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9 a 12 de julho de 2019
UFSC – Florianópolis – SC
Bolsista PNPD-Capes
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Introdução
As transformações ocorridas na estrutura da sociedade brasileira a partir dos
anos 2000 favoreceram processos de micromobilidade ascendente entre os
membros das classes populares e sua maior inserção na cultura de consumo.
Dentre tais transformações, é possível destacar o crescimento econômico, com
geração de empregos formais, principalmente no setor de serviços, o aumento real
do salário mínimo, a implementação de políticas sociais redistributivas e a
consequente redução da desigualdade de renda2. A mudança nos padrões de
consumo das classes populares brasileiras também foi decorrente da
reestruturação do processo produtivo em escala global, o que possibilitou o
barateamento do preço dos produtos – tais como alimentos, vestuário e bens
duráveis – e maior acesso ao consumo de bens mesmo em períodos de estagnação
do crescimento econômico e deterioração da renda, como ocorreu nos anos 1990
(Pochmann, 2012; Rocha, 2002; Torres, Bichir, Carpim, 2006).
A maior capacidade de consumo das classes populares foi tomada como um
dos principais indicadores da emergência de uma “nova classe média” no Brasil,
provocando intenso debate entre os cientistas sociais brasileiros. Embora essa
interpretação tenha se estabelecido, inicialmente, com dominância explicativa,
principalmente a partir da publicação do economista Marcelo Neri, em 2008,
surgiram outras interpretações capazes de questionar essa versão, destacando seu
papel no encobrimento das desigualdades sociais e as contradições intrínsecas a
esse processo, além das possíveis consequências políticas advindas com uma
interpretação triunfalista e redutora da realidade social (Pochmann, 2012, 2014;
Singer, 2012, 2015; Souza, 2012, 2013).
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A discussão apresentada neste trabalho é resultante da investigação empreendida em minha tese de
doutorado (Alves, 2018).
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Embora tenha crescido um debate questionando a diminuição da desigualdade de renda no Brasil, nos anos
2000, ancorado em inovações metodológicas possibilitadas pelo acesso aos dados do imposto de renda – que
permitem aferir com maior precisão a renda dos mais ricos -, os dados da Pesquisa Nacional por Amostra em
Domicílio (Pnad) são considerados mais adequados para analisar a pobreza, já que os mais pobres não
costumam declarar imposto de renda. Na medida em que a fração de classe analisada neste trabalho
encontra-se mais próxima à base da pirâmide, tendo sido beneficiadas pelas políticas acima referidas, foram
considerados estudos que destacam uma diminuição da desigualdade de renda, a partir do Índice de Gini.
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Uma parte das entrevistas foi realizada a partir de minha participação como pesquisadora de campo na
pesquisa “Radiografia do Brasil Contemporâneo”, desenvolvida no Instituto de Pesquisa Econômica e
Aplicada (IPEA), entre 2015 e 2016, sob a coordenação de Jessé Souza, então presidente do Instituto.
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Segundo o autor, tais comportamentos convergem diretamente para o tipo de capitalismo flexível que se
desenvolve no Brasil, caracterizado por um crescimento de empregos formais precarizados, organizados
segundo parâmetros pós-fordistas – que exigem maior flexibilidade e capacidade de altos sacrifícios pessoais,
físicos e psicológicos.
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Ah, tu perguntou o que eu comprei com meu salário, comprei essas televisões
novas que têm internet, como é? SmartTV. Tem 40 polegadas. Pra dar de presente
à minha mãe na copa, pra o Brasil levar de 7 da Alemanha. Risos. Fiz esse, foi a
coisa mais cara que eu já comprei na minha vida, foi dois mil, quatrocentos e pouco
em doze vezes. Risos. No cartão de uma amiga. Risos.
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De acordo com Cynthia Sarti (1994, p. 98), a vaidade é condenada entre os mais pobres, na medida em que
implica numa individualidade tida como irresponsável porque nega os preceitos de obrigação moral em
relação aos seus iguais.
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Aí é, é essas coisas que eu comecei a fazer né? Ter mais a liberdade de, de
comprar as coisas que eu tenho, se eu passar hoje numa loja, vê, eu vou e compro,
porque eu trabalho.
Eu já imaginei quando eu fui comprar esse daqui, eu disse: eu vou querer um com
“chaise” porque aí como a gente assiste TV, a gente assiste um filme, a gente quer
um conforto, né, chegar do trabalho, ter um conforto.
Considerações finais
Dentre as conclusões alcançadas a partir desta investigação, vale destacar
a relação que a nova ética do consumo empregada pelos membros das classes
populares – denominada de retórica do trabalho duro – parece manter com a
persistência dos altos níveis de desigualdades da sociedade brasileira. Isso porque
enquanto Campbell (1998) destacou a redefinição dos bens de consumo e dos
contextos de compra (aniversário do consumidor, férias, etc.), a partir de uma
perspectiva transclassista, de modo a legitimar as práticas de consumo orientadas
pelo desejo e pela busca de prazer, os batalhadores hedonistas entrevistados na
pesquisa lançam mão quase exclusivamente da retórica do trabalho duro,
destacando o consumo de bens como uma recompensa pelo seu trabalho. Desse
modo, o trabalho forneceria as condições materiais e simbólicas, legitimando o
consumo de bens distanciados da retórica da necessidade tanto perante aos
valores e disposições ascéticas constitutivos do ethos do trabalho duro, quanto
diante das expectativas reunidas em torno de uma “moralidade de classe média”
(Scalco, Pinheiro-Machado, 2010).
A análise também permite problematizar a interpretação sobre a emergência
de uma “nova classe média” no Brasil, fundamentada na mudança dos padrões de
consumo na base da pirâmide social, destacando sua inconsistência teórica e
empírica. Do ponto de vista teórico, o conceito bourdieusiano de classe social
destaca a necessidade de se considerar a gênese sociocultural das classes sociais
– para além da renda –, bem como seu caráter relacional. Portanto, o que
caracteriza um estilo de vida distinto e distintivo é a sua posição diferencial com
relação aos demais, de modo que não faz sentido falar de uma “nova classe média”
com base na cesta de consumo das frações emergentes se as classes mais
abastadas também aumentaram os seus níveis de consumo, demarcando sua
posição social. Do ponto de vista empírico, é importante considerar os usos e
sentidos que os membros das classes populares atribuem às suas práticas de
consumo, associados à condição de privação material no passado e voltados à
superação do estigma da pobreza, distanciando-se daqueles encontrados entre os
membros da classe média.
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Referências
ALVES, ANA R. C. “Com o suor do trabalho”: uma análise do ethos dos
batalhadores manifesto no âmbito do consumo. Tese. (Doutorado em
Sociologia). Universidade Federal de Pernambuco, CFCH. Recife, 2018.
_____________ “Consumption and the Rhetorics of Need and Want”. In: Journal of
Design History, 1998. Vol. 11, No. 3 (1998), pp. 235-246.
NERI, M. A nova classe média: o lado brilhante dos pobres. Rio de Janeiro:
CPS/FGV, 2010.
___________. “Quatro notas sobre as classes sociais nos dez anos do lulismo”. In:
Psicologia USP, v. 26, n. 1, 2015a.