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Bauru
2019
pedras portuguesas #1, #2 e #3, 2017
pedras portuguesas, caixa de ferro e cimento
100 x 150 x 10 cm
foto Filipe Berndt
Articulando o fazer artístico, raça e colonialidade, o artista paulista Jaime
Lauriano é um destaque da arte contemporânea por suas obras críticas que abrem um
debate estético-social a fim de denunciar e questionar a lógica colonialista. Em seu
trabalho de 2017, na série “Pedras Portuguesas”, o artista cria caixas de ferro e
cimento onde nelas ele nos conta sobre o processo de invasão e colonização através
da materialidade simbólica das chamadas pedras portuguesas, que são revestimentos
de piso comumente utilizados na pavimentação de espaços públicos geralmente nas
cores branca e preta. Na obra, o autor organiza o mosaico das pedras em cada uma
das caixas para escrever os nomes de alguns dos portos de origem dos navios
negreiros: Angola, Costa da Mina e Moçambique. Assim, Jaime Lauriano com uma
representação estética simples e aguçada permite ao observador uma volta ao
passado ao mesmo tempo que o leva a indagações sobre o presente.
No fim da década de 90, influenciados por pensadores pós-coloniais como
Frantz Fanon, Aimé Césaire, Stuart Hall entre outros, surge na américa latina um grupo
que propõe uma renovação do discurso pós colonial, trazendo o foco para o continente,
refinando o pensamento crítico das ciências sociais construído aqui até então e
elaborando assim o chamado pensamento decolonial. O grupo Modernidade/
Colonialidade vai estruturar na América conceitos próprios através das referências pós
coloniais acerca de como é criado o ideal de modernidade e como a colonialidade, que
é um conceito diferente do colonialismo, pois este trata-se de um fenômeno histórico, é
a matriz de poder que opera controlando todos os setores da vida moderna de forma
global. É perceptível na trajetória artística de Jaime Lauriano como esse conhecimento
sobre a colonialidade estudado nas ciências sociais na América por nomes como
Aníbal Quijano, Walter Mignolo, Enrique Dussel, toma aqui um caráter estético e nos
permite sutilmente entrar em diálogo com o conceito a partir da subjetividade
materializada pelo artista.
Para entender o pensamento decolonial é necessário entender o que é a
colonialidade e como ela atua, para Mignolo, “a conceitualização mesma da
colonialidade como constitutiva da modernidade é já o pensamento de-colonial em
marcha” (MIGNOLO, 2008). Diferente de outros autores, para a decolonialidade, a
Modernidade não surge com o Iluminismo ou a Revolução Industrial, mas sim no
nascimento da colonização e essas interconexões mundiais. A colonialidade vai nascer
em conjunto com a colonização, mas diferente desta que teve data de encerramento, a
outra vai sobreviver independente por toda a modernidade. Este sistema de poder
colonial, é estruturado em relações assimétricas de poder onde consiste na
subalternização de povos dominados com base na dominação do trabalho e da
subjetividade dos mesmos.
Essa dominação se dá a partir da imposição de poder e através da criação de
um sistema refinado de classificação mundial, gerando identidades societais (branco,
índio, negro…) e geoculturais (americanos, africanos, orientais…), sendo elas
naturalizadas como categorias sociais.
A partir de Quijano, é possível compreender assim como a ideia de “raça” virou uma
categoria mental da modernidade que fundamenta todas as relações sociais e a
característica fenotípica da “cor da pele” passou a ser o mais significativo diferencial
entre o dominante e o dominado por ser mais facilmente visível. A partir daí o superior
seria o “branco” e, logo, “ o outro”, o inferior, seria aquele “de cor”. É interessante
perceber como os “europeus” conseguiram pensar a si mesmos e ao restante da
espécie de modo a criar todo esse sistema de poder mundial e, como é organizado
esse sistema ao passo de ter instituições produzidas e controladas por esse padrão
que é responsável por fazer também a manutenção do mesmo. Um exemplo disso é
como o capitalismo é a instituição que atua no controle dos recursos e produtos do
trabalho e isso é uma regra global de organização. Ainda pensando na ideia de “raça”,
é possível perceber que quando o capitalismo se torna a nova estrutura de controle do
trabalho, a distribuição deste também será fundada num molde racista e com base no
processo histórico da escravização (QUIJANO, 2007).
Quando Jaime Lauriano reúne as pedras de calcário ele evoca esse o processo
de colonização e rapto dos indivíduos negros, onde nesse novo mundo tiveram que se
adaptar a essas novas identidades sociais impostas pela colonialidade. Onde
apagaram, pavimentaram e revestiram por sobre suas subjetividades o eurocentrismo.
Quando cria-se a colonialidade e a ideia de superioridade, esse superior e
dominante passa a ser também o ideal, então a partir daí se origina os modelos
ocidentais e eurocêntricos de produção de conhecimento e também de subjetividades.
Quando o ocidente torna-se o locus epistêmico da sociedade moderna todos os outros
conhecimentos são subalternizados, são inferiores, acabando assim que a produção de
conhecimento dentro dos moldes colonialistas são na maioria das vezes o que legitima
as relações assimétricas de poder. Quando o filósofo Descartes diz “Penso, logo
existo” permite-nos questionar: dentro de quais padrões você pensa para que sua
existência seja admitida? Podemos então entender a frase mais famosa da
Modernidade como um exemplo de relação entre o Saber e o Ser no viés da
colonialidade: se você não pensa dentro do parâmetro ocidental e europeu você não
existe. Todas as relações culturais a partir da constituição das américas com os povos
que aqui já existiam e com aqueles que foram trazidos, foram baseadas no
despojamento de seus saberes intelectuais próprios e de suas formas de expressão,
assim os indivíduos dessas populações foram resumidos a “indivíduos rurais e
iletrados” (QUIJANO, 2007).
As pequenas pedras portuguesas na obra de Jaime são o peso massacrante da
hegemonia da perspectiva eurocêntrica sobre as nossas heranças intelectuais e
estéticas, que as negam e as apagam em um processo de controle e modelar as
nossas intersubjetividades. É sobre a colonização que atravessa as esferas territoriais
e físicas, aquela que atravessa nossos corpos e atinge nossa percepção, o nosso
imaginário.
MBEMBE, Achille. Formas africanas de escrita em si . Trad. Marina Santos. Artafrica:
Revista eletrônica do Centro de Estudos Comparatistas da Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa, 2010.