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13/01/2019 Como "Black mirror" ajuda a entender o fenômeno Bolsonaro - Época

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Como "Black mirror" ajuda a entender o


fenômeno Bolsonaro
“The Waldo moment”, terceiro episódio da segunda temporada, conta a história de um ursinho
azul que fez tanto sucesso ofendendo os candidatos de uma eleição que acabou ele mesmo
disputando uma vaga no Parlamento

*Murilo Cleto
13/10/2018 - 11:30 / Atualizado em 15/10/2018 - 18:11

Waldo, do Black Mirror Foto: Reprodução

A jovem Gwendolyn Harris é chamada de uma sala de espera para uma


entrevista. Depois de um rápido diálogo informal, recebe a primeira pergunta da
mesa: “Por que você quer ser um membro do Parlamento?”. O homem que a
questiona está com a postura excessivamente relaxada, como quase
escorregando da cadeira, e a observa por cima dos óculos com uma expressão
entediante. Ela, previsível, diz que é porque não está satisfeita com as coisas
como estão. “E, em vez de ficar lamentando, prefiro fazer algo a respeito”,

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conclui. A resposta, é claro, não convence ninguém. E Harris finalmente admite


que pretende usar a candidatura apenas como uma ferramenta de promoção
pessoal.

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Poucas horas depois, Harris recebe a mensagem de texto que confirma sua
seleção. Ela concorre, pela oposição de centro-esquerda, a uma vaga no
Parlamento graças a um escândalo sexual que afastou um político de longa
carreira do partido conservador. Enquanto isso, na TV, um urso digital azul faz
um sucesso estrondoso ao confrontar políticos com uma agressividade atípica:
insulta-os com palavrões, faz gestos obscenos e chega a perseguir nas ruas o
candidato conservador Liam Monroe, seu alvo preferido, para provocá-lo
enquanto conversa com eleitores.

Essas são as primeiras sequências do episódio The Waldo Moment , o terceiro da


segunda temporada de Black mirror , a série de ficção científica que desde 2015
é exibida com exclusividade pela Netflix no mundo todo. Black mirror é uma
distopia, mas um pouco diferente das obras que se tornaram célebres no gênero,
porque, nas palavras do ensaísta argentino Ariel Pennisi na coletânea Pensar a
Netflix (editora D’Plácido, 2018), “acelera parcialmente uma possibilidade que já
existe (engenharia genética, tecnológica, midiática) ou então torna a atmosfera
defasada, até o ponto de nos devolver uma imagem quase idêntica à vida
contemporânea e sua desordem, apenas de recobrir a imagem com uma
tonalidade pós-apocalíptica, de baixa intensidade, quase naif ”.

Se em outras distopias como Ensaio sobre a cegueira , 1984 ou The walking


dead , por exemplo, a humanidade está imersa num cotidiano de caos e refém de
totalitarismos, em Black mirror – com raros episódios de exceção – tudo
funciona, os cenários são harmoniosos e as pessoas são governadas por sistemas
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democráticos. É o caso de The Waldo Moment, que, além de tudo, ainda tem o
processo eleitoral como fio condutor da trama.

Quando o sucesso de Waldo parece ter atingido o auge, a reunião de pauta que
orienta o personagem toma a ousada decisão de lançá-lo também como
candidato à vaga aberta pelo escândalo. O único que não gostou da ideia foi
Jamie Salter, o comediante por trás do boneco. Para Salter, que sofre com
problemas graves de autoestima e passa horas trancado no banheiro antes de
incorporar o urso ao vivo, a incursão tem tudo para dar errado, afinal de contas
ele não é e nunca foi político, assim como não tem propostas ou conhecimento o
suficiente para denunciar problemas e apresentar soluções. Mas esse nunca foi
um problema. A ideia, contra-argumenta a equipe do programa, é só encaixar
Waldo nos debates e nas cédulas de votação. “O ponto é que estaremos lá.
Ficaremos na contagem”, disse uma das produtoras. Salter é voto vencido na
redação.

Jair Bolsonaro é uma espécie de Waldo. Embora esteja há quase três décadas na
política institucional, em sucessivas reeleições na Câmara dos Deputados, o
capitão da reserva do Exército é apresentado como a principal alternativa
antissistêmica destas eleições. Em linhas bem gerais, Bolsonaro – enquanto
candidato à Presidência – é resultado de um impeachment que não cumpriu
nada do que prometeu aos 68% dos brasileiros que o apoiavam a suas vésperas;
da derrocada da tradicional oposição à direita graças às revelações da Lava Jato
e ao embarque no governo Temer; e da improvável repopularização do PT, que
voltou a exercer hegemonia no campo da centro-esquerda, mais do que dobrou
de intenções de votos desde o auge da crise política no segundo mandato de
Dilma e recentemente alcançou a simpatia de 29% do eleitorado – o mesmo que
todos os outros partidos juntos.

A estratégia majoritária de Bolsonaro é, nesse sentido, ser o candidato "anti".


Não apenas o anti-PT, mas o verdadeiro anti-PT, considerando que, para o

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eleitor, as alternativas ao PT acabaram se tornando iguais a ele. No final do


primeiro turno, Alckmin tentou impulsionar sua candidatura igualando PT e
Bolsonaro, seja pelo apoio já manifestado ao chavismo ou por justaposições
forçadas que os equiparavam como representações de extremismo. Mas não
colou. E não só porque PT e Bolsonaro não são iguais.

Bolsonaro colhe fartamente, há anos, os frutos de uma crise que nunca se


restringiu à política, mas às instituições como um todo. Contra a imprensa
tradicional, o exército bolsonarista nas redes ataca com uma linguagem
memética alimentada por sites especializados em disseminar o pânico moral
através de notícias majoritariamente falsas. Oitenta e um por cento das notícias
maliciosas que circulam pelo Twitter, revelou um estudo de Oxford, são
propagadas por seus simpatizantes. Segundo levantamento da Agência Lupa, as
dez notícias falsas mais compartilhadas no Facebook de agosto até aqui são pró-
Bolsonaro ou contra seus opositores. Ao todo, quase 900 mil
compartilhamentos. E isso sem contar o WhatsApp, território preferido da
militância bolsonarista e que não permite monitoramento.

E não é só. Numa coluna de julho no El País Brasil , a jornalista Eliane Brum
defende a hipótese de que a ideia de pós-verdade é pouco para explicar o modo
como militantes bolsonaristas leem o mundo. De acordo com Brum, Bolsonaro
consolida uma “autoverdade” em que pouco importa o que se diz, mas quem diz
e o ato de dizer nessa relação indissociada entre discurso e performance: “O
valor da autoverdade está muito menos no que é dito e muito mais no fato de
dizer. ‘Dizer tudo’ é o único fato que importa. Ou, pelo menos, é o fato que mais
importa. É esse deslocamento de onde está o valor, do conteúdo do que é dito
para o ato de dizer, que também pode nos ajudar a compreender a ressonância
de personagens como Jair Bolsonaro”.

Mas, afinal, o que é o “dizer tudo” de Jair Bolsonaro? É rejeitar os termos em


que o debate público e eleitoral é posto para se consolidar como a única

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alternativa orgânica ao sistema disparando declarações desamparadas pelos


fatos, mas com alto potencial de aderência graças ao contexto de descrédito
generalizado. Nas intervenções enquanto candidato, Waldo enfatiza o quanto
são iguais todos os que se apresentam de modo sério ao eleitor. Numa das
ocasiões, Waldo é fortemente confrontado pelo candidato conservador. “Por que
devemos perder tempo com trivialidades como esta?”, pergunta Monroe com o
dedo apontado para a tela que exibe o personagem. Waldo responde com uma
gravação da fala do próprio político repetida diversas vezes como num rap e com
um pum.

Quando Monroe parte para o ataque mais pesado, destacando a mentira que a
candidatura de um personagem infantil significa e as contradições do operador
que está por trás do boneco, Waldo responde: “Vá se f...! Você parece menos
humano do que eu. E eu sou um urso inventado com um pau azul”. A plateia vai
ao delírio. O gesto se parece muito com o de Danilo Gentili, um dos apoiadores
mais expressivos de Bolsonaro, quando foi processado pela deputada Maria do
Rosário. Num vídeo amplamente divulgado pelas redes sociais, o humorista
rasga a notificação do processo e a coloca dentro da calça para devolver à
parlamentar. “Para a Maria do Rosário ou para qualquer outro deputado de
qualquer outro partido, eu pago seu salário. Então, eu decido se você cala ou não
a boca. Nunca o contrário”, ele diz. Recentemente o comediante anunciou num
show que discorda do parlamentar sobre o conhecido episódio em que Bolsonaro
diz a Maria do Rosário que ela não merece ser estuprada. Sob os aplausos
entusiasmados da plateia, ele disse que a deputada merecia, sim.

A lista de declarações controversas ou flagrantemente autoritárias de Bolsonaro


é extensa demais para ser reproduzida integralmente aqui. Nessas três décadas
de vida pública já sobrou para quase todo mundo, mas especialmente para
mulheres, LGBTs, negros, índios e demais minorias agora protagonistas no
debate público, além das próprias instituições democráticas às quais ele está
submetido. Bolsonaro cresce porque rompe com frequência as fronteiras do que
pode ou não ser dito e dessa forma se reivindica como verdadeiro, como quem
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diz “a verdade” – embora ela seja apenas um lugar de negação irracional da


legitimidade do que dizem os outros.

Mas há muito de cinismo nisso. No ainda inédito Política na era da visibilidade


total: The Waldo moment , Moysés Pinto Neto recupera Vladimir Safatle para
lembrar que, diferentemente do hipócrita, que fala de um jeito e age de outro, “o
cínico vive a contradição performativa”. Quer dizer, ele sabe que age errado, mas
sob o álibi de que só pode agir daquele jeito. Como o urso desbocado que não
consegue esconder as próprias limitações enquanto candidato, seu papel está
concentrado em desmascarar a hipocrisia dos outros que se apresentam como
tal. Quando Bolsonaro é questionado pelas declarações, devolve dizendo que só
estava brincando. Seus militantes fazem questão de completar o raciocínio
reclamando que o politicamente correto está deixando o mundo chato. Dessa
forma, é quase impossível responder aos insultos ou utilizá-los para
desqualificar o capitão-candidato, afinal nunca se sabe de que lado está o que ele
e seus simpatizantes mais entusiasmados dizem na fronteira entre o humor, a
ofensa e a ameaça.

Em 2015, o Huffpost fez um quiz com frases de Jair Bolsonaro e Eric Cartman,
personagem de South Park . “Só porque ele gosta de dar o rabo dele passa ser
um semideus?”; “O cara tem que ser arrebentado pra abrir o bico”; “Sou
preconceituoso, com muito orgulho”; “Se eu vir dois homens se beijando na rua,
eu vou bater”; e “Minoria tem que se calar, se curvar à maioria” são todas do
candidato à Presidência da República no Brasil.

É por isso que, apesar de reclamar que vive sendo chamado de machista e
homofóbico enquanto os verdadeiros problemas do país são ignorados,
Bolsonaro e seus principais apoiadores têm dedicado desde o início da
campanha, segundo levantamento do Monitor Digital do Debate Público no
Meio Digital, mais de 80% das suas publicações a temas que não têm

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absolutamente nenhuma relação com ela, mas com feminismo, PT (ou esquerda
em geral) e Globo.

Em todas as oportunidades que teve para defender um programa de governo,


Bolsonaro tergiversou. Na primeira sabatina de que participou na Central das
Eleições , da GloboNews , depois de tanto fugir de perguntas sobre economia,
Bolsonaro foi questionado sobre os impostos que pretende cortar, conforme
anunciado genericamente antes pelo seu guru Paulo Guedes. “Poxa, Míriam, eu
não sou médico”. Também desconversou sobre o subsídio para o diesel. Não tem
nenhuma proposta para as escolas além de acabar com o que chama de
“ideologia de gênero”. E por aí vai. Sua candidatura é um cheque em branco.
Além de suas inclinações autoritárias, sabe-se pouco demais sobre ela.

Num momento crucial para a campanha, Salter está desesperado com a ideia de
ser entrevistado por uma figura tradicional do jornalismo britânico. O diálogo
com o produtor dono do personagem é revelador:

- E quando Crane ( o entrevistador ) perguntar coisas e eu não souber


responder? Ele ( Waldo ) não defende nada
-Mas pelo menos ele não finge que defende
- Nós não precisamos de políticos. Nós temos iphones e computadores, certo?
Então, qualquer decisão que tenha que ser tomada, nós tomamos on-line.
Deixamos as pessoas votarem. Positivo, negativo. A maioria vence. Isso é
democracia. Isso é democracia de verdade.

Vencido pelos conflitos internos, Jamie Salter renuncia ao personagem Waldo


no meio de um evento público. Ele implora para que as pessoas o abandonem
enquanto assume que é uma farsa. Ignorado, desce do trailer para revelar sua
identidade e reforçar o boicote ao urso. Mas o produtor dono de Waldo assume
seus comandos e instiga a multidão a derrubá-lo. Salter é por fim espancado
pelas pessoas que estão em volta do veículo.

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O grande problema do bolsonarismo é que ele é um movimento muito maior do


que o próprio Bolsonaro. É o tipo de monstro que quem o alimenta não é mais
capaz de controlar, como Salter não conseguiu fazer com Waldo e como
Bolsonaro não será capaz de fazer, nem se quiser, com a onda de violência que
nos últimos dias atingiu eleitores de esquerda.

Em The Waldo moment , no fim o establishment acaba vencendo. Liam Monroe


é eleito com a maioria dos votos, mas Waldo acaba em segundo. E a sua ideia,
seja ela qual for, segue fortalecida rumo a um futuro com muito mais dúvidas do
que certezas. Essa parece ser a percepção sobre o Brasil, embora aqui Waldo seja
o favorito disparado. Mesmo que não vença as eleições, o bolsonarismo já segue
vitorioso enquanto ideia. A ideia de que os políticos todos não prestam; de que
as urnas eletrônicas são fraudadas; de que os pobres têm de ser esterilizados
para receber o Bolsa Família; de que os petistas têm de ser metralhados; de que
a Rede Globo é comunista; e de que a esquerda dominou as escolas para
estimular as crianças a trocar de sexo. E, se o pessoal reclamar muito dessas
declarações, eles vão dizer que são fake news. Ou que tudo não passou de uma
brincadeira.

* Murilo Cleto é historiador, especialista em história cultural e


mestre em ciências humanas. Atua como palestrante freelancer do
Museu da Imagem e do Som de São Paulo e assessor pedagógico idem
da editora Positivo.

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