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É obsceno, mas é bom ter algo que

poucos tém!
Jung Mo Sung

Recentemente a edição brasileira do The Wall Street Journal Americas


trouxe uma reportagem sobre um novo fenômeno de consumo nos Estados
Unidos: mansões sobre rodas. Segundo o repórter, "na cabeça do americano
médio, as novas mansões ambulantes estão tomando o lugar uma vez
ocupado por trailers tradicionais, jatinhos particulares ou casas em Aspen, a
meca do esqui." Só para se ter uma idéia desta febre, as duas principais
empresas que fabricam trailers que vão de 125 mil a 800 mil dólares estão
com pedidos na fila de espera e pretendem produzir algo em torno de 3.260
casas móveis em 1998.

Um californiano, Doy Henley, que pilota uma mansão de Us$ 500 mil
admite que "o investimento é obsceno", porém, ao mesmo tempo afirma:
"mas é bom ter algo que pouca gente tem". É obsceno ou bom?

É sobre e em torno deste fato &emdash; que poderia ter acontecido no


Brasil, em torno de carros que custam de 300 mil a milhão de dólares
&emdash; que quero fazer alguns comentários.

1. Um objeto e duas interpretações.

O proprietário da mansão móvel de Us$ 500 mil dá duas interpretações


diferentes para um mesmo fato: "é obsceno" e "é bom".

O obsceno tem a ver com a falta de pudor, de decência, de modéstia.


Valores predominantes em uma sociedade pré-moderna e puritana. Há
pessoas que consideram a obscenidade como algo positivo alegando que
pode ser visto como manifestação da liberdade sexual e de expressão. Porém,
a conjunção "mas" utilizado pelo Henley mostra que ele utiliza esta palavra
no sentido mais comum, isto é, em um sentido negativo. Mesmo julgando a
partir de uma perspectiva puramente econômica é realmente um certo
contrasenso gastar todo este dinheiro em uma "mansão móvel". Não
somente em uma perspectiva marxista ou humanista, mas também na
perspectiva da economia neoclássica ou neoliberal, com a sua antropologia do
homo economicus, ser "racional" que deve procurar a otimização da relação
entre custo e benefício. É "irracional" alguém gastar quinhentos mil dólares e
o colocar na estrada, correndo riscos de acidentes ou roubos, sem falar na
desvalorização sofrida por todos carros quando deixam de ser considerado
novos.

Contudo, ao mesmo tempo, esta casa móvel de quinhentos mil dólares é


visto como algo bom. Não porque é um bem econômico útil que "vale" o seu
preço, mas porque "é bom ter algo que pouca gente tem". O juízo de valor
não se fundamenta no valor intrínseco da mercadoria, mas no fato de que
poucos têm. Mas também não só nisso, pois nem todo objeto raro vale
dinheiro, muito menos tanto dinheiro. A diferença está no fato de que a
posse desta mansão inveja em outros pois outros também o desejam. O
"bom" está em ser reconhecido pelos outros pelo fato de possuir algo que
muitos desejam e só poucos têm.

Estas duas interpretações contraditórias provavelmente estiveram


presentes na consciência do proprietário no ato da compra e permanece na
explicação posterior. É óbvio que a realização da compra mostra que a
segunda interpretação foi a escolhida ou a que predominou sobre a primeira.
Essa interpretação derrotada aparece na fala apenas como resquício de uma
cultura ou de uma cosmovisão que está aos poucos desaparecendo ou, como
alguns poderiam dizer, como sinal de que ainda lhe resta um pouco de bom
senso que infelizmente não foi levado em conta. Este fato revela que a
intenção do comprador não foi a de investir o seu dinheiro em algo
economicamente consistente, mas sim em se diferenciar, de se sentir superior
em relação aos outros através da posse desta mansão móvel.

2. Desejo e concorrência.

A expressão "é bom ter algo que pouca gente tem" revela que por trás
deste juízo de valor está uma relação baseada na concorrência. O "bom" não
é ter algo que é bom porque é útil, mas ter algo que outros não têm e desejam
ter. Isto é, o objeto é desejado e valorizado porque outros também desejam.
É a intenção de possuir o objeto desejado ou passíveis de serem desejados
por outros, a de criar inveja nos outros, que leva a segunda interpretação
prevalecer e a efetuar a compra.

O motivo fundamental não é o da satisfação de uma necessidade básica


ou desejo de uma vida vivida dignamente, mas a emulação &emdash; o
sentimento de rivalidade ou estímulo que incita a imitar ou exceder o outro.
Este tema do consumo e emulação foi tratado já no final do século passado
por Thorstein Veblen, um sociólogo-economista que não é muito lembrado
por autores neoclássicos e neoliberais. Ele é autor do livro A teoria da classe
ociosa, que foi citado por ninguém menos que o famoso J. K. Galbraith,
quando o Times Higher Education Suplement perguntou qual era o livro que
mais o influenciara sua maneira de pensar. Neste livro, Veblen diz: "o motivo
que está na base da propriedade é a emulação (...) A propriedade surgiu e se
tornou uma instituição humana sem relação com o mínimo de subsistência.
O incentivo dominante desde o início foi a distinção odiosa ligada à riqueza."

A riqueza, que no início era valiosa porque prova de eficiência, passou a


ser base convencional da estima social e, com isso, tornou-se agora &emdash;
segundo Veblen &emdash; coisa intrinsecamente honrosa que confere honra
ao possuidor. Como as pessoas conservam a auto-estima na medida em que
são aprovadas e reconhecidas na comunidade, a riqueza passou a ser também
um requisito daquela auto-satisfação que se chama respeito. Assim sendo, "o
fim da acumulação de riqueza é sempre uma autoclassificação do indivíduo
em comparação com o resto da comunidade no tocante à força pecuniária."
Num mundo assim, não basta que alguém tenha simplesmente riqueza ou
poder, "é preciso que ele patenteie tal riqueza ou poder aos olhos de todos,
porque sem prova patente não lhe dão os outros tal consideração."

Em uma cultura de consumo como a nossa, a ostentação de riqueza


como a "mansão móvel" é interpretado e usado para classificar o status de
seu portador. E a classificação do status em uma relação de emulação, de
concorrência, está intimamente ligada à inveja; tanto no sentir a inveja do que
o outro possui, quanto provocar a inveja nos outros pela ostentação de
objetos que "poucos têm". A este respeito Daniel Bell diz que "se o consumo
representa a competição psicológica pelo status, então podemos dizer que a
sociedade burguesa é a institucionalização da inveja."

Em uma sociedade assim, "a oferta constante de novas mercadorias,


objetos de desejo e da moda, ou a usurpação dos bens marcadores pelos
grupos de baixo, produz um efeito de perseguição infinita, segundo o qual os
de cima serão obrigados a investir em novos bens a fim de restabelecer a
distância social original," levando a um movimento da busca de consumo
ilimitado que não respeita e nem pode aceitar os limites do nosso sistema
ecológico. O capitalismo liberal se legitimou exatamente apresentando-se
como um sistema econômico e social capaz de realizar todos os desejos
humanos &emdash; que são infinitos por definição&emdash; através de
produção e consumo ilimitados de bens econômicos.

3. Desejo mimético: ter para ser.

Mas por que inveja, rivalidade, emulação e ostentação constituem


elementos que compõe a busca da realização do desejo de reconhecimento e
de auto-estima, que está por trás destes consumos conspícuos?

Este é uma tema fundamental que não se refere somente ao consumo


de "mansões móveis", ou de outros bens escandalosamente supérfluos e
caros. Além da crise ecológica, ele tem a ver com a permanência e o
agravamento do dualismo social no Brasil e em muitos outros países do
chamado Terceiro Mundo. Isso porque, quando as elites dos países pobres ou
"em desenvolvimento" desejam imitar o padrão de consumo das elites dos
países ricos e assim se parecer com aqueles de quem têm inveja e se
"distanciar" dos pobres de quem se sentem superiores, estas mesmas elites
aceitam e impõe todos os tipos de ajustes e políticas econômicas que
sacrificam o povo, mas lhes permitem usufruir do consumo conspícuo. E
como tem mostrado já há muito tempo o professor Celso Furtado, "a adoção
de padrões de consumo imitados de sociedades de níveis de riqueza muito
superiores torna inevitável o dualismo social"

Este tema do desejo, imitação e rivalidade &emdash; que traz tantas


conseqüências sociais em uma cultura de consumo como a nossa &emdash;
merece um tratamento que extrapola os limites desta apresentação. Mas
quero fazer aqui uma breve menção ao pensamento de René Girard, um dos
autores que mais tem contribuído nesta área. Para ele a rivalidade não é fruto
da convergência acidental de desejos de duas ou mais pessoas para o mesmo
objeto. Para ele, "o sujeito deseja o objeto porque o próprio rival o deseja.
Desejando tal ou tal objeto, o rival designa-o ao sujeito como desejável. O
rival é o modelo do sujeito, não tanto no plano superficial das maneiras de
ser, das idéias, etc., quanto no plano mais essencial do desejo."

Em outras palavras, eu não desejo um objeto porque o objeto em si é


desejável, mas sim porque é um objeto desejado por alguém. Este alguém é
ao mesmo tempo meu modelo de desejo e meu rival. Assim, a rivalidade é
algo intrínseco à estrutura do desejo. Por isso é que o investimento de
quinhentos mil dólares em uma mansão móvel visto dentro da relação
sujeito/comprador e o objeto/mercadoria é algo obsceno, mas quando visto
na relação com outros sujeitos que também a desejam &emdash;outros que
são modelos que apontam para objeto desejável e, ao mesmo tempo, rivais
&emdash; se torna algo bom.

Um ponto importante que não devemos esquecer é que por trás do


consumo conspícuo e ostentação está a busca do status, do reconhecimento e
do auto-estima. No fundo, está a busca do "ser" que nos torna humanos.
"Uma vez que seus desejos primários estejam satisfeitos, e às vezes mesmo
antes, o homem deseja intensamente, mas ele não sabe exatamente o quê,
pois é o ser que ele deseja, um ser do qual se sente privado e do qual algum
outro parece-lhe ser dotado. O sujeito espera que este outro diga-lhe o que é
necessário desejar para adquirir este ser. Se o modelo, aparentemente já
dotado de um ser superior, deseja algo, só pode se tratar de um objeto capaz
de conferir uma plenitude de ser ainda mais total. Não é através de palavras,
mas de seu próprio desejo que o modelo designa ao sujeito o objeto
sumamente desejável."

Esta idéia de que numa sociedade como a nossa o indivíduo para "ser"
tem que "ter" mercadorias desejados ou apresentados pelos meios de
comunicação como desejados pelos modelos indicados pela própria
sociedade nos ajuda a entender por que tantos vivem a ansiedade de
consumo. Crianças costumam pedir a seus pais para irem a Shopping Centers
fazer compras, sem saber exatamente o que querem ou necessitam comprar.
Elas costumam argumentar dizendo: "eu não sei o que preciso comprar, mas
sei que preciso comprar algo". No fundo, querem "ser". É por isso que as
propagandas famosas, como a de tênis Nike, não falam quase nada sobre as
qualidades do produto, mas só das qualidades do ídolo que aponta o seu
desejo em direção à mercadoria.

O publicitário brasileiro internacionalmente famoso Nizan Guanaes


escreveu que não há trabalho na área de marketing que lhe emocione ou que
inveje mais do que o de Nike. Para ele, "Nike é sublime. Construção madura
e violentamente sofisticada do que pode haver de mais poderoso no mundo
do marketing: uma relação de afeto entre um produto e seu consumidor.
Nike não é um tênis, um calçado, é um modelo de vida. Nike é um estilo e
uma visão do mundo. Seus anúncios são evangélicos. Não vendem apenas,
doutrinam. Não convencem só, convertem. (...) É este mundo de Nike que os
sedentários como eu compram junto com o tênis. Nike faz o menino do
subúrbio americano, o garotão do meio-oeste ou um waspzinho de Sutton
Palace se sentir um jogador de basquete vindo do Harlem. (...) Nike faz a
mulher separada e celulitária se sentir Fernanda Keller só porque deu três
voltas no quarteirão. De Nike, é claro. Nike faz o boy do Terceiro Mundo se
sentir tão bem quanto se se tivesse cheirando cola. Por isso um monte de boy
que não podia ter Nike tem Nike. Porque se não tiver ele morre. Boy é
cabeça, tronco e Nike."

4. Somos o que temos.

O que mata alguém? A falta de comida e atendimento médico ou a falta


de Nike? A resposta a essa pergunta não é tão simples como pode parecer à
primeira vista. É claro que ninguém sobrevive à fome ou às doenças letais,
mas também a exclusão da sociedade e das relações de reconhecimento
mútuo leva às pessoas a uma condição de "vivos-mortos". E quando a
condição sine qua non para a pertença à sociedade ou a um grupo social
significativo é o consumo de determinados objetos de desejo, estes se
transformam em objetos de necessidades "vitais".

Sociedades capitalistas são sociedades que se organizam exatamente em


torno desta confusão entre necessidades vitais e mercadorias objetos de
desejo. Esta confusão aparece claramente nos economistas e teóricos da
administração de empresa que usam estes termos quase como sinônimos. Na
verdade, para os capitalistas não há seres de necessidades, seres humanos que
necessitam um conjunto de bens para manter-se vivo, mas somente
consumidores que exercem suas preferências no mercado. É a redução do ser
humano ao consumidor.
Economia, relações sociais e políticas e cultura sendo regidos por esta
redução e "confusão" têm criado um mundo paradoxal. Para não alongar
demasiadamente, vou resumir este paradoxo reproduzindo um trecho de uma
pequena crônica escrita pelo ex-ministro da Fazenda João Sayad que chegou
às minhas mãos quase que por acaso.

"Há trezentos anos que o capitalismo transforma todas as coisas a nossa


volta em quantidade &emdash; dólares, francos ou reais. Não sabemos bem
quem somos, mas sabemos quanto valemos: somos o carro, a lancha, a casa
ou os quadros que temos.

A economia capitalista focaliza tudo em torno de cifrões. Em


compensação, embaraça tudo o mais. Cada vez nos tornamos mais eficientes,
mais baratos e mais produtivos.

Mais ricos, ficamos cada vez mais pão-duros. Sobram produtos agrícolas
que são jogados nos rios ou estragam nos armazéns. Sobram produtos
industriais que atendem necessidades que precisam ser criadas. Sobra mão-
de-obra porque gente custa salário. Não podemos gastar dinheiro com os
ineficientes, com os aposentados ou com os mais pobres.

Sabemos exatamente quanto custa cada coisa e cada decisão. Tudo é


muito nítido e claro em reais ou dólares.

Mas não temos tempo de nos perguntar sobre o sentido de tudo isso.
Por isso, o mundo nos parece embaraçado e fora de foco.

5. Novos desejos.

Esta forma de interpretar o sentido da existência humana, as pessoas, as


coisas e o meio ambiente que nos cerca está se tornando cada vez mais
hegemônico, a tal ponto de Le Monde Diplomatique ter cunhado a expressão
"o pensamento único" para descrever o que se passa no mundo hoje.

A multiplicidade da possibilidade de interpretação do real está sendo


reduzido à quantificação monetária. As pessoas valem pelo que têm. A
obsessão pelo consumo e acumulação de riqueza faz desaparecer da pauta de
prioridades os grandes desafios sociais do nosso mundo de hoje. A exclusão
social de uma imensa maioria da população mundial e a crise ecológica
tornam-se problemas menores diante desta obsessão.

Mesmo que nos discursos estes temas ainda tenham lugar, elas ocupam,
na maioria das vezes, o mesmo lugar ocupado pelo juízo "é obsceno" no
exemplo com que iniciamos.
Para superarmos as nossas graves crises sociais e ecológica precisamos
de ações &emdash; individuais e coletivas &emdash; diferentes das que têm
prevalecido. E para isso, precisamos rever e mudar a pauta de prioridade das
nossas vidas, das nossas sociedades e dos nossos governos. Isso pressupõe
por sua vez uma outra forma de interpretar a nossa vida, as pessoas e as
realidades que nos cercam. Interpretações mais humanizantes da nossa
realidade humana exigem, por sua vez, novos desejos e novas intenções. Há
um longo caminho a percorrer.

E neste caminho, as grandes religiões têm muito a contribuir. Porque no


fundo o tema que estivemos tratando não se esgota em economia ou em
sociologia da cultura de consumo, mas tem raízes no que as tradições
religiosas chamam de espiritualidade. Na América Latina, onde os pobres
sentem na pele e no estômago o resultado econômico-social de uma cultura
baseada em "é obsceno, mas é bom ter algo que poucos têm!", os cristãos e
seguidores de outras religiões devem enfrentar o desafio de gestar e viver
continuamente uma espiritualidade que não seja centrada na emulação, na
concorrência e na inveja, mas sim no reconhecimento de que a nossa
humanidade se realiza no encontro com o outro, reconhecido como outro e
não transformado em um instrumento ou em inimigo. Uma espiritualidade
que faça reconhecer o valor dos bens econômicos pela sua utilidade à vida
das comunidades humanas, uma espiritualidade que leve as pessoas e grupos
sociais a desejarem novas relações interpessoais e sociais e assim a lutarem
por uma nova ordem econômico-social-política mundial.

Jung Mo Sung. Professor nos programas de pós-graduação


em Ciências da Religião na UMESP e na PUC-SP.
Autor de inúmeros artigos e diversos livros,
entre eles, Desejo, mercado e religião, 3a.ed.,
Vozes, 1998; Teologia e economia, 2a.ed., Vozes, 1995.

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