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Sola Scriptura
Logo, as Escrituras devem ser materialmente suficientes e ser, por sua própria
natureza (i.e., por serem inspiradas por Deus), a autoridade final para a Igreja. Isto
também implica dizer que não há porção da revelação que tenha sido preservada na
forma de tradição oral, independente da Palavra escrita. Não possuímos qualquer
ensino de um Apóstolo atualmente - fora das Escrituras. Somente as Escrituras,
então, registram para nós o ensino apostólico e a revelação final de Deus.
Esta tem sido a visão universal dos teólogos católicos romanos ao longo dos séculos,
desde o Concílio de Trento. Entretanto, é interessante observar que mesmo no
círculo católico romano existe um debate hodiernamente, entre os teólogos, acerca
da verdadeira natureza da Tradição. Não há um claro entendimento acerca do que
vem a ser a Tradição no Catolicismo Romano, atualmente. Alguns estão concordes
com a definição proposta por Trento enquanto outros a rechaçam.
Em outras palavras, a Tradição apostólica, tal como definida por Irineu e Tertuliano,
era simplesmente o ensino da Escritura. Foi Irineu quem declarou que, embora os
Apóstolos tenham inicialmente pregado oralmente, o ensino deles foi posteriormente
posto por escrito (nas Escrituras), e que as Escrituras haviam se tornado desde aquele
tempo o pilar e o fundamento da fé da Igreja. Sua exata declaração é a seguinte:
"De nada mais temos aprendido o plano de nossa salvação, senão daqueles através de
quem o evangelho nos chegou, o qual eles pregaram inicialmente em público, e, em
tempos mais recentes, pela vontade de Deus, nos foi legado por eles nas Escrituras,
para que sejam o fundamento e pilar de nossa fé" [1]
"Para Tertuliano, a Escritura é o único meio para refutar ou validar uma doutrina
quanto ao seu conteúdo... Para Irineu, a doutrina da Igreja certamente nunca é
meramente tradicional; ao contrário, a noção de que poderia haver alguma verdade
transmitida exclusivamente de viva voz (oralmente) é a linha de pensamento
Gnóstica ... Se Irineu quer provar a veracidade de uma doutrina materialmente, ele
recorre à Escritura, porquanto, através dela, o ensino dos apóstolos está
objetivamente acessível. A prova da tradição e da Escritura serve para um e o mesmo
fim: identificar o ensino da Igreja como o ensino apostólico original. O primeiro
estabelece que o ensino da Igreja é aquele ensino apostólico, e o segundo, o que este
ensino apostólico de fato é". [2]
A Bíblia era a autoridade final para a Igreja Primitiva. Era materialmente suficiente e
o árbitro final em todas as matérias de verdade doutrinária, assim como J.N.D.Kelly
assinala:
"A mais clara demonstração do prestígio que as Escrituras gozavam é o fato de que
quase todos os esforços teológicos dos Pais, quer pretendessem ser polêmicos ou
construtivos, foram dirigidos à exposição da Bíblia. Ademais, de todos era bem sabido
que, para que qualquer doutrina obtivesse aceitação, primeiramente dever-se-ia
estabelecer a sua base escriturística". [3]
O fato de que a Igreja Primitiva era fiel ao princípio de Sola Scriptura é claramente
visto a partir dos escritos de Cirilo de Jerusalém (o bispo de Jerusalém na metade do
século IV). Ele é o autor do que é conhecido como Discursos Catequéticos. Esta obra
é uma extensiva série de discursos repassados a novos crentes expondo as principais
doutrinas da fé. Não há, de fato, nenhum apelo em todos os Discursos a uma
Tradição apostólica que seja independente da Escritura.
Ele declarou em termos explícitos que, caso apresentasse qualquer ensino àqueles
catecúmenos que não pudesse ser validado pela Escritura, deveriam rejeitá-lo. Este
fato confirma que sua autoridade como um bispo estava sujeita à sua conformidade
diante das Escrituras em seu ensino. O fragmento seguinte é algo de sua declaração
acerca da autoridade final da Escrituras diante daqueles discursos.
"Que este selo permaneça sempre em tua mente, o qual foi agora, por meio do
sumário, colocado em teu coração e que, se o Senhor o permitir, daqui em diante,
será elaborado de acordo com nossas forças por provas da Escritura. Porque,
concernente aos divinos e sagrados Mistérios da Fé, é nosso dever não fazer nem a
mais insignificante observação sem submetê-la às Sagradas Escrituras, nem sermos
desviados por meras probabilidades e artifícios de argumentos. Não acreditem em
mim porque eu vos digo estas coisas, a menos que recebam das Sagradas Escrituras a
prova do que vos é apresentado: porque esta salvação, a qual temos pela nossa fé,
não nos advém de arrazoados engenhosos, mas da prova das Sagradas Escrituras". [5]
"Mas enquanto avanças naquilo que estudas e professas, agarra-te e sustentes apenas
a esta fé, que pela Igreja é entregue a ti e é estabelecida a partir de toda Escritura.
Por nem todos poderem ler a Escritura, sendo uns por ignorância e outros pelos
negócios da vida, o conhecimento da mesma está fora do alcance deles; assim, a fim
de que suas almas não pereçam por carecerem de instrução, por meio dos Artigos,
que são poucos, procuramos abranger toda a doutrina da Fé [...] E para o presente
momento, confiamos a Fé à memória, meramente atentando às palavras; esperando,
porém, que, no tempo oportuno, possa-se provar cada um destes Artigos de Fé pelas
Divinas Escrituras. Pois os artigos de Fé não foram compostos ao bel-prazer dos
homens: antes, os mais importantes pontos dela foram selecionados a partir de todas
as Escrituras, forjando o único ensino da Fé. E, como a semente de mostarda em seu
pequeno grão contém muitos ramos, assim também esta Fé, em umas poucas
palavras, tem abrangido em seu seio o pleno conhecimento da piedade contido em
ambos, Antigo e Novo Testamentos. Diante disso, irmãos, observem e sustentem as
tradições que agora recebem, e escrevei-as sobre a tábua de vossos corações". [6]
"A generalidade dos homens ainda flutua em suas opiniões acerca disto, as quais são
tão errôneas como eles são numerosos. Quanto a nós, se a filosofia gentílica, que
trata metodicamente todos estes pontos, fosse realmente adequada para uma
demonstração, com certeza seria supérfluo adicionar uma discussão acerca da alma a
tais especulações. Mas ainda que tais especulações procedessem, no que se refere ao
assunto da alma, avançando tanto quanto satisfizessem ao pensador na direção das
conseqüências já antevistas, nós não estamos autorizados para tomar tal licença -
refiro-me a sustentar algo meramente por que nos satisfaz; pelo contrário, nós
fazemos com que as Sagradas Escrituras sejam a regra e a medida de cada postulado;
nós necessariamente fixamos nossos olhos sobre isto, e aprovamos somente aquilo
que se harmoniza com o sentido de tais escritos". [7]
Irineu: Conheceu a Policarpo, que foi discípulo do Apóstolo João. Viveu entre 130 e
202 d.C. Citou vinte e quatro dos vinte e sete livros do Novo Testamento, tomando
mais de mil e oitocentas citações somente do Novo Testamento.
Clemente de Alexandria: Viveu entre 150 e 215 d.C. Citou todos os livros do Novo
Testamento, exceto Filemom, Tiago e a Segunda Epístola de Pedro. Ele faz cerca de
duas mil e quatrocentas citações do Novo Testamento.
Tertuliano: Ele viveu entre 160 e 220 d.C. Fez cerca de sete mil e duzentas citações
do Novo Testamento.
Orígenes: Ele viveu 185 e 254 d.C., tendo sucedido a Clemente de Alexandria na
escola Catequética em Alexandria. Fez aproximadamente dezoito mil citações do
Novo Testamento.
Ao fim do terceiro século, a inteireza do NT poderia ser virtualmente reconstruída a
partir dos escritos dos Pais da Igreja. Costumes e Práticas como Tradição Oral
Apostólica
É verdade que a Igreja Primitiva também sustentava o conceito de tradição em
referência a alguns costumes e práticas eclesiásticas. Cria-se, muito
freqüentemente, que certas práticas haviam realmente sido herdadas dos Apóstolos,
mesmo que elas não pudessem ser validadas a partir das Escrituras. Estas práticas,
contudo, não envolviam as doutrinas de fé e eram, por vezes, contraditórias entre
diferentes seguimentos da Igreja.
Quem estava correto? Não há maneira de determinar isto, se é que alguma dessas
práticas tinha, verdadeiramente, origem apostólica. É interessante notar, contudo,
que um dos proponentes da visão do Oriente foi Policarpo, que foi um discípulo do
apóstolo João. Há outros exemplos desta espécie de reivindicação na história da
Igreja. Mas, apenas pelo fato de certos Pais afirmarem que uma determinada prática
é de origem apostólica, não significa necessariamente que seja. Significa
simplesmente que eles assim o criam. Não existe, porém, um modo de verificar se,
de fato, trata-se de uma tradição dos Apóstolos.
Houve numerosas práticas nas quais a Igreja Primitiva se engajou por crer que eram
de origem apostólica (enumeradas por Basílio, o Grande), mas que ninguém as
pratica hodiernamente. Diante disso, está claro que tais apelos para a Tradição oral
apostólica - em referência a costumes e práticas - são carentes de algum significado.
A Igreja Católica Romana afirma possuir uma Tradição oral apostólica que é
independente da Escritura, e que é obrigatória a todos os homens. Para tal
reivindicação, apela-se à declaração de Paulo em 2 Tessalonicenses 2.15: "Por isso,
irmãos, firmem-se e retenham as tradições que receberam, quer seja por palavra
quer seja por epístola nossa".
Roma assegura que, pelo ensino de Paulo nesta passagem, Sola Scriptura é falso,
posto que o apóstolo deixou ensinos aos Tessalonicenses em ambas as formas, oral e
escrita.
Sungenis editou recentemente uma obra em defesa do ensino católico romano acerca
da tradição, intitulada de Not By Scripture Alone; que pretendia ser uma refutação
definitiva ao ensino protestante de Sola Scriptura. Seu livro possui 627 páginas.
Contudo, nem mesmo uma vez, no livro inteiro, o autor define o conteúdo
doutrinário desta suposta Tradição apostólica que é autoritativa a todos os homens!
Ainda assim, se nos afirma que ela existe, que a Igreja Católica a possui, e que nós
somos obrigados, portanto, a nos submeter, porque somente esta Igreja possui a
plenitude da revelação de Deus a partir dos Apóstolos.
Desafiamos a quem quer que seja a listar-nos as doutrinas das quais Paulo se refere
em 2 Tessalonicenses 2.15, e que ele diz aos tessalonicenses que lhes foram
entregues oralmente. Afinal, a única revelação especial que o homem possui
hodiernamente de Deus é aquela que os Apóstolos deixaram por escrito, nas
Escrituras Sagradas.
Estas eram a crença e a prática da Igreja Primitiva. Este mesmo princípio foi aderido
pelos Reformadores. Eles buscaram restaurá-lo à Igreja, após a corrupção doutrinária
que se havia infiltrado através da porta da tradição.
"Minhas ovelhas ouvem a minha voz e eu as conheço, e elas me seguem", São João
10.27
Notas do Autor
[2] Ellen Flessman-van Leer, Tradition and Scripture in the Early Church (Assen: Van
Gorcum, 1953) pp. 184, 133, 144.
[3] J. N. D. Kelly, Early Christian Doctrines (San Francisco: Harper & Row, 1978), pp.
42, 46.
[5] A Library of the Fathers of the Holy Catholic Church (Oxford: Parker, 1845), "The
Catechetical Lectures of S. Cyril" Lecture 4.17.
[7] Philip Schaff and Henry Wace, editors, Nicene and Post-Nicene Fathers (Peabody:
Hendriksen, 1995) Second Series: Volume V, Gregory of Nyssa: Dogmatic Treatises,
"On the Soul and the Resurrection", p. 439.