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21/05/2008
Do Brasil de Fato
O que estava em jogo foi exposto na fala de Ademar Bogo, integrante da direção nacional do MST. Bogo falou
da necessidade da arte e dos valores socialistas em meio a uma situação política adversa para os trabalhadores.
Enfatizou que manter a luta é um legado para as gerações futuras. “Quando não temos organização na
sociedade, a classe dominante domina sem preocupação, dilui movimentos e reações”, expõe. As principais
tarefas no campo da cultura e da criação seriam, de acordo com Bogo, a centralidade do ser humano no rumo
da História, como a sua principal força de criação. Outros pontos necessários são a necessidade de organização
popular, a produção de uma cultura própria, a coletivização de um projeto social e a prática da solidariedade.
A relação entre movimentos sociais, arte e indústria cultural foi analisada por Daniel Puglia, professor de Estudos
Culturais pela Universidade de São Paulo (USP), no debate "Dimensão da Cultura na resistência dos povos
Latino-Americanos". Ele deu o exemplo da peça de teatro "Posseiros e Fazendeiros", encenada por um grupo do
MST, que chegou a ser apresentada no histórico teatro da Arena, em São Paulo. Puglia criticou o olhar de
desprezo lançado por estudiosos sobre as formas de manifestação dos movimentos sociais. “É uma armadilha se
a gente aceita este tipo de juízo, trata-se de preconceito e do medo frente ao novo”, critica. Recordou uma
mística do MST que remetia à relação entre a concentração de terras e o chamado “latifúndio midiático”,
latifúndio que também persiste noutras áreas do conhecimento. “São raras as obras hoje que fazem este tipo de
conexão”, opina.
A fala de Puglia defende uma não separação entre a militância e a atividade cultural. Este, inclusive, foi um dos
debates mais intensos ao longo da Mostra. Os artistas dos movimentos, segundo o pesquisador, não se colocam
como tal, isto porque a própria cultura torna-se uma atividade cotidiana para a militância. Na voz de Ademar
Bogo, na conferência "A Militância e a Consciência Socialista", "a própria militância, organização e símbolos
coletivos do movimento são o objeto artístico". “Viemos a mostrar o que somos neste dia através da nossa
organização coletiva”, comentou.
Araídes Duarte, integrante do setor de comunicação e cultura do MST no Paraná, reforça que o patrimônio
cultural, deve ser apropriado pelos camponeses, inclusive as técnicas e conhecimentos que hoje estão no rol da
burguesia. “Buscamos a elevação cultural do nosso povo. A Mostra Cultural leva o debate de que a cultura é
tudo o que produz a nossa existência (...) Deveríamos ter acesso não a uma parte, mas ao conhecimento da
espécie humana como um todo”, pensa.
Ana Chã, do setor de cultura do MST, ressaltou que a área da cultura afirmou-se no movimento apenas quando
ele possuía mais de 10 anos. A primeira oficina de música data de 1996. O MST possui, atualmente, 40 grupos
teatrais pelo Brasil. Chã defendeu a capacitação da militância na linguagem e técnica do audiovisual, ainda que
seja necessário um outro fim para a técnica apropriada. “Não basta apenas se apropriar dos meios burgueses,
mas dar nova forma a eles”, defende.
O debate sobre "Papel da Educação e da Cultura na Integração Latino-americana" foi protagonizado pelo
ministro da educação da Venezuela, Abrahan Toro, que trouxe a experiência do país, o segundo depois de Cuba,
na América Latina, a tornar-se território livre do analfabetismo. O debate ressaltou a importância da disciplina e
o papel do movimento social na construção de uma educação e sociedade realmente libertadora, além de
levantar questões como o papel da juventude inserida nessa questão.
A expansão dos meios de comunicação faz com que as pessoas estejam cada dia mais conectadas e, ao mesmo
tempo, menos informadas sobre o que acontece no mundo. Tal afirmação foi feita pela Presidente da Vive TV,
televisão pública da Venezuela, Blanca Eekhot, durante debate sobre “Imperialismo midiático e as alternativas de
comunicação popular”, realizado no dia 16 de maio.
O capitalismo necessita que a massa esteja conectada para transformá-la com mais facilidade em uma massa
consumidora. “Os povos estão reféns de um modelo de comunicação dominante existente no mundo que
permite a perpetuação de uma hegemonia cultural, política e econômica”, enfatiza Blanca. Para os movimentos
sociais, uma das formas de enfrentar o imperialismo midiático seria passar da resistência e ofensiva
comunicacional, que vem sendo praticada na América latina, a uma revolução na área da comunicação. “Temos
que exigir a abertura de espaços nos meios de comunicação para a participação popular e buscar a
democratização, onde o povo tenha o controle do processo de produção dos meios e da informação”, afirmou.
A cineasta e integrante do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, Berenice Mendes, afirmou,
durante o debate, que o Brasil precisa de forma urgente criar formas de regulamentação e controle dos
conteúdos veiculados nos meios de comunicação, principalmente na TV. Ressalta que por se tratar de uma
concessão pública o país deveria ter um único sistema público de comunicação, possibilitando o direito de
liberdade de expressão, como manda a Constituição brasileira. Segundo ela, o Brasil não será um país
democrático enquanto não democratizar os meios de comunicação.
Como parte da "Mostra Cultural de Integração dos Povos Latino-Americanos", os cinco anos do semanário Brasil
de Fato foram comemorados no auditório do colégio Estadual do Paraná, em Curitiba, no dia 15 de maio.
Estiveram presentes organizações que também constroem a mídia alternativa, como o Centro de Mídia
Independente (Indymedia), a organização de capacitação em comunicação popular Centro de Formação Urbano
Rural Irmã Araújo (Cefuria) e a revista Debate Socialista , publicada pelo Coletivo Socialismo e Liberdade. Os
cinco anos de existência do jornal, surgido no Fórum Social de 2003, com a proposta de articular a informação a
partir de diferentes grupos da esquerda, foram saudados pela Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) e
pelo Sindicato dos Engenheiros (Senge-PR).
No principal momento do ato, José Arbex Jr, do conselho editorial do periódico, narrou o nascimento do jornal
Brasil de Fato, seu doloroso começo, quando o jornal possuía uma tiragem de 130 mil exemplares, porém foi
boicotado pelos distribuidores, nos principais pontos de venda. Apesar da atual tiragem reduzida, Arbex acredita
que o jornal chega a pautar a grande mídia devido aos temas abordados – como a venda dos recém-descobertos
poços de petróleo para as transnacionais.
Arbex levantou a seguinte polêmica: apesar de o mês de abril ter sido marcado pela vitória de Fernando Lugo no
Paraguai, além de a Bolsa de Valores ter sofrido a sua maior perda de capitais desde a quebra da Bolsa de Nova
Iorque (1929), ainda assim, para quem acessou os veículos de comunicação empresariais, é como se nada
tivesse acontecido.
Paulo Bearzoti Filho, da revista Debate Socialista , saudou os cinco anos do jornal Brasil de Fato, afirmando que a
mídia corporativa hoje se aprofunda em apresentar “não fatos” para os leitores. Deu um exemplo impactante:
desde o ano de 1998, na República Democrática do Congo (África), uma guerra dizimou cerca de 4 milhões
pessoas e não foi sequer noticiada. O Brasil de Fato foi um dos poucos a mostrar o vínculo entre a guerra e a
exploração de minerais, entre eles o coltan, necessário no fabrico de aparelhos celulares.