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É NA ESCOLA QUE SE APRENDE A ALFABETIZAR?

PROVOCAÇÕES
ACERCA DAS APROXIMAÇÕES E DISTANCIAMENTOS ENTRE A
DISCIPLINA ALFABETIZAÇÃO E O EXERCÍCIO DOCENTE NA ESCOLA

Dra. Cláudia B. de C. N. Ometto


Janaína de Souza Silva
Samara Soares Peixoto

RESUMO

Este artigo objetiva tecer reflexões acerca da articulação entre a disciplina de


alfabetização presente na formação inicial do docente da Educação Básica e as práticas
educativas desenvolvidas. Considerando as orientações da Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) sobre a pertinência da continuidade e a progressão das experiências
dos estudantes com a linguagem oral e escrita na modalidade Infantil e nas séries
iniciais do Ensino Fundamental, e reconhecendo a influência da formação inicial para o
exercício da docência, o presente estudo busca entender de que modo à disciplina de
alfabetização do curso de Pedagogia reverbera na prática docente de duas professoras
recém-formadas atuantes na etapa infantil e no ciclo de alfabetização. Ancorado na
perspectiva da Psicologia Histórico-cultural de Vygotsky e na perspectiva Enunciativo-
discursiva de Bakhtin a discussão apresentada no texto compreende a linguagem escrita
como um instrumento cultural humano que exerce papel relevante no processo de
desenvolvimento cultural da criança.

Palavras-chave: Alfabetização. Formação Inicial de Professores. Perspectiva discursiva


para apropriação da linguagem escrita.

INTRODUÇÃO

Abrimos este tópico introdutório anunciando a questão que consideramos


nuclear, a indagação que deu origem ao artigo: De que modo à disciplina de
alfabetização do curso de Pedagogia reverbera na prática docente de duas professoras
recém-formadas atuantes na etapa infantil e no ciclo de alfabetização?
Isto posto, convém aclarar para o leitor que este artigo parte de um Projeto de
Iniciação Científica desenvolvido na Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP
e aprovado no ano de 2016, sob a orientação da Profa. Cláudia B. de C. N. Ometto.
Além disso, com base nas experiências de formação continuada desenvolvidas no
município de Limeira- SP, outras hipóteses foram formuladas sobre o desenvolvimento
das dinâmicas pedagógicas que compõem o trabalho com a leitura e escrita dos
estudantes.
A origem da sustentação da segunda hipótese anunciada no parágrafo anterior
diz respeito à função que uma de nós exerce na Secretaria Municipal de Educação de
Limeira – Professora Formadora.
A condição de Professora Formadora possibilita ter contato com o trabalho
pedagógico desenvolvido pelos docentes em sala de aula, bem como ouvir suas
indagações durante os encontros formativos, como por exemplo, como desenvolver o
trabalho com a linguagem escrita na educação infantil sem enfocar o ensino das letras?
Qual a melhor dinâmica ou método para Educação Infantil? Como não retomar o ensino
das vogais e consoantes nos anos iniciais do Ensino Fundamental já que temos muitas
crianças com diferentes conhecimentos? Como é possível manter a articulação e a
progressão do trabalho com a língua materna na Educação Infantil e nas séries iniciais
do Ensino Fundamental?
Todo esse cenário impôs o desafio de analisar, acompanhar e orientar o trabalho
com a linguagem escrita desenvolvido por duas professoras recém-formadas e atuantes
na etapa final da Educação Infantil e na série inicial do ciclo alfabetização com vistas à
qualificar o processo formativo 1.
Essa demanda apresentou a necessidade de examinar a literatura sobre a
temática, de modo a buscar respostas para as indagações apresentadas. Autoras como
Bosco (2005), Lugle e Mello (2015), e Ometto e Savian (2016), à luz do referencial
teórico apresentado, expõem vários argumentos sobre a importância de incorporar ao
trabalho educativo com a leitura e a escrita de modo a ampliar as experiências
vivenciadas pelos estudantes com a linguagem oral e escrita desde a Educação Infantil.
A pesquisa realizada por Ometto e Savian (2016), por exemplo, buscou estudar o
processo de alfabetização de um grupo de alunos não alfabetizados que estavam

1 Sobre o assunto ver: CAMPOS, S. S. C. Pedagogia histórico-crítica, abordagem histórico


cultural e educação infantil: a experiência formativa de Limeira – SP. Fonte:
https://www.unimep.br/phpg/bibdig/pdfs/docs/03072018_170615_selmasantanacarneirocampos
_ok.pdf Acesso em: 06/08/2018.

1
matriculados no 5º ano do ensino fundamental de uma escola pública no interior de São
Paulo.
Um dos episódios observados e relatado na pesquisa, sobre um dos estudantes,
indicado pela pesquisadora como Bruno, indiciou um possível trabalho com a
alfabetização, realizado em anos anteriores com foco no código da língua, prescindindo
da natureza social e cultural da linguagem e sem assegurar práticas diversificadas de
letramentos.
A título de exemplificar o fragmento acima, nota-se nos registros da pesquisa
que Bruno, mesmo com dificuldade, empenhava-se em executar as propostas
pedagógicas solicitadas pela professora. Porém, os registros revelam que durante as
tentativas de escrita de palavras simples Bruno ficava desestruturado, fato demostrado
porque sempre recorria a recursos externos, como, por exemplo, a utilização do alfabeto
móvel para a composição da palavra, e, somente depois de todo o processo de
composição de letra por letra, era capaz de reproduzi-la em folha branca ou no caderno.
De acordo com Ometto e Savian (2016), o procedimento de copiar palavras
soltas no caderno era muito familiar para Bruno, contudo, há que se aclarar que esse
modo de conceber o trabalho com as práticas de linguagem escrita além de se distanciar
da ampliação das práticas de letramento não favorece novas formas de relação entre a
criança e os aspectos sociais e culturais da linguagem escrita.
Nessa mesma direção, a pesquisa desenvolvida por Lugle e Mello (2015), com
crianças que frequentavam os anos escolares do 1º ao 5º do ensino fundamental,
evidenciou o distanciamento da compreensão da leitura e da escrita como prática social.
Quando os estudantes foram questionados sobre “para que se escreve” e “para que se
lê”, grande parte das crianças apresentaram concepções equivocadas ou não souberam
responder. Sobre o assunto, observe o fragmento:

As respostas explicitam o sentido-escrita como algo que se faz quando


alguém manda e leitura para ficar esperto – que cada um aprendeu a atribuir à
linguagem escrita, alheio ao significado social dessa linguagem. (LUGLE e
MELLO, 2015, p. 188).

Com base na assertiva apresentada, infere-se que os estudantes foram


submetidos a práticas de trabalho com a linguagem escrita de modo análogo às
evidenciadas pela pesquisa de Ometto e Savian (2016), ou seja, os eventos de leitura e

2
escrita organizados na esfera escolar prescindiam das dimensões culturais e sociais da
escrita.
Os indícios apresentados por essas pesquisas não deixam dúvidas em relação ao
fato de que o trabalho desenvolvido com a linguagem escrita no ensino fundamental
apresenta problemas.
Correlativo aos problemas apresentados no ensino fundamental, na Educação
Infantil, o trabalho com a linguagem escrita não é diferente. Os estudos de Bosco (2005)
evidenciam que, por se acreditar como prática indispensável para a modalidade, os
professores investem no trabalho com o desenvolvimento da percepção, da coordenação
motora grossa e fina, da discriminação visual e auditiva, entre outras.

[...] quando o propósito é a aquisição da leitura e da escrita, identifica-se a


introdução dessas atividades preparatórias, nas quais a ênfase é colocada não
na linguagem em funcionamento dos textos, mas sim em verdadeiros
exercícios sobre os fragmentos que os compõem. (BOSCO, 2005, p. 11).

Esse fator apresentado pelo excerto está intimamente ligado às concepções do


trabalho com a leitura e a escrita assumidas pelos professores, que muitas vezes
compreendem que na Educação Infantil o trabalho pedagógico deve primar pela
orientação propedêutica.
Salvo exceções, grande parte desses profissionais professa discursos que na
prática não se legitimam, ao contrário, alimentam práticas imbuídas de processos
mecanizados que pouco contribuem para a ampliação das experiências dos estudantes
com a linguagem ou para o desenvolvimento cultural da criança.
Essas semelhanças apresentadas não são ocasionais: o atendimento à infância
oferecido no Brasil desde o final do século XIX está constituído por ações que
valorizavam o assistencialismo, a proteção dos mais necessitados e, o controle e a
disciplina daqueles que eram considerados marginalizados (SOMMERHALDER,
2010).
Desde então, o discurso de proteção e cuidados na primeira infância tem
marcado fortemente as ideias políticas bem como influenciado a elaboração de
documentos oficiais, as políticas públicas destinadas a esse público e a formação dos
profissionais da Educação Básica.
No tocante ao trabalho com a linguagem escrita, o cotidiano escolar da Educação
Básica nas modalidades Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental apresentam

3
contradições. Por um lado, as práticas organizadas para estes fins são constituídas pelo
reforço de concepções hegemônicas de linguagem e sujeito, que entendem o processo
de apropriação da linguagem escrita como processo interno de construções próprias, que
se distancia de práticas organizadas que consideram o ensino como potencializador do
desenvolvimento os quais legitimam os ideais defendidos pela pedagogia da infância
(PASQUALINE, 2009).
Por outro lado, as orientações conjecturadas na BNCC apontam para a
necessidade de articulação das experiências vivenciadas na Educação Infantil com os
anos inicias do Ensino Fundamental.
Sobre o assunto, grande parte dos professores que atuam nessas etapas de ensino
relatam que as matrizes curriculares do curso de Pedagogia que compõe a disciplina
alfabetização – área de concentração do ensino e da aprendizagem da língua materna,
oferecem carga horária reduzida, quando não, oferecem essa disciplina na modalidade
de educação a distância (EAD), ou seja, “não priorizam o processo de alfabetização,
gerando uma grande lacuna que resulta em uma fragilidade desse processo na prática
cotidiana dos professores alfabetizadores.” (PEIXOTO, 2019, p. 21)
Dessas situações e relações dissidentes apresentadas emergem a pertinência e
oportunidade de captar o modo como a disciplina de alfabetização do curso de
Pedagogia reverbera na prática das duas docentes já apresentadas em tópicos anteriores.
Destarte, a escolha teórica que fundamenta o desenvolvimento deste artigo não é
aleatória, os nossos referenciais se distanciam das ideias hegemônicas difundidas por
parte da literatura contemporânea.
Apresentado o tópico introdutório e compreendido os limites instalados para a
elaboração desse estudo, julga-se pertinente para os próximos fragmentos situar o leitor
sobre o lugar de onde partimos, bem como contextualizá-lo sobre as pretensões iniciais
para o desenvolvimento do estudo.
Para tanto, as próximas tessituras têm como objetivo esboçar em breves linhas as
relações estabelecidas entre a concepção de desenvolvimento infantil, concepção de
linguagem, e a apropriação da linguagem escrita que subjazem o artigo.
Na sequência, o texto discorrerá dialogando entre os relatos e episódios de
práticas de leitura e escrita realizadas pelas professoras e a fundamentação teórica que
sustentam esse estudo.

4
1.1 CONCEPÇÃO DE DESENVOLVIMENTO INFANTIL NA PERSPECTIVA
HISTÓRICO-CULTURAL

Neste tópico apresentamos a concepção de desenvolvimento infantil à luz da


perspectiva histórico-cultural. Para entender melhor essa questão, há de se apresentar
sua relevância para a teoria, nas palavras de Leontiev (1978):

[...] o homem é um ser de natureza social, que tudo o que tem de humano
nele provém da sua vida em sociedade, no seio da cultura criada pela
humanidade (p. 261).

De acordo com o exposto, a natureza social do homem não está dada: do que ele
dispõe ao nascer são heranças de sua estrutura genética herdadas via sua origem
ontológica, que possibilitam a preservação da espécie e o tornam um ser hominizado.
Para explicar melhor essa ideia, Smolka (1989) salienta:

[...] não existe natureza humana fixa e imutável; há, sim, a contínua
elaboração das atividades especificamente humanas e a constituição das
funções mentais superiores no processo histórico das interações sociais.
Neste sentido, o trabalho é considerado como forma prototípica de atividade
humana, sendo esta inconcebível sem o meio social. (p. 26).

Leontiev (1978), ao falar sobre o processo de hominização, diz que esse é fruto
da passagem à vida numa sociedade organizada com base no trabalho. Assim, a
compreensão do processo de desenvolvimento humano bem como a constituição do
homem como sujeito histórico-social estão condicionadas ao entendimento desse
fenômeno à luz das bases teóricas da atividade humana, de suas necessidade e
motivações.
A atividade do trabalho para essa perspectiva engendra o nascimento do homem,
ou seja, o trabalho é a gênese do processo de sua humanização. Pelo trabalho, o homem
transforma a si e à natureza, uma vez que a ele cabe garantir e produzir sua própria
existência, e “em lugar de adaptar-se à natureza, ele tem que adaptar a natureza a si, isto
é, transformá-la” (SAVIANI, 2003 p. 13).

5
Desse modo, os meios que garantem o sustento do homem são retirados da
natureza de forma intencional e planejada e essa situação coloca para o homem uma
condição diferenciada de outros animais, uma vez que esse processo dá origem a ideias
novas, um mundo novo; ou dito em outras palavras: um mundo mais humanizado,
cultural, criado e estabelecido pela necessidade humana.
Partindo desses fundamentos, os pressupostos da psicologia histórico-cultural
para o desenvolvimento infantil defendem um enfoque não naturalista para o processo
de desenvolvimento. Sobre o assunto, Pasqualine, (2009) apoiada em Vygotsky (1995)
destaca que

Vygotsky (1995) refuta a compreensão do desenvolvimento infantil como um


processo estereotipado de crescimento e maturação de potências internas
previamente dadas, perspectivas conhecidas como pré-formismo. Tal
concepção remete à analogia entre o desenvolvimento infantil e os processos
de crescimento das plantas, reduzindo o complexo processo de
desenvolvimento psíquico a determinações quase que exclusivamente
biológicas. (VYGOTSKY 1995 apud PASQUALINE, 2009, p. 33).

Ao apresentar os fundamentos que orientam essa perspectiva, os autores opõem-


se à ideia de desenvolvimento como processo natural, linear e/ou proveniente de
maturação. Ao contrário disso, entendem o processo de desenvolvimento como um
sistema de múltiplas determinações que são forjadas nas condições subjetivas de vida e
na educação da realidade objetiva da criança.
Para tanto, a literatura vigente que trata a temática do desenvolvimento infantil
apresenta diferentes explicações e interpretações com enfoques naturalistas em que os
aspectos biológicos se sobrepõem aos aspectos psicológicos. Para além dessa
conjectura, a abordagem histórico-cultural referendada por Vygotsky e seus
colaboradores sustenta que “[...] o único bom ensino é o que se adianta ao
desenvolvimento” (VYGOTSKY, 2012, p. 114).
Esta assertiva traz novos olhares para a Educação Infantil e redimensiona a
prática pedagógica, uma vez que aquilo que não está dado ao homem:

Tem que ser produzido historicamente pelos homens e aí se incluem os


próprios homens. Podemos, pois, dizer que a natureza humana não é dada ao
homem, mas é por ele produzida sobre a base da natureza biofísica.
(SAVIANI, 2003, p. 13).

À luz do excerto acima, o processo de produção da segunda natureza, isto é, da


natureza humana, requer condições de apropriação de todo patrimônio cultural

6
produzido pela humanidade, bem como os comportamentos mais complexos instituídos
culturalmente, e isso inclui os conhecimentos científicos, entre eles, a aquisição da
leitura e da escrita.
Essa demanda coloca para a escola novos desafios, principalmente no que diz
respeito ao trabalho desenvolvido na Educação Infantil. Tradicionalmente, essa
modalidade de ensino está marcada por concepções hegemônicas de educação as quais
historicamente passaram por processos que priorizavam o assistencialismo em
detrimento do ensino.
Assim, discursos oriundos de ideários de educação que entendem o processo de
desenvolvimento como alheio ao processo de ensino ecoam em documentos oficiais
organizados para a educação infantil, ou em programas de formação continuada para
professores, e até mesmo em documentos que fundamentam políticas públicas para essa
modalidade de ensino.
Contudo, este estudo reafirma o compromisso com o desenvolvimento integral
do estudante considerando os aspectos sociais e culturais. Para tanto, o entendimento da
natureza do desenvolvimento infantil se torna viável para este estudo uma vez que nas
palavras de Vygotsky (1931):

Para nosotros es evidente que el dominio del lenguaje escrito, por mucho que
en el momento decisivo no se determinaba desde fuera por la enseñanza
escolar, es, en realidad, el resultado de un largo desarrollo de las funciones
superiores del comportamiento infantil. (p. 128).

Isto exposto, seguiremos com a discussão para tratar de outros aspectos


propostos no artigo. Contudo, reiteramos que o modo de conceber o processo de
desenvolvimento da criança determina essencialmente as formas de organizar e
desenvolver as dinâmicas escolares.

1.2 O TRABALHO COM A LINGUAGEM ESCRITA NAS PERSPECTIVAS


HISTÓRICO-CULTURAL DE VYGOTSKY E NA ENUNCIATIVO-
DISCURSIVA DE BAKHTIN

O trabalho com a linguagem escrita tem sido amplamente discutido nas últimas
décadas, principalmente no que tange ao desenvolvimento e à implicação desse trabalho

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para a educação escolar. Parte dessa discussão deve-se às práticas assumidas pela escola
para desenvolver os processos educativos com a linguagem escrita.
Nas palavras de Vygotsky (1931):

En la práctica de la enseñanza escolar, la escritura ocupa hasta la fecha un


lugar muy pequeño si se lo compara con el enorme papel que desempeña en
el proceso del desarrollo cultural del niño. Hasta ahora, la enseñanza de la
escritura se planteaba en un sentido práctico restringido. Al niño se le enseña
a trazar las letras y a formar con ellas palabras, pero no se le enseña el
lenguaje escrito. El mecanismo de la lectura se promueve hasta tal punto que
el lenguaje escrito como tal queda relegado, por lo cual la enseñanza del
mecanismo de escritura y de lectura prevalece sobre la utilización racional de
este mecanismo (p. 127).

De acordo com o excerto, Vygotsky adverte que, embora a linguagem escrita


exerça um papel relevante para o processo de desenvolvimento cultural da criança, a
escola, ainda, mantém práticas de ensino que operam com processos mecanizados do
ensino da linguagem escrita.
Infelizmente o que se observa no trabalho desenvolvido na Educação Básica é
uma preocupação exacerbada com as características formais das propriedades da
linguagem escrita, ou seja, com o ensino do desenho e a memorização do som que as
letras produzem.
À vista disso, as escolas investem em processos de ensino que privilegiam o
aspecto “funcional”, “utilitário” e “restrito” da linguagem escrita em detrimento da
utilização lógica e racional desse instrumento como formador e organizador de
pensamento2.
Dado o exposto, convém aclarar que esse estudo reconhece a importância do
trabalho com os aspectos e as propriedades que constituem a linguagem escrita.
Contudo, para o referencial teórico assumido, essa atenção não pode “ofuscar” ou
“desconsiderar” o desenvolvimento cultural da linguagem, nem tampouco o movimento
dinâmico e dialógico de troca entre sujeitos nas relações sociais (OMETTO, 2017 p.
170).
Este artigo ancora-se na perspectiva de linguagem como sistema simbólico, na
qual a apropriação da língua decorre primeiramente do plano das relações sociais, na
construção de sentidos pelos usuários.

2
Sobre o assunto ver “Pensamento e Linguagem” de L. S. Vygotsky (2008).

8
No tocante às ações da língua sobre os sujeitos – professores e estudantes –
Bosco (2005) destaca que na escola acabam sendo esquecidas ou negligenciadas quando
se minimiza o trabalho com a linguagem escrita à condição de mais um conteúdo
curricular a ser abordado pelo professor que desconsidera suas modalidades discursivas
bem como suas dimensões sociais e culturais.
Sobre o assunto, Fiorin (2016), em seus estudos sobre o pensamento
bakhtiniano, destaca que:

A língua, em sua totalidade concreta viva, em seu uso real, tem a propriedade
de ser dialógica. Essas relações dialógicas não se circunscrevem ao quadro
estreito do diálogo face a face, que é apenas uma forma composicional, em
que eles ocorrem. Ao contrário todos os enunciados no processo de
comunicação, independente de sua dimensão são dialógicos. Neles existe
uma dialogização interna da palavra, que é perpassada sempre pela palavra
do outro, é sempre inevitavelmente também a palavra do outro. (p. 22)

As relações humanas são pulverizadas pelo uso da língua que por sua vez
incorpora diferentes modalidades (orais ou escrita), para materializar-se dialogicamente
em palavras e enunciados concebidos pela linguagem, posto que a realidade é dada a
nós por meio da linguagem (FIORIN, 2016, p. 22).
Desse modo, entendemos a linguagem como instrumento de interação verbal que
considera os seus interlocutores e as condições em que são produzidos os processos
dialógicos nos quais os sujeitos estão inseridos (OMETTO, 2012).
Como visto no primeiro tópico, a linguagem é uma atividade humana não
natural, constituidora de aprendizagem e, que durante o processo de desenvolvimento
do sujeito se transforma em um instrumento de apropriação cultural pelo convívio social
de modo a capturar a realidade objetiva. Em outras palavras, reconhecemos a linguagem
como instrumento que se interpõe entre a realidade objetiva e a realidade subjetiva
posto que

O real apresenta-se para nós sempre semioticamente, ou seja,


linguisticamente. Um objeto qualquer do mundo interior ou exterior mostra-
se sempre perpassado por ideias gerais, por pontos de vista, por apreciações
dos outros; dá se a conhecer para nós desacreditado, contestado, avaliado,
exaltado, categorizado, iluminado pelo discurso alheio (FIORIN, 2016, p.
22).

O real, por meio da linguagem atravessa ideias, incorpora vozes, revela-se,


descortina, disfarça, dissemina, difunde e semeia a voz do outro. No processo de

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interação, a linguagem se apresenta como um jogo discursivo que aproxima os
interlocutores à medida que os sentidos são produzidos.
Ressalta-se que, para a fundamentação teórica que embasa esse estudo, a
linguagem assume papel preponderante, dada a compreensão da natureza humana, 3 por
ela e nela, somos constituídos seres humanos, isto é, somos produzidos e produzimos
conhecimento.
Ter acesso desde a mais tenra idade e apreender o universo de significações
objetivados, sedimentados na produção de conhecimentos historicamente produzidos
pela humanidade, traz para a escola novas implicações. Uma delas é ressignificar o
papel da linguagem no trabalho da Educação Básica desde a modalidade de Educação
Infantil.
A linguagem na condição de atividade psíquica, quando orientada, além de
potencializar o desenvolvimento e as relações humanas, exerce a função reguladora do
pensamento e instrumento de apropriação de novos modos de interação verbal,
“atividade, como forma de ação, ação interindividual finalisticamente orientada; como
lugar de interação” (KOCH, 2007, p. 7).
O trabalho com a linguagem escrita progride para atividades orientadas,
circunscritas em situações de interação que estejam a serviço da elaboração das
generalizações mentais sobre a cultura escrita.
Assim, pode-se dizer que a cultura escrita se apresenta para nós de modo
simbólico, sintetizado, sedimentado em um universo amplo de significados que não são
imediatos, óbvios, e necessitam ser explicitados para a criança. A existência dessa
cultura letrada é partilhada pelos usuários a partir das necessidades reais e funcionais.
Logo, o trabalho com a linguagem escrita na Educação Básica, para essa
perspectiva, prevê o funcionamento real desse instrumento de forma que os usuários
possam participar dos modos de apropriação da cultura escrita por meio da linguagem
atribuindo significado, dando sentido a partir de uma necessidade ou de um motivo.
Sobre o assunto, Mello (2010) cita Leontiev (1978b, p. 234):

Os motivos vão se formando na vida real da criança; a unidade da esfera


motivacional da personalidade concorda com a unidade da vida, por isso, os
motivos não podem se desenvolver seguindo linhas isoladas, não vinculadas
entre si. Por conseguinte, trata-se de que as tarefas de educar os motivos de
estudos estejam ligadas com o desenvolvimento da vida, com o conteúdo das

3
Sobre o assunto, ver Saviani (1984).

10
verdadeiras relações vitais da criança; apenas com essa condição os objetivos
pontados serão suficientemente concretos e, o que é fundamental, reais.

De acordo com o exposto, os motivos são formados a partir de uma necessidade,


e em sua relação real com a vida. A prática social com a linguagem escrita fora da
escola se apresenta com fins propositivos, ou seja, suas dimensões são permeadas por
propósitos sociais constituídos de finalidades e necessidades reais. Lemos e escrevemos
fora da escola para atendermos a propósitos singulares e coletivos.
Essa prática não pode ser diferente no âmbito escolar, uma vez que entendemos
a linguagem escrita como patrimônio cultural da humanidade, construída a partir das
necessidades e interações sociais. Portanto, a linguagem escrita não pode ser descolada
de suas dimensões culturais e sociais. Ao contrário, a escola na condição de espaço de
socialização dos saberes construídos historicamente deve criar condições dinamizadas
para que os estudantes possam vivenciar a linguagem em suas diversas possibilidades.
Esse entendimento coloca para a escola outro desafio, o papel do professor em
sala de aula. O professor passa de facilitador ou mero acompanhante do processo de
aprendizagem da criança a parceiro mais experiente, parceiro que organiza situações
didáticas possíveis de potencializar o seu desenvolvimento.
Assumir esse compromisso com o trabalho da linguagem escrita na Educação
Básica significa ressignificar a prática educativa, reconhecer as características
especificas da criança, ter domínio da natureza social e cultural da linguagem escrita de
modo a adequá-la às formas mais apropriadas para o ensino.

1.3 SOBRE AS OBSERVAÇÕES, ANÁLISES E ORIENTAÇÕES DAS


PRÁTICAS PEDAGÓGICAS REALIZADAS PELAS PROFESSORAS.

Apresentados os embasamentos teóricos que fundamentam este artigo, os


propósitos que norteiam este tópico inclinam-se para a apresentação das observações,
análises e orientações das práticas pedagógicas realizadas pelas professoras.

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1.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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