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ALMEIDA, Fernando Dias Menezes. Crítica ao Tratamento Constitucional do Município,


in CLÈVE, Clémerson Martins / BARROSO, Luís Roberto (org.). Doutrinas Essenciais
– Direito Constitucional, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

Crítica ao tratamento constitucional do Município


como ente da Federação brasileira

Fernando Dias Menezes de Almeida


Professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Doutor em Direito pela mesma Faculdade

A tese que se pretende sustentar neste breve estudo é a seguinte: a


inclusão dos Municípios como entes da Federação, pela Constituição de
1988, foi perniciosa para a garantia de sua autonomia real.

Serão apresentadas algumas idéias nesse sentido, organizadas em duas


partes: em primeiro lugar, uma análise do tratamento dado pela atual
Constituição aos Municípios; em segundo lugar, uma abordagem crítica
desse tratamento.

Inicialmente, destaque-se o texto dos artigos 1º e 18 da Constituição


vigente:

“Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união


indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se
em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...).”

“Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa


do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.”
2

Desses dispositivos, dois principais elementos chamam a atenção:

a) o primeiro é a referência do art. 1º à “união indissolúvel dos Estados e


Municípios”.

Trata-se de uma afirmação que contém um sentido notadamente


político, visando a destacar a elevação de relevância política que se
buscou conferir aos Municípios.

Com efeito, não há que se cogitar de que esse texto supostamente


descrevesse fatos históricos, como se Municípios houvessem se unido,
juntamente com Estados, para formar a República Federativa do Brasil.

Do mesmo modo, não é muito factível que Municípios queiram separar-


se do País, dissolvendo, ainda que parcialmente, a união, para criarem
Estados soberanos.

Tratando-se, porém, da Constituição, juridicamente essa afirmação há de


produzir conseqüências. A mais sensível delas é a indicação de uma
aparente equiparação de status jurídico entre Municípios e Estados.

b) essa idéia é confirmada pelo segundo elemento a ser destacado: o art.


18 explicitamente confere autonomia à União, aos Estados (e ao Distrito
Federal) e aos Municípios – “todos autônomos, nos termos desta
Constituição”.

A partir dessa previsão constitucional, passou-se a afirmar que a


Federação brasileira, diversamente das demais federações – salvo algum
3

exemplo menos significativo, que escape à analise dos estudiosos –


possui três níveis de entes autônomos, compondo o ente soberano
“República Federativa do Brasil”: União, Estados e Municípios
(acumulando o Distrito Federal as competências de Estados e
Municípios).

Nesse sentido, os Municípios, desde 1988, passaram a constituir entes da


Federação, autônomos, assim como são os Estados e a União.

Nas palavras de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “a Constituição


reconhece o chamado federalismo de segundo grau, pois vê os
Municípios (...) como plenamente integrantes da estrutura do Estado
brasileiro”1.

Todavia, a afirmação dos Municípios como entes autônomos, integrantes


da Federação, não significa que a Constituição lhes tenha assegurado
todos os elementos presentes no regime jurídico da União e no dos
Estados.

Verifiquem-se os exemplos mais relevantes dessa distinção de regimes:

a) ao assegurar, pela primeira vez na história constitucional brasileira, a


auto-organização municipal – ou seja, prevendo que a elaboração da
principal norma do “ordenamento jurídico parcial” (para usar a
expressão de Kelsen) municipal se dê no âmbito do próprio Município –
a Constituição, porém, não se valeu da mesma expressão: enquanto se
refere às “constituições” estaduais, previu “leis orgânicas” municipais.

1
Comentários à Constituição Brasileira de 1988, vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1997 (2ª ed.), pp.
17/18.
4

Trata-se, em verdade, de mero eufemismo, pois, materialmente, a lei


orgânica é a constituição do Município. De fato, a lei orgânica municipal
é parâmetro do controle de validade das demais leis municipais.

É verdade que a jurisprudência não descreve esse fenômeno como


controle de constitucionalidade, e sim como controle de legalidade. Mas,
novamente, não se trata de distinção por um critério material e sim por
um critério formal, cuja conseqüência é não se proceder a esse controle,
perante a Justiça dos Estados, por meio de ação direta de
inconstitucionalidade, senão pelas vias ordinárias;

b) por falar em controle de constitucionalidade, outra situação em que o


regime jurídico aplicável aos Municípios afasta-se do aplicável aos
Estados diz respeito ao controle de constitucionalidade, abstrato e
principal, de suas leis face à Constituição Federal: quanto às leis
municipais, esse controle não é possível via ação direta de
inconstitucionalidade, mas apenas (e por previsão infraconstitucional
relativamente recente) via argüição de descumprimento de preceito
fundamental.

A propósito, é salutar essa nova medida, pois, como bem notam Gilmar
Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet
Branco, “dada a estrutura diferenciada da Federação brasileira, algumas
entidades comunais têm importância idêntica, pelo menos do prisma
econômico e social, à de muitas unidades federadas, o que conferia
gravidade à ausência de controle normativo eficaz”2.

2
Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva e IDP, pp. 1104/1105.
5

c) outro exemplo é não possuírem os Municípios Poder Judiciário, mas


somente Poder Executivo e Poder Legislativo.

Compreende-se essa medida por razões práticas, dada a grande


quantidade de Municípios existentes e as peculiaridades de alguns, que
não têm densidade para configurar nem mesmo sede de comarca da
Justiça Estadual.

Entretanto, essas peculiaridades – que irão justificar algumas


considerações críticas a serem produzidas mais adiante – ensejariam a
existência de uma estrutura jurisdicional municipal simplificada, até
mesmo com caráter de jurisdição administrativa, especialmente voltada à
solução de litígios envolvendo munícipes e o poder público municipal
(v.g., em matéria urbanística, tributária ou do poder de polícia municipal).
Aliás, possuir jurisdição administrativa seria algo bastante recomendável
ao Brasil – mas isso é assunto para outro estudo;

d) igualmente os Municípios não possuem Tribunais de Contas – com as


exceções de São Paulo e do Rio de Janeiro, que, por pré-existentes,
foram preservadas pela norma constitucional (CF, art. 31, § 4º).

Seu controle externo se dá pelo Poder Legislativo municipal, com auxílio


dos Tribunais de Contas dos Estados, ou Conselhos ou Tribunais de
Contas dos Municípios (órgãos estaduais) – salvo as exceções acima
mencionadas;

e) outro ponto a ser lembrado é a submissão do ordenamento jurídico


municipal não apenas à Constituição Federal, mas também a princípios
6

estabelecidos na Constituição do Estado em cujo território se situe o


Município (CF, arts. 29 e 35).

Nessa medida, ou seja, no que diz respeito à observância de normas da


Constituição do Estado, o ordenamento jurídico municipal subordina-se
ao estadual;

f) exemplo correlato ao anterior é a possibilidade de que os Estados


promovam intervenção nos Municípios; ou a União, nos Municípios que
se situem nos Territórios que porventura venham a existir.

De certo modo, essa previsão indica uma supremacia política e jurídica


de Estados e da União em relação aos Municípios3;

g) por fim, depreende-se da Constituição Federal uma noção de


pertinência dos Municípios em relação aos Estados em cujo território se
situem.

Isso não está literalmente no texto constitucional, mas aparece em


algumas expressões (p. ex.: “o Estado não intervirá em seus Municípios”
– art. 35; “respectivo Estado” – art. 29).

Conseqüência disso é o território dos Municípios estar contido pelo


território de cada Estado. Isto é, não há Municípios “transestaduais”.

Outro aspecto desse mesmo ponto é a criação de Municípios dar-se, em


cada caso, por decisão do legislador do respectivo Estado (art. 18, § 4º).

3
O mesmo se diga da União em relação aos Estados (CF, art. 34).
7

Com todos esses exemplos, se quis demonstrar que, ainda que também
autônomos, os Municípios não possuem o mesmo regime jurídico da
União e dos Estados, nem o mesmo grau de autonomia.

Aliás, o art. 18 da Constituição Federal, já citado, não afirma União,


Estados e Municípios como igualmente autônomos, mas sim os diz “todos
autônomos, nos termos desta Constituição”.

De todo modo, é inegável que a Constituição de 1988 tenha atendido


antigo anseio de municipalistas, assegurando aos Municípios um regime
jurídico de maior autonomia se comparado aos regimes das
Constituições anteriores4.

E o fato – tomado em tese – de os Municípios possuírem um regime


jurídico diferenciado em relação aos Estados e à União não
necessariamente significa comprometimento de autonomia, mas sim
adaptação à realidade5.

Todavia, ocorre que, concretamente, as diferenças de regimes jurídicos


entre os entes federativos, tal como estabelecidas pela Constituição de
1988, bem como a equiparação desses entes no status de integrantes da
Federação, não contribuem para que efetivamente se pratique a
autonomia dos Municípios.

4
Desde a primeira e breve menção à autonomia municipal na Constituição de 1891; passando pela
previsão de receitas próprias na Constituição de 1934; atravessando um retrocesso centralizador
sob a vigência da Constituição de 1937; e novamente avançando rumo à autonomia desde a
Constituição de 1946, com algumas restrições, sobretudo em matéria de eleições no regime de
1967.
5
Nesse sentido, por exemplo – como mais adiante se vai sustentar –, uma distinção de regimes que
conferisse maior margem de escolha aos Municípios quanto à sua organização e, notadamente, seu
governo, seria altamente benéfica do ponto de vista da autonomia.
8

Com efeito, o que se verifica quotidianamente, na grande maioria dos


casos, é uma enorme ausência de autonomia real dos Municípios,
decorrente de sua quase total dependência financeira dos demais entes da
Federação para que possam minimamente desempenhar suas
competências.

Um dado é ilustrativo é que 60% dos Municípios têm mais que 80% de
seu total de receitas compostos por transferências correntes; e 90% dos
Municípios têm mais que 65% de seu total de receitas compostos por
transferências correntes6. Isso apesar de os Municípios, atualmente,
concentrarem uma parcela das receitas públicas nacionais relativamente
alta em termos históricos.

Em um aspecto, a Constituição de 1988 é causadora dessa situação, pois


foi desde a vigência do texto original de seu art. 18, § 4º, até que
sobreviesse a emenda constitucional n. 15/967 – que o alterou,
dificultando procedimento nele previsto – que se deu a maior taxa de
criação de Municípios na história do País.

Mas o comprometimento da autonomia real dos Municípios pela


Constituição de 1988 não decorre somente da permissividade quanto à
criação de novos Municípios.

Conforme de início proposto, a inclusão dos Municípios como entes da


Federação, pela Constituição de 1988, não ajuda a melhorar esse déficit
de autonomia real – ao contrário, atrapalha.

6
Dados do IBGE, levantados em 2001, encontrados em:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/financasmunic/19982000/default.shtm
7
Sobre o tema, ver, deste autor, “Conflitos entre entes federativos: atuação do Supremo Tribunal
Federal no regime da Constituição de 1988”, in Os 20 anos da Constituição da República
Federativa do Brasil (coord. Alexandre de Moraes). São Paulo: Atlas, 2008.
9

Não é condizente com a natureza das coisas que se queira igualar


politicamente os Municípios aos Estados, no contexto de uma federação.

Os Estados não são mais ou menos importantes politicamente que os


Municípios. Mas apenas devem exercer – e exercem, em geral – funções
políticas diferentes.

Os Estados, assim como o ente que decorre de sua união – dito,


pois, “União” –, constituem o espaço da política nacional, da
política que contempla as questões que afetam a existência e o
modo de ser do Estado soberano.

Já os Municípios são o espaço da vida política dos indivíduos, do


que diz respeito à sua convivência cívica, voltada ao seu bem estar,
no plano individual e no plano coletivo. Não é à toa que se repete
que os “indivíduos não vivem na União, nem nos Estados, mas
sim nos Municípios”.

Em verdade, ao se fazer essa observação, se está valendo de uma


metonímia, tomando por Município seu aspecto urbano. E essa idéia está
essencialmente ligada à origem greco-romana das cidades ocidentais.
Como nota com precisão Ortega y Gasset, “a polis não é
primordialmente um conjunto de casas habitáveis, mas um lugar de
ajuntamento civil, um espaço coutado para funções públicas. A cidade
não está feita, como a cabana ou o domus, para proteger da intempérie e
10

procriar, que são ocupações privadas e familiares, mas para discutir sobre
a coisa pública”8.

Por certo que são também os indivíduos que constroem a vida política
nacional, atuando em âmbito estadual e federal, e muito aproveitam, para
tal fim, de sua experiência cívica desenvolvida em âmbito municipal.

Como observa Alexis de Tocqueville, “c’est pourtant dans la commune


que réside la force des peuples libres. Les institutions communales sont à
la liberté ce que les écoles primaires sont à la science; elles la mettent à la
portée du peuple; elles lui en font goûter l’usage paisible et l’habituent à
s’en servir. Sans institutions communales une nation peut se donner un
gouvernment libre, mais elle n’a pas l’esprit de la liberté”9.

Porém, ao atuarem politicamente em âmbito estadual ou federal, o


enfoque e o fim a que visam os indivíduos são diversos daqueles
presentes na sua atuação municipal.

Esse caráter de celula mater da vida política do país, no entanto, repita-se,


não pode levar à confusão do papel político dos Municípios com o dos
Estados membros da federação.

8
A Rebelião das Massas. (Tradução: Artur Guerra). Lisboa: Relógio d’Água, s/d (1ª ed. 1930), p.
148. Esse trecho continua de modo agudo e provocativo: “Note-se que isto significa precisamente
a invenção de uma nova classe de espaço, muito mais nova que o espaço de Einstein. Até então só
existia um espaço: o campo, e nele vivia-se com todas as conseqüências que isto traz para o ser do
homem. O homem camponês é ainda um vegetal. A sua existência, quanto pensa, sente ou quer,
conserva a modorra inconsciente em que a planta vive. As grandes civilizações asiáticas e
africanas foram neste sentido grandes vegetações antropomórficas. Mas o grego-romano decide
separar-se do campo, na ‘natureza’, do cosmo geobotânico. Como é isto possível? Como pode o
homem abandonar o campo? Para onde irá, se o campo é toda a terra, se é o ilimitado? Muito
simples: limitando um troço de campo com uns muros que oponham o espaço incluso e finito ao
espaço amorfo e sem fim. Eis a praça. (...) É o espaço civil.”
9
De la Démocratie en Amérique. Paris: Flammarion, 1981 (texto original de 1835), p. 123.
11

Por essa constatação essencial, já decorre ser natural considerarem-se os


Estados como membros de uma federação, o mesmo não se passando
com os Municípios. E, reitere-se, isso não é nenhuma capitis diminutio para
os Municípios.

Pelo contrário, prever, como faz a Constituição de 1988, que os


Municípios sejam entes da Federação é uma verdadeira armadilha em
relação à sua autonomia real.

Com efeito, contrariando a natureza dos Municípios, sua pretensa


equiparação aos Estados no contexto federativo induz a tendência, ou
mesmo impõe aos Municípios a repetição do modelo de estruturação
estatal federal e estadual, notadamente no aspecto de governo.

Considerando-se que, de fato, Municípios e Estados possuem diferentes


funções políticas em uma federação, por que não permitir aos
Municípios que muito mais livremente escolham seu modelo de
organização?

Basta verificar o exemplo da Federação dos Estados Unidos da América,


em que há uma grande diversidade de modelos de gestão municipal.
Apenas para exemplificar, citem-se os casos mais típicos, que
comportam variantes: o mayor-council (em que, além de um conselho, com
representantes eleitos – eventualmente de modo distrital – com
atribuições legislativas; há um prefeito eleito diretamente, que em geral
preside o conselho, mas concentra, de modo unipessoal, certas
competências executivas, em especial em matéria de polícia e gestão
orçamentária); o comission (em que se elege uma pequena comissão que,
coletivamente, exerce a função legislativa e cujos membros,
12

individualmente, exercem cada qual função especificamente associada a


temas da competência municipal); e o council-manager (contando com um
conselho, composto por representantes eleitos, como o órgão que toma
as decisões de governo, e que contrata um gerente para executar as
políticas estabelecidas por aquele órgão).

Aliás, não seria má idéia que muitos Municípios no Brasil pudessem


contar com gestores profissionais. Lembre-se, para ilustrar, de que a
proposta de se estabelecer uma carreira administrativa de presidentes das
províncias (no caso), a serem escolhidos por meio de concursos, já era
sustentada por D. Pedro II10.

Esses modelos acima citados não se encontram previstos na Constituição


Federal americana – que, aliás, nem se aproxima do assunto. Isso decorre
do Direito constitucional estadual.

Nesse ponto, pensando no caso brasileiro e comparando com a previsão


vigente dos Municípios como entes da Federação, há que se concluir que
poderia ser mais favorável à real autonomia municipal a antiga regra –
mas não sua prática de então – prevista no art. 68 da Constituição de
1891, segundo a qual “os Estados organizar-se-ão de forma que fique
assegurada a autonomia dos Municípios em tudo quanto respeite ao seu
peculiar interesse”.

Isso porque os Estados estariam mais sensíveis às realidades locais. Mas,


para que isso resultasse em autonomia verdadeira aos Municípios, seria

10
Conselhos à Regente. (Com introdução e notas de João Camillo de Oliveira Torres). Rio de
Janeiro: Livraria São José, 1958, pp. 33/34.
13

necessário que nesse caso os Estados não estivessem vinculados a seguir


um modelo previamente engessado pela Constituição Federal.

Por outro lado, seria, contudo, também fundamental que a Constituição


Federal impusesse aos Estados o dever de efetivamente assegurar a
autonomia municipal.

Costumam os estudiosos da história do Brasil registrar a importância dos


Municípios na formação do País, destacando sua autonomia,
especialmente no tempo colonial. Mas tratava-se de uma situação de fato,
não de Direito.

Do ponto de vista do Direito, os Municípios, historicamente, nunca


gozaram de maior autonomia. Como mostra Victor Nunes Leal,
escrevendo em meados do século XX, “a concentração do poder em
nosso país, tanto na ordem nacional como na provincial ou estadual,
processou-se através do enfraquecimento do município”. Isso tanto
porque o poder central se consolidou a partir da concentração do poder
provincial; como porque, posteriormente, os Estados, buscando “reunir
forças para enfrentar o centro”, o fizessem mediante o
“amesquinhamento dos municípios”11.

Na proposta que ora se está defendendo, não há que se supor que os


Municípios eles mesmos necessariamente pudessem cuidar bem de si; e
nem mesmo que os Estados espontaneamente tendessem a assegurar a
autonomia de “seus” Municípios. Há, a propósito, que se adaptar aos
dias de hoje o alerta, mais uma vez, de Victor Nunes: “Aliás, a simples

11
Coronelismo, Enxada e Voto: o Município e o Regime Representativo no Brasil. São Paulo:
Alfa-Omega, 1975, 2ª ed., p. 101.
14

idéia de que os municípios, deixados à sua livre determinação, acabariam


nas mãos de oligarquias locais – que se manteriam, em caso de
contestação, pelo suborno e pela violência – conduzia muito
naturalmente à conclusão de que era preciso dar ao Estado os meios de
impedir aquela possibilidade. Porém o que costuma passar despercebido
é que o governo estadual, habitualmente, não empregava tais
instrumentos contra os amigos; só os utilizava contra os adversários”12.

Se a Constituição Federal quer mesmo valorizar politicamente os


Municípios e garantir-lhes autonomia real – e não apenas nominal –,
deveria antes, portanto, seja diretamente, seja por impor parâmetros a
serem desenvolvidos no âmbito do direito constitucional estadual –
melhor esta segunda hipótese, pelo seu sentido de descentralização –,
estabelecer meios para que os Municípios possam estruturar-se segundo
modelos mais variados e adaptados à realidade nacional, garantidas suas
competências legislativas e materiais.

A verdadeira autonomia municipal, em suma, pressupõe adequação à


realidade de fato, o que não pode ser antecipado, de modo geral e
abstrato, segundo um modelo único aplicável nacionalmente.

Palavras-chave: Município; Federação brasileira; autonomia municipal


(Municipality; Brazilian Federation; municipal autonomy)

Resumo: A tese que se pretende sustentar neste breve estudo é a


seguinte: a inclusão dos Municípios como entes da Federação, pela
Constituição de 1988, foi perniciosa para a garantia de sua autonomia

12
Coronelismo, ... (cit.)., p. 102.
15

real. Serão apresentadas algumas idéias nesse sentido, organizadas em


duas partes: em primeiro lugar, uma análise do tratamento dado pela
atual Constituição aos Municípios; em segundo lugar, uma abordagem
crítica desse tratamento. (This essay proposes the following thesis: the inclusion, by
the Brazilian Constitution of 1988, of the Municipalities as members of the
Federation is pernicious for their real autonomy. Some ideas will be presented in this
sense, organized in two parts: an analysis of the legal treatment given by the
Constitution to the Municipalities; and critical considerations on this treatment).

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