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AQUILINO RIBEIRO:
A GESTA BÁRBARA E FORTE DE UM PORTUGAL QUE MORREU
André Carneiro Ramos (UFRRJ)
Introdução
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No período das grandes navegações, Portugal se lançou ao mar descortinando o mundo.
Indiscutivelmente, os lusitanos foram os protagonistas nesse momento ímpar da epopéia. E hoje, a noção
épica na literatura tenta se reconfigurar cada vez mais na visceralidade de uma nostalgia revitalizada, mas
que, infelizmente, os novos tempos quase sempre menosprezam. Eis porque, repensando a temática deste
trabalho, não podemos deixar de mencionar os versos de Ricardo Reis: “Vê de longe a vida. / Nunca a
interrogues. / Ela nada pode / Dizer-te. A resposta / Está além dos deuses” (PESSOA, 1977, p. 270).
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Seja como for, uma das principais marcas de Aquilino Ribeiro é justamente sua
sintaxe para nós quase “anacrônica”, mas no fundo reveladora de uma riqueza vocabular
sem igual. Destaca-se igualmente o seu fascínio pelo homem campesino, item
apropriado aos temas que desenvolveu fazendo uso de regionalismos, arcaísmos, gírias
locais das referidas regiões, e etc. Tais elementos, captados ao longo de uma extensa
pesquisa linguística que o autor nunca dava por finalizada, revelam um importante
estrato social dos rincões de Portugal, com o homem beirão, por exemplo, enquadrando-
se às vezes em suas narrativas através de um endurecido contato com a terra e seus
dogmas sociais, originados de um arraigado primitivismo.
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Muitos acreditam que Guimarães Rosa tenha sido o criador desta palavra, que abre com chave do ouro o
celebrado romance Grande sertão: veredas. Mas, como se vê, tal vocábulo já existia, fazendo parte dos
falares das regiões de Portugal pesquisadas por Aquilino Ribeiro. Inclusive, curiosamente, nota-se certo
diálogo entre partes dos projetos literários de ambos os escritores, como, por exemplo, no tocante à
questão mesma do resgate/registro vocabular de determinados sítios (no caso de Rosa, o sertão de Minas
Gerais).
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Por outro lado, também se constata durante a leitura que, justamente no fim de
sua vida, Malhadinhas é transportado a um Portugal remoto: entre seu passado e seu
presente, uma verdade final se revela por detrás dos detalhes contados (particularidades
naturais e valorosas de um todo que já não existe mais).
É a partir dessas noções que se configura o nosso principal questionamento
sobre esta novela, dúvida que relativiza um dos preceitos consagrados dessa narrativa: o
personagem António Malhadas seria mesmo um pícaro?
Como vimos até agora, tal obra se efetiva a partir de uma narração proferida em
tom de oralidade pitoresca pelo personagem António Malhadas – “(...) o mais célebre
dos pícaros rústicos modernos” (PALMA-FERREIRA, 1982, p. 135). E ao
relacionarmos tal personagem à figura do anti-herói, averiguam-se inúmeros pontos
convergentes entre a clássica figura do pícaro medieval e o Malhadinhas de Barrelas, de
certo modo associado por Aquilino Ribeiro aos poemas épicos prosificados pelo gênero
Novelas de Cavalaria. Num estudo sobre o tema, Ruiz-Domènec afirma:
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Considerações finais
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uma causa exclusiva e genérica divulgada pela modernidade, mas uma gesta real e
translúcida, refletindo a artesanal configuração de um Portugal que ainda vive nas
histórias de Aquilino Ribeiro.
Pelo trabalho aqui realizado, evidenciou-se a existência de múltiplas e
atualíssimas possibilidades de leitura para as histórias de Aquilino Ribeiro, que se
interrelacionam a repaginar o gênero épico e a noção do picaresco, outorgando-lhe
novos ares que, por intermédio da força da língua portuguesa resgatada/registrada pelo
autor, não se deixa facilmente esfacelar. Por fim procuramos, na medida do possível,
demonstrar a imbricação das temáticas elencadas com uma espécie de sublimação
existencial percebida no personagem António Malhadas, evidenciada, por exemplo, no
quanto ele se deixou “perder” em meio às próprias peripécias, caminhando
ininterruptamente ao desígnio de uma crucial revelação.
Referências
FERREIRA, Vergílio. Espaço do invisível. 1º vol. 1ª ed. Lisboa: Ed. Arcádia, 1965.
GONZÁLEZ, Mário. O romance picaresco. Série Princípios. São Paulo: Ed. Ática,
1988.
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PESSOA, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Ed. Nova Aguilar, 1977.
ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. 20ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Nova
Fronteira, 2001.
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