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Lênin (1917)
Parte 1
A FOME APROXIMA-SE
Levamos meio ano de revolução. A catástrofe está hoje mais próxima do que nunca. O
desemprego em massa abate-se sobre nós. Imaginem: no país não há mercadorias, o país
perece por falta de víveres, por falta de mão-de-obra, existindo trigo e matérias-primas
em quantidades suficientes: e num país que se encontra nestas condições, num momento
tão crítico, vemos as grandes massas no desemprego forçado! Quer-se melhor prova do
que este meio ano de revolução (que alguns classificam de grande revolução, mas que,
por agora, seria mais justo chamar de revolução apodrecida), com uma república
democrática, com uma grande profusão de associações, organismos e instituições que se
intitulam orgulhosamente de «democráticas e revolucionárias», no qual não se fez na
realidade nada de sério, absolutamente nada, contra a catástrofe, contra a fome?
Aproximamo-nos a passos largos do desastre, pois a guerra não dá tréguas e a
desorganização originada por ela em todos os domínios da vida do povo se torna cada
vez mais profunda.
Contudo, basta um mínimo de reflexão para nos convencermos de que existem meios
necessários para combater a catástrofe e a fome, de que as medidas a tomar são
perfeitamente claras e simples, perfeitamente realizáveis, plenamente acessíveis às
forças do povo, e que se estas medidas não se tomam é única e exclusivamente porque a
sua concretização lesaria os lucros fabulosos de um punhado de latifundiários parasitas.
Contudo, o Estado nada fez de sério, absolutamente nada, para implantar o controlo, a
vigilância e o recenseamento.
Desde 6 de Maio que se passaram quatro meses, quatro longos meses nos quais a Rússia
sacrificou centenas de milhares de soldados na absurda «ofensiva» imperialista e em
que a desorganização e a catástrofe se aproximaram a passos largos, apesar do Verão
oferecer possibilidades extraordinárias para fazer muita coisa, tanto nos transportes
fluviais, como na agricultura, nas explorações geológicas, etc., etc., e ao cabo destes
quatro meses, os mencheviques e os socialistas-revolucionários vêem-se obrigados a
confessar oficialmente a «absoluta passividade» dos organismos de controlo adjuntos ao
governo!
De modo algum! O que se pretende é «colocar uma venda nos olhos» e apresentar as
coisas dessa forma ao mujique inculto, ignorante e intimidado e ao bom burguês que em
tudo acredita e nada aprofunda. A realidade é que até o czarismo, até o «velho regime»,
ao criar os comités da indústria de guerra conhecia a medida fundamental, o meio
principal e a via para exercer o controlo: agrupar a população segundo as suas
profissões, segundo o objectivo e o ramo da sua actividade, etc.. Mas o czarismo temia a
associação de população, e por isso recorria a todos os meios para limitar e entravar
artificialmente essa via e esse meio de controlo, tão universalmente conhecido e tão
fácil de aplicar.
Para esclarecer melhor esta questão importantíssima (que no fundo acaba por ser a
questão de todo o governo revolucionário que queira salvar a Rússia da guerra e da
fome), enumeraremos e examinaremos separadamente as mais importantes medidas de
controlo.
1.º - Fusão de todos os bancos num banco único e o controlo das suas operações
pelo Estado, ou a nacionalização dos bancos.
Vejamos agora que importância teria cada uma destas medidas, sempre e quando se
implantarem por via democrática e revolucionária.
Na realidade, a nacionalização dos bancos, que não priva de um único copek qualquer
«proprietário», não representa nenhuma dificuldade, nem de ordem técnica nem de
ordem cultural, e se essa medida demora é devido exclusivamente à sórdida cupidez de
um insignificante punhado de ricaços. Se se confunde com tanta frequência a
nacionalização dos bancos com a confiscação de bens privados, a culpa é da imprensa
burguesa que propaga essa confusão para enganar o público.
A propriedade sobre os capitais com que operam os bancos e que se encontram neles, é
acreditada por meio de certificados impressos ou manuscritos, aos quais se dá o nome
de acções, obrigações, letras de câmbio, recibos, etc.. Com a nacionalização dos bancos,
quer dizer, com a fusão de todos os bancos num único banco do Estado, não se anularia
nem se modificaria nenhum desses certificados. Quem tivesse quinze rublos na sua
caderneta de caixa económica continuaria possuindo os mesmos quinze rublos após a
implantação da nacionalização dos bancos, e quem tivesse quinze milhões, continuaria
possuindo-os, mesmo depois de tomada essa medida, em forma de acções, obrigações,
letras de câmbio, warrants, etc..
Poderão objectar-nos: por que motivo, então, países mais avançados como a Alemanha
e os Estados Unidos praticam uma excelente «regulamentação da vida económica» sem
pensarem sequer na nacionalização dos bancos?
Porque estes dois Estados – respondemos nós –, ainda que um monárquico e outro uma
república são ambos Estados não só capitalistas mas também imperialistas. E como tal,
levam à prática as reformas de que necessitam por via burocrática reacionária. Mas nós
falamos aqui da via democrática e revolucionária.
Para quem não empregue as palavras «democracia revolucionária» como uma pomposa
frase estereotipada, como uma designação convencional, e queira pensar no que
significa ser democrata, ser democrata é ter presente na prática os interesses da maioria
e não da minoria do povo; e ser revolucionário significa demolir do modo mais resoluto
e implacável tudo o que é nocivo e caduco.
Na Alemanha são quatro, no total, os grandes bancos privados que possuem uma
importância nacional; nos Estados Unidos, somente dois. Para os reis financeiros destes
bancos é mais fácil, mais cómodo, mais vantajoso associar-se privadamente,
secretamente, reacionariamente, e não por meios revolucionários; burocraticamente e
não por meios democráticos; subornando funcionários do Estado (pois isto constitui
norma geral, tanto nos Estados Unidos como na Alemanha) e mantendo o carácter
privado dos bancos justamente para manter o segredo das operações; para poderem
continuar a sugar a esse mesmo Estado milhões e milhões de «super-lucros»; para
assegurarem o êxito de manipulações financeiras fraudulentas.
Eis a verdade. E esta simples verdade, ainda que amarga, contribuirá ainda mais para
esclarecer o povo que as mentiras açucaradas sobre a «nossa» «grande» democracia
revolucionária…
* * *
Para fazer algo de sério, há que passar da burocracia à democracia e há que passar por
procedimentos verdadeiramente revolucionários, quer dizer, declarando a guerra aos
reis do petróleo e aos accionistas, decretando a confiscação de bens e o encarceramento
de todo aquele que levante obstáculos à nacionalização da indústria do petróleo, oculte
os rendimentos ou falsifique os balanços, sabote a produção ou não adopte as medidas
conducentes a elevá-la. Há que apelar para a iniciativa dos operários e dos empregados,
convocá-los imediatamente para conferências e congressos e colocar nas suas mãos uma
determinada parte dos lucros, com a condição de se encarregarem do controlo em todos
os seus aspectos e velarem pelo aumento da produção. Se estes passos democráticos e
revolucionários tivessem sido dados sem demora, imediatamente, em Abril de 1917, a
Rússia, um dos países mais ricos do mundo pelas suas reservas de combustível líquido,
teria podido fazer muita coisa, durante o Verão, para abastecer por via aquática o povo
do combustível necessário.
Nem o governo burguês, nem o governo de coligação dos socialistas-revolucionários,
dos mencheviques e dos cadetes fizeram algo; limitaram-se a brincar burocraticamente
às reformas. Não se atreveram a dar um só passo democrático e revolucionário. Tudo
continua como sob o czarismo; os mesmos reis do petróleo, o mesmo monopólio, o
mesmo ódio dos operários e dos empregados contra os exploradores, fruto obrigatório
de tudo isto, o mesmo desperdício do trabalho do povo; a única coisa que mudou foi o
timbre dos papéis em movimento nos ministérios «republicanos»!
Na indústria do carvão, não menos «preparada», pelo seu nível técnico e cultural, para a
nacionalização e administrada com o mesmo descaramento pelos saqueadores do povo,
pelos reis do carvão, podemos registar numerosos e evidentes actos de sabotagem
descarada, de franca deterioração e paralisação da produção pelos industriais. Inclusive
um órgão ministerial, a Rabotchaia Gazeta dos mencheviques, foi obrigado a confessar
esse caos. E o que se fez? Não se fez absolutamente nada; não se fez mais do que reunir
os antigos comités «paritários» burocráticos e reaccionários, formados, em partes iguais,
por representantes dos operários e dos bandidos do consórcio hulhífero! Não se deu um
único passo democrático e revolucionário; não houve um assomo de tentativa para
implantar o único controlo real, o controlo a partir de baixo, através dos sindicatos dos
empregados, através dos operários, atemorizando esses industriais da hulha, que levam
o país à ruína e paralisam a produção. Mas como se pode fazer isso? «Todos» somos
partidários da «coligação», senão com os cadetes, pelo menos com os círculos
comerciais e industriais, e a coligação significa precisamente deixar o Poder nas mãos
dos capitalistas, deixá-los manobrar impunemente, deixá-los boicotar, deixá-los lançar
as culpas sobre os operários, agudizar a desordem e preparar deste modo uma nova
Kornilovada!
O argumento usual dos capitalistas, que a pequena burguesia repete sem quedar-se a
reflectir, consiste em dizer que a economia capitalista não admite de modo nenhum a
abolição do sigilo comercial porque a propriedade privada sobre os meios de produção e
a sujeição das distintas empresas ao mercado impõe a «sacrossanta intangibilidade» dos
livros de operações comerciais, incluindo, naturalmente, as operações bancárias.
Tudo o que repita, de uma ou outra maneira, este argumento ou outro semelhante,
engana-se a si mesmo e engana o povo, fechando os olhos perante os factos
fundamentais, importantíssimos e universalmente conhecidos, da vida económica
actual. O primeiro facto é o grande capitalismo, quer dizer, as peculiaridades
económicas dos bancos, dos consórcios capitalistas, das grandes empresas, etc.. O
segundo é a guerra.
É precisamente o grande capitalismo moderno, que por toda a parte se está a converter
em capitalismo monopolista, o que tira qualquer vestígio de razão ao sigilo comercial e
o converte numa hipocrisia, num instrumento manejado exclusivamente para ocultar as
trapaças financeiras e os lucros inauditos do grande capital. A grande empresa
capitalista é, pelo seu próprio carácter técnico, uma empresa socializada, quer dizer que
trabalha para milhões de homens e que associa com as suas operações, directa e
indirectamente, centenas, milhares e dezenas de milhares de famílias. É algo muito
diferente do pequeno artesão ou do camponês médio que, em geral, não utilizam
nenhum género de livros comerciais e aos quais, portanto, não afecta em nada a
abolição do sigilo comercial!
Na grande empresa, as operações realizadas são de qualquer modo do conhecimento de
centenas e centenas de pessoas. Aqui a lei que garante o sigilo comercial não se destina
a proteger as necessidades da produção ou de troca, mas sim a especulação e o lucro na
sua forma mais brutal, a fraude descarada, que, como se sabe, está particularmente
difundida nas sociedades anónimas e se oculta com muita habilidade nos relatórios de
contas e nos balanços, elaborados cuidadosamente para enganar o público.
Para proceder como democratas revolucionários haveria que publicar sem demora uma
lei de carácter distinto, abolindo o sigilo comercial, obrigando as grandes empresas e os
ricos a prestar contas com todo o detalhe e autorizando qualquer grupo de cidadãos
suficientemente numeroso para considerá-lo democrático (digamos uns mil ou dez mil
eleitores) a verificar os documentos de qualquer grande empresa. Esta medida é possível
e facilmente aplicável através de um simples decreto; e só ela abriria as potas à
iniciativa popular do controlo através dos sindicatos de empregados, dos sindicatos
operários, através de todos os partidos políticos; só ela permitiria que o controlo fosse
eficaz e democrático.
A isto vem juntar-se a guerra. A imensa maioria das empresas comerciais e industriais
não trabalham hoje para o «mercado livre», mas para o Estado, para a guerra. Por isso
tive de dizer no Pravda àqueles que pretendem atalhar-nos com o argumento de que não
é possível implantar o socialismo que mentem e mentem triplamente, pois que não se
trata de implantar o socialismo agora, acto contínuo, da noite para o dia, mas sim
revelar a delapidação do Tesouro.
A empresa capitalista «ao serviço da guerra» (quer dizer, directa ou indirectamente
relacionada com os fornecimentos de guerra) é a delapidação do Tesouro sistemática e
legalizada, e os senhores cadetes, e com eles os mencheviques e os socialistas-
revolucionários, que se opõem à abolição do sigilo comercial, não são mais do que
cúmplices e encobridores da delapidação do Tesouro.
A guerra custa hoje à Rússia 50 milhões de rublos diários. A maior parte desses 50
milhões vai parar às mãos dos fornecedores do exército. Destes 50 milhões, 5 milhões
diários, pelo menos, provavelmente até 10 milhões ou ainda mais, constituem os
«lucros lícitos» dos capitalistas e dos funcionários que, de um modo ou de outro, estão
confabulados com eles. São sobretudo as grandes companhias e os bancos que adiantam
o dinheiro para as operações de fornecimento de guerra, embolsando deste modo lucros
inauditos, e fazem-no precisamente delapidando o Tesouro, pois não pode dar-se outro
nome às suas manobras para enganar e esgotar o povo «à custa» das calamidades da
guerra, «à custa» da morte de milhares e milhares de homens.
«Toda a gente» sabe desses lucros escandalosos com os fornecimentos da guerra, «toda
a gente» sabe das «letras de garantia» ocultas pelos bancos, «toda a gente» sabe quem
são os que enriquecem à custa da carestia, cada vez mais agravada; na «alta roda» fala-
se disso com um sorriso irónico nos lábios, e até a imprensa burguesa, que geralmente
silencia os factos «desagradáveis» e ilude os problemas «delicados» contém, não
poucas, alusões concretas a estes assuntos. Toda a gente o sabe e toda a gente o silencia,
toda a gente transige com o governo, que fala eloquentemente acerca do «controlo» e da
«regulamentação»!!
No fundo, todo o problema do controlo se reduz em saber quem é que controla e quem é
controlado, quer dizer, qual a classe que controla e qual a controlada. Até hoje no nosso
país, na Rússia republicana, com a cooperação dos «organismos competentes» de uma
pretensa democracia revolucionária, continua-se a reconhecer e a deixar nas mãos dos
latifundiários e dos capitalistas o papel de controladores. Consequências inevitáveis
disso são a banditagem dos capitalistas e a indignação geral do povo, e a desorganização
económica, artificialmente mantida pelos mesmos capitalistas. É preciso passar resoluta
e definitivamente, sem medo de destruir o velho, sem temer construir decididamente o
novo, ao controlo exercido pelos operários e camponeses sobre os latifundiários e
capitalistas. Mas os nossos socialistas-revolucionários e os nossos mencheviques
temem-no mais que ao fogo.
Parte 2
Leis como essa poderiam e deveriam decretar-se no nosso país imediatamente, sem
perder uma só semana, de um tempo tão precioso, e deixando que as próprias condições
de vida social determinassem as formas mais concretas e o ritmo de aplicação da lei, os
meios de vigiar a sua aplicação, etc.. Para decretar tal lei, o Estado não necessita de
dispor de um aparelho administrativo especial nem de recorrer a investigações especiais
nem a estudos prévios de qualquer género; bastaria estar disposto a romper com certos
interesses privados dos capitalistas, que «não estão acostumados» a estas intromissões e
não querem perder os super-lucros que lhes assegura, a par de uma ausência de controlo,
com a administração à antiga.
Para decretar tal lei não é necessário qualquer aparelho administrativo nem tão pouco é
necessário qualquer «estatística» (com a qual Chernov pretendia suplantar a iniciativa
revolucionária dos camponeses), pois a sua execução ficaria a cargo dos próprios
fabricantes e industriais, das forças sociais já existentes, sob controlo das forças sociais
(quer dizer, não governamentais, não burocráticas) também existentes, mas que devem
pertencer obrigatoriamente às chamadas «camadas inferiores», quer dizer, às classes
oprimidas e exploradas, que pelo seu heroísmo, pela sua abnegação e pela sua disciplina
baseada na camaradagem sempre têm demonstrado, durante todo o curso da história,
serem infinitamente superiores às exploradoras.
Mas é precisamente à luz deste exemplo que melhor podemos comparar os métodos
burocráticos e reaccionários de luta contra a catástrofe, métodos que procuram limitar-
se a umas reformas mínimas, com os métodos democráticos revolucionários que, para
serem dignos desse nome, devem romper violentamente com as tradições caducas e
acelerar ao máximo o movimento progressista.
«Toda a gente» sofre nas bichas; «toda a gente»... excepto os ricos que, enviam às
bichas os seus criados, e até adquirem criados «especialmente para esse serviço! Belo
«democratismo»!
No fundo, todas as medidas que temos apontado para lutar contra a catástrofe e contra a
fome se reduzem a fomentar por todos os meios (chegando inclusive à coacção) a
«associação» da população e, em primeiro lugar, da democracia, quer dizer, da maioria
da população, ou seja, antes de mais nada, das classes oprimidas, os operários e os
camponeses, principalmente os camponeses pobres. E já a própria população, de um
modo espontâneo, começou a trilhar este caminho, para lutar contra as inauditas
dificuldades, encargos e calamidades da guerra.
Pois bem, o mais notável de todo este meio ano que leva de história a nossa revolução,
em relação ao problema que analisamos, é que um governo que se clama republicano e
revolucionário, que um governo apoiado pelos mencheviques e pelos socialistas-
revolucionários em nome dos «órgãos autorizados da democracia revolucionária»
combateu as organizações democráticas e triunfou sobre elas!
Paltchinski adquiriu, durante esta luta, a mais triste e a mais vasta celebridade, uma
celebridade nacional. Actuou escudando-se no governo, sem intervir abertamente diante
do povo (do mesmo modo que preferiam actuar, em geral os cadetes, lançando para a
frente Tsereteli, «para o povo», enquanto eles resolviam tudo silenciando os assuntos
importantes). Paltchinski entravou e sabotou todas as medidas sérias das organizações
democráticas constituídas espontaneamente, porque nenhuma destas medidas sérias
podia colocar-se em prática a não ser em «detrimento» dos excessivos lucros e
arbitrariedades dos grandes capitalistas da indústria e do comércio, de quem Paltchinski
era fiel advogado e servidor. E tão longe foram as coisas, que Paltchinski – a imprensa
deu conta do facto – chegou a anular sem mais nem menos as disposições das
organizações democráticas surgidas espontaneamente!
«Poucos dias antes do governo ter decidido elevar os preços de tabela, desenrolou-se no
Comité Nacional de Abastecimento a seguinte cena: o representante das direitas,
Rolovich, tenaz defensor dos interesses do comércio privado e inimigo implacável do
monopólio do trigo e da intervenção do Estado na vida económica, declarou
publicamente, com um sorriso de satisfação, que lhe constava que o preço da tabela do
trigo ia ser brevemente aumentado.
Porém a realidade veio aclarar cruelmente esta controvérsia, dando razão, não aos
representantes da democracia, mas ao representante das classes possuidoras. Resultou
que este estava perfeitamente informado do atentado contra os interesses da democracia,
apesar dos representantes desta terem repudiado indignados a possibilidade desse
atentado chegar a consumar-se»
Quer dizer, que tanto o representante dos operários como o representante dos
camponeses expressam concretamente a sua opinião em nome da imensa maioria do
povo; mas o governo de Kerenski decide o contrário, no interesse dos capitalistas.
Que atesta esta perfeita informação? Atesta, indubitavelmente, que os capitalistas têm
os seus «privilégios» e que o Poder está de facto nas suas mãos. Kerenski não é mais do
que um títere que colocam em movimento quando e como lhes apetece. Os interesses de
milhões de operários e camponeses são sacrificados para assegurar os lucros de um
punhado de ricaços.
Ao adoptar, para agradar aos ricos, aos latifundiários e aos capitalistas, uma medida que
lança por terra todo o controlo, o regime de abastecimento e o saneamento das
Finanças, abaladas até mais não poder, o governo infringe a lei, e os socialistas-
revolucionários e os mencheviques continuam falando de um acordo com os centros do
comércio e da indústria, continuam a conferenciar com Tereschenko, a tratar Kerenski
com delicadeza, e limitam-se a votar uma resolução de protesto que se fica pelo papel,
que o governo arquiva tranquilamente!
O problema da subida dos preços da tabela do trigo revela, além do mais, um outro
aspecto. Esta subida trás consigo um novo aumento, caótico, da emissão do papel
moeda, um passo mais na agudização da carestia, o incremento da desorganização da
Fazenda Pública e a aproximação da bancarrota financeira. Toda a gente reconhece que
a emissão de papel moeda é um empréstimo forçado das piores consequências; toda a
gente reconhece que agrava principalmente a situação dos operários, a camada mais
pobre da população, e que é a principal causa do caos financeiro.
E é essa, precisamente, a medida de que lança mãos o governo de Kerenski, apoiado
pelos socialistas-revolucionários e mencheviques!
Para que este imposto fosse um imposto real e não fictício, haveria que proceder a um
controlo efectivo e não simplesmente formal. Mas o controlo sobre os capitalistas é
impossível, enquanto não perder o seu carácter burocrático, pois a própria burocracia se
encontra embrulhada, vinculada à burguesia por milhares de laços. Sendo assim, nos
Estados imperialistas da Europa Ocidental, sejam eles monárquicos ou republicanos, o
saneamento da Fazenda Pública não se consegue senão implantando um «trabalho
obrigatório» que para os operários é um presídio militar ou uma escravidão militar.
O controlo burocrático reaccionário: eis aí o único recurso de que sabem lançar mãos os
Estados imperialistas, sem exceptuar as repúblicas democráticas de França e Estados
Unidos, para fazer recair os encargos da guerra sobre o proletariado e as massas
trabalhadoras.
A contradição fundamental da política do nosso governo reside precisamente no facto
de que – para não se divorciar da burguesia, para não desfazer a «coligação» com ela –
não tem outro remédio senão praticar um controlo reaccionário burocrático, dando-lhe o
nome de «democrático-revolucionário», enganando constantemente o povo,
exasperando e irritando as massas, que acabam de derrubar o czarismo.
Mas para isso há que instaurar uma ditadura revolucionária da democracia, dirigida pelo
proletariado revolucionário, quer dizer, para isso a democracia deve ser revolucionária
de facto. Aqui reside o busílis da questão. Mas isso é o que não querem os nossos
socialistas-revolucionários e mencheviques, que se ocultam sob o pavilhão da
«democracia revolucionária» para enganar o povo apoiando de facto a política
burocrática e reaccionária da burguesia, cuja divisa é sempre a mesma: «Après nous le
déluge» (depois de mim, o dilúvio).
Geralmente, não nos damos conta de até que ponto se encontram arreigados em nós os
costumes e os preconceitos antidemocráticos em relação à «santidade» da propriedade
burguesa. Quando um engenheiro ou um banqueiro tornam públicos os rendimentos e as
despesas de um operário, os dados referentes ao que um operário ganha e o que o seu
trabalho rende, tudo isso se considera perfeitamente justo e legal. A ninguém lhe ocorre
ver nisso um atentado contra a «vida privada» do operário nem um «acto de espionagem
ou uma delação» do engenheiro. A sociedade burguesa considera o trabalho e os
rendimentos dos operários assalariados como um livro aberto que lhe pertence, que
qualquer burguês tem o direito de consultar a todo o instante a fim de denunciar um ou
outro «luxo», uma ou outra manifestação de «ociosidade» do operário, etc..
Tudo o que expusemos poderia suscitar facilmente num leitor educado nas ideias
oportunistas, hoje em voga, a seguinte objecção dos socialistas- revolucionários e dos
mencheviques: a maior parte das medidas aqui apontadas não são, no fundo, medidas
democráticas, são já medidas socialistas!
Esta objecção corrente, habitual (sob uma forma ou outra) na imprensa burguesa,
socialista-revolucionária e menchevique, é um meio de defesa reaccionário do
capitalismo atrasado, uma defesa ao serviço de Struve. Diz-se que não estamos ainda
suficientemente maduros para o socialismo; que seria prematuro «implantar» o regime
socialista, que a nossa revolução é uma revolução burguesa; e que, por tal, há que ser
lacaios da burguesia (apesar dos revolucionários burgueses de França há mais de cento e
vinte e cinco anos terem assegurado a grandeza da sua revolução implantando um
regime de terror contra os opressores, contra os latifundiários e os capitalistas!).
Toda a gente fala do imperialismo. Mas o imperialismo não é outra coisa que o
capitalismo monopolista.
Pois bem, substituí esse Estado de junkers e capitalistas, esse Estado de latifundiários e
capitalistas, por um Estado democrático e revolucionário, quer dizer, por um Estado
que destrua revolucionariamente todos os privilégios, que não tema implantar
revolucionariamente a mais completa democracia, e vereis que o capitalismo
monopolista de Estado verdadeiramente democrático e revolucionário, representa
inevitavelmente, infalivelmente, um passo em frente, um passo para o socialismo!
Ou bem que no interesse dos latifundiários e dos capitalistas, caso este em que não
teremos um Estado democrático e revolucionário, mas sim um Estado burocrático e
reaccionário, quer dizer, uma república imperialista.
Pois o socialismo não é mais do que a etapa imediata a seguir ao monopólio capitalista
de Estado. Ou utilizando outros termos, o socialismo não é mais que o monopólio
capitalista de Estado colocado ao serviço de todo o povo e que por isso, deixou de ser
monopólio capitalista.
Ou bem que se é um democrata revolucionário de facto e nesse caso não há que temer
dar qualquer passo para o socialismo.
Ou bem que se temem os passos a dar para o socialismo e se condenam, como o fazem
Plekanov, Dan e Chernov, alegando que a nosssa revolução é uma revolução burguesa,
que não se pode «implantar» o socialismo, etc., etc., e então desliza-se fatalmente até
Kerenski, Miliukov e Kornilov, quer dizer, até à repressão burocrática e reaccionária
das aspirações «democráticas e revolucionárias» das massas operárias e camponesas.
***
Os nossos socialistas-revolucionários e os nossos mencheviques focam o problema do
socialismo doutrinariamente, sob o ponto de vista de uma doutrina aprendida de
memória e mal assimilada. Apresentando o socialismo como um futuro longínquo,
desconhecido, nebuloso.
Mas consideremos a mesma instituição pensando na importância que teria num Estado
democrático e revolucionário. O trabalho geral obrigatório, implantado, regulamentado
e dirigido pelos Sovietes de deputados operários, soldados e camponeses, não seria
ainda o socialismo, mas já não seria o capitalismo. Representaria um passo gigantesco
em direcção ao socialismo, um passo após o qual seria impossível, sempre e enquanto
se mantivesse uma democracia plena, voltar ao capitalismo sem recorrer à violência
sobre as massas.
O problema das medidas que devem adoptar-se para lutar contra a catástrofe que se
avizinha, leva-nos a tratar de outro problema extraordinariamente importante: a ligação
da política interna com a externa ou, utilizando outros termos, a relação entre a guerra
anexionista, imperialista, e a guerra revolucionária, proletária, entre a criminosa guerra
de rapina e a guerra justa e democrática.
Com efeito, a nacionalização dos bancos e dos consórcios capitalistas, em comum com
a abolição do sigilo comercial e o controlo operário sobre os capitalistas, não só
representaria uma imensa economia do trabalho do povo, não só permitiria economizar
forças e recursos, mas também, melhoraria a situação das massas trabalhadoras, quer
dizer, da maioria da população. Na guerra moderna, como ninguém pode ignorar, a
organização económica tem uma importância decisiva. Na Rússia há pão, carvão,
petróleo e ferro em quantidade suficiente; neste aspecto, a nossa situação é melhor do
que a de qualquer outro país beligerante da Europa. Combatendo a desorganização
económica através dos processos indicados, mobilizando para essa luta a iniciativa das
massas, melhorando a sua situação, nacionalizando os bancos e os consórcios
capitalistas, a Rússia podia aproveitar a sua revolução e a sua democracia para elevar o
país inteiro a um nível infinitamente mais elevado de organização económica.
Se em vez de se fazer uma «coligação» com a burguesia, que entrava todas as medidas
de controlo e sabota a produção, os socialistas-revolucionários e os mencheviques
tivessem colocado em Abril o poder nas mãos dos Sovietes, se não tivessem dedicado as
suas forças ao jogo do «carrocel ministerial» e a aquecer, como burocratas, juntamente
com os democratas-constitucionalistas, as poltronas dos ministérios e das subsecretarias,
etc., etc., mas a dirigir os operários e os camponeses no exercício do seu controlo sobre
os capitalistas, na sua guerra contra os capitalistas, a Rússia seria hoje um país em
plena transformação económica, onde a terra pertenceria aos camponeses e os bancos
estariam nacionalizados; ou seja, o nosso país estaria nesse sentido (quer dizer, no que
respeita a estas medidas, que representam outras tantas bases económicas
importantíssimas da vida moderna) acima de todos os demais países capitalistas.
A capacidade defensiva, a força militar de um país com os bancos nacionalizados é
maior que a de um país com os bancos nas mãos de particulares. A força militar de um
país camponês com a terra nas mãos dos comités camponeses é superior à de um país
de grandes propriedades latifundiárias.
O exemplo da França diz-nos unicamente uma coisa e só uma: para fazer com que a
Rússia tenha capacidade defensiva e para que nela também se produzam «prodígios» de
heroísmo em massa, há que varrer com implacabilidade «jacobina» tudo o que é velho e
renovar, regenerar a Rússia economicamente. Mas, no século XX, isso não pode fazer-
se simplesmente varrendo o czarismo (há cento e vinte e cinco anos a França não se
limitou a isso). Não pode fazer-se sequer única e exclusivamente através da abolição
revolucionária da grande propriedade latifundiária (nós nem sequer isso fizemos, pois os
socialistas-revolucionários e os mencheviques atraiçoaram os camponeses!), nem única
e exclusivamente com a entrega da terra aos camponeses, pois vivemos no século XX, e
dominar a terra sem dominar os bancos não basta para regenerar e renovar a vida do
povo.
Enquanto o nosso país não propor aos demais países uma paz justa e não rompa com o
imperialismo, a guerra continuará sendo, por parte da Rússia, uma guerra injusta e
reaccionária, uma guerra de conquista. O carácter social da guerra, o seu verdadeiro
significado não é determinado (como pensam os socialistas-revolucionários e os
mencheviques, caídos na vulgaridade de um mujik ignorante) pelo lugar onde se
encontra as tropas inimigas. O carácter social da guerra depende da política que a
continua («a guerra é a continuação da política»), da classe que a mantem e dos fins que
com ela persegue.
Não se pode conduzir as massas a uma guerra de rapina, de acordo com os tratados
secretos, e alentar esperanças no seu entusiasmo. A classe mais avançada da Rússia
revolucionária, o proletariado, dá cada vez mais conta do carácter criminoso da guerra.
A burguesia está muito longe de ter conseguido que as massas mudem de opinião; pelo
contrário, a convicção do carácter criminoso da guerra não faz mais do que crescer. O
proletariado de ambas as capitais da Rússia abraçou já definitivamente o
internacionalismo!