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PARTE A
É de crer que logo no início da sua presença na Terra os primeiros homens tivessem
percebido que viviam mergulhados num meio (o ar) que lhes era indispensável à vida. Na sua
mente ainda confusa, mas já desperta, reconheceriam o prazer de assomar ao buraco da
caverna que lhes servia de habitação protectora, e de aspirar profundamente o ar circundante.
Qualquer coisa lhes penetrava pela boca e pelas narinas, coisa agradável, reconfortante, e que,
segundo lhes deveria parecer, tornava a sair pelas mesmas entradas, esvaziando-lhes a caixa
toráxica. Reconheceriam também que os mortos já não praticavam essa função (não
respiravam) e que certamente ela estava associada a toda a atividade do homem, pois bastaria
tapar-lhe a boca e apertar-lhe as narinas demoradamente para que a morte se apoderasse
dele.
Não admira que durante milénios o ar, que ninguém vê, fosse imaginado como um ser
sobrenatural que penetrava no corpo dos homens e lhes concedia a vida. Um deus, portanto.
Assim foi considerado o ar como um deus muito temido, umas vezes protetor, quando se
deixava aspirar em haustos (1) reconfortantes, outras vezes terrível, quando bramia (2),
soprava, assobiava, fazia estremecer as robustas árvores e as arrancava do solo, tombando-as.
Um deus que merecia toda a veneração e respeito.
PARTE B
A distância entre as duas margens não era grande e João Sem Medo morria de
fome. Não hesitou, pois. Despiu-se e com a trouxa de roupa à cabeça penetrou no
líquido esverdinhado de limos (1), crente de que alcançaria facilmente a nado o
laranjal apetecido.
Mas aconteceu então este fenómeno incrível: á medida que o nadador se
aproximava da outra margem, a água aumentava de volume e a lagoa dilatava-se. Por
mais esforços que despendesse para fincar as mãos na orla do lago, só encontrava
água, água unicamente. A terra afastava-se.
- Bonito! Estou dentro dum lago elástico – descobriu João Sem Medo,
esbaforido.
Mas fiel ao seu sistema de persistência enérgica não renunciou ao combate.
As margens desviavam-se, mas o rapaz nadava, nadava sempre, com confiança
plena nos seus braços, na força de vontade e no desejo de vencer.
- Eh!, alma do diabo, sofre! – instigou-o por fim uma onda a deitar bofes de
espuma pela boca fora.
Um peixe insurgiu-se com voz mole:
- Assim não vale! Vê se acabas com isso. Eu e os meus camaradas peixes
queremos dormir em sossego. Vamos, chora!
Uma gaivota baixava de vez em quando para lhe insinuar, baixinho:
- Então? Toma-te infeliz. Soluça. Berra. Chora. Lembra-te de que seguiste o
Caminho da Infelicidade. Não faças essa cara de quem ganhou a sorte grande.
Por último, uma coruja mitra (2) pequenina na cabeça e venda nos olhos – para
voar de dia e de noite em perpétua escuridão – segredou-lhe ao ouvido:
- Queres laranjinhas? Ouve a minha sugestão: representa a comédia da dor.
Finge que sofres muito, sê hipócrita. Mente. Pede a esmolinha de uma laranja por
amor de Deus. Vá! Não sejas tolo. Chora.
Como única resposta, João Sem Medo repeliu a coruja, fez das tripas coração e
desatou a cantar à sobreposse (3).
Então, ao som do seu canto, por fora tão vibrante e viril, a fúria das águas
amainou (4). O rugir das ondas amorteceu lentamente. Um murmúrio de desistência
soprou pela superfície do lago. E João Sem Medo, com algumas braçadas vigorosas e
seguras, logrou pôr o pé em terra perto do laranjal carregado de pomos de ouro.
Claro, correu logo como um doido para a árvore mais próxima, sôfrego de engolir
meia dúzia de laranjas. Mas, num lance espetacular, os frutos diminuíram rapidamente
de volume até atingirem o tamanho de berlindes e – zás! – com um estoiro
despedaçaram-se no ar.
Humilhado, e a contar com nova surpresa desagradável, abeirou-se de outra
laranjeira. Desta vez, porém, as laranjas transformaram-se em cabeças de bonecas
doiradas e deitaram-lhe a língua de fora.
- A partida anterior teve mais graça! – observou João Sem Medo. (…)
Então, numa tentativa suprema, João Sem Medo acercou-se de outra árvore,
sorrateiramente, em bicos de pés.
Tudo inútil. Como se estivessem combinados, as laranjas e as tangerinas do
pomar desprenderam-se dos troncos, abriram pequeninas asas azuis e começaram a
subir serenamente no céu.
Apesar da fome, João Sem Medo, com os olhos fixos no espetáculo maravilhoso
das bolas de ouro a voarem, não pôde reprimir este clamor de entusiasmo, braços
erguidos para o ar:
- Parabéns, Mago. Parabéns e obrigado por este instante, o mais belo e bem
vivido da minha vida. Obrigado. Mas agora ouve o que te peço: desiste de me
perseguir. Convence-te de que, para mim, a felicidade consiste em resistir com
teimosia a todas infelicidades. E vai maçar outro. Ouviste? Vai maçar outro.
José Gomes Ferreira, Aventuras de João Sem medo, Diabril, (texto com supressões)
VOCABULÁRIO:
(1) limos – Planta da família das algas, que cobre como um tapete verde a
superfície das águas estagnadas.
(2) mitra – cinta, faixa para a cabeça, diadema.
(3) sobreposse – excessivamente, em desafio.
(4) amainou – acalmou.
1. Apresenta a razão pela qual João Sem Medo atravessa a lagoa a nado, apesar
do “líquido esverdinhado de limos”.
3. Relê a frase “Mas fiel ao seu sistema de persistência enérgica não renunciou ao
combate” (linhas 11-12).
Explica o sentido das palavras do narrador.
1. Lê o excerto transcrito.
Transcreve para cada uma das colunas uma palavra correspondente à classe gramatical
referida.
“ A distância entre as duas margens não era grande e João Sem medo morria de fome.
Não hesitou, pois. Despiu-se e com a trouxa de roupa à cabeça penetrou no líquido
esverdinhado de limos, crente de que alcançaria a nado o laranjal apetecido.” (linhas
1- 4).
A. B.
a) A lagoa dilatava-se 1. o rapaz não chegava à
margem.
b) Chegou ao outro lado da lagoa 2. muito persistir.
1. Oração subordinante.
2. Oração coordenada adversativa.
3. Oração subordinada temporal.
4. Oração coordenada copulativa.
Tendo em conta esta informação, serás o narrador da nova aventura de João sem
Medo. Escreve um texto narrativo, respeitando os seguintes aspetos:
Bom Trabalho!