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BARROCO E ROCOCÓ NO BRASIL

Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira

1
BARROCO E ROCOCÓ NO BRASIL

Introdução

Capítulo 1 – Do barroco italiano ao rococó francês

1.1. O Barroco, arte da Contrarreforma

1.2. Aspectos do Rococó religioso

1.3. Barroco e Rococó nas igrejas luso-brasileiras

Capítulo 2 – Barroco e Rococó em Pernambuco, Salvador e Rio de Janeiro

2.1. Barroco e Rococó em Pernambuco

2.2. O Barroco em Salvador

2.3. Barroco e Rococó no Rio de Janeiro

Capítulo 3 – Barroco e Rococó em Minas Gerais

3.1. A arquitetura religiosa – do barroco ao rococó

3.2. O barroco nas decorações internas

3.3. A diversidade do rococó na talha e na pintura de tetos

Conclusão

Referências

2
INTRODUÇÃO

O barroco e o rococó são estilos diferenciados e com características próprias,


que é preciso conhecer para a correta identificação de seus aspectos nas igrejas
construídas no Brasil na época colonial. A percepção estética de igrejas vinculadas ao
barroco, como o Mosteiro de São Bento no Rio de Janeiro e a Matriz de Nossa Senhora
do Pilar em Ouro Preto, difere totalmente da sugerida pelas ambientações do rococó,
mais leves e requintadas, nas igrejas do Carmo da Antiga Sé, na primeira cidade e São
Francisco de Assis na segunda.

Entretanto, tendo em vista que foi apenas em meados do século XX que a


historiografia internacional da Historia da Arte estabeleceu as bases teóricas para a
distinção entre os dois estilos1, ainda persistem autores que situam o rococó como fase
final do barroco, analisando-o com categorias inadequadas, que prejudicam a
compreensão das obras e sua correta avaliação estética.

Uma destas categorias inadequadas é o conceito de “barroco nacional”, criado


pela historiografia modernista em busca de manifestações originais na arte produzida
no passado colonial, ao mesmo tempo em que era elaborada a “arte moderna”
marcada pela Semana de 22. A expressão “barroco mineiro” é fruto deste contexto e
sua continuidade de uso nos meios acadêmicos prejudica a evolução dos estudos sobre
a História da Arte em Minas Gerais, particularmente na segunda metade do século
XVIII, quando o rococó sucedeu ao barroco na arquitetura religiosa da região.

No primeiro capítulo do livro são introduzidas as bases teóricas para o estudo e


compreensão dos dois estilos, elaborados na Europa em tempos históricos distintos e
países diferentes, a Itália do século XVII para o barroco e a França do século XVIII para o
rococó. O foco prioritário será a arquitetura religiosa, com ênfase nas decorações
internas em talha, pintura e azulejos, onde se situam as manifestações mais
abrangentes dos dois estilos nas igrejas brasileiras.

1
A partir da tese inovadora do americano Fiske Kimball The creation of the rococo. Filadelfia, 1943.

3
No capítulo seguinte são analisadas as manifestações mais espetaculares dos
dois estilos nas duas capitais litorâneas, diretamente vinculadas à Metrópole
portuguesa, Salvador e Rio de Janeiro e em Pernambuco, importante polo econômico
no século XVIII, graças à produção açucareira. Finalmente o terceiro é inteiramente
dedicado a Minas Gerais, colocando em destaque as singularidades de sua arquitetura
religiosa vinculadas, principalmente, ao rococó religioso.

4
CAPÍTULO 1. DO BARROCO ITALIANO AO ROCOCÓ FRANCES

5
1.1 O Barroco, arte da Contrarreforma

O Barroco religioso é também conhecido como “Arte da Contrarreforma”, tendo


em vista sua total adequação aos ideais deste extraordinário movimento de renovação
da Igreja Católica, enquadrado pelo Concílio de Trento (1545-1563), cujas grandes
metas foram, simultaneamente, a oposição à Reforma Protestante 2 e a conquista
missionária dos novos continentes, desvendados aos europeus pela aventura marítima
portuguesa e espanhola.

Em ambas as frentes, a administração central da Igreja de Roma contou com o


auxílio eficaz de uma nova Ordem Religiosa, a Companhia de Jesus dos padres jesuítas,
criada em 1534. Por esta razão a Arte da Contrarreforma foi também chamada de Arte
Jesuítica o que é um evidente exagero, tendo em vista que outras Ordens religiosas,
como as dos franciscanos, carmelitas e beneditinos, também tiveram importante
atuação neste período conturbado da história da Igreja.

Por outro lado é preciso lembrar que no momento inicial da Contrarreforma


vigorava o maneirismo3, estilo este que caracteriza efetivamente as construções
jesuítas europeias da segunda metade do século XVI, na descendência do modelo
estabelecido na Igreja do Gesú de Roma. A definição plena do barroco na arquitetura
religiosa seria elaborada posteriormente em Roma, já no pontificado do Papa Urbano
VIII (1623-1644), tendo por principais mentores os arquitetos Gian Lorenzo Bernini e
Francesco Borromini. Suas características mais evidentes são as formas grandiosas das
construções, com ornamentação abundante e desenho variado das plantas e fachadas,
com emprego de paredes curvilíneas. Nas decorações internas das igrejas italianas a
regra é a opulência, com revestimento integral das superfícies e uso de materiais
nobres e preciosos, como os mármores policromos e o bronze dourado. Nos países
ibéricos e na Europa Central são habituais os relevos de madeira ou estuque
recobertos com folhas de ouro ou prata.

2
Amplo movimento religioso liderado por Lutero, Calvino e outros, que varreu a Europa entre 1517 e
1564, diversificando em seitas independentes do governo de Roma, a antes unificada religião cristã.
3
Elaborado na Itália na última fase do Renascimento, o maneirismo é hoje reconhecido como estilo
autônomo, diferenciado tanto deste estilo quanto do barroco que o sucedeu.

6
A mensagem induzida nestas construções suntuosas é inequívoca, atingindo de
chofre o visitante que com elas se defronta. As igrejas barrocas, em qualquer lugar do
mundo constituem, acima de tudo, manifestações sensíveis do poder da Igreja Católica
triunfante, que vencera os protestantes na Europa e tivera sua fé reconhecida em
escala planetária nos três outros continentes, a América, Ásia e África. O tema do
triunfo da Igreja nos quatro continentes foi, aliás, representado com frequência nas
pinturas das abóbadas de igrejas do período, a começar pela famosa obra do jesuíta
Andrea Pozzo, na igreja de Santo Inácio em Roma4.

A afirmação simultânea do triunfo da Igreja e da veracidade da fé cristã


continua ainda hoje presente nas igrejas do barroco religioso. Além da manifestação
exteriorista de riqueza e opulência, tradicionalmente associadas à expressão de poder,
uma série de recursos retóricos, destinados a manter o espectador em estado
permanente de alerta, podem ser claramente identificados em diferentes aspectos das
suntuosas decorações barrocas, nas quais são de praxe o revestimento integral das
superfícies e a movimentação contínua das formas.

O mais evidente desses recursos é o uso intensivo de representações figuradas


em pinturas e esculturas, frequentemente em atitudes dramáticas e com gesticulação
eloquente. Se conforme o velho ditado “uma imagem vale mais que mil palavras” é
forçoso reconhecer que nesse aspecto o barroco ultrapassou todos os estilos
precedentes da História da Arte, engendrando a primeira cultura moderna centrada no
primado do visual. Essas representações figuradas ilustram os grandes temas do
cristianismo, em torno das figuras centrais do Cristo e da Virgem Maria, obrigatórias
em todas as igrejas, juntamente com as dos santos específicos das Ordens religiosas ou
das Irmandades proprietárias.

A multiplicação de imagens nas igrejas da Contrarreforma pode também ser


vista como uma reação direta ao “iconoclasmo”5 protestante, que varrera as imagens

4
Nesta época eram apenas quatro os continentes conhecidos, pois a Austrália e a Oceania ainda não
haviam sido descobertas pelos europeus.

5
A aversão às representações visuais de imagens é recorrente na arte religiosa do Ocidente em virtude
das proibições expressas no texto bíblico.

7
do interior de seus templos para se ater apenas à leitura do texto bíblico.
Sintomaticamente a arte cristã irá enfatizar os personagens que haviam sido
diretamente negados pelos protestantes, começando pela Virgem Maria, que
acrescenta centenas de invocações novas às já estabelecidas na época medieval. Em
seguida os Anjos e Santos, intermediários tradicionalmente prezados pelos cristãos na
comunicação com Deus, que literalmente invadem o espaço das novas igrejas católicas,
os Santos enquadrados em pinturas ou em esculturas sobre peanhas e os Anjos
associados à ornamentação dos retábulos e painéis, nas mais variadas atitudes e
posições.

Outros aspectos recorrentes nas decorações barrocas são o uso de recursos


teatrais e a harmonização de diversas artes em visão unitária, na qual as partes são
subordinadas aos efeitos globais. A teatralidade do barroco religioso se manifesta,
tanto na articulação dos espaços internos das igrejas, que pode ser comparada à dos
teatros da época, quanto nos recursos cenográficos empregados na decoração, como
por exemplo os cortinados dos retábulos, que desvendam camarins fortemente
iluminados em contraste com a penumbra geral dos ambientes. Outro recurso é a visão
em perspectiva, que enfatiza a decoração da capela-mor desde a porta da entrada,
através de um sutil jogo de convergências, no qual os altares laterais funcionam como
etapas intermediárias. Desta forma a atenção do espectador 6 é desde a entrada
direcionada para o retábulo principal, apresentado em situação de destaque acima de
uma espécie de pódio com vários degraus, assim como nos teatros o palco é elevado
acima da plateia.

Separando os ambientes da nave e da capela-mor, o arco cruzeiro tem


nas igrejas barrocas função similar à do arco de cena, que separa nos teatros o espaço
do palco, destinado às encenações, da plateia reservada aos assistentes. E até mesmo
os camarotes, ocupados nos teatros pelos espectadores de maior prestigio social, tem
correspondentes nas tribunas das igrejas, nas quais tinham assento os privilegiados da
sociedade local.

6
É sintomático o uso deste termo, que tem implícito o conceito de espetáculo, de preferência a
observador (viewer) usado nas línguas anglo-saxãs.

8
Associado à teatralidade e priorizando como esta o efeito final a ser obtido ou
seja, o envolvimento integral do espectador, o conceito de “obra de arte total” é com
frequência invocado para definir a organização unitária das decorações barrocas, nas
quais gêneros artísticos diversos são unidos em composições integradas de poderoso
efeito visual. No caso das igrejas luso-brasileiras, a associação típica é aquela que
congrega os efeitos rutilantes da talha dourada, aos do colorido quente das pinturas
dos tetos e paredes e ao brilho suave dos azulejos, reduzidos na época barroca à
monocromia azul e branco.

Na talha dourada das igrejas portuguesas e brasileiras da época barroca podem


ser claramente identificadas duas tipologias diferentes que servem de referência para
datações. A primeira caracteriza a fase do “barroco nacional português” 7, assim
chamado por ter sido elaborado em Portugal, não tendo equivalentes em outros países
europeus. Abrange grosso modo as três primeiras décadas do século XVIII e seu
aspecto mais evidente são os retábulos de desenho semelhante a portadas, com
colunas torsas e pilastras interligadas por arquivoltas concêntricas. Integralmente
dourados, esses retábulos incorporam uma profusão de ornatos, entre os quais
sobressaem os enrolamentos de videiras com cachos de uvas nas colunas e acantos nas
pilastras, bem como pássaros fênix e anjinhos em diferentes posições. O espaço central
do amplo camarim é ocupado pelo trono, uma estrutura piramidal em degraus
escalonados, destinada a servir de suporte ao Santíssimo Sacramento e às imagens da
Virgem Maria e do Santo Padroeiro.

Difundido praticamente sem variações em todo o Brasil colonial, esse modelo


de retábulo tem como complemento natural nas decorações barrocas desta fase, os
forros divididos em painéis com pinturas emolduradas em talha dourada, que tem o
nome de caixotões8. As paredes laterais são também decoradas com revestimentos de
talha emoldurando pinturas ou painéis ornamentais, preenchendo todos os espaços

7
Denominação oficializada por Robert Smith em sua obra de referencia A talha em Portugal. Lisboa:
Livros Horizonte, 1962.
8
Do italiano “cassettone” (caixa). Forma clássica de decoração de tetos na arte ocidental, elaborada no
período Greco-romano.

9
disponíveis segundo a norma barroca do “horror vacui” (horror ao vazio). O resultado
são as famosas igrejas forradas de ouro, que fazem a glória do barroco luso-brasileiro.

A segunda tipologia de retábulos de talha do período é conhecido pelo nome de


D. João V ou joanino, por ter vigorado durante o reinado do monarca do mesmo nome,
entre 1725 e 1765 aproximadamente. As principais novidades são as colunas torsas do
tipo “salomônico”9 e os coroamentos em dossel, substituindo as arquivoltas da fase
anterior. Trata-se de um modelo inspirado no barroco italiano e geralmente associado
ao baldaquino de Bernini na basílica de São Pedro em Roma. Outras influências do
barroco italiano nas decorações joaninas são as esculturas de grande porte integradas
à talha e as pinturas em perspectivas ilusionistas recobrindo amplos forros abobadados
em tabuado corrido, segundo os princípios divulgados no tratado do jesuíta Andrea
Pozzo10. Na azulejaria as novas tendências determinam a substituição das molduras
retilíneas decoradas com folhas de acanto e outros ornatos do “nacional português”
por outras de maior dinamismo, incluindo recortes curvilíneos, tarjas e outros temas
ornamentais do estilo D. João V.

As deslumbrantes decorações barrocas dos dois estilos descritos identificam as


igrejas portuguesas e brasileiras no cenário internacional do barroco religioso,
constituindo sem dúvida sua principal marca de originalidade. Quanto aos aspectos
arquitetônicos típicos do barroco italiano e europeu, como as plantas de desenho
poligonal ou curvilíneo e as fachadas ornamentadas, tais características são
excepcionais no contexto luso-brasileiro. Mantiveram-se na maioria das igrejas as
plantas retangulares e as fachadas sóbrias da tradição lusitana, fato que determina
surpreendente contraste com a opulência das decorações internas. Inerente à retórica
barroca, este contraste é uma das chaves para a apreciação estética das igrejas do
barroco luso-brasileiro.

9
Termo associado à forma torsa de uma coluna, tida como originária do templo do rei Salomão, trazida
para o Vaticano nos primórdios da era cristã.
10
A edição latina original (“Perspectivae Pictorum atque Architectorum”) foi publicada em Roma em
1693 e reeditada nas principais línguas europeias.

10
1.2 Aspectos do rococó religioso

Diferentemente do barroco religioso, atrelado desde cedo aos ideais da


Contrarreforma católica, o rococó religioso não teve nenhum compromisso de origem
com qualquer tipo de ideologia, de natureza religiosa ou até mesmo política. Criado na
França por volta de 1730, no âmbito das decorações civis, foi inicialmente uma reação
dos decoradores contra o excessivo peso ornamental do barroco, reação esta
impulsionada pelas novas exigências de conforto da nobreza e alta burguesia, nas
novas decorações dos castelos ou residências urbanas da época.

Chamado na França de estilo “rocaille” ou Luís XV, o estilo foi rapidamente


exportado para outros países europeus como um dos produtos da cultura francesa do
século do Iluminismo. Sua adaptação à arquitetura religiosa foi, entretanto
problemática. Rejeitada pela Igreja Católica da França que considerou o estilo
inadequado para ambientes religiosos, esta adaptação acabaria sendo feita na Europa
Central, notadamente nas regiões da Baviera e Suábia germânicas e na antiga Boêmia,
atual Republica Tcheca11.

Desta forma o rococó religioso absorveu algo do espírito do Iluminismo do


século XVIII, e pela primeira vez o ideal de felicidade encontra abrigo no Cristianismo,
associado ao prazer físico baseado nas sensações. Começando pela visão que submete
ao prazer do olhar uma elegante decoração com alternância de vazios e cheios, com
emprego do branco e tonalidades suaves para realce dos douramentos. Os resultados
da nova estética foram tão satisfatórios que a hierarquia da Igreja começou a procurar
justificativas para o novo tipo de sensibilidade religiosa que engendrara as igrejas do
rococó centro-europeu. Ou seja, a visão de um cristianismo pacificado, refletindo uma
concepção mais serena da fé e uma visão otimista da existência, ao oposto do barroco
que enfatizava seus aspectos dramáticos. Por esta razão os ambientes do rococó
religioso dão às vezes a impressão de salões de festa, aspecto que no Brasil é
particularmente evidente nas igrejas da antiga capital dos vice-reis, o Rio de Janeiro.

11
Sobre a teoria do Rococó religioso ver MINGUET, Philipe. Esthétique du Rococo. Paris: J.Vrin,1966.

11
Levando em consideração que o rococó religioso não teve como o barroco da
Contrarreforma propósito deliberado de manifestação do poder da Igreja ou da defesa
do dogma, serão menos enfatizadas nas igrejas, tanto a escala monumental, quanto a
opulência decorativa. A nova regra são ambientes de pé-direito mais baixo, com amplas
janelas para a entrada da luz natural que produz iluminação homogênea de todo o
espaço, ao oposto do barroco, que privilegiava os contrastes de luz e sombra. Nos
retábulos e revestimentos ornamentais, o douramento se restringe aos ornatos, em
destaque sobre fundos lisos pintados de branco, bege ou tonalidades suaves de rosa,
azul ou amarelo.

Tendo em vista a inexistência de modelos fixos como na era barroca, o rococó


religioso será extremamente diversificado. Cada país e até mesmo regiões irão elaborar
seus próprios modelos, a partir do repertório ornamental do estilo divulgado
internacionalmente por gravuras francesas ou germânicas. Neste repertório tinham
papel primordial a linha sinuosa, os arranjos florais e, principalmente, as rocalhas 12,
tema ornamental que identifica o Rococó de imediato, em qualquer obra na qual se
manifeste. Para tal entravam em jogo as tradições artísticas locais, razão pela qual até
mesmo a coluna torsa, própria do barroco, foi eventualmente utilizada, embora a nova
regra fossem as colunas retas consideradas mais elegantes. Da mesma forma na
pintura dos tetos, serão elaboradas versões diferentes segundo as regiões e na
azulejaria vão ser usadas outras cores, rompendo a monocromia azul da fase barroca.

Quanto à arquitetura das igrejas, as principais inovações serão a introdução da


linha sinuosa nas plantas, e as fachadas com decoração de portadas e janelas com
temas ornamentais do rococó, aspectos que conhecerão extraordinário
desenvolvimento na região de Minas Gerais.

12
Rocalhas (rocailles) são conchas de desenho assimétrico e contornos livres.

12
1.3 Barroco e Rococó nas igrejas luso-brasileiras

Na arquitetura religiosa luso-brasileira tanto o barroco quanto o rococó são


fenômenos tardios, tanto em virtude da situação periférica de Portugal com relação
aos centros europeus produtores desses estilos, quanto pelo tradicional apego
lusitano às plantas retangulares de tradição medieval e às fachadas
desornamentadas do chamado “estilo chão”13. Neste contexto não é de estranhar
que tenham ocorrido no Brasil algumas das mais inovadoras criações da arquitetura
religiosa do período rococó, que teve no Aleijadinho seu principal expoente.
As primeiras manifestações do barroco em Portugal foram no campo da talha
dourada, que por volta de 1680 elaborou o modelo de retábulo de colunas torsas e
arquivoltas concêntricas conhecido como “nacional português”. Durante cerca de
meio século este modelo foi adotado sistematicamente nas igrejas do território
português e do ultramar, incluindo conventos, capelas e igrejas paroquiais. Entre os
melhores conjuntos conservados podem ser citados em Portugal, o Convento de
Jesus em Aveiro, São Bento da Vitória no Porto e Nossa Senhora da Conceição dos
Cardeais, em Lisboa.
No Brasil o exemplar desse período que apresenta maior unidade é a famosa
“Capela Dourada” da Ordem Terceira franciscana em Recife. Merecem também
referencia os conjuntos ornamentais de São Francisco de Salvador e São Bento do
Rio de Janeiro, que já incluem retábulos dos períodos posteriores, joanino e
rococó.
A monumentalidade do modelo joanino de retábulo, assim como a marcada
estruturação arquitetônica, determinaram sua perfeita adequação ao espaço das
capelas-mores, ocasionando com frequência substituições de talhas mais antigas,
como ocorreu na igreja dos Paulistas em Lisboa e São Francisco no Porto. Outros
exemplares notáveis de retábulos joaninos em Portugal são os da igreja conventual
de Santa Clara no Porto e Nossa Senhora da Pena em Lisboa, o último conjugado a
um excelente forro com pintura em perspectiva ilusionista, também presente na
igreja dos Paulistas na mesma cidade.
São entretanto raros tanto em Portugal quanto no Brasil exemplos de
decorações joaninas abrangendo a totalidade dos espaços internos das igrejas
13
Ver KUBLER, Georges. A arquitetura portuguesa chã entre as especiarias e os diamantes. 1521 – 1706.
Lisboa: Editora Veja, s.d. (Ed. Orig. 1922).

13
tendo em vista seu período cronológico relativamente curto – cerca de quatro
décadas apenas – e as numerosas substituições feitas na época do rococó. O que
sem dúvida aumenta o interesse de igrejas como as duas lisboetas citadas acima e
a excepcional igreja da Penitencia no Rio de Janeiro, equivalente joanino à Capela
Dourada de Recife, com todos os retábulos do mesmo estilo e o complemento de
forros de perspectiva ilusionista típicos do período. Entre os melhores exemplos de
retábulos joaninos na talha brasileira poderiam ainda ser citados em Salvador, os
colaterais do arco cruzeiro da atual Catedral e Igreja de São Francisco, bem como as
capelas-mores das antigas matrizes coloniais de Ouro Preto, São João Del Rei e
Ouro Branco em Minas Gerais.
Quanto aos aspectos arquitetônicos propriamente ditos, a excepcionalidade
dos traçados poligonais e curvilíneos na arquitetura luso-brasileira, justifica
menção específica das principais igrejas relacionadas aos mesmos. Cinco delas
estão situadas na região litorânea, as de São Pedro dos Clérigos, em Recife,
Conceição da Praia, em Salvador e no Rio de Janeiro, Nossa Senhora da Glória do
Outeiro, Lapa dos Mercadores e Mãe dos Homens. Outras cinco ficam na região de
Minas Gerais: as de São Pedro dos Clérigos em Mariana, Rosário dos Pretos, São
Francisco de Assis e Nossa Senhora do Carmo em Ouro Preto e São Francisco de
Assis em São João Del Rei, sendo as três últimas já do período rococó.
A diversificação regional, característica do rococó religioso, determinou o
desenvolvimento de pelo menos sete escolas regionais do estilo no mundo luso-
brasileiro com identidade própria como as similares da Europa Central. Quatro
delas desenvolveram-se em Portugal, em torno das cidades de Braga, Porto, Évora e
Faro no Algarve. A não inclusão de Lisboa entre os centros portugueses difusores
do rococó, deve-se ao fato desta cidade ter optado na época pelo “pombalino”,
variante do barroco tardio italiano, que se tornou o estilo oficial das reconstruções
de Lisboa pós-terremoto14, comandadas pelo Marquês de Pombal.
As escolas brasileiras do rococó religioso são as de Pernambuco, Rio de Janeiro
e Minas Gerais, principais polos econômicos e políticos do Brasil na segunda
metade do século XVIII. Seu desenvolvimento maior foi na rica Capitania das Minas
do Ouro, onde três sub-regiões elaboraram formas próprias do estilo em torno das

14
O terremoto que atingiu Lisboa no dia 1º de novembro de 1755 arruinou mais de 60 igrejas e
conventos da cidade.

14
cidades de Ouro Preto, São João Del Rei e Sabará. É preciso lembrar que não tendo
Minas Gerais abertura para o mar, dependia do Rio de Janeiro, como porto
escoadouro. Em 1763 a cidade se torna sede do governo dos vice-reis, medida que
coloca em segundo plano a antiga capital Salvador, gerando enfraquecimento do
movimento construtivo, desfavorável à implantação de novidades artísticas como o
rococó. Já a Capitania de Pernambuco, que no século XVIII incorporava os estados
da Paraíba e de Alagoas, ficou independente deste processo, tendo tido sua
economia revigorada pela criação de uma companhia geral de comércio para a
região, instituída em 1759 pelo Marquês de Pombal. Terreno favorável, como Minas
Gerais, ao desenvolvimento do rococó, em torno das duas cidades capitais, Recife e
Olinda.

CAPÍTULO 2. BARROCO E ROCOCÓ EM PERNAMBUCO, SALVADOR E RIO DE JANEIRO

15
2.1 Barroco e rococó em Pernambuco

Juntamente com o Rio de Janeiro e Minas Gerais, a antiga Capitania de


Pernambuco é detentora de um acervo importante de igrejas, tanto do barroco quanto
do rococó, construídas graças ao poderio econômico proporcionado pelos engenhos de
cana de açúcar. Em meados do século XVII, com a expulsão dos holandeses que haviam
ocupado a região durante um quarto de século, as construções religiosas se
multiplicaram, tanto em Olinda, antiga capital portuguesa, quanto em Recife, que

16
assumira a prioridade na época da ocupação, mas só se tornaria oficialmente capital
em 1827.

Se em Olinda a tarefa principal seria a restauração de igrejas e conventos


danificados no período holandês, em Recife ao contrário tudo estava por fazer, datando
da segunda metade do século XVII e princípios do XVIII, a construção de igrejas
importantes como a Madre de Deus, Nossa Senhora do Carmo e Matriz de Santo
Antonio. As principais igrejas do século XVIII são quase todas de irmandades, entre
outras as de São Pedro dos Clérigos, Nossa Senhora do Rosário e Conceição dos
Militares, situadas no centro histórico da cidade, próximas ao convento do Carmo e sua
Ordem Terceira, também construídos no período.

Antes de passar à análise das principais manifestações do barroco e do rococó


nas igrejas pernambucanas, observe-se que esses dois estilos abrangem apenas as
construções e decorações internas do século XVIII, inserido entre o maneirismo do
século XVII e o neoclassicismo do século XIX, ambos com manifestações abrangentes
na arte pernambucana. E ainda que de todas as regiões brasileiras que conheceram
amplo desenvolvimento do barroco e do rococó, Pernambuco é a que reflete com
maior evidencia a característica tipicamente portuguesa da tríplice associação de talha
dourada, azulejos e pinturas em composições unitárias de grande harmonia e beleza
formal15.

Esse último aspecto é evidente na decoração da Capela Dourada de Recife, joia


do barroco pernambucano da fase conhecida como “nacional português”. Construída
em 1695 pela Ordem Terceira franciscana como dependência anexa à nave da igreja
conventual, teve sua obra de talha concluída em princípios do XVIII. Datam do mesmo
período os painéis pictóricos do forro e paredes, bem como os azulejos importados de
Lisboa do registro inferior.
Não podia ser mais adequado o nome de “Capela Dourada” dado a esta
primorosa decoração barroca. Uma cálida atmosfera de dourados e cores quentes,
associados à monocromia azul e branco dos azulejos, envolve o visitante que se
desloca no recinto desprovido de bancos, delimitado apenas pela balaustrada que

15
No Rio de Janeiro a compartimentação das paredes e em Minas Gerais a dificuldade de transporte
excluíram os azulejos na maioria das igrejas setecentistas.

17
corre lateralmente aos retábulos. O princípio barroco do horror vacui (horror ao vazio)
determinou o revestimento integral das paredes e teto, compartimentados em secções
geométricas que servem de moldura às pinturas e aos espaços reservados aos
retábulos.
Os sete retábulos são de idêntica composição, com colunas torsas e pilastras
interligadas por arquivoltas concêntricas, segundo o modelo portugues. 16 As pilastras
são decoradas com folhagens de acanto da tradição clássica e as colunas com
enrolamentos de videiras e cachos de uvas, matéria prima do vinho, um dos símbolos
da Eucarístia. Entre as imagens, o principal destaque é o Crucificado do altar mor,
originalmente com asas e associado a uma imagem ajoelhada de São Francisco de
Assis, hoje desaparecida. Nos painéis pictóricos das paredes e tetos foram
representados santos franciscanos e nos caixotões do forro cenas da vida de São
Francisco de Assis fundador da Ordem. Já nos azulejos figuram cenas campestres, sem
significação religiosa. Esses azulejos que ocupam a parte baixa das paredes tem
molduras retilíneas, com decoração semelhante à das molduras dos painéis.
Do mesmo período e estilo, a decoração da igreja de Nossa Senhora dos
Prazeres dos Guararapes, tem revestimento integral de azulejos do “tipo tapete” nas
paredes da nave envolvendo os tres retábulos, hoje parcialmente perdidos. Em Olinda
a mais homogênea decoração remanescente desse período é a da sacristia do
convento franciscano, que também integra em perfeita harmonia os azulejos e pinturas
à talha do arcaz e do armário.

Do período joanino conservam-se nas igrejas de Recife e Olinda, um número


significativo de retábulos e outros complementos de talha, bem como silhares de
azulejos e forros com pinturas de perspectiva. Entretanto, nenhuma delas apresenta
atualmente conjuntos integrados dos três gêneros, em virtude dos longos períodos
construtivos das igrejas, comportando mudanças do gosto artístico das irmandades e
até mesmo das Ordens religiosas com maiores recursos financeiros.

16
Modelo esse inspirado no desenho das portadas de igrejas românicas construidas em Portugal no
século XII, quando se formou a nacionalidade portuguesa. Cf. SMITH, Robert. A Talha em Portugal.
Lisboa, 1962, p. 72.

18
Os retábulos joaninos de maior impacto visual são os das capelas-mores da
Conceição dos Militares, Matriz de Santo Antônio e Madre de Deus em Recife,
inseridos em conjuntos ornamentais que se estendem às abobada e paredes laterais.
Bons exemplares do estilo são ainda os do cruzeiro da igreja conventual do Carmo,
com colunas salomônicas e frontões elevados sem dosséis, inseridos em capelas
fundas da mesma altura da capela mor. Em Olinda subsiste apenas da época joanina o
conjunto de talha da Capela dos Terceiros Franciscanos à esquerda da nave da igreja
conventual.

Merece especial referência a magnífica decoração da Conceição dos Militares,


concluída em 1757, já no final da época joanina, e incorporando fundos brancos nos
douramentos. Além dos retábulos e púlpitos, são inteiramente revestidos de talha,
tanto a parede do arco cruzeiro, quanto o amplo forro plano da nave, dividido em
complexas composições ornamentais emoldurando painéis pictóricos. A visão global
do conjunto, que associa os efeitos luminosos dos douramentos ao colorido forte das
pinturas, produz sensações de fascínio, sugeridas pela estética barroca, aliadas ao
encantamento, sugerido pelo rococó.

Com relação à pintura de forros em perspectivas ilusionistas, gênero


que corresponde estilisticamente aos retábulos D. João V, o único exemplar
conservado na íntegra é o da nave de São Pedro dos Clérigos de Recife, pintado por
João de Deus Sepúlveda, entre 1764 e 1768. É possível que outros forros do mesmo
estilo em Recife tenham sido modernizados na época rococó, com espaços centrais
pintados de branco, como sugerem as pinturas dos forros do Carmo e Rosário dos
Pretos, entre outras.

Quanto aos azulejos, belos conjuntos joaninos em monocromia azul e branco e


movimentadas molduras com cabeceiras recortadas, decoram a nave da igreja dos
conventos franciscanos de Olinda e Igarassu, e a Capela de Nossa Senhora do Rosário
do convento de Recife. Os franciscanos, e em menor escala os carmelitas foram
notoriamente os principais clientes de encomendas de azulejos setecentistas
historiados17 para suas igrejas e claustros, onde além dos aspectos estéticos tinham a

17
No século XVIII os azulejos historiados substituíram os do tipo “tapete”, apenas ornamentais, do século
anterior.

19
função didática de ilustração visual de temas religiosos, centrados na vida dos
principais Santos da Ordem.

Antes de passar aos aspectos específicos do rococó religioso em Pernambuco,


convém lembrar que, tendo suas origens no campo das artes ornamentais, o domínio
próprio do rococó são as decorações internas e de fachadas, influenciando pouco a
arquitetura, que manteve a tradição lusitana das plantas retangulares de. O rococó
pernambucano elaborou, aliás, um tipo específico de fachada de igrejas
extremamente gracioso e original, no qual, além dos típicos frontões altos, tratados
como elementos escultóricos independentes, chamam a atenção os coroamentos
bulbosos das torres de desenho variado e elegante. Outra característica importante é
o movimento ondulatório da cimalha acima dos óculos, como na matriz de Santo
Antônio de Recife, ou incluindo curvas reversas, como na fachada da igreja conventual
do Carmo de Recife.

Quanto às decorações internas, a organização do espaço interno das igrejas


pernambucanas baseia-se, como foi dito, na associação dos efeitos rutilantes da talha
dourada aos policromos dos azulejos e pinturas, em composições integradas que o
olhar abarca de uma só vez, a partir da porta de entrada. Esta ambientação unitária é
facilitada pela simplicidade das plantas retangulares tradicionais, com nave única e
capela-mor alongada de menor altura, adotadas em todas as igrejas da região, com
exceção da igreja de São Pedro dos Clérigos de Recife, cujo espaço interno tem
movimentação poligonal18.

O principal foco de atenção é o retábulo da capela mor ocupando toda a


parede do fundo, cuja arcada repete em projeção mais baixa a monumental arcada do
arco cruzeiro. Ao contrário de Minas Gerais, onde os retábulos da nave acabariam por
se libertar das arcadas e adquirir desenvolvimento autônomo, em Pernambuco esta
autonomia permaneceu restrita aos retábulos do cruzeiro. Na organização decorativa
do espaço da nave as arcadas rasas nas quais se inserem os retábulos constituem

18
Projetada pelo mestre de obras Manuel Ferreira Jácome, esta planta poligonal foi fruto de uma
imposição da própria irmandade de São Pedro dos Clérigos, constituída de padres seculares, cujas igrejas
adotavam tradicionalmente plantas centralizadas.

20
tempos fortes da decoração, alternados com os acordes secundários das tribunas no
registro superior e dos púlpitos a meia altura nos eixos transversais.

Os forros abobadados em tabuado corrido, concebidos para receber


composições abrangentes de pinturas de perspectivas, apresentam-se em sua maioria
desprovidos das mesmas que não chegaram à realização efetiva quase sempre por
carência de recursos. Entre os forros de composição rococó conservados, merecem
referência o amplo forro da nave da Matriz de Santo Antônio de Recife e os da igreja
da Conceição das Jaqueiras, em particular o da nave, no qual a Virgem ocupa o centro
da composição, ladeada por arquiteturas fantasiosas com os símbolos da Ladainha.

No campo da talha, o rococó pernambucano elaborou modelos diversificados


de retábulos, da adaptação de padrões eruditos portugueses importados pelas
Ordens beneditina e carmelita, às elaborações regionais dos franciscanos e
irmandades laicas. Um dos conjuntos mais esplendorosos é o da capela mor do
mosteiro beneditino de Olinda executado entre 1783 e 1786, cujo retábulo tem
relações diretas com o do mosteiro da mesma Ordem em Tibães, próximo à cidade de
Braga.

O modelo lusitano do retábulo beneditino de Olinda coexistiu na talha


pernambucana com outros modelos, entre os quais um de caráter acentuadamente
regional, cuja marca é o desenho estilizado do frontão do remate, com curvas e
contracurvas em forte oposição. Os mais antigos exemplares datados são os retábulos
da Misericórdia de Olinda de cerca de 1771, com requintada policromia em
jaspeados. Na igreja franciscana de Nossa Senhora das Neves de Olinda conservam-se
dois belos retábulos desta tipologia, coroados por exuberantes sanefas, também
típicas da talha rococó pernambucana. Este modelo de retábulo com sanefa foi
reproduzido em várias outras igrejas de Recife, alcançando o século XIX em
adaptações neoclássicas.

Quanto aos azulejos, é importante assinalar que foi possivelmente por seu
intermédio que as formas do rococó aportaram em Pernambuco por volta de 1760,
antecedendo de mais de dez anos manifestações similares no campo da talha e da
pintura. O exemplo precursor foi o conjunto da Misericórdia de Olinda, hoje restrito

21
aos silhares da capela mor e sub-coro, do período inicial do rococó lisboeta, entre
1750 e 1770 aproximadamente 19. Os principais clientes foram os franciscanos e os
conjuntos mais notáveis são os dos claustros dos conventos de Olinda e Recife, de
cabeceiras recortadas e na habitual monocromia azul e branco.

Entretanto outras decorações de azulejos como os da capela-mor de Santa


Teresa de Olinda e corredores da sacristia da Ordem Terceira do Carmo de Recife, já
tem padrão policromo e molduras ondulantes, típicas do rococó. O melhor conjunto
é o da excepcional Capela da Conceição da Jaqueira, na periferia de Recife, que
reproduz no período rococó, unidade estilística equivalente à da Capela Dourada para
o barroco. Talha, azulejos e pinturas apresentam-se nas duas capelas em perfeita
integração, apesar dos parâmetros estéticos diferentes, já que no rococó, como foi
visto, as paredes brancas tem peso visual importante, colocando em maior evidência,
tanto os recortes ondulantes dos azulejos na parte inferior, quanto as delicadas
pinturas dos forros que emprestam particular encanto ao ambiente.

2.2 O barroco em Salvador

A dignidade de capital colonial marcou o desenvolvimento arquitetônico e


artístico de Salvador por mais de dois séculos, entre o ano de 1549, quando foi
fundada para esse fim pelo primeiro governador Tomé de Souza e o de 1763, quando
perdeu esta dignidade para o Rio de Janeiro. Em consequência, tanto o maneirismo
quanto o barroco, estilos de época que vigoraram em Portugal nesses séculos, nela
conheceram manifestações mais espetaculares e abrangentes do que em outras
cidades no mesmo período.

O impulso construtivo determinante seria dado pelas Ordens Religiosas que


dominavam então a encomenda arquitetônica e artística20. São ainda hoje construções
19
Todos os azulejos do período colonial brasileiro são de importação portuguesa, inserindo-se portanto
nos parâmetros da História da Arte em Portugal.
20
As tradições de simplicidade da arquitetura civil portuguesa e a ausência de monarca residente,
inerente à situação de colônia foram desfavoráveis ao desenvolvimento do barroco fora da esfera

22
preponderantes na arquitetura do centro histórico de Salvador, o antigo Colégio
jesuíta, atual Catedral Basílica, o Convento franciscano e sua Ordem Terceira, o
Mosteiro de São Bento, e os conventos dos frades observantes e terésios da Ordem
carmelita. A monumentalidade destas construções, incluindo a igreja e os conventos
anexos, inspirou a Robert Smith a designação de estilo “monumental” para o período
iniciado após a expulsão dos holandeses em 1640 e terminado em 1763 com a
transferência da capital. Todas elas reproduzem em graus diversos tradições
arquitetônicas específicas da Ordem que as construiu, aclimatadas às tradições de
simplicidade do maneirismo português21.

Uma extraordinária fachada foge entretanto ao modelo lusitano tradicional,


pelo dinamismo de suas formas e sobrecarga ornamental, similares aos do barroco
hispânico. Trata-se da Ordem Terceira de São Francisco de Assis, concluída por volta de
1703, à esquerda da igreja conventual. Inteiramente revestida de acantos e outros
temas ornamentais esculpidos em pedra calcárea, incorpora quatro personagens de
significação iconográfica imprecisa nas pilastras misuladas que ladeiam o nicho central
com a escultura em lioz de São Francisco de Assis. A atribuição do desenho desta
fachada ao carpinteiro português Gabriel Ribeiro e a datação já de princípios do
setecentos, sugerem influência da talha da primeira fase do barroco em sua concepção,
justificando a denominação de “fachada-retábulo”, recorrente no barroco hispânico.

Possivelmente da primeira fase do barroco ,os retábulos originais da igreja dos


Terceiros franciscanos foram substituídos em 1827 pelos atuais de estilo neoclássico.
As substituições neoclássicas determinaram com efeito, o desaparecimento da maior
parte das decorações barrocas de Salvador, tanto de período nacional quanto do
joanino22. Restam quase sempre, apenas alguns retábulos remanescentes destas
primitivas decorações, como os da nave do Convento de Santa Teresa e Hospício da
Boa Viagem para a primeira fase, e o retábulo joanino do Mosteiro de São Bento,
transferido para a Capela do Monte Serrat, da mesma Ordem beneditina.

religiosa.
21
O colégio dos jesuítas deriva, por exemplo, do modelo do Gesú de Roma e a igreja de Santa Teresa da
casa-mãe dos Terésios em Ávila. Sobre o maneirismo em Portugal ver PAIS da Silva, José Henrique.
Estudos sobre o Maneirismo. Lisboa, Editorial Estampa, 1983.
22
Ver estudo fundamental de FREIRE, Luis Alberto Ribeiro. A talha neoclássica na Bahia. Rio de Janeiro:
Versal, 2006.

23
Neste contexto, é surpreendente que tenha sido conservado na íntegra o
excepcional conjunto de talha da igreja conventual de São Francisco de Assis.
Executado entre 1723 e 1760 aproximadamente, compreende onze retábulos, dois
púlpitos e revestimento integral das paredes e tetos, configurando uma “floresta
tropical de acantos”23. A divisão em três naves, inusual no barroco luso-brasileiro
multiplicou as superfícies disponíveis para o desenvolvimento da talha,
harmoniosamente integrada à decoração do teto dividido em painéis de desenho
geométrico, com pinturas relativas à iconografia da Virgem. Estruturados em colunas
torsas e arquivoltas todos os retábulos pertencem à primeira fase do barroco,
excetuados entretanto os dos transeptos, de tipologia joanina marcada pelos atlantes
de grandes proporções na base e fragmentos de frontões em volutas com anjos na
parte superior.

Os retábulos joaninos de maior interesse remanescentes em Salvador são os do


transepto da antiga igreja jesuíta, atual Catedral, dedicados aos patronos da Ordem,
Santo Inácio de Loyola e São Francisco Xavier. Montados nas arcadas respectivas por
volta de 1755, ficaram todavia inconclusos, como demonstram os coroamentos vazios
acima das colunas salomônicas24. Não restaram na cidade como foi dito, decorações
homogêneas do período joanino, incluindo talha e pinturas de perspectivas como seria
de esperar. Fato esse que não deixa de suscitar indagações, quando se sabe que foi
justamente em Salvador que se desenvolveu a principal escola de pintura em
perspectiva ilusionista do Brasil colonial, em torno do notável pintor José Joaquim da
Rocha, ativo na cidade entre 1764 e 1807, ano de seu falecimento 25.

Pelo menos uma dezena de pinturas de sua autoria e de seus discípulos e


seguidores26 decoram ainda hoje abóbadas de igrejas importantes de Salvador como a
de Nossa Senhora da Conceição da Praia, Ordem Terceira de São Domingos, Nossa
Senhora da Palma, Santíssimo Sacramento do Passo, Rosário do Pelourinho e Convento
da Lapa, entre outras. O belo forro da nave da Conceição da Praia, executado em
23
Expressão sugerida pelo crítico italiano Ricardo Averini. Cf. Tropicalidade do Barroco.In Revista Barroco
nº 12, Belo Horizonte, 1982/3, p.327-334.
24
Fato relacionado sem dúvida à expulsão da Ordem jesuíta do Brasil em 1759.
25
Maiores informações em ALVES, Marieta. Dicionário de artistas e artífices na Bahia, Salvador, 1976, p.
149 – 150.
26
Entre os nomes mais conhecidos Antônio Franco Velasco e Veríssimo De Souza Freitas, que deixaram
obras nas igrejas da Palma e Convento da Lapa, respectivamente.

24
1772-74 é considerado sua obra mais importante, tanto pelas dimensões quanto pela
qualidade do desenho das perspectivas, representando ao longo das paredes da nave
um suntuoso teto ilusionista com colunas, balcões e galerias. Na parte central como de
praxe nesse gênero de pintura, um amplo espaço aberto com a representação da
padroeira da igreja, Nossa Senhora da Conceição elevando-se acima dos quatro
continentes para ser introduzida no céu.

Além dos forros em perspectivas ilusionistas, o barroco deixou em Salvador um


importante acervo de azulejos datados da primeira metade do século XVIII até cerca de
1760. É possível que as dificuldades de importação desses complementos
arquitetônicos cuja fabricação no Brasil era proibida pelo sistema colonial, tenham
auxiliado na preservação desse acervo, diferentemente da talha, produzida em oficinas
locais.

Do primeiro período conservam-se excelentes séries de painéis com


enquadramentos retilíneos e molduras de acanto, no Convento do Carmo, Santa
Teresa, Igreja conventual de São Francisco e Santa Casa de Misericórdia, entre outras.
Da época joanina há conjuntos importantes no Hospício da Boa Viagem27, Conventos da
Lapa e do Desterro, Ordem Terceira de São Francisco, Catedral Basílica (escadaria
interna) e, principalmente, claustro do Convento de São Francisco de Assis. Importados
de Lisboa entre 1743 e 1746, os azulejos que envolvem a totalidade das paredes deste
último apresentam uma extraordinária sequencia de 38 painéis com cabeceiras
recortadas ilustrando temas morais da Antiguidade Clássica, a partir dos “Emblemas”
do poeta latino Horácio28.

A diminuição do ritmo construtivo com a transferência da capital e a introdução


precoce do neoclassicismo29 entre outros fatores, fizeram com que o rococó não tivesse
desenvolvimento abrangente em Salvador como no Rio de Janeiro, Minas e
Pernambuco. Manifestações pontuais do estilo transparecem entretanto nas
27
Em perfeito acordo com a talha joanina da capela-mor, esses azulejos do Hospício da Boa Viagem são
particularmente interessantes pela temática de representações de milagres marítimos da padroeira.
28
Os painéis tem como fonte originária gravuras de Otto Vaenius publicadas em Antuérpia em 1607 em
edição latina, da qual foram retirados os títulos das cartelas indicando os temas representados nos
próprios azulejos.
29
Antes mesmo de introdução oficial do estilo no Rio de Janeiro pela Missão Francesa de 1816, como
revelam os conjuntos de talha neoclássica das igrejas do senhor do Bonfim e Nossa Senhora da Saúde e
Glória, executados no período de 1811 – 1814.

25
decorações internas de algumas igrejas como a Conceição da Praia, Misericórdia e
Nossa Senhora da Conceição da Lapa, executadas na segunda metade do século XVIII.
Estas manifestações restringem-se quase sempre ao uso de temas ornamentais do
rococó, mantendo os retábulos estruturas herdadas do período joanino, notadamente
colunas salomônicas e dosséis ou já antecipando formas neoclássicas, como as colunas
retas e frontões triangulares.

Observe-se que formas do rococó plenamente evoluído chegaram a Salvador


por intermédio da azulejaria, como atestam os conjuntos da capela-mor de Nossa
Senhora da Boa Viagem mencionado anteriormente, Nossa Senhora da Saúde e Glória,
sacristia de Nossa Senhora do Pilar e nave de Nossa Senhora do Desterro. E finalmente,
merece referência especial a bela decoração da sacristia do Convento do Carmo, do
final da época joanina, mas já incorporando fundos brancos e assimetrias que
anunciam o rococó.

2.3 Barroco e rococó no Rio de Janeiro

A posição estratégica na região centro-sul da costa brasileira e um magnífico


porto natural vocacionaram naturalmente o Rio de Janeiro a um papel importante nos
destinos político e econômico do país. Efetivamente, já em princípios do século XVIII
seu porto foi a saída natural do ouro e dos diamantes de Minas Gerais e a partir de
1763 a cidade tornou-se sede do governo dos vice-reis, transferida da primeira capital,
Salvador.

Este contexto favoreceu a construção de um acervo importante de


monumentos civis e religiosos, com incorporação dos estilos europeus, praticamente
na mesma época em que eram adaptados em Portugal, antecedendo outras regiões do
país. O Rio de Janeiro foi desta forma, a primeira cidade brasileira a assimilar, tanto o
barroco joanino quanto o rococó, bem como as plantas poligonais e curvilíneas,
adotadas em quatro igrejas importantes, três das quais ainda conservadas nos dias de

26
hoje30. Observe-se entretanto, a maioria das igrejas construídas no Rio de Janeiro no
período31 manteve como em outras regiões do país a tradição das plantas retangulares,
dinamizadas internamente por suntuosas decorações que as inserem na estética do
barroco ou do rococó.

Da primeira fase do barroco, conserva-se apenas na íntegra a decoração da


capela-mor do Convento de santo Antonio datada de 1716 – 1719, completada por
dois retábulos laterais na região do arco-cruzeiro. A parede do fundo é inteiramente
ocupada pelo retábulo de colunas torsas e arquivoltas concêntricas e o forro
abobadado é dividido em painéis com pinturas emolduradas de talha dourada com
cenas da vida do padroeiro, Santo Antonio.

Do mesmo período era o retábulo original do Mosteiro de São Bento,


substituído na segunda metade do século XVIII pelo atual, em estilo rococó. Subsistiu
felizmente a esplendida decoração da nave, com pilares e arcadas inteiramente
revestidas de talha dourada, composta essencialmente de volutas de acantos
entrelaçadas a figurinhas infantis, com guirlandas de flores ou cavalgando pássaros
fênix32. Esta decoração foi concebida e executada em sua maior parte pelo monge
escultor Frei Domingos da Conceição33 das oficinas do próprio Mosteiro, assim como o
monge pintor Frei Ricardo do Pilar, autor das pinturas que decoram os painéis da
capela-mor representando aparições da Virgem Maria a santos beneditinos.

Realizada entre 1726 e 1743, tempo recorde para os padrões da época, a


decoração da capela dos Terceiros Franciscanos, conhecida como Igreja da Penitência é
sem dúvida o exemplo mais característico do barroco joanino no Brasil, integrando
talha e pintura em perfeita unidade estilística. Obra dos entalhadores lisboetas Manuel

30
Estas igrejas são as de Nossa Senhora da Glória do Outeiro, Lapa dos Mercadores e Nossa Senhora
Mãe dos Homens. As transformações urbanas do século XX decretaram o desaparecimento da mais
inovadora do grupo, a curvilínea São Pedro dos Clérigos, demolida em 1943 na abertura da Avenida
Presidente Vargas.
31
O Rio de Janeiro tem 29 igrejas da época colonial tombadas pelo IPHAN, sendo nesse aspecto a
segunda cidade brasileira, ultrapassada apenas pela primeira capital, Salvador.
32
Folhas de acanto, figuras infantis (putti) e pássaros fênix, temas ornamentais originários da decoração
clássica greco-romana, são habituais na primeira fase do barroco luso-brasileiro. Na adaptação religiosa
os “putti” receberam asas tornando-se anjos infantis e o pássaro fênix que morre e ressurge das próprias
cinzas, tornou-se símbolo da ressurreição do Cristo.
33
Frei Domingos da Conceição foi também autor das belas imagens de Nossa Senhora de Montesserrate
e dos santos beneditinos Bento e Escolástica do retábulo da capela-mor.

27
de Brito e Francisco Xavier de Brito a talha inclui, além dos retábulos, revestimento
integral das paredes até a cimalha real que serve de moldura às pinturas ilusionistas
das abóbadas. A de maior impacto é a ampla pintura da nave, composta de cerrada
trama de arquiteturas em perspectiva ilusionista, deixando no centro um espaço
aberto para a representação da glorificação de São Francisco de Assis.

Na organização decorativa deste excepcional espaço do barroco joanino, tudo


converge para a representação teatral do altar-mor, centrada na dramática
representação do Crucificado com imponentes asas de Serafim, em conversação com
São Francisco ajoelhado a seus pés. O retábulo é coroado por imponente dossel,
elemento que identifica de imediato o estilo joanino, assim como o grupo escultórico
representado acima, com a figura de Deus Pai ladeado por anjos adultos.

O rococó faz sua primeira aparição no Rio de Janeiro entre 1751 e 1753 na talha
dos retábulos da nave da Matriz de Santa Rita, estendendo-se em seguida às demais
igrejas construídas ou reformadas na cidade no período. Dominou as decorações das
igrejas cariocas durante mais de meio século, em perfeita adequação com o gosto das
irmandades, principais clientes da encomenda artística na segunda metade do século
XVIII, como em outras partes do Brasil e notadamente Minas Gerais.

A dignidade de capital dos vice-reis a partir de 1763, introduziu um novo fator –


a necessidade de alinhar os padrões arquitetônicos das construções ao gosto de Lisboa,
onde imperava no momento o chamado estilo “pombalino”34. Os modelos do mesmo
chegaram ao Rio de Janeiro principalmente através das portadas ornamentais em
pedra de lióz importadas de Lisboa, cujo exemplo mais notável são as da igreja dos
terceiros do Carmo na Praça XV35. Verifica-se então um curioso hibridismo, que
singulariza as igrejas cariocas no contexto geral da arquitetura religiosa no Brasil no
período: o pombalino nas fachadas e o rococó nas decorações internas. Por fora a

34
Variante do barroco tardio italiano. Ver Cap. 1.
35
Estas portadas, bem como pisos, lavabos e outros complementos arquitetônicos em pedra eram
trazidos como lastro nos navios comerciais, que vinham à Colônia em busca do ouro ou do açúcar.

28
reprodução dos padrões arquitetônicos de Lisboa e no interior o gosto brasileiro,
habituado ao requinte da talha dourada e às pinturas historiadas 36.

Restrito às decorações internas, o rococó religioso carioca tem como


característica específica o revestimento integral ou parcial das paredes e tetos com
lambris de madeira pintados de bege ou branco, sobre os quais são aplicados os
ornatos dourados e incorporando com frequência painéis pictóricos, como as
decorações civis da época.

No conjunto das igrejas setecentistas do centro histórico do Rio de Janeiro a


única que praticamente não sofreu alterações foi a Matriz de Santa Rita, tanto em
termos de fachada quanto de decoração interna. Datada de 1753 – 1759 e anterior
portanto à instalação da capital, sua decoração interna foi possivelmente a primeira do
gosto francamente rococó em toda a colônia brasileira, antecipando de uma década
Minas Gerais e Pernambuco, onde o estilo encontraria também desenvolvimento
abrangente.

O elemento de maior impacto visual é a decoração do arco cruzeiro, revestido


em três faces de ornatos dourados, aplicados a intervalos regulares, tendo no centro
da arcada uma elegante tarja sinuosa, ladeada por duas aletas em rocalhas. Essa
requintada composição ornamental seria repetida em várias outras igrejas cariocas,
notadamente Mãe dos Homens, Lapa dos Mercadores, Carmo da Antiga Sé, Ordem
Terceira do Carmo e Santa Cruz dos Militares, caracterizando um dos traços mais típicos
do rococó do Rio de Janeiro.

Dois modelos diferentes de retábulos orquestraram as decorações do rococó


carioca, identificados basicamente pela tipologia das colunas, retas ou torsas, usadas
como suporte dos coroamentos, geralmente em forma de frontão. No primeiro,
inaugurado nos retábulos da nave da Matriz de Santa Rita, as colunas são retilíneas e
delgadas como no rococó religioso europeu de um modo geral. Além de Santa Rita,

36
Além da Ordem terceira do Carmo, são inspiradas em igrejas pombalinas de Lisboa as fachadas da
Candelária, comparável à da basílica da Estrela, São Francisco de Paula que descende da igreja
homônima e Santa Cruz dos Militares, inspirada possivelmente na Igreja dos Mártires, tendo ambas as
torres colocadas nos fundos da construção.

29
pode ser visto nos retábulos das igrejas de Santa Tereza, Glória do Outeiro, Santa Cruz
dos Militares e Lapa dos Mercadores, entre outras.

O segundo modelo, que mantém as colunas torsas salomônicas herdadas do


barroco joanino foi introduzido na talha carioca pelo principal entalhador do período, o
famoso Mestre Valentim e usado por cerca de duas décadas em decorações
importantes da cidade. O primeiro exemplo é o da decoração da capela do noviciado
da Ordem Terceira do Carmo, executada entre 1773 e 1780. Trata-se de um pequeno
salão de planta retangular e teto abobadado, inteiramente revestido de talha dourada,
constituindo um dos ambientes mais requintados do rococó carioca37.

Caberia entretanto, a um discípulo de Valentim , Inácio Ferreira Pinto, a mais


ampla e suntuosa decoração rococó do Rio de Janeiro, a do Carmo da Antiga Sé,
executada no último quartel do século XVIII. Essa excepcional decoração incluía, além
de nove retábulos, o arco cruzeiro, órgão e revestimentos da nave e capela-mor.
Interessante observar que, na capela-mor, a decoração da abóbada foi feita em
detrimento da pintura preexistente de José de Oliveira Rosa, reduzida aos limites de
um painel central longilíneo com cercadura de talha, segundo a nova estética do
rococó carioca.

O revestimento integral de todo o espaço interno por lambris pintados de bege


claro, com ornatos dourados em destaque, configura uma decoração de tipo palaciano,
característica do Rio de Janeiro. A impressão de um amplo salão de festas seria ainda
mais evidente com o assoalho da nave livre dos bancos, como no século passado, e o
coro alto ocupado pela orquestra, onde se fazia música de excelente qualidade,
segundo os registros da época. Transformada em capela Real, quando da transferência
da corte portuguesa para o Brasil, em 1808, essa igreja, da qual foram desalojados os
frades carmelitas, funcionou sucessivamente como capela Imperial e Catedral
Metropolitana até o ano de 1976.

O rococó reinou sem concorrentes nas decorações das igrejas do Rio de Janeiro
até fins da primeira década do século XIX, quando começaram a aparecer os primeiros
modelos de ornamentações ligadas ao neoclassicismo francês. Sua identificação com o

37
Cf. CARVALHO, Anna Maria Monteiro de. Mestre Valentim. São Paulo: Cosac & Naify, 1999, p.58-70.

30
gosto carioca foi profunda e duradoura, como atestam o número e a variedade de
decorações por ele determinadas nas igrejas do Rio de Janeiro, influenciando também
estilos posteriores do século XIX.

CAPÍTULO 3. BARROCO E ROCOCÓ EM MINAS GERAIS

31
3.1 A arquitetura religiosa, do barroco ao rococó

No período colonial brasileiro a antiga capitania das Minas Gerais ocupa lugar
de destaque pelas características singulares de sua arquitetura religiosa, ligada ao
“ciclo do ouro”, iniciado nos últimos anos do século XVII, com a localização das
primeiras jazidas perto da atual cidade de Ouro Preto. Por volta de 1710 a região já
contava com uma população estável de cerca de 30.000 habitantes e no ano seguinte
fazia-se presente a administração portuguesa, com a criação das primeiras vilas, sendo
as de Ouro Preto, antiga Vila Rica, e Mariana, escolhidas para sedes do poder político e
religioso.

Entre os fatores que condicionaram as referidas singularidades são geralmente


citados o afastamento dos portos litorâneos, a proibição das ordens religiosas e a
atuação de artistas autóctones, com ênfase nos mestiços como Antonio Francisco
32
Lisboa, o famoso Aleijadinho (1738-1814). O afastamento geográfico inviabilizando a
importação de equipamentos arquitetônicos ornamentais como as portadas em pedra
de lioz e os revestimentos azulejares, obrigou os construtores locais a investigar
substitutos como a pedra-sabão ou simular em pintura os efeitos dos azulejos. A
proibição de instalação das Ordens religiosas, eliminando da região tipologias
arquitetônicas tradicionais ligadas à ação dos religiosos, favoreceu a criatividade dos
seculares e os leigos associados em irmandades e ordens terceiras tornam-se os
principais promotores do culto religioso e das novas construções de igrejas. Quanto à
atuação de artistas autóctones, sua supervalorização pela historiografia nacionalista da
segunda metade do século XX encontra-se hoje em processo de revisão em virtude de
novas pesquisas sobre mestres de obras e artistas portugueses, atraídos à região pelas
excepcionais oportunidades de trabalho propiciadas pela riqueza econômica.

A época de maior concentração de profissionais portugueses qualificados nos


canteiros de obras das igrejas de Minas Gerais coincide logicamente com o período
áureo da atividade mineratória, entre1730 e 1760 aproximadamente. Generaliza-se o
uso da alvenaria de pedra nas construções religiosas das principais vilas da Capitania,
viabilizando a movimentação poligonal e curvilínea das plantas e alçados
arquitetônicos e a ornamentação escultórica das fachadas, com ênfase nos frontões,
portadas e coroamentos das torres. Estes requintes, bem como a introdução de
padrões italianos na decoração interna da época joanina, exigiam mão de obra
especializada e a presença de pedreiros, carpinteiros, entalhadores, pintores e outros
profissionais portugueses, torna-se uma constante nos canteiros de obras.

Na região de Ouro Preto, o cenário construtivo é dominado pelos mestres


Manuel Francisco Lisboa, natural da região de Lisboa e José Pereira dos Santos, do
Porto. O primeiro construiu entre outras, a Matriz de Antônio Dias, a igreja de Santa
Efigênia e várias capelas de Passos na antiga Vila Rica, atual cidade de Ouro Preto.
Entre as obras mais importantes do segundo estão as igrejas do Rosário dos Pretos na
mesma cidade e as de São Francisco de Assis, Nossa Senhora do Rosário e São Pedro
dos Clérigos em Mariana. Esta última e a do Rosário de Ouro Preto são dotadas de
excepcionais plantas curvilíneas, cujos projetos são da autoria de um outro português,
o bacharel Antônio Pereira de Souza Calheiros, formado em Coimbra, que “as delineou

33
ao gosto da rotunda de Roma” (o Panteão), segundo um cronista da época 38. Em tudo
semelhantes, as plantas de ambas as igrejas justapõem duas elipses entrelaçadas,
plenamente acusadas na volumetria externa do edifício. Na igreja do Rosário o
frontispício arredondado em segmento de círculo é ladeado por torres circulares,
possivelmente também previstas no projeto original da igreja de São Pedro de
Mariana39.

A relação destas duas plantas com a da igreja de São Pedro dos Clérigos do Rio
de Janeiro construída anteriormente pode ser constatada, tanto na adoção de formas
elípticas quanto no pórtico em segmento de círculo ladeado de torres circulares.
Sabendo-se que o projeto de Mariana antecedeu de alguns anos o de Ouro Preto, o
papel exercido pela irmandade dos Clérigos na introdução dos partidos curvilíneos em
Minas Gerais torna-se evidente. Seu saldo principal seriam as torres circulares, que
reproduzidas depois em várias igrejas, são justamente consideradas como um dos
principais fatores da originalidade das igrejas mineiras. A influência italiana nestas
igrejas excepcionais, enfatizada pela comparação com o Panteão de Roma, coloca-as
diretamente na órbita do barroco tardio internacional configurando um curto período
efetivamente barroco no que se refere às plantas das igrejas mineiras, entre 1750 e
1770, e antecedendo o período rococó de duração mais longa, como observou John
40
Bury .

Além das igrejas do Rosário de Ouro Preto e São Pedro dos Clérigos de Mariana,
a tipologia das plantas curvilíneas inclui outras igrejas de irmandades construídas em
Minas na segunda metade do século XVIII, associadas quase todas ao nome do
Aleijadinho e ao estilo rococó. A igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto, a
primeira da série em ordem cronológica (projeto de 1766), pode ser vista como um
edifício de transição, já que congrega elementos das tradições formais do barroco e do

38
Trata-se do Vereador de Mariana José Joaquim José da Silva, que em 1790 elaborou uma crônica sobre
a situação das artes na capitania de Minas, fonte básica para a história da arte da região no século XVIII.
Ver transcrição in Antonio Francisco Lisboa. O Aleijadinho. Rio de Janeiro: Publicações da Diretoria do
IPHAN, 1951.
39
As torres atuais, concluídas em princípios do século XX, são de seção quadrada.

40
Cf. BURY, John. As igrejas Barromínicas do Brasil colonial. In Arquitetura e arte no Brasil colonial. São
Paulo: Nobel, 1991, p. 103-135.

34
rococó. Já francamente rococó, a frontaria da igreja do Carmo da mesma cidade é uma
das mais graciosas e refinadas da arquitetura mineira, com frontispício levemente
sinuoso e torres arredondadas em ligeiro recuo, coroadas por bulbos em forma de sino
de influência germânica. Todos esses elementos foram retomados no risco da fachada
de São Francisco de São João del Rei, desenhado pelo Aleijadinho em 1774 .

Entretanto o aspecto atual da igreja de São João del Rei difere bastante do risco
original, em virtude das modificações introduzidas pelo construtor da igreja, o
arquiteto e mestre de obras português Francisco de Lima Cerqueira, originário da
cidade de Braga. Do desenho original mantiveram-se apenas o motivo do óculo central
e a estrutura básica das linhas do frontão, sendo de Lima Cerqueira tanto a forma
circular e o movimento rotativo das torres com coroamentos em varandins, quanto a
ondulação das paredes laterais da nave. É importante enfatizar que o Aleijadinho, cuja
atividade básica era a escultura, nunca construiu pessoalmente as igrejas para as quais
forneceu desenhos arquitetônicos, tarefa de responsabilidade dos mestres de obras,
quase sempre portugueses, como foi dito. Além dos nomes já mencionados merece
referência o do construtor das igrejas de São Francisco de Ouro Preto e Carmo de
Mariana, o pedreiro Domingos Moreira de Oliveira, procedente da região do Porto.

A partir de meados do século XVIII, tornaram-se moda em Minas Gerais as


portadas ornamentais em pedra sabão, inexistentes em outras regiões que
transportam para o exterior das igrejas as composições ornamentais até então
apanágio da talha. O modelo inicial foi o do nicho com a imagem do Santo Padroeiro,
sugerindo uma terceira janela acima da porta, utilizado na portada de Santa Efigênia
de Ouro Preto, e nas Matrizes de Prados e Barão de Cocais.

A primeira portada rococó da arquitetura religiosa de Minas Gerais foi a do


Santuário do Bom Jesus de Matozinhos de Congonhas do Campo, datada do período
1765 -1769. A principal novidade é a substituição do nicho por uma tarja com as armas
da Irmandade proprietária, as cinco chagas de Cristo, emblema da irmandade do Bom
Jesus. Essa portada pioneira inaugura uma série, cujas obras de maior significado
seriam as criações do Aleijadinho para as Ordens Terceiras do Carmo em Sabará, Ouro

35
Preto e São João del Rei e São Francisco de Assis nas duas últimas cidades. O tema
central de todas elas é a tarja com as armas da irmandade, geralmente as chagas de
Cristo ou os membros estigmatizados de Cristo e São Francisco nas igrejas franciscanas,
e o Monte Carmelo encimado por uma cruz e três estrelas nas igrejas carmelitas. Esses
símbolos se destacam em meio a uma profusão de elementos decorativos, entre os
quais predominam as rocalhas que identificam o estilo rococó.

Na portada do Carmo de Sabará, executada por volta de 1770, o Aleijadinho


introduziu um novo tipo de composição que seria depois reproduzida em várias outras
igrejas. Trata-se da tarja coroada apresentada por figuras de anjos infantis, retomada
na portada do Carmo de Ouro Preto, em composição mais livre e graciosa. A obra-
prima do gênero é entretanto a portada de São Francisco de Assis de Ouro Preto,
projetada em 1774, com três tarjas acopladas em triângulo apresentadas por anjos
adultos, assentados em fragmentos de arquitrave acima das ombreiras. Comparável às
mais elaboradas criações do rococó internacional, esta audaciosa composição de
desenho assimétrico é um dos pontos altos do rococó mineiro. Seus principais
elementos foram retomados na portada de São Francisco de São João del Rei, também
de autoria do Aleijadinho em composição mais contida, sem assimetrias.

3.2 O barroco nas decorações internas

Como nas regiões litorâneas, é na decoração interna que o barroco encontra


manifestação plena em Minas Gerais, associando efeitos do brilho dourado da talha
aos do colorido das pinturas, inicialmente condicionadas aos painéis parietais e
caixotões dos forros e depois em livre expansão nas abóbadas contínuas 41.

O ato de transpor a porta de entrada de uma igreja mineira da fase áurea do


barroco, como as Matrizes de Tiradentes e Pilar de Ouro Preto, produz uma sensação
de surpresa e encanto. Num ambiente de meia penumbra, que parece ainda mais

41
Como no caso das portadas de lioz a dificuldade do transporte inviabilizou o uso de azulejos
portugueses nas decorações das igrejas mineiras, que aparecem uma única vez, na igreja de Nossa
Senhora do Carmo de Ouro Preto.

36
densa pelo contraste com a luz incandescente do sol das montanhas, uma profusão de
formas de contornos imprecisos são sugeridas, mais do que reveladas, pelos reflexos
colorísticos e luminosos produzidos simultaneamente pela irradiação do ouro da talha
e pelas cores quentes das pinturas do teto e dos quadros das paredes. Temos ai
definidas as categorias de Wolfflin, evidenciando aspectos efetivamente “barrocos”
nestas ambientações suntuosas: a prevalência do pictórico sobre o linear - as linhas da
estruturação arquitetônica desaparecendo sob a proliferação ornamental da talha; o
claro-escuro produzido por contrastes de luz e sombra, (a ambientação decorativa de
uma igreja barroca prevê originalmente iluminação de velas e tochas, ao oposto das do
rococó, concebido para iluminação natural); a unidade indivisível privilegiando a visão
unitária do conjunto sobre a visão individual dos retábulos; a forma aberta, sugerindo a
indispensável adesão do espectador para complementação do próprio sentido estético
da decoração. Finalmente a visão em perspectiva, enfatizando um ponto central da
organização decorativa do ambiente, normalmente destacado no fundo da
composição. Este ponto é naturalmente o altar-mor, para o qual é dirigida de imediato
a atenção do espectador a partir da porta de entrada, por um jogo sutil de
convergências, no qual os retábulos laterais funcionam como etapas intermediárias até
a região do arco-cruzeiro, onde os retábulos são colocados propositadamente de viés
acentuando o efeito de convergência 42.

Bons exemplos de decorações da primeira fase do barroco, que associa


retábulos com coroamentos em arquivoltas a tetos em caixotões são as das Matrizes
das cidades de Sabará e Cachoeira do Campo, sendo também da mesma tipologia o
suntuoso altar-mor da Catedral de Mariana, dourado em 1727. O conjunto mais
harmonioso é entretanto o da Capela de Nossa Senhora do Ó de Sabará, cuja
decoração obedece ao principio da subdivisão das paredes e forros em painéis
retangulares e caixotões, abrigando pinturas relativas à iconografia da Virgem e do
Menino Jesus, já que a Senhora do Ó é tida no mundo ibérico como padroeira das
mulheres grávidas. Considerada por Germain Bazin como “uma das criações mais
requintadas da arte barroca” 43, esta capelinha apresenta a particularidade de uma

42
Cf. WÖLFFLIN, Heinrich. Conceitos Fundamentais da História da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 1984.
43
BAZIN, Germain. A arquitetura religiosa barroca no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 1983, volume I, p.
340.

37
série de pinturas dispostas em volta do arco-cruzeiro, figurando pássaros, pagodes e
outras chinesices em dourado sobre fundo azul.

As primeiras aparições de dosséis e outros temas ornamentais do barroco


joanino ocorreram em retábulos laterais, como nas naves das Matrizes de Nossa
Senhora da Conceição de Catas Altas e Antônio Dias e Pilar de Ouro Preto ou ainda São
João del Rei, Ouro Branco e Tiradentes, do período 1730-1745, um dos mais
interessantes da história da talha mineira. O afluxo de entalhadores portugueses para
trabalhar nos canteiros de obras das matrizes em construção, foi fator determinante
para a qualidade técnica e formal da talha desse período, que tem como expoentes
máximos as decorações da Capela de Padre Faria de Ouro Preto e a da capela-mor da
Matriz de Santo Antônio de Tiradentes 44.

Nas duas décadas seguintes, que assinalam o apogeu do barroco em Minas, os


retábulos adquirem estruturação arquitetônica mais marcada, enfatizada pela
introdução de fundos brancos nos douramentos. Três entalhadores “escultores”, ou
seja, autores simultaneamente da talha dos retábulos e das esculturas neles inseridas
dominam então o cenário da talha mineira: os portugueses Francisco Xavier de Brito,
José Coelho Noronha e Francisco de Faria Xavier. Conclui-se neste momento a
decoração da capela-mor das matrizes normalmente deixada para o final por se tratar
da parte mais dispendiosa da obra, geralmente feita com subsídios especiais da coroa
portuguesa em virtude do pacto colonial caracterizado pela união da Igreja e do
Estado. Aos referidos escultores revem notadamente a execução total ou parcial da
talha das Matrizes de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto (Xavier de Brito), Nossa
Senhora do Bonsucesso de Caeté (José Coelho de Noronha) e Nossa Senhora da
Conceição de Catas Altas (Francisco de Faria Xavier), tendo o último sido também o
primeiro arrematante do retábulo principal da Matriz de Santo Antônio de Santa
Bárbara, para o qual Xavier de Brito esculpiu o belo grupo escultórico da Santíssima
Trindade, atualmente no acervo do Museu da Inconfidência.

44
O principal responsável pela talha da Matriz de Tiradentes foi o português João Ferreira Sampaio,
provavelmente originário de região do Minho, que recebeu uma série de pagamentos pela talha da
capela-mor e arco cruzeiro a partir de 1739. Cf. SANTOS FILHO, Olinto Rodrigues. A talha joanina na
Igreja Matriz de Tiradentes. Autoria e modelos portugueses. In.: MINIA. 3ª série, ano 1, Braga, 1993, p.
117-139.

38
A suntuosa talha da capela-mor da Matriz do Pilar de Ouro Preto, executada
entre 1741 e 1751 por Francisco Xavier de Brito, pode ser considerada a obra prima do
período. Seu elemento principal é o monumental retábulo, ocupando toda a parede do
fundo, com a Virgem do Pilar entronizada no alto do trono originalmente reservado à
exposição do Santíssimo Sacramento. Colunas salomônicas e pilastras seccionadas em
volutas, chamadas de “quartelões” pela documentação de época formam os elementos
de suporte. No coroamento, vasto dossel com cortinados, funciona visualmente como
base para o grupo escultórico da Santíssima Trindade, rodeada por uma multidão de
anjos e querubins de tamanhos e posições variadas.

Com relação às pinturas de perspectivas, as mais importantes do ciclo barroco


mineiro localizam-se na região de Diamantina, onde foram introduzidas pelo pintor
português José Soares de Araújo, natural do arcebispado de Braga. Na região de Ouro
Preto, onde foram frequentes as repinturas em branco no século XIX, subsistiram
apenas exemplares esparsos como o da capela-mor da Sé de Mariana e o da capela do
Padre Faria, contemporâneo da talha joanina dos retábulos, entre 1740 e 1755.

Possivelmente a primeira pintura do gênero executada em Minas, a nave do


Padre Faria tem perfeita adequação estilística à talha do retábulo, empregando
basicamente o mesmo vocabulário ornamental de volutas e tarjas com querubins. O
mesmo não sucede na capela-mor da Sé de Mariana executado em 1760 pelo pintor
português Manuel rebelo de Souza, já que o retábulo não é joanino e sim do período
anterior nacional português. A pintura é segmentada em duas cúpulas independentes,
nas quais repete-se o mesmo desenho de arcadas separadas por colunas geminadas,
abrigando figuras de santos Cônegos.

3.3 A diversidade do rococó na talha e na pintura dos tetos

Como em Pernambuco e no Rio de Janeiro, a impressão estética produzida


pelas decorações do período rococó mineiro, diferem totalmente das do período
barroco. Os ambientes são agora profusamente iluminados pela luz natural que entra

39
pelas janelas da parte superior das paredes e a norma barroca do preenchimento
integral das superfícies cede lugar à da “alternância de cheios e vazios”, com amplos
espaços desornamentados servindo de contraponto aos ocupados pela ornamentação.
O efeito resultante é o de uma decoração simultaneamente leve e requintada, na qual
os ornatos dourados da talha se destacam contra fundos brancos ou em tonalidades
suaves, produzindo uma sensação básica de calma e bem estar, diferente da
inquietação dramática suscitada pelas ambientações barrocas. O foco principal de
atenção continua sendo o altar mor, para o qual é dirigido o olhar do espectador,
sutilmente conduzido pelos efeitos visuais de sinuosidade na talha dos retábulos e
pinturas dos forros.

A introdução do rococó na talha da região de Minas Gerais superpõe-se ao


último período da talha joanina, por volta de 1760, quando do uso da rocalha se faz
presente nos painéis parietais da capela mor da Matriz de Antônio Dias. Cinco anos
mais tarde surgem os primeiros retábulos do estilo no Santuário de Congonhas, entre
os quais o da capela-mor, obra do entalhador João Antunes de Carvalho, introduz um
motivo ornamental que teria vida longa na talha da região: a sanefa de perfil sinuoso
em forma de “arbaleta”45 ou balestra, ladeada por rocalhas flamejantes.

O retábulo com coroamento em balestra é um dos mais característicos do


rococó de Minas Gerais, não tendo equivalentes em outras regiões brasileiras ou
mesmo em Portugal. O escultor português Francisco Vieira Servas fez uso do modelo
em todas as suas obras documentadas, notadamente nos belos conjuntos do Rosário
de Mariana datado do período 1770-1775 e Nossa Senhora do Carmo de Sabará,
ligeiramente posterior. Entretanto, a talha mineira do período desenvolveu
paralelamente outros modelos de retábulos, entre os quais duas tipologias merecem
especial atenção.

A primeira, de linha mais tradicional, reproduz com pequenas modificações a


estrutura básica das criações do rococó litorâneo, podendo ser identificada pelo
coroamento em frontão, conjugando curvas e contracurvas em oposição, como nos
retábulos pernambucanos e cariocas. Este modelo foi utilizado em igrejas importantes
como as das Ordens Terceiras do Carmo de Ouro Preto e São Francisco de Mariana. A
45
O francesismo “arbaleta” corresponde a “balestra” em português arcaico ou “besta” no atual.

40
segunda, criada pelo Aleijadinho tem como exemplo mais importante o retábulo da
capela-mor de São Francisco de Assis de Ouro Preto, executado entre 1790 e 1794.

Entre as particularidades do retábulo de São Francisco, obra máxima da talha


rococó do mundo luso-brasileiro, estão o movimento rotativo das elegantes colunas
externas, o tratamento escultórico da rocalha e o imponente grupo escultórico do
coroamento com o grupo da Santíssima Trindade no centro e Anjos adoradores nas
laterais. A ligação do retábulo com a decoração da abóbada faz-se de forma contínua,
pelo prolongamento dos elementos escultóricos da tarja com o grupo escultórico da
Santíssima Trindade. No centro da abóbada, a graciosa figura de um anjo adulto
portador de flores, cercado por uma moldura em ondulações convexas, com arranjos
ornamentais de rocalhas.

A sinfonia em dourado e branco dos ornatos da talha, alia-se harmoniosamente


aos tons claros das pinturas, que incluem no registro inferior um registro pintado à
maneira de azulejos, representando cenas da vida do profeta Abraão. Na base do
trono, uma expressiva imagem de São Francisco de Assis Penitente, atribuído ao Padre
Félix Lisboa, meio-irmão do Aleijadinho e nos suportes laterais São Luís Rei de França e
Santa Isabel, rainha de Portugal, de outros artistas.

No espaço das naves, a decoração é comandada pela sequência rítmica dos


retábulos, tratados como estruturas autônomas e não subordinados às arcadas como
na época barroca. Este tratamento independente vai favorecer seu crescimento em
altura e o desenvolvimento ornamental das sanefas protetoras, sintomaticamente
chamadas de “guarda-pó” na documentação da época. O movimento ondulatório
destas sanefas ao longo das paredes produz um importante efeito visual de
sinuosidade contínua, típico da estética do rococó.

Complemento das ambientações cenográficas da talha, as pinturas ilusionistas


dos tetos abobadados em tabuado corrido são recorrentes no rococó mineiro, do qual
são sem dúvida um dos aspectos mais originais. Um dos primeiros exemplos é o da
pintura do forro da capela-mor do Santuário de Congonhas executado em 1773-1774,

41
por Bernardo Pires da Silva, na qual uma rede de rocalhas com colorido suave e
delicados ramos de flores, circunda a cena do Sepultamento de Cristo. No forro da
nave, de autoria do pintor João Nepomuceno de Castro, aparecem pela primeira vez as
perspectivas arquitetônicas vazadas que seriam a tônica dos tetos pintados por Manuel
da Costa Athaíde, cuja obra de maior amplitude é a pintura da nave de São Francisco
de Assis de Ouro Preto, executada entre 1801 e 1812. No centro das perspectivas, um
suntuoso quadro em forma de medalhão com a representação da Virgem da
Porciúncula entre nuvens, cercada por uma orquestra de anjos músicos e nas laterais,
quatro pilastras interligadas por arcos plenos. Como de praxe no rococó, nesta obra
monumental os espaços vazios tem peso visual equivalente aos tomados pelas
perspectivas e cenas figurativas, dando ao conjunto uma impressão de leveza,
enfatizada pelas tonalidades claras.

Apesar da grande influência exercida por Manuel da Costa Athaíde no meio


artístico mineiro, seu modelo não foi o único adotado pela pintura de tetos da região
no período rococó, onde também imperou a diversificação, repetindo o fenômeno
ocorrido na talha. O mais comum foi um partido simplificado de maior facilidade de
execução, no qual a perspectiva arquitetônica é reduzida a uma espécie de varanda ou
muro baixo, enquadrando em linha contínua as laterais da abóbada e liberando um
amplo espaço vazio em torno da tarja central com a cena de personagens celestiais.
Este esquema foi reproduzido nas mais variadas localidades da região, incluindo igrejas
de áreas afastadas como São Tomé das Letras, no sul de Minas e Serro, na região de
Diamantina46.

46
Maiores informações sobre retábulos e pintura de forros do período rococó em Minas Gerais em
OLIVEIRA, Myriam A. Ribeiro de. O rococó religioso no Brasil e seus antecedentes europeus. São Paulo
Cosac & Naify, 2003, p. 213 – 293.

42
CONCLUSÃO

Chegando ao termo desse breve texto de síntese, destinado principalmente a


introduzir os estudantes e o público interessado em geral à apreciação artística das
igrejas construídas no Brasil na época colonial, gostaria de finalizar com a expressão de
duas expectativas. Em primeiro lugar a de ter despertado a curiosidade dos leitores
para a verificação direta das questões colocadas, a partir de visitas às igrejas citadas no
texto. Verificação esta que espero facilitada pela metodologia do texto de subordinar
os aspectos teóricos à analise prática ou seja, preparar o olhar para ver, sem
condicionamentos prévios que prejudiquem o contato direto com as obras. Poderão
ser utilizados nas visitas os guias das igrejas do Rio de Janeiro, Recife e Olinda, Ouro
Preto e Mariana e São João del Rei e Tiradentes, indicados na bibliografia, que foram
elaborados com esse fim específico.

A curiosidade desperta é como se sabe, o passo inicial do trabalho de pesquisa


e aí se situa minha segunda expectativa. A de que o livro suscite e estimule novos
estudos e pesquisas sobre o magnífico patrimônio conservado nas igrejas brasileiras

43
dos períodos barroco e rococó, com identificação correta das características desses
estilos, fundamental não apenas ao conhecimento mas também ao trabalho de
preservação e conservação desse mesmo patrimônio para os estudantes das gerações
futuras. Assim como a memória dos indivíduos, a memória da cultura só seleciona e
guarda aquilo que conhece e aprecia.

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