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Introdução geral
Capítulo 1
A morte é, portanto, à primeira vista, uma espécie de vida que prolonga, de uma forma ou
de outra, a vida individual. De acordo com essa perspectiva, é não uma ideia, mas sim uma
imagem como diria Bachelard, uma metáfora da vida, um mito, se quisermos.
Efetivamente, a morte, nos vocabulários mais arcaicos, não existe ainda como conceito:
fala-se dela como de um sono, de uma viagem, de um nascimento, de uma doença, de um
acidente, de um malefício, de uma entrada para a morada dos antepassados, e, o mais das
vezes, de tudo isto ao mesmo tempo p. 25.
Para mais, a expressão das emoções funerárias moldada num ritual definido e ostensivo,
pode ou transbordar, ou ignorar as emoções reais provocadas pela morte, ou ainda
conceder-lhe um sentido desviado. Assim, a ostentação da dor, própria de certos funerais,
destina-se a provar ao morto a aflição dos vivos, a fim de garantir a benevolência do
defunto. Em certos povos é a alegria que é de bom uso nessas ocasiões: visa mostrar tanto
aos vivos como ao morto que este é feliz p. 27.
Mas já é possível pressentir que os esgares da dor simulada implicam uma emoção de
origem. É essa mesma emoção que se esforça por dissipar a alegria oficial, cuja expressão
atrofiada se encontra, sem dúvida, no para quê chorar, ele agora já é mais feliz do que nós,
das nossas condolências p. 27.
Grande parte das práticas funerárias e pós-funerárias visa proteger contra o contágio da
morte, mesmo quando essas práticas apenas pretendem proteger contra o morto, cujo
espectro maléfico, ligado ao cadáver que apodrece, persegue os vivos: o estado mórbido em
que se encontra o “espectro” no momento da decomposição não é mais do que a
transferência fantástica do estado mórbido dos vivos [...] p. 28.
Mas a decomposição do cadáver não é a única fonte de perturbações; a prova é que para
além da decomposição, para além do funeral e do luto, transbordando para toda a vida
humana, se pode detectar um sistema permanente de obsessões e angústias, manifestado
pela prodigiosa importância da economia da morte no seio da humanidade arcaica. Essa
economia da morte pode instalar-se até no coração da vida quotidiana e fazer que a vida
cotidiana gire em seu torno p. 29.
A dor provocada por uma morte só existe se a individualidade do morto tiver sido presente
e reconhecida: quanto mais o morto for chegado, íntimo, familiar, amado ou respeitado, isto
é “único”, mais a dor é violenta; não há nenhumas ou há poucas perturbações por ocasião
da morte do ser anônimo, que não era “insubstituível”. Nas sociedades arcaicas, a morte da
criança – na qual se perdem, contudo, todas as promessas da vida – suscita reação fúnebre
muito fraca. Nos Cafres, a morte do chefe provoca terror, ao passo que a morte do estranho
ou do escravo os deixa indiferentes. Escutemos as nossas bisbilhotices: a morte de uma
vedeta do Cinema, de um jogador de futebol, de um chefe de Estado ou do vizinho do lado
é mais fortemente sentida do que a de dez mil hindus afogados numa inundação p. 31-32.
Este traumatismo da morte é, em certa medida, toda distância que separa a consciência da
morte da aspiração à imortalidade, toda a contradição da morte da aspiração à imortalidade,
toda a contradição que opõe o fato brutal da morte à afirmação da sobrevivência. Mostra-os
que a contradição é já violentamente sentida no mais profundo da humanidade arcaica: o
homem conheceria essa perturbadora emoção se aderisse plenamente à sua imortalidade?
Mas, se o traumatismo da morte descobre essa contradição, simultaneamente ilumina-a;
possui a chave dela p. 33.
[visão dos corpos sendo retirados em sacos pretos das cenas de crime]
[...] é a partir do momento em que a criança toma consciência de si mesma como indivíduo
que se sente preocupada com a morte; esta deixa de significar simples ausência ou paragem
na ideia de movimento ou de vida; então, surgem correlativamente a angústia da morte e a
promessa da imortalidade. Portanto, simultaneamente com a afirmação da individualidade,
manifesta-se o triplo dado da morte p. 34-35.
Embora aquilo que fulgura no momento da morte seja a maior afirmação do indivíduo, não
é necessariamente a afirmação do seu próprio “Eu”. Pode ser a de um “Tu”. Pode ser até de
um “Ideal”, de um “Valor” [...] p. 35.
Traçar uma relação não ente a consciência da morte e a individualidade, mas sim entre essa
a afirmação da individualidade p. 36.
Capítulo II
[...] a afirmação do grupo social se efetua no mais íntimo do indivíduo, esta dissolve a
presença traumática da morte, e como, inversamente, a afirmação do indivíduo sobre ou na
sociedade faz que se levantem de novo os temores da morte [...] p. 38.
Todavia Frazer erra quando torna o luxo e a omnipotência das ideias cristãs responsáveis
pelo nosso medo “civilizado” da morte. Coloca nitidamente as consequências no lugar da
causa; o luxo não é mais do que um elemento de um processo geral da civilização
individualizadora, e o cristianismo, como veremos mais adiante, é outro elemento p. 39.
O militar e a morte
O civismo e a morte
[...] Por agora, trata-se apenas de mostrar como, em condições de equilíbrio ou
desequilíbrio, a cidade oferece ao cidadão uma compensação à morte, como o cidadão pode
colher na participação cívica uma força capaz de dominar a morte p. 43.
Moral cívica Ela implica que a cidade está ao serviço dos cidadãos e que, em troca, o
indivíduo pode abdicar conscientemente, e caso de necessidade, de sua primazia em
proveito da cidade, porque esta representa a soma de toda as individualidades cívicas e
contém em si a fonte alimentar de toda a individualidade. A moral cívica é, bem entendido,
produto de sociedades já muito evoluídas p. 44.
2. A luta de classes
O rei Só ele tem direito, primeiro, e depois os nobres, às faixas, aos túmulos, à
conservação por embalsamento, à certeza do juízo dos deuses, à certeza da imortalidade
p. 49.
Portanto, cabe ao rei, indivíduo absolutamente reconhecido, hipostasiado, divino, não
só a suprema imortalidade como também a suprema angústia perante a morte; porque o
rei é o indivíduo supremamente solitário p. 49.
Essa enfermidade sente-a o rei em si mesmo; no seu vasto palácio, teme a morte. Daí o
sadismo nerónico que o manda matar os outros, para se vingar daquela morte que não o
poupará, para ser pelo menos o último a morrer p. 49.
O indivíduo colide com a morte: nessa colisão recusa a lei da natureza, que lê
claramente na decomposição; as suas obras sobrenaturais, que procuram uma via de
escape, deixa claramente entender a sua oposição a essa natureza. Faz de anjo, mas o
seu corpo faz de animal, que apodrece e se desagrega como o de um animal... É
homem, isto é, inadaptado à natureza que traz em si, dominando-a e sendo dominado
por ela p. 52.
Capítulo III
Por outras palavras, é a espécie que conhece a morte, e não o indivíduo; e conhece-a a
fundo. Tanto mais a fundo quanto a espécie só existe pela morte dos seus indivíduos;
essa morte “natural” é maquiada no próprio seio dos organismos individuais: de toda a
maneira, os indivíduos morrerão de velhice. E essa morte não é a fatalidade da vida em
geral; como demonstraremos na quarta parte desta obra, as células vivas são
potencialmente imortais e os seres unicelulares só morrem acidentalmente. É a
maquinaria complexa das espécies evoluídas e sexuadas que traz em si a morte p. 55.
Com efeito, a espécie protege-se a si própria, quando faz morrer naturalmente os seus
indivíduos; salvaguarda o seu próprio rejuvenescimento e protege-se igualmente da
morte-agressão, da morte-perigo, graças a todo um sistema de instintos de proteção p.
55.
Donde, com efeito, uma cegueira animal à morte que é uma cegueira à individualidade,
na medida em que essa morte significa perda de individualidade. A cegueira à sua
própria morte é a cegueira à sua própria individualidade, que, contudo, existe; a
cegueira à morte de outrem é a cegueira à individualidade de outrem, que também
existe p. 56.
O anjo e o animal
[...] é porque o seu conhecimento da morte é externo, aprendido, não inato, que o
homem fica sempre surpreendido com a morte p. 59.
O que não impede que a cegueira animal à morte não seja eliminada no indivíduo. Os
comentários de Freud atravessam na vertical todos os comportamentos cegos à morte.
Com efeito, embora conhecendo a morte, embora “traumatizados” pela morte, embora
privados dos nossos mortos amados, embora certos da nossa morte, os nossos amigos e
nós próprios não tivéssemos nunca de morrer. O fato de aderir à atividade vital elimina
todas as ideias de morte, e a vida humana comporta uma parte enorme de
despreocupação pela morte; a morte está frequentemente ausente do campo da
consciência, que, aderindo ao presente, afasta tudo o que não for o presente, e, nesse
plano, o homem é evidentemente um animal, isto é, dotado de vida. Nessa perspectiva,
a participação na vida simplesmente vivida implica em si mesma uma cegueira à morte
p. 60.
É por isso que a vida quotidiana é pouco marcada pela morte: é uma vida de hábitos, de
trabalho, de atividade. A morte só regressa quando o eu a olha ou se olha a si próprio p.
60.
Nos noticiários policiais, o cotidiano é repleto de sinais da morte. Ali, não se mostra a
morte real mas sim a consciência da morte que nos traz o medo da perda da
individualidade. Não é a toa que tenta-se humanizar o morto à todo instante,
perpetuando uma memória daquela individualidade que foi aniquilada. A perda do
outro, nos faz sentir a perda da individualidade dele e nossa por um processo de
espelhamento.
É verdade que o homem das civilizações modernas procura fugir à ideia da morte nas
suas atividades, isto em a esquecer-se de si mesmo. Mas esse esquecimento só é
possível porque existe nele um animal inconsciente que ignora sempre que tem de
morrer. Essa animalidade é a própria vida e, nesse sentido, a obsessão da morte é uma
“diversão” da vida p. 60.
Capítulo IV
O canibalismo, o homicídio
Homicídio sendo fruto de cólera/ fúria/ loucura/ qual motivo que seja [...] revela-nos
um encarniçamento, ou um ódio, ou um sadismo, ou um desprezo, ou uma volúpia de
matar, isto é, uma realidade propriamente humana p. 64.
O fato de a violência do ódio se poder traduzir por tortura até à morte e homicídio
revela-nos claramente que o tabu de proteção da espécie já não age. O homicídio é a
satisfação de um desejo de matar que nada pôde suster. Mas isto é apenas a face
negativa. A face positiva são a volúpia, o desprezo, o sadismo, o encarniçamento, o
ódio, que traduzem uma libertação anárquica, mas verdadeira, das “pulsações” da
individualidade em detrimento dos interesses da espécie p. 64
Podemos inferir daí que um processo fundamental da afirmação da individualidade se
manifesta pelo “desejo de matar” as individualidades que estão em conflito com a
primeira individualidade. No caso extremo, a afirmação absoluta de uma
individualidade implica a destruição absoluta das outras. É esta a tentação nerónica dos
reis dos poderosos, bem como dos S. S. das campos de concentração, que sentem como
um insulto a simples existência de uma cara que não lhes agrada e a suprimem p. 64.
O risco de morte
O risco de morte é o paradoxo supremo do homem perante a morte, pois contradiz total
e radicalmente o horror da morte. E, contudo, tanto quanto esse horror, o risco de morte
é um dado fundamental p. 66.
Tal como existe, no homicídio, um para além do necessário, em que este surge como
afirmação do indivíduo, existe um para além do necessário no risco de morte, em que
este surge igualmente como afirmação do indivíduo. Este duplo “para além” está
intimamente associado no torneio, na competição armada, em que o risco de morte e o
homicídio se exaltam mutuamente p. 68.
Portanto, as participações contêm em si uma força extraordinária; como vimos no que
respeita à participação biológica e à participação belicosa, o indivíduo que nelas se
mergulha olvida-se a si próprio e olvida a sua morte. Talvez a potência das
participações seja ainda maior quando se trata da aceitação consciente do risco de
morte. Porque então o risco de morte defronta o horror da morte e revela-se capaz de o
vencer. Porque então não se trata de uma abdicação do indivíduo, mas sim de uma auto-
afirmação heroica p.70.
Tudo isto nos explica que o homem, o único ser que tem horror da morte, seja ao
mesmo tempo o único ser que mata os seus semelhantes, o único ser que procura a
morte p. 72.
[...] o homem está adaptado ou inadaptado à morte? Só no final desta obra poderemos
considerar uma resposta. Mas interessa desde já pôr esta questão importante, que vai
reger implicitamente todo o nosso estudo p. 72.
Capítulo V
O núcleo da individualidade
Capítulo VI
A morte e o utensílio
A linguagem
Num sentido, as palavras nomeiam, isto é, distinguem e determinam objetos, tal como o
fará o utensílio. Porém, num sentido inverso, as palavras também evocam estados
(subjetivos) e permitem exprimir, veicular, toda a afetividade humana. Daí a dupla face
da linguagem; pelos seus sinais constitui o referente, isto é, um universo constituído por
fatos e objetos, mas permite simultaneamente a transformação desse referente em sinais
dos seus estados de espírito, dos seus estados de alma, dos seus estados de homem p.
88.
Falar é criar. O feiticeiro cria a coisa que nomeia, e um dos motores da magia é a
palavra. O verbo sagrado é sentido como afirmação de omnipotência, e o poeta
moderno encontra ingenuamente o sentimento xamânico, védico e bíblico: no princípio
era o verbo. Portanto, a linguagem revela-nos a mesma bipolaridade elementar que o
utensílio e a morte, a mesma bipolaridade antropológica: a afirmação da individualidade
que, por um lado, se constrói por meio das participações e que, por outro, se exalta com
os seus poderes p. 89-90.
O mito
1. Os conceitos primeiros da morte p. 48.
Capítulo 1
A morte-renascimento e a morte maternal
Duplo espírito
Num sentido, o “duplo”, isto é, a sobrevivência individual, tende a dificultar e até a negar o
renascimento do morto num novo vivo. Mas o sistema das crenças relativas à força mágica
de renascimento, de fecundidade e de vida, contidas na morte, não será por isso negado. As
duas noções, primitivamente tão poderosas uma como a outra, irão, no decurso da sua
história, transformar-se, dissociar-se e renovar-se sem cessar; encontrar-se-ão nas religiões
de salvação: as forças de renascimento da morte tornar-se-ão forças de ressurreição do
indivíduo, “para que em si próprio, enfim, a eternidade o transforme” p.105.
A reencarnação autóctone
Na refeição endocanibal, que é uma das formas arcaicas e até pré-históricas (Kleinpaul) do
funeral, consome-se a carne do morte familiar ou membro do clã: na refeição totêmica
come-se o substituto animal do antepassado e, mais tarde, na eucaristia, consome-se a carne
de deus. Estas “ceias” visam tanto – e até mais – a regenerar a carne dos vivos por meio das
virtudes fecundantes do morto como a assegurar o renascimento deste [...] p. 109.
[...] Pode até traduzir a preocupação obcecante de fugir ao talião, isto é, ao castigo de
retaliação evocado por crimes e más tendências. Com efeito, a estrutura íntima do talião
exige que paguemos com a nossa morte não somente os nossos assassinatos reais, mas
também os nossos desejos de morte. O sacrifício, que faz que o bode expiatório pague por
nós, traz o alívio da própria expiação. Os bodes expiatórios sacrificados em Israel ou em
Atenas, tal como os atuais massacres de bodes expiatórios humanos, infiéis e judeus, têm
efetivamente por finalidade purificar a cidade, atrair para a vítima a mácula mortal. Aliás,
veremos que quanto mais se exacerba no homem a angústia da morte, tanto mais tendência
ele terá a descarregar a sua morte sobre outrem por meio de um assassinato que será
verdadeiro sacrifício inconsciente. Poderemos apreender o significado nevrótico desses
assassínios sacrificiais que tendem a libertar o assassino-sacrificante do jugo da morte p.
110.
A morte maternal
Capítulo II