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Doutora em História pela Universidade Federal de Pernambuco. Líder do GEHSCAL -
Grupo de Estudos em História Sociocultural da América Latina (UPE/ Diretório CNPq).
Professora Adjunta da Faculdade de Formação de Professores de Nazaré da Mata, da
Universidade de Pernambuco, e Docente Colaboradora do Programa de Pós-Graduação
em História da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Pesquisadora financiada
pela FACEPE. E-Mail: <gehscal@uol.com.br>.
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Para as festas barrocas, ver: SILVA, Kalina Vanderlei. Cerimônias públicas de manifestação
de júbilo: símbolos barrocos e os significados políticos das festas públicas nas vilas
açucareiras de Pernambuco nos séculos XVII e XVIII. In: ______ (org.). Ensaios culturais
sobre a América Açucareira. Recife: Edupe, 2008. Já para as comemorações das entradas
reais em Lisboa, ver: MEGIANI, Ana Paula. O rei ausente: festa e cultura política na visita
dos Filipes a Portugal (1581 e 1619). São Paulo: Alameda, 2004. Para a comemoração
das armas de Castela contra Barcelona, ver: DE LA FLOR, Fernando & BLASCO, Esther.
Política y fiesta en el Barroco - 1652: descripción, oración y relación de fiestas en Salamanca
con motivo de la conquista de Barcelona. Salamanca: Ediciones Universidad de
Salamanca, 1994.
68 KALINA VANDERLEI SILVA
rei se traduzia em uma tentativa da elite urbana reafirmar seu próprio status,
demarcando a hierarquia entre seus pares, demonstrando seu prestígio
perante o povo e, ao mesmo tempo, sua lealdade perante a Coroa. Sem
esquecer que a elite local aproveitava ainda para relembrar ao rei seus serviços
prestados.
Imagem paradigmática dessa funcionalidade foi a comemoração da
conquista de Barcelona pela Coroa castelhana em uma festa organizada e
celebrada em Salamanca em 1652, com direito a toda a pompa barroca e
publicação de relação comemorativa. E se tais eventos não eram raros na
Península Ibérica de então, também as câmaras municipais americanas do
período procuravam se manter ao corrente dos padrões festivos europeus.
Assim foi que, poucas décadas depois, Olinda seguiu muito de perto o modelo
de Castela ao promover a festa de ação de graças pela Restauração da Capitania
de Pernambuco contra os holandeses. Festejo que, assim como sua congênere
castelhana, assumiu uma função múltipla de espaço de demarcação de
prestígios locais, lealdades régias e de reafirmação de uma identidade fidalga
por parte da elite açucareira. Identidade essa construída em torno da
Restauração de Pernambuco e da memória desse fato.
Olinda, a Elite Açucareira e a Restauração
Em 1654 terminava a ocupação da Capitania de Pernambuco, e anexas,
pela WIC, a Companhia das Índias Ocidentais, que desde 1630 controlava a
região. A chamada guerra de Restauração, que opusera os senhores de
engenho de Pernambuco e seus aliados à WIC, durara de 1648 a 1654 e deixara
um saldo de destruição nos canaviais, nas cidades e nas fortunas, permitindo
à Coroa portuguesa retomar o poder sobre a Capitania, inclusive de forma
mais presente e intrusiva que antes de 1630, visto que nesse segundo período
de governo português os donatários de Pernambuco haviam dado lugar aos
governadores metropolitanos3.
As muitas modificações sociais, econômicas e políticas da Capitania haviam
atingido todos os grupos sociais, dos escravos que fugiram para o quilombo
de Palmares, passando pelos homens livres ingressos nas inchadas fileiras do
exército ou moradores da crescente povoação do Recife, até a elite de
senhores de engenho que encabeçara a guerra. Esses senhores, que se
denominavam restauradores, viram seu prestígio perante a Coroa atingir o
ápice com os sempre lembrados serviços prestados na devolução da capitania
ao império. Um prestígio que lhes garantiu a manutenção de seu poder político
mesmo quando, no século XVIII, os mercadores já haviam se tornado um
grupo hegemônico4.
3
A guerra de Restauração é bastante conhecida a partir do estudo clássico de MELLO,
Evaldo Cabral de. Olinda restaurada: guerra e açúcar no Nordeste, 1630-1654. São Paulo:
Topbooks, 1998.
4
A situação da capitania no pós-guerra pode ser vista em SILVA, Kalina Vanderlei. ‘Nas
Solidões vastas e assustadoras’: a conquista do sertão de Pernambuco pelas vilas
FESTA E MEMÓRIA DA ELITE AÇUCAREIRA NO SÉCULO XVII 69
açucareiras nos séculos XVII e XVIII. Recife: CEPE, 2009. E a ascensão da elite mercantil
em SOUZA, George Cabral. Elite y ejercicio de poder en el Brasil Colonial: La Cámara
Municipal de Recife (1710-1822). Tesis Doctoral. Facultad de Geografía y Historia de la
Universidad de Salamanca. Salamenca, 2007.
5
Por exemplo, REQUERIMENTO do Bispo de Pernambuco ao Rei pedindo se remeta ao
Desembargador do Paço a representação dos conflitos com o governador de
Pernambuco sobre o cerimonial romano e o lugar que deve ocupar o assento do
governador na Igreja. Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa- AHU_ACL_CU_015, cx. 16.
1636; PARECER incluso na carta do capitão-mor de Igarassu, Francisco Xavier Carneiro
da Cunha, ao rei, D Jose I, sobre as dúvidas a respeito dos assentos nas festas e
procissões daquela vila assistidas pela câmara. AHU_ACL_CU_015, Cx. 081, D. 6751.
70 KALINA VANDERLEI SILVA
quando este senado se encontra com eles por ocasião das festas
reais, que este senado debaixo de estandarte os vá receber aos
adros das igrejas, como se este senado representasse pessoa inferior
a que eles representam. E porquanto finalmente nos parece que os
governadores não podem pretender semelhante obséquio, que
somente lhes deveria ser feito se este senado não representasse a
Real Pessoa de Vossa Alteza assim e do mesmo modo que lhes
representam. Portanto suplicamos a vossa alteza real aja por bem
decidir em que lugar deve esse senado receber aos governadores,
e aos excelentíssimos reverendíssimos bispos em semelhantes
ocasiões.6
Nessa carta, a Câmara de Olinda insistia nas mesmas reivindicações que já
vinha fazendo desde o século XVII sobre seu papel como representante da
Coroa. A mesma reivindicação que fez, por exemplo, em 1677, quando, depois
do estabelecimento dos governadores do rei na capitania, em geral sediados
no Recife, os senhores de Olinda começaram a disputar com eles a posição de
representantes da Coroa, como podemos ver na ordem régia passada em
julho daquele ano:
Oficiais da Câmara da Capitania de Pernambuco. Eu o Príncipe vos
envio muito saudar. Havendo mandado ver o que me escrevestes
em carta de 10 de junho do ano passado, sobre as diferenças que
tivésseis com o Vigário Geral da Matriz da Vila de Olinda acerca do
lugar em que nas procissões havia de ir o pendão da Câmara, por
querer que saísse adiante do pálio, fora do corpo da câmara e o que
sobre isso resolveu o governador D. Pedro de Almeida, e porque
convém atalhar diferenças, me pareceu dizer-vos que o governador
não representa mais minha pessoa do que a representa o senado: e
assim não havia de resolver que nas procissões que não fosse o
pendão porque só quando eu vou nelas deixa de ir o pendão e nas
mais começa do pendão o corpo do senado da câmara, e nesta
forma se deve observar daqui em diante; e assim o mando advertir
ao Vigário Geral, e que não inquiete meus ministros contra o estilo
dos [ ] de que não registra indecência alguma.7
Essa reclamação da Câmara de Olinda é eloquente sobre sua vontade e
insistência em ser reconhecida pelos altos funcionários da burocracia régia
como parte integrante e importante do poder imperial, representando ela
mesma o rei. Uma representação que deveria ser feita através da investidura
6
CARTA dos oficiais da Câmara de Olinda ao Príncipe Regente, D João, sobre as dúvidas
acerca de onde deveria ir o pendão da câmara nas procissões. AHU_ACL_CU_015, Cx.
212, D. 14418.
7
REGISTRO da carta de S. majestade escrita aos oficiais da câmara, sobre ir, ou não o
pendão da câmara nas procissões. Escrita a 18 de julho de 1677. Livro de Registro de
cartas, provisões e ordens régias. L. 1º. Arquivo Público Jordão Emerenciano - APEJE.
FESTA E MEMÓRIA DA ELITE AÇUCAREIRA NO SÉCULO XVII 71
10
“Juiz, Vereadores e Procurador da Cidade de Olinda. Eu El Rei vos envio muito saudar: Por
estar confirmada e ratificada a paz que celebrei com El Rei de Castela, e ser esta nova de
grande gosto, é justo que como tal se festeje no Reino, a mandeis publicar no 1º do presente
mês de maio na [forma] que vereis na cópia inclusa, com a demonstração de luminárias,
repique, e salvas de artilharia na noite do dia da publicação e nos dias seguintes, e da mesma
sorte o fareis assim executar pela parte que vos toca”. REGISTRO da carta de S. Majestade
para os oficiais da câmara pela qual manda se festeje a paz que se celebrou com el rei
de Castela. Escrita em 15 mai. 1715. LIVRO de registro de cartas, provisões e ordens
régias da Câmara de Olinda. L 1º, fl. 125. APEJE.
11
Para a definição da elite açucareira, ver: ACIOLI, Vera Lúcia. Jurisdição e conflito: aspectos
da Administração Colonial. Recife: Ed. UFPE, 1997; FERLINI, Vera Lúcia. Terra, trabalho
e poder: o mundo dos engenhos no Nordeste Colonial. São Paulo: Brasiliense, 1988.
Em Acioli encontramos também os conflitos dessa elite com os governadores de
Pernambuco e Bahia.
12
O imaginário da fidalguia ibérica pode ser visto em: FRANÇA, Eduardo D’Oliveira.
Portugal na época da Restauração. São Paulo: Hucitec. 1997. Sobre o viático e seus rituais,
ver: CAVALCANTI, Viviane. Religiosidade e morte: instrumentos do projeto colonial
português. Columbia: The University of South Carolina, 1995. A Irmandade do Santíssimo
FESTA E MEMÓRIA DA ELITE AÇUCAREIRA NO SÉCULO XVII 73
14
ACIOLI, Jurisdição e conflito, p. 18.
15
CÂMARA de Pernambuco e Povos das Capitanias do Norte do Brasil a D João IV.
Biblioteca da Ajuda, 1654, apud MELLO, Evaldo Cabral de. Rubro veio: o imaginário da
Restauração Pernambucana. São Paulo: Alameda, 2008, p. 92.
16
A expressão “fiéis vassalos” vem do próprio discurso da câmara de Olinda e da Coroa
portuguesa, como no expresso no REGISTRO da Carta de S. Majestade para a câmara,
de agradecimento pelas festas que fizeram no nascimento da Infanta. 12 out. 1699.
Livro de registro de Cartas, Provisões e ordens régias da Câmara de Olinda. L. 1º, fl. 95.
APEJE, onde o rei agradece as festas que em Olinda se fizeram pelo “nascimento da
Sereníssima Infanta, minha muito amada e prezada filha”, afirmando que “pareceu de tão
bons, fiéis e honrados vassalos, que não faltam a mostrar nela o vosso amor, por ser tanto
gosto para esse reino e de todos os seus domínios”.
17
O fenômeno de fabricação de memória nas festas públicas foi estudado por LOPES,
Emílio Carlos Rodrigues. Festas públicas, memória e representação: um estudo sobre as
manifestações políticas na Corte do Rio de Janeiro, 1808-1822. São Paulo: EDUSP,
2004.
FESTA E MEMÓRIA DA ELITE AÇUCAREIRA NO SÉCULO XVII 75
20
O modelo ibérico de festas barrocas, assim como a descrição de suas práticas, pode ser
visto em ÁVILA, Affonso. O Lúdico e as Projeções do Mundo Barroco - Vol. 1: uma linguagem
a dos cortes, uma consciência a dos Luces. São Paulo: Perspectiva, 1994, p. 144-154.
21
MACHADO, Simão Ferreira. Triunfo Eucarístico, Exemplar da Cristandade Lusitana em Pública
Exaltação da Fé na solene Transladação do Diviníssimo Sacramento da Igreja da Senhora do
Rosário, para um novo Templo da Senhora do Pilar em Vila Rica, etc. Lisboa Ocidental: Oficina
de Música, 1734, apud ÁVILA, O Lúdico...; AUREO Trono Episcopal, Collocado nas Minas de
Ouro, ou Notícia Breve da Criação do Novo Bispado marianense, da sua felicíssima posse, e
pomposa entrada do seu meritíssimo primeiro Bispo,e da Jornada, que fez do Maranhão, etc.
Lisboa: Oficina de Miguel Manascal da Costa, 1749, apud ÁVILA, O Lúdico...
22
Ambas as relações, assim como a da aclamação de d José, foram transcritas por José
Aderaldo Castello em O Movimento Academicista Brasileiro, apud ARAÚJO, Rita de Cássia.
A redenção dos pardos: a festa de São Gonçalo Garcia no Recife, em 1745. In: JANCSÓ,
Istvan & KANTOR, Iris (orgs.). Festa: cultura e sociabilidade na América Portuguesa. Vol.
1. São Paulo: Edusp; Imprensa Oficial, 2001, p. 419-444.
FESTA E MEMÓRIA DA ELITE AÇUCAREIRA NO SÉCULO XVII 77
disputando com a de Olinda. Por outro lado, a ação de graças pela Restauração
não atraiu sua atenção, celebração que era dos feitos dos senhores de
engenho olindenses, enquanto em Recife dominavam os comerciantes de
grosso trato26.
E não apenas o Recife não organizou festa semelhante, como não
prestigiou a comemoração em Olinda, como demonstra a reclamação que a
câmara daquela cidade fez ao rei a respeito da ausência do governador, então
sediado em Recife, e demais autoridades na ação de graças de 1725 e 1726.
Em 1725, escreveu o rei ao governador de Pernambuco, então D. Manuel
Rolim de Moura, reproduzindo a queixa dos oficiais da Câmara de Olinda
sobre a ausência das autoridades na comemoração da “memória da gloriosa
restauração da capitania” que se fazia por ordem régia todos os anos. A carta
régia descreve a organização da cerimônia com missa, Santíssimo Sacramento
exposto e sermão na Santa Sé, assistida pelos terços de Olinda e Recife, além
dos ministros, oficiais de Justiça e Fazenda. Mas no ano em questão só se
achavam presentes os oficiais da Câmara de Olinda. A essa reclamação
respondeu então o governador dizendo que
Sempre a assisti e os ditos ministros em a dita festa, como também
todo o terço inteiro da cidade marcha para a Sé como é estilo, e
não tenho notícias que o terço do Recife se achasse também em
outros anos na tal celebridade, como afirmam os ditos oficiais.27
No ano seguinte os oficiais de Olinda voltaram a reclamar ao rei, solicitando
que, como era costume em anos anteriores, na festa da Restauração
marchassem os dois terços, o de Olinda e o de Recife, com seus mestres de
campos, além do terço dos henriques com mestre de campo, e que todos
recebessem pólvora para uma salva de artilharia em memória do dia. Além
disso, reiteravam seu pedido de que o governador, ministros e oficiais, e
todas as “pessoas da nobreza” dentro de duas léguas da cidade fossem
obrigados a comparecer a festa28.
26
As querelas de jurisdição entre Olinda e Recife em torno da festa de Corpus Christi
estão registradas em documentos como a CARTA dos oficiais da câmara de Olinda ao
rei [d João v], sobre a pretensão da câmara de Recife de fazer a procissão do corpo de
Deus no mesmo dia em que se faz em Olinda. AHU_ACL_CU_015, cx 63, D. 5386, e
CARTA dos Oficiais da Câmara do Recife ao rei [D João V], sobre se realizar a procissão
de Corpo de Deus no Recife devido à isenção do seu povo e clero de comparecerem à
de Olinda. AHU_ ACL_CU_015, Cx. 39, D. 3499.
27
CARTA do governador da capitania de Pernambuco ao rei sobre a ordem para que
todos os ministros, oficiais de justiça e fazenda, governador, senado e todos os terços
de Recife e Olinda participem dos festejos da Restauração. AHU_ACL_CU_015, Cx. 31,
D. 2849. Pernambuco, 18 jul. 1725.
28
CARTA dos oficiais da câmara de Olinda ao rei, d. João V, sobre a ordem para que na
festa de ação de graças de 27 de janeiro, marchem os terços e compareçam o
governador, ministros e oficiais. AHU_ACL_CU_015, Cx. 32, D. 2950.
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Essa repetida queixa deixa claro o desrespeito das elites de Recife com a
celebração da nobreza olindense, que se queria fidalga. Clara também fica a
insistência dessa ‘nobreza da terra’, já então em pleno processo de perda de
hegemonia política sobre a capitania, na festa como marco de sua importância
social e política. Uma insistência que enfatizava a memória do feito que esta
celebração deveria comemorar.
E, apesar dessa decadência, ou por causa dela, a elite açucareira continuou
a insistir na festa da Restauração pelo menos até a década de 1740, quando a
implantou também em Igarassu:
Prostrados aos benignos pés de Vossa Real Majestade, que Deus
guarde, como mais leais e fiéis vassalos, damos conta a Vossa
Majestade, que sendo essa vila de Santos Cosme e Damião de
Igarassu a mais antiga desta capitania de Pernambuco, e fazendo
na cidade de Olinda no dia vinte e sete de janeiro, anualmente
ação de graças a Deus Nosso Senhor por ser o dia em que se restaurou
esta terra do poder do holandês, nesta vila se não faz ato algum de
lembrança, e parecendo ser necessário, fazermos a mesma ação
de graças no dito dia, para lembrar aos presentes o que fielmente
obraram os nossos antepassados; Demos conta a Vossa majestade,
que sendo servido, nos mandar ordem para a podermos fazer, com
a mesma despesa, que se costuma fazer nesta vila a do Anjo
Custódio, paga das sobras do Concelho.29
Era a reafirmação da memória dos feitos gloriosos dos senhores de
engenho que, em 1740, enfrentavam o crescimento do Recife e sua elite
comercial. Uma última tentativa de fixar na memória coletiva da capitania os
feitos pelos quais a elite açucareira tanto se orgulhava e sobre os quais baseava
todas as suas reivindicações de nobreza. Uma tentativa de “lembrar aos
presentes o que fielmente obraram os nossos antepassados”, segundo as
palavras da própria câmara. Afirmação que enfatiza a função da festa como
ato de criar e cristalizar uma memória, ao mesmo tempo oficial e coletiva, em
torno dos fatos em questão.
Se as festas públicas do Antigo Regime deveriam instituir memória ao
cristalizarem determinadas representações sobre o passado, representações
essas que traziam a público uma memória selecionada, um passado que se
queria recordar, tal papel foi assumido à perfeição pela festa de ação de
graças pela Restauração da capitania de Pernambuco que procurava
comemorar e construir uma dada memória de feitos heróicos da elite
açucareira.
Mas se a festa barroca tinha a função de construir memória, também tinha
29
CARTA dos oficiais da câmara de Igarassu ao rei, d. João V, pedindo ordem para fazer
ação de graças pela Restauração da capitania de Pernambuco do poder dos holandeses,
como se faz anualmente em Olinda, no dia 27 de janeiro. AHU_ACL_CU_015, Cx. 59, D.
5054.
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