde a morte
do infante Dom Henrique, em 1460. As viagens de exploração continuaram sob o
comando de cavaleiros e escudeiros da casa real, enquanto, em 1468, o comércio foi
arrendado a um particular, Fernão Gomes, mencionado como escudeiro da casa real pelo
menos desde 1469. Por esta altura, as caravelas percorriam a orla costeira africana ao
longo do golfo da Guiné, navegando em direcção a oriente, pelo que a esperança de chegar
ao oceano Índico aumentou, o que levou mesmo o rei, em 1470, a decretar o monopólio
de produtos que ainda não tinham sido encontrados nos portos da Guiné, mas que
chegavam à Europa vindos da Ásia. A Índia já estava no horizonte dos navegadores
portugueses. Não se concretizou então a chegada ao mercado das especiarias, mas
descobriu-se entretanto, no actual Gana, um mercado de ouro fabuloso, que viria a
assegurar enormes níveis de riqueza à coroa portuguesa por mais de meio século – o ouro
da Mina.
Cidade moderna
Esta representação de Lisboa por Theodor de Bry, datada da segunda metade do século
XVI, mostra uma cidade fervilhante, repleta de visitantes exóticos e com o frenesi próprio
das grandes metrópoles (Serviço Histórico da Marinha, Vincennes).
Em 1458, Fra Mauro desenhou um mapa-múndi que admitia a circum-navegação
de África, mas a constatação de que a linha costeira do continente negro voltava a flectir
para sul desapontou decerto os navegadores e os seus mentores, e poderá ter contribuído
para um revivalismo das teses ptolemaicas que concebiam o Índico como um mar interior,
inacessível a partir do Atlântico.
Entretanto, em 1466, o monarca também se empenhou na ocupação do arquipélago
de Cabo Verde, descoberto entre 1456 e 1462. Ciente da importância fundamental do
controlo dos espaços insulares para a prossecução de uma política de hegemonia
marítima, Dom Afonso V deu benefícios a quem quisesse mudar-se para esse território
distante. O povoamento da ilha de Santiago constituiu, assim, a primeira fixação de
europeus num território tropical. A posse do arquipélago veio a revelar-se crucial durante
a guerra luso-castelhana de 1474-1479, que os portugueses venceram na frente oceânica.
A mais antiga representação conhecida de uma nau de quatro mastros foi incluída
no "livro Carmesim" de 1502, permitindo uma rara perspectiva da estrutura das
embarcações da Carreira da Índia.
Por esta altura, as caravelas já tinham cruzado o equador. O quadrante, que media
a altura da estrela polar, deixara de ser útil para a navegação, pois no hemisfério sul não
existe nenhuma estrela suficientemente próxima do pólo sul. A navegação astronómica
passou a fazer-se com o recurso ao astrolábio e à medição da altura do Sol ao meio-dia,
o que exigia cálculos complexos, na medida em que a posição do Sol em relação ao eixo
da terra muda todos os dias. Nesse tempo, alguns astrónomos viajaram até às terras
equatoriais para realizarem medidas mais fiáveis. Desde o início, os Descobrimentos
eram uma empresa comercial, asseguravam um domínio crescente do oceano à coroa e
apoiavam-se num trabalho científico que envolvia cartógrafos e astrónomos.
As armadas castelhanas foram derrotadas nas águas tropicais e, quando chegou o
momento de negociar a paz, Isabel obteve o trono, mas teve de abdicar das suas
pretensões à Guiné.
Durante o reinado de Henrique IV (r.1454-1474), Castela não reivindicara direitos
em relação à Guiné e acatara a bula Romanus Pontifex de 1455, mas Isabel, a Católica,
ao entrar em guerra com Joana, a Beltraneja, e com Portugal pela posse do trono
castelhano, retomou a doutrina de seu pai, o rei João II (que reinara de 1406 a 1454) e
reivindicou a posse da Guiné, e em especial do negócio da Mina. As armadas castelhanas
foram derrotadas nas águas tropicais e, quando chegou o momento de negociar a paz,
Isabel obteve o trono, mas teve de abdicar das suas pretensões à Guiné, pelo Tratado das
Alcáçovas-Toledo (1479-1480).
O cabo desejado
A vitória lusa nos mares consagrava a política régia das últimas décadas. Ao mesmo
tempo que enviava os seus próprios oficiais para o reconhecimento da linha costeira
africana, a coroa estimulava os privados a explorarem o interior do oceano. A partir de
1473, o monarca concedeu cartas que doavam a capitania de ilhas que viessem
eventualmente a ser descobertas. A doação de territórios hipotéticos é, sem dúvida, uma
das manifestações mais emblemáticas da revolução geográfica. O mais significativo é o
facto de el-rei de Portugal se arvorar no direito de doar terras em qualquer parte do
oceano, mesmo a norte do Bojador, ou seja, em águas sobre as quais não havia sido
produzido nenhum tipo de legislação. Durante o século XV, Portugal encarou, de facto,
o Atlântico como uma espécie de mare nostrum. No final da centúria, as caravelas
chegaram à Terra Nova, mas a inospitalidade do território e o cheiro das especiarias
afastou os portugueses da América do Norte, embora passassem a buscar as águas
próximas para a pesca do bacalhau.
A veia oriental
Este mapa do mar da China, atribuído a Lopo Homem-Reinéis em 1519, revolucionou o
conhecimento do Oriente e resultou da intenção explícita da coroa portuguesa de
estabelecer relações diplomáticas com as potências orientais.
Entretanto, em 1474, Dom Afonso V confiou o governo dos assuntos da Guiné ao
príncipe, o futuro Dom João II (r. 1481-1495). Avizinhava-se a guerra com Castela e o
herdeiro tinha já 19 anos. Ao mesmo tempo que defendia as águas tropicais dos rivais
castelhanos, Dom João era confrontado com os conselhos de mercadores genoveses e
florentinos. Estes eram rivais de Veneza, a detentora do exclusivo da revenda das
especiarias para a Cristandade a partir de Alexandria e do Cairo. Conhecem-se cartas
desse período em que italianos sugerem que se busque a Índia navegando para ocidente.
Terá sido, pois, entre 1474 e 1481 que foi concebido na corte portuguesa o plano da Índia,
sob a égide de Dom João em articulação com o rei, seu pai.
Só os portugueses tinham então uma noção correcta da largueza da Terra.
O plano consistia essencialmente na criação de uma fortaleza que defendesse o
comércio do ouro na Mina e do envio de expedições com o objectivo específico de
avançar o mais possível para sul até encontrar a passagem do Atlântico para o Índico. A
hipótese de buscar a Ásia navegando para ocidente nunca foi assumida pela coroa,
certamente por duas razões – a consciência de que era impossível controlar para sempre
toda a imensidão oceânica e o receio de que seria uma navegação impossível, tendo em
conta que só os portugueses tinham então uma noção correcta da largueza da Terra e que
desconheciam a existência da América. No ano em que a coroa ia construir a fortaleza de
São Jorge da Mina e lançar a primeira grande expedição para sul, o rei Dom Afonso V
faleceu subitamente a 28 de Agosto de 1481, pelo que a política da Índia acabou por ser
concretizada pelo recém-entronizado Dom João II e ficou gravada na memória colectiva
dos portugueses como se tivesse resultado da vontade exclusiva do Príncipe Perfeito.
Representação rara da forma como os japoneses viram a chegada dos primeiros
europeus, os biombos namban são um ícone da narrativa dos Descobrimentos nos mares
orientais (Museu Nacional de Arte Antiga).
Ao mesmo tempo que buscava a passagem para a Índia, o rei também desejava
encontrar o Preste João, que já havia sido procurado pelo seu tio, o infante Dom Henrique,
o que levou as caravelas a subirem o rio Zaire, por exemplo, até às pedras de Ielala, cerca
de duzentos quilómetros adentro do continente. Também enviou espiões por terra a obter
informações sobre os circuitos mercantis do Índico e sobre o Preste João, mas, se alguma
vez chegaram relatórios desses espiões à corte, as suas informações não foram usadas nos
preparativos da descoberta da Índia.
Em 1488, finalmente, Bartolomeu Dias descobriu a passagem tão desejada e por
isso mesmo o monarca mudou o nome do cabo das Tormentas para Boa Esperança. No
entanto, Dom João II não enviou uma expedição à Índia logo a seguir. Com efeito, os
portugueses ainda não tinham encontrado a rota ideal para chegar ao extremo sul de
África, e demoraram ainda alguns anos a explorar o Atlântico Sul até que passaram a
conhecer o seu sistema de ventos, o que lhes permitiu saber que era necessário navegar
pelas águas ocidentais do Atlântico Sul, para aceder ao cabo da Boa Esperança sempre
com ventos favoráveis. O comércio com a Índia não podia ser feito com navios pequenos
como as caravelas; eram necessárias naus, de casco maior e movidas por velas de pano
redondo. Quando a rota atlântica estava definida, a coroa portuguesa foi confrontada com
a pertinácia de Cristóvão Colombo.

Memória das Armadas


Esta obra mítica dos Descobrimentos portugueses evoca as sucessivas armadas que se
dirigiram à Índia até 1640, listando inclusivamente as que nunca chegaram ao destino.
Figura controversa e enigmática, Colombo julgava que era mais fácil chegar à Ásia
pela via do Ocidente e conseguiu convencer a rainha de Castela a apoiar as suas ideias.
Ao descobrir terras a ocidente, Cristóvão Colombo embaraçou os planos de el-rei de
Portugal, ao trazer de volta Castela para o Atlântico, de onde fora arredada pelo Tratado
das Alcáçovas e circunscrita à nesga de água das Canárias. A viagem de 1492 pôs
finalmente o homem europeu em contacto permanente com um Novo Mundo e o
Atlântico começou a ganhar uma nova margem, ao mesmo tempo que libertava Castela
da hegemonia aragonesa e dos seus interesses mediterrânicos. Sem o saber e sem o
perceber, Colombo (fosse ele quem fosse) alterou duplamente o sentido da História, pois
projectava a Europa para a América ao mesmo tempo que alterava decisivamente o jogo
de forças entre Castela e Aragão a favor da primeira, abrindo caminho de vez para uma
Espanha de predominância castelhana.
Ao descobrir terras a ocidente, Cristóvão Colombo embaraçou os planos de el-rei
de Portugal, ao trazer de volta Castela para o Atlântico, de onde fora arredada pelo
Tratado das Alcáçovas.
Nada disto era desejado por Dom João II, pelo que as teses que defendem que
Colombo estaria ao serviço do Príncipe Perfeito não fazem sentido (ainda que seja muito
possível que o almirante fosse português); Colombo foi um empecilho para o rei de
Portugal e obrigou-o mesmo a abdicar da sua política de mare nostrum e a partilhar o
oceano e o mundo com os castelhanos, o que foi resolvido pelo Tratado de Tordesilhas,
em 1494. A insistência da delegação portuguesa para que a linha de separação das zonas
de influência de cada monarquia fosse desviada mais para ocidente prova-nos que a coroa
lusa já conhecia então cabalmente o sistema de ventos do Atlântico Sul e que sabia qual
era a rota ideal para atingir a zona do cabo da Boa Esperança, independentemente das
terras que pudessem existir nessa região do oceano.

RIQUEZAS NO MAR A lista de galeões espanhóis que entre os finais do século


XV e princípios do século XIX nunca chegaram ao porto é interminável. Em 2009, o
governo espanhol fez uma estimativa das riquezas que se afundaram com eles. Segundo
os seus cálculos, o ouro e a prata perdidos poderiam valer 100 mil milhões de euros, mas
o seu verdadeiro valor é cultural e imaterial.
DOBRÕES E LINGOTES Um desses galeões que jazem no fundo do mar é o Nossa
Senhora das Maravilhas, navio almirante da frota dos galeões da Terra Firme, afundado
em 1656 nas Bahamas. Os dobrões e lingotes de ouro da imagem, recuperados em 1972
(antes de serem descobertos os principais destroços), provêm do seu tesouro.
As descobertas castelhanas a ocidente não demoveram Dom João II do seu
objectivo e o seu sucessor, Dom Manuel I (que reinou de 1495 a 1521), completou o plano
joanino e enviou os seus homens para os mares do Oriente. Entre 1498 e 1509, os
portugueses lograram intrometer-se no comércio euro-asiático das especiarias e abriram
uma nova rota intercontinental que ligava Cochim, na Índia, a Lisboa. Depois da viagem
pioneira de Vasco da Gama (1497-1499) e da expedição de Pedro Álvares Cabral (1500-
1501) que assegurou o controlo das terras no Sudoeste do Atlântico, o rei enviou armadas
todos os anos, tendo começado por garantir uma aliança firme com um potentado indiano,
que foi o rei de Cochim, que se tornou o principal fornecedor de especiarias, ao mesmo
tempo que ensaiava o ataque ao mar Vermelho a fim de impedir o acesso de especiarias
ao Cairo e a Alexandria, o que beneficiaria os negócios de Lisboa, mas também
contribuiria para a asfixia do sultanato dos Mamelucos, a potência islâmica que
controlava o Próximo Oriente, incluindo as cidades santas de Meca, Medina e Jerusalém.

Navio do século XVI


A emigração ibérica foi inicialmente controlada e restrita. A autorização obrigatória de
embarque tinha de ser solicitada à Casa de Contratação e, em meados do século XVI, ao
Conselho das Índias. As viagens eram naturalmente marítimas, pelo que os navios eram
submetidos a rigorosos registos e controlos, já que os passageiros clandestinos eram
frequentes. Nos primeiros anos, tratava-se de emigração quase exclusivamente masculina,
mas tal circunstância não tardou a mudar: cinquenta anos depois de se ter iniciado a
colonização, metade dos emigrantes eram mulheres.
O monarca luso sonhava com a Cruzada à Terra Santa e logrou, de facto,
enfraquecer os Mamelucos, mas a Cristandade estava demasiado dividida e ameaçada
pelos turcos para ter condições de organizar um novo ataque à Terra Santa.
Entretanto, os negócios da Índia foram-se tornando mais complexos e Dom Manuel
I decidiu criar um comando permanente no Oriente e fez de Dom Francisco de Almeida
o primeiro vice-rei da Índia, em 1505. Dom Francisco governou durante quatro anos e,
nesse período, assegurou o domínio do Índico Ocidental, tendo criado as rotas necessárias
para alimentar o trato das especiarias com ouro da África Oriental, e eliminou a armada
enviada pelo sultão do Cairo, na batalha naval de Diu, em Fevereiro de 1509.
Os portugueses negociavam nas praias de África, sem se aventurarem para o
interior, e recolhiam o pau-brasil à vista do mar, com a colaboração dos indígenas.
Nessa altura, a coroa lusa dominava os quatro arquipélagos atlânticos, uma rede de
fortalezas em Marrocos, mais duas na costa ocidental africana (Arguim e São Jorge da
Mina) e uma pequena rede de castelos no Índico Ocidental, desde Sofala até Coulão. No
entanto, quer as fortalezas na Guiné quer as do Índico não correspondiam a conquistas
militares dos portugueses e muito menos a centros coloniais; eram simplesmente um
conjunto de guarnições fortificadas destinadas a proteger o trato oceânico. Os portugueses
negociavam nas praias de África, sem se aventurarem para o interior, e recolhiam o pau-
brasil à vista do mar, com a colaboração dos indígenas. As fortalezas de Arguim e de São
Jorge da Mina existiam apenas porque as populações locais deixavam e serviam somente
para proteger as feitorias do ouro de possíveis ataques de outros europeus.

Uma salva banhada com folha de ouro é um bom espelho da maneira como os
europeus representavam a vida e costumes africanos, entre caçadas e actividades
recolectoras (Palácio Nacional da Ajuda).
Desde 1500, os portugueses lutavam persistentemente nos mares da Ásia e tinham
acumulado um grande número de vitórias, mas nunca tinham realizado conquistas
territoriais, salvo o caso excepcional e momentâneo da ilha de Socotorá (1506-1510). Nos
primeiros cem anos de expansionismo, os portugueses criaram um império marítimo, que
tocava quatro continentes, mas que estava vocacionado para o controlo de circuitos
mercantis e dos seus portos e que instalava as suas guarnições em territórios de reis
aliados ou submetidos. Embora já decorresse uma tentativa de cristianização do reino do
Congo, cujo soberano aceitara o baptismo, até então a coroa portuguesa não tinha
desenvolvido nem uma política colonial nem sequer uma política de conquista. Mesmo
em Marrocos, os portugueses só controlavam, de facto, o interior dos seus espaços
amuralhados onde viviam quase só cristãos, nunca tendo despontado aí qualquer tipo de
sociedade multicultural. Tudo se alterou nos anos seguintes depois de Afonso de
Albuquerque assumir o governo da Índia, no final de 1509.
O governo da Índia
Com efeito, Albuquerque acrescentou à política régia, cruzadística e muito focada
no Mediterrâneo, a vontade de tornar Portugal numa potência asiática, com a intromissão
em redes mercantis interasiáticas, a conquista de cidades (Goa e Malaca) e a criação de
uma sociedade luso-asiática através do casamento dos seus homens com mulheres da
terra. Foi assim que os portugueses se tornaram parceiros de negócios entre a Arábia e a
Índia ou a Malásia e a China.
Ao mesmo tempo, prosseguiu a exploração dos mares da Ásia, e a conquista de
Malaca, em 1511, abriu as portas do Extremo Oriente. Oficiais d’el-rei chegaram ao Sião,
às Molucas e à China nos anos imediatamente a seguir. Em 1515, Dom Manuel enviou
uma embaixada à China e dois anos depois, pela primeira vez na história, a costa chinesa
era visitada por navios fabricados na Europa.
Os poucos que conseguiram voltar à Ásia não tinham nada para contar e seriam
precisos mais dois séculos para que essa grande ilha tivesse utilidade como presídio do
Reino Unido.
A primeira fase das relações luso-chinesas terminou em 1522 e os oficiais da coroa
afastaram-se, mas nos anos seguintes os aventureiros (como Fernão Mendes Pinto)
avançaram para o mar da China e em 1543 atingiram o Japão, completando a ligação entre
o Extremo Ocidente e o Extremo Oriente da Eurásia. E enquanto a maioria dos
navegadores explorava os portos riquíssimos da Ásia, uns poucos foram dar à costa da
Austrália. Existem evidências arqueológicas que nos garantem ter havido desembarques
em terra australiana, mas a terra era inóspita e sem cidades. Os poucos que conseguiram
voltar à Ásia não tinham nada para contar e seriam precisos mais dois séculos para que
essa grande ilha tivesse utilidade como presídio do Reino Unido.
Entretanto, um português ao serviço de Castela tinha descoberto o oceano Pacífico
e, a partir de 1570, o galeão de Manila abria a primeira rota regular trans-pacífica. Pelo
final do século XVI, começavam a existir pessoas que tinham girado em torno do mundo
e que haviam cruzado os três grandes oceanos do planeta. A partir de meados do século
XVI, a Igreja acordou para a missionação e muitos clérigos internaram-se pelo sertão da
América, da Ásia e de África trazendo mais nações para o contacto com o resto do
mundo.
Século e meio depois da viagem pioneira de Gil Eanes, o mundo era muito diferente.
Muitas populações continuavam alheadas do processo da globalização, mas o jogo das
trocas já tinha uma dimensão mundial e os impérios ultramarinos estavam em
crescimento.

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