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Posição do artigo  8 fev 2017 Folha De S.Paulo


ALEXANDRE SCHWARTSMAN COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch;
quarta: Alexandre Schwartsman; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado; domingo:
Samuel Pessôa

Ignorância sem fronteiras
A ‘guerra cambial’ é mais um sinal da relação de Trump com o experimento fracassado do Brasil

JÁ COM a coluna da semana passada pronta, destacando as semelhanças entre a provável política econômica
do governo Trump e a malfadada “nova matriz” (combinação de protecionismo e expansão fiscal numa economia
próxima ao pleno emprego), fui surpreendido (mas não muito) pela declaração de Peter Navarro, diretor do
Conselho Nacional de Comércio Exterior, acusando a Alemanha de deliberadamente desvalorizar o euro para
estimular suas exportações.
Se algo faltava, a ressurreição da “guerra cambial”, delírio do nada saudoso ministro da Fazenda Guido
Mantega, deve ser mais do que suficiente para convencer os céticos sobre os riscos de aproximação da política
econômica nos EUA com o experimento fracassado do Brasil.
Há um quê de realidade na afirmação, que, porém, não a torna correta. É bastante razoável imaginar que,
caso a Alemanha tivesse mantido sua moeda, em vez de embarcar no euro, o hipotético marco alemão deveria
estar mais valorizado do que a moeda única. A Alemanha cresce mais do que a média da zona do euro (ZE) e sua
taxa de inflação, ainda que modesta, é, pelo menos desde 2013, mais alta do que a observada no restante do
bloco. Assim, se o Bundesbank ainda fosse o responsável pela gestão da política monetária, as taxas de juros
alemãs seriam mais altas do que de fato são, levando a um marco mais forte do que o euro atualmente.
Não se segue disso, contudo, que a Alemanha tenha manipulado o euro. A começar porque não é ela quem
define a política monetária, mas sim o conjunto de países que pertencem à ZE, de modo que a taxa de juros não
é necessariamente a ideal para cada país, mas, ao menos em tese, para a “média” da região.
Não é por outro motivo, aliás, que há um claro desconforto alemão com a condução da política monetária.
Mais de uma vez o presidente do Bundesbank, Jens Weidmann, se opôs às medidas de afrouxamento monetário,
e o establishment alemão tem se posicionado persistentemente contra as baixas taxas de juros praticadas pelo
BCE. Em suma, a Alemanha não pode baixar artificialmente a taxa de juros e, mesmo se pudesse, tem dado
mostras de que escolheria o curso oposto.
A fraqueza do euro reflete, portanto, em parte a decepcionante recuperação europeia e, em parte, a força
relativa da economia norteamericana, expressa na perspectiva de normalização de suas taxas de juros a um
ritmo bastante superior ao esperado para a ZE.
De fato, a política fiscal mais frouxa nos EUA, no contexto de um mercado de trabalho muito próximo de seu
potencial, deve aumentar as pressões inflacionárias e, portanto, acelerar o ritmo de elevação da taxa de juros,
fenômeno que deve contribuir para fortalecer o dólar diante das demais moedas. Da mesma forma, maior
proteção contra a concorrência externa atua também no sentido de apreciar o dólar.
Assim, se Navarro, um dos principais conselheiros de Trump nas questões de comércio internacional, já
acredita que “a Alemanha está usando o euro imensamente desvalorizado para explorar os EUA e seus parceiros
da União Europeia”, deverá ficar ainda mais preocupado quando essa tendência se materializar, desfazendo
parcialmente os efeitos da proteção comercial.
Não é consolo algum, mas a ignorância não tem fronteiras. À memória do meu pai (6/12/1932 – 4/2/2017)
ALEXANDRE SCHWARTSMAN,
www.schwartsman.com.br
@alexschwartsman aschwartsman@gmail.com
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