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Recife
2019
Peter L. Berger, em seu livro Os múltiplos tecnologia, podemos agora escolher
altares da modernidade: rumo a um com quem casar e quantos filhos
paradigma da religião numa época ter, a nossa ocupação e o local de
pluralista, considerando sobre a residência, a nossa forma de
modernidade e o homem moderno, afirma organização política e econômica,
que: os nossos meios de entretenimento,
os nossos objetos de culto
“A modernidade leva a uma enorme (especialmente, é claro, em
transformação na condição humana, contextos em que existe uma
passando do destino para a escolha. margem de liberdade religiosa) e
Podemos admitir que a capacidade mesmo a nossa identidade (como
de fazer escolhas é intrínseca ao no mantra moderno: “Eu quero
homo sapiens e que, já desde o descobrir quem sou eu”).1
primeiro aparecimento da nossa
espécie, os indivíduos podiam fazer Para Berger, então, a vida do homem
escolhas. “Deverei caçar leões deste moderno a certeza torna-se uma
lado do rio ou do outro lado?”) Mas mercadoria2, conforme ele diz:
o âmbito das escolhas aumenta no
curso da história e aumentou “(...) um indeterminável processo
exponencialmente desde a de redefinir quem o indivíduo é no
Revolução Industrial. Esta contexto das possibilidades
transformação foi basicamente o aparentemente infinitas
produto de um vasto apresentadas pela modernidade.
aprimoramento da tecnologia, como Este infinito leque de escolhas é
a máquina a vapor e o que se seguiu consolidado pelas estruturas dos
a ela, que propriamente se tornou sistemas capitalistas, com seu
possível pelo desenvolvimento do enorme mercado de serviços,
que conhecemos agora como
ciência moderna, uma revolução 1
BERGER, Peter L., Os múltiplos altares da
cognitiva propagada por meio da modernidade rumo a um paradigma da religião
numa época plurarista. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017,
imprensa. (...) Muito além da p. 26-27
2
Idem, p. 33.
Recife
2019
2
Para o autor, “o pluralismo é uma situação “Se entre os objetivos dos novos
social na qual pessoas de diferentes etnias, currículos de Direito passou a
cosmovisões e moralidades vivem juntas figurar o de dar conta da
pacificamente e interagem heterogeneidade e da diversidade
amigavelmente”4. humana presentes na sociedade,
Todavia, levando em conta as “diferentes nada melhor do que a Antropologia
etnias, cosmovisões e moralidades” é para auxiliar nessa tarefa. A visão
possível elas conviverem “pacificamente” antropológica sobre as diferentes
e interagirem “amigavelmente”? Sabemos culturas, que acaba levando à visão
que a resposta nem sempre é positiva. antropológica sobre si mesmo, mais
A resposta anterior demanda outra do que querer estabelecer novas
pergunta: “Pode ser feito alguma coisa verdades científicas sobre a
para que diferentes etnias, cosmovisões e humanidade, ressalta a enorme
moralidades possam viver pacificamente e multiplicidade de formas de vida
interagirem entre si?” A resposta a essa social, mostrando que aquilo que
pergunta nos é difícil e juízos rápidos muitas vezes é visto como a única
podem ser muito prejudiciais, maneira possível – e portanto a
principalmente para operadores do direito maneira “natural” – de existência
(devemos sempre levar em conta que vidas nada mais é do que uma série de
podem estar em jogo diante de algumas hábitos e costumes culturalmente
situações). adquiridos.”5
A Antropologia, como ciência humana,
pode ser muito útil para o operador do 5
LISBOA, João Francisco Kleba, O valor da
direito diante da realidade, que, em não diversidade: desafios no ensino de antropologia
jurídica para o curso de direito. Pós – Revista
Brasiliense de Pós-Graduação em Ciências
3
Idem, p. 27. Sociais, v. 13, p. 178
4
Idem, p. 20.
3
6 8
Idem, p. 179. TRUEMAN, Carl R., O imperativo confessional.
7
BERGER, Op. cit., p. 33. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2012, p. 39.
4
maneira de portar-se diante dos judeus, não 1. Antropologia é muito útil para uma
houve uma mudança de uma verdade para melhor reflexão, e autorreflexão,
outra. A verdade continuou sendo o que ela para os operadores do direito, que,
é, estável, contínua, constante. Ela se comumente, tratam com problemas
levanta contra toda e qualquer forma de sociais. E, muitos desses problemas
autoritarismo. demandam um aprofundamento
Cabe salientar que, mesmo ocorrendo social maior do que o mero estudo
tantas desgraças na história humana em das técnicas do Direito.
nome de uma suposta “verdade”, não 2. A Antropologia pode nos levar a
podemos abandonar tal busca. Nem muito empatia, evitando um vício comum
menos devemos abandonar aquilo que é entre os estudantes de direito e
verdadeiro. Devido processo legal, direitos juristas que os torna meros
fundamentais, princípios constitucionais, contestadores, que não se
etc, todas são conquistas maravilhosas e preocupam com a situação da outra
não podem ser abandonadas, mesmo em parte, inclusive se esta está correta
nome da posição contrária de alguém ou ou quando os próprios concordam
algum povo. com a outra parte.
Sei que o questionamento “o que é a 3. A humildade, uma das maiores
verdade?” poderia se estender além das virtudes, com certeza pode
poucas cinco laudas, porém não me parece florescer em um ambiente em que
sábio abandonarmos a busca pela verdade entender o próximo torna-se uma
por um relativismo que desconsidera necessidade. A Antropologia pode
barbaridades em nome de uma “cultura proporcionar não só um
pluralista”. Não podemos aceitar o desenvolvimento do intelecto, mas
racismo. Não podemos aceitar o nepotismo do espírito também. Como ensina
tão enraizado no serviço público. Etc. A. D. Sertillanges:
9
SERTILLANGES, A. D., A vida intelectual, p. 25.