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Mestrado
Brasília, 2011.
12
M827r Moraes, Patrícia Jakeliny Ferreira de Souza
132 f. : il.; 30 cm
7,5 cm
1. Adoção. 2. Família. 3. Relações humanas. I. Faleiros, Vicente de Paula,
orient. II. Freitas, Marta Helena, co-orient. III. Título.
CDU 159.9:316.812.33
22/08/2011
13
Patrícia Jakeliny Ferreira de Souza Moraes
Brasília, 2011.
14
Dedicatória
15
AGRADECIMENTOS
Agradeço,
Aos sujeitos dessa pesquisa, que pela disponibilidade plena, viabilizaram a concretização
desse estudo, que ao final tornou-se mais do que uma pesquisa, tornou-se um aprendizado de
vida e de inspiração para trabalhar e viver melhor.
A todas as crianças que vivem a espera de uma família afetiva e legal, demonstrando pela
resiliência uma capacidade inspiradora de viver a transposição do vínculo de filiação.
Aos meus orientadores Vicente de Paula Faleiros e Marta Helena de Freitas, que pela
transmissão de conhecimento, pela inspiração e afeto se tornaram amigos e cúmplices desse
aprendizado.
A meu esposo Alexander, que me acompanha amorosamente nos meus projetos de vida,
vivendo comigo de corpo e alma os prazeres da adoção.
A meus pais, pelo carinho, acolhimento e confiança, que mesmo distantes fisicamente, se
fizeram presentes nos momentos mais difíceis.
Aos meus irmãos Fábio e Janayne, por me ensinarem todos os dias ser resiliente na aventura
da frátria.
Aos meus avôs: Miguel Souza e Maria Mariazinha (in memorian), pelo aprendizado e o
exemplo.
Aos meus sogros, que me acolheram como filha, pelo afeto e carinho.
A Maria de Fátima de Novais Gondim, por me acolher nas minhas incertezas, no meu
sofrimento, nas oras mais difíceis dessa jornada, e por me guiar até minha essência.
A Maria da Penha Oliveira Silva, pela sua intervenção profissional, pela cumplicidade e pelo
ombro amigo, que se fez presente nos momentos de angústia e alegria.
A Soraya Kátia Rodrigues Pereira, que com alma e corpo, trabalha com as famílias em prol
das incertezas e dos desafios que são inerentes aos processos de adoção.
A Aline de Souza, que transpõe as barreiras burocráticas do processo de adoção, aferindo uma
prática eficaz na preparação das crianças e adolescentes do serviço de acolhimento do Lar de
São José.
A CAPES, pela concessão de bolsa de estudo, imprescindível para concretização deste estudo.
A meus filhos e esposo, a quem dediquei este trabalho, por estarem comigo todos os dias
compartilhando seus desejos, sonhos e me ensinando qual a verdadeira essência da vida: o
amor.
17
RESUMO
Este estudo propôs uma análise sobre a adoção e a devolução, a partir do discurso de
quatro famílias e seus respectivos filhos que vivenciaram o encontro ou o desencontro na
adoção. O objetivo central dessa dissertação foi compreender o processo de vinculação
adotiva dentro da dinâmica familiar, destacando indicadores que contribuíram para construção
do vínculo de filiação e indicadores que foram desfavoráveis ao encontro filial. Foi utilizado o
aporte teórico da estrutura sistêmica e a teoria do vínculo de Pichon-Rivière (1986), que
viabilizaram compreender a adoção a partir da análise dos vínculos internos e externos das
famílias e respectivos filhos adotados. Considerou-se para este estudo a metodologia
qualitativa de González-Rey (2002), que possibilitou interagir de forma plena com os sujeitos
pesquisados tornando os resultados mais consistentes. A escuta das crianças adotadas se deu
pelo desenho, cujo instrumento serviu como recurso de expressividade para desvelar o
fenômeno de adoção, isso viabilizou avaliar como a adoção e a devolução tem impactado a
vida dessas crianças. Foi possível constatar que a devolução se relacionou a falta de apoio
profissional às famílias e respectivos filhos antes, durante e após o processo de adoção, a falta
do apoio das famílias extensas e a ausência do diálogo claro entre a família adotante e seus
respectivos filhos adotados. Outros fatores como os conflitos experimentados com a
alteridade da origem biológica ampliaram as fantasias de apropriação indevida da criança,
contraparte da devolução, podendo-se supor que os sentimentos de altruísmo e bondade
vividos pelos adotantes foram formações defensivas contra esses conflitos.
18
ABSTRACT
This study has proposed an analysis about adoption and return, starting from the speech of
four families and their respective children who experienced the encounter and mis-match in
adoption. The main purpose of this dissertation was to comprehend the process of adoptive
linkage within the domestic dynamics, detailing the indicators that contributed to the filiation
bond construction and indicators that were unfavorable to the filial encounter. The theorist
subsidy of the systematic structure has been utilized along with the bond theory of Pichon-
Rivière (1986), which made it viable to comprehend the adoption based on the analysis of the
internal and external bonds of the families and their respective adopted children. The
qualitative methodology of González-Rey (2002) has been considered for this study, which
made it possible to interact in full form with the subjects researched, making the results more
consistent. The adopted children’s audition was done by drawing, in which such instrument
served as a resource of expressiveness to unveil the adoption phenomenon. This made it
viable to evaluate how adoption and return have been impacting these children’s lives. It was
possible to find that the return has connected itself to the lack of professional support to the
families and to their respective children before, during and after the adoption process, the lack
of support from the extended families and the absence of open dialog between the adopter
family and their respective adopted children. Other factors such as the conflicts experienced
with the exchange of the biological origin increased the child’s undue appropriation fantasies,
return’s counterpart, enabling it to presume that the altruism and kindness feelings lived by
the adopters were defending formations against these conflicts.
19
SIGLAS
20
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 12
CAPÍTULO 1
PROCESSO HISTÓRICO DA ADOÇÃO ............................................................ 17
1. Historização do processo de adoção........................................................................ 17
1.1 Procedimentos técnicos para adoção .................................................................... 22
1.2 Novos parâmetros legais do acolhimento institucional......................................... 27
CAPÍTULO 2
APROXIMAÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA............................................... 35
2. Da família idealizada a família possível.................................................................. 35
2.1 Pensando família a partir da estrutura sistêmica.................................................... 38
2.2 Aproximação teórica com o conceito de vínculo . ................................................ 41
CAPÍTULO 3
APRESENTAÇÃO DO MÉTODO.......................................................................... 45
3. Contextualização da metodologia............................................................................ 45
3. 1 Participantes e Local da pesquisa ........................................................................ 46
3.2 Instrumentos........................................................................................................... 48
3.3 Procedimentos em campo...................................................................................... 48
3.4 Procedimentos de análise....................................................................................... 49
CAPÍTULO 4
O FENÔMENO DA ADOÇÃO EM UM CONTÍNUO DESVELAR-SE............ 52
4.1 Análise dos fragmentos dos discursos: a adoção a partir das falas das famílias e 52
da expressividade das crianças adotivas......................................................................
4.2 Família [1][D] Joana e Isabel................................................................................ 53
4.3 Família [2][D] Janete e Cláudia............................................................................ 65
4.4 Família [3][AP] Débora, Vilmar e Guilherme....................................................... 72
4.5 Família [4][AP] Lilian, Mônica e Júlio.................................................................. 82
CAPÍTULO 5
RETOMANDO AS ZONAS DE SENTIDO............................................................ 92
5.1 Indicadores favoráveis e indicadores desfavoráveis no processo de adoção......... 92
5.2 O desejo e sua falta................................................................................................ 92
5.3 A relação entre as motivações, o altruísmo e a realidade vivenciadas no
processo de adoção...................................................................................................... 94
5.4 A desvelação da família de origem como condição do vínculo............................. 97
5.5 A criança imaginária e a criança real..................................................................... 101
5.6 A preparação da criança e do requerente para adoção a partir da viabilização
institucional.................................................................................................................. 104
5.7 Vínculo familiar estendido..................................................................................... 109
5.8 A devolução: o silêncio dos pais versus o sofrimento dos filhos.......................... 111
CAPÍTULO 6
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................... 114
Encontros e desencontros nos processos de adoção.................................................... 114
21
GLOSSÁRIO.............................................................................................................. 118
BIBLIOGRAFIA........................................................................................................ 122
ANEXO 1
MODELO DE TCLE PARA O RESPONSÁVEL LEGAL DA CRIANÇA
E/OU ADOLESCENTE ADOTADO....................................................................... 127
ANEXO 2
MODELO DE TCLE PARA O RESPONSÁVEL LEGAL DA CRIANÇA
E/OU ADOLESCENTE DO SERVIÇO DE ACOLHIMENTO........................... 128
ANEXO 3
MODELO DE TCLE ÀS FAMÍLIAS ADOTANTES........................................... 129
ANEXO 4
ROTEIRO DAS ENTREVISTAS ÀS FAMÍLIAS ADOTIVAS.......................... 130
ANEXO 5
ROTEIRO PARA APLICAÇÃO DO DESENHO ÀS CRIANÇAS E
ADOLESCENTES QUE PASSARAM PELO PROCESSO DE ADOÇÃO....... 131
ANEXO 6
AUTO-IMAGEM DE GUILHERME...................................................................... 132
22
INTRODUÇÃO
A empatia com o tema de adoção me foi apresentada como um desafio pessoal. Seria
ousadia mensurar em palavras a quantidade de conhecimento pessoal e o amadurecimento
profissional que obtive com a conclusão desse trabalho.
Essa jornada teve início no Abrigo Lar de São José, no ano de 2005 até 2010, a qual
suscitou contato direto com a realidade de crianças e adolescentes1 que viveram e ainda vivem
em instituições de acolhimento aguardando uma reorganização estrutural de suas famílias
biológicas ou a colocação em uma família adotiva.
Durante minha prática profissional foi possível participar de vários estudos de casos
que demandavam um conhecimento específico sobre os conflitos e acertos que circulavam as
relações afetivas das famílias, em especial reporto-me a dois casos que me suscitaram as
instigantes perguntas: o que fazem as pessoas ficarem juntas? Como se constrói uma boa
convivência entre pais e filhos, independente de serem biológicos ou não? Como se configura
o conflito ou a aceitação do estranho na família? Quais as motivações dos requerentes para a
adoção? Qual o espaço que a criança adotada tem na família, para expressar sua história, seus
medos e desejos? Como uma boa orientação favorece a vinculação da criança aos pais
adotivos? Qual a contribuição da família e amigos no processo de adoção e como a
interrupção de um processo de adoção, via devolução, pode reeditar o abandono na criança
adotada?
1
No decorrer de todo o trabalho todas as referências as crianças adotivas incluem o adolescente adotivo.
23
estudo: o que faz com que a adoção se torne um verdadeiro encontro ou um verdadeiro
desencontro para os requerentes e para a criança envolvida? Como esse processo pode
ressignificar a vida dos envolvidos?
O primeiro deles faz referência a um grupo de oito irmãos que foram separados para
adoção. Depois de uma tentativa frustrada de reintegração à família biológica, seis dos oito
irmãos foram cadastrados para adoção, os outros dois foram reintegrados ao tio paterno, sobre
os demais não houve manifestação do tio para acolhimento. A adoção aconteceu na seguinte
ordem: a primeira a sair foi a última das irmãs acolhida na Instituição por ser bebê, com dois
meses de acolhimento, por decisão da Vara da Infância a criança foi adotada separada dos
irmãos.
Em seguida saíram uma menina de seis anos e o irmão de cinco anos, três anos e meio
de acolhimento, depois foram adotadas mais duas irmãs: uma com três anos a outra com oito
anos, a primeira com três anos de acolhimento e a segunda com dois. E por último o irmão de
doze anos com dois anos de acolhimento foi recebido em separado por outra família. Não se
sabe se os trâmites legais já foram concluídos. As crianças foram liberadas do Serviço de
Acolhimento mediante guarda provisória, deferida pela Vara da Infância. As informações
obtidas um tempo depois foram de que as famílias preferiram manter vínculos afetivos entre
os irmãos, mesmo depois da separação, o que, segundo o relatado por um dos familiares foi de
extrema importância para adaptação inicial do grupo.
24
cadastro nacional, foi então encaminhada para adoção internacional. O processo de
aproximação e apresentação a outra família, agora Italiana, durou um ano e meio. Durante
esse período a criança teve acompanhamento psicológico sistematizado pelo setor de
psicologia da Instituição, sendo trabalhados aspectos relevantes de sua historia de vida
anterior e posterior ao acolhimento institucional, além de uma apresentação gradativa às
origens da família adotiva até que esta se familiarizasse e demonstrasse segurança nessa nova
relação. Depois de um ano e meio de trabalho entre serviço de acolhimento e Vara da
Infância, a criança foi apresentada ao casal, e gradativamente foi se desligando do serviço de
acolhimento até que todo o trâmite legal da adoção internacional fosse concluído, sendo a
criança então adotada e levada para Itália. Essa etapa durou dois meses. O que se sabe até o
momento é que a criança encontra-se bem vinculada à família adotiva.
A partir desse estudo, foi possível traçar indicadores que levaram ao verdadeiro
encontro, que perpassaram pelo bom vínculo de filiação e indicadores que apontaram para o
fracasso da adoção, muitas vezes expresso pela agressão física ou verbal, e pelo silêncio da
devolução vivenciada pela família adotiva e pela criança como uma expressão de “abandono”,
fracasso ou vergonha.
Nesse estudo, optou-se por entrevistar as famílias adotivas e seus respectivos filhos. É
bem verdade que a proposta inicial era compreender a adoção dentro do fluxo – criança
adotada, família biológica, família adotiva, judiciário e serviço de acolhimento, a qual teria
sido extraordinária depois de concluída. Todavia a escolha por mais famílias adotivas e
25
respectivos filhos nas entrevistas possibilitou um aprofundamento do tema. Entende-se que
esse recorte não inviabilizou o entendimento da vinculação afetiva entre pais e filhos adotivos
e não desqualificou os resultados que serão apresentados no decorrer dessa dissertação,
ficando a análise desse fluxo como sugestão para futuras investigações acadêmicas.
Nesse contexto busquei entender dois casos onde foi possível a concretização da
vinculação social e afetiva entre a família e a criança adotada, e dois casos onde esse encontro
não aconteceu. Por um lado, identificamos famílias que, mesmo passando por conflitos,
conseguiram superar os desafios da adoção; por outro identificamos famílias que encontraram
mais dificuldades em nesse encontro filial com a criança adotiva.
Assim sendo, a construção desta dissertação contou com seis capítulos, cuja sequência
linear, descrevo aqui. Antes disso, ressalto que do capítulo um ao capítulo quatro o objetivo
foi articular os fragmentos dos discursos e dos desenhos de forma predominantemente
elucidativa no que tange às suas dimensões histórico-contextuais, deixando para o capítulo
cinco uma análise mais aprofundada no que tange as zonas de sentido.
No primeiro capítulo, faço uma revisão teórica sobre o tema, teço breves
considerações sobre a legislação da adoção, sobre o processo da adoção no Brasil, os
procedimentos técnicos e os parâmetros institucionais que nortearam a prática do acolhimento
institucional.
E, por fim, não menos importante, as considerações finais apontam para uma reflexão
sobre o não dito por aqueles que estão direta ou indiretamente envolvidos no processo de
vinculação adotiva. Considero que esse olhar é imprescindível para a prática dos técnicos do
judiciário e dos técnicos dos serviços de acolhimento, os quais são responsáveis diretos na
preparação das famílias e das crianças.
27
CAPÍTULO 1
PROCESSO HISTÓRICO DA ADOÇÃO
O tema adoção começa a ser tratado como política social, principalmente nos países
europeus, durante a emergência das guerras mundiais, sendo impulsionado pelas novas
concepções de criança e o novo papel que o Estado assume sob a vida privada. Até este ponto,
na história, a adoção, quando existia, dizia respeito principalmente à transmissão de bens, de
um nome familiar e, eventualmente, de poder político.
O adotante, via de regra, tinha que ser de idade avançada (50 anos era o mínimo
colocado, por exemplo, no Código Napoleônico) e os adotados eram freqüentemente
adultos. Os poderes centrais agiam em geral contra a adoção. Assim mantinham
relativamente alto o número de pessoas sem herdeiros, fazendo com que o
patrimônio de muitas famílias escoasse para o senhor feudal ou para a Igreja.
(FONSECA, 2002, p.118).
2
As outras medidas legais de colocação da criança são: a guarda e a tutela em família substituta, o acolhimento
institucional e a família acolhedora, com caráter de medida protetiva “transitória e provisória”.
28
Apesar do grande número de enjeitados deixados na roda de expostos, assim como os
jovens que viviam nas vias públicas (DONZELOT, 1980; RIZZINI, 1993; CABRAL, 2002),
antes do século XX, houve poucos movimentos ou debates para adaptar as leis sobre adoção
ao problema destas “crianças abandonadas”. Não raro, as pessoas recebiam em seus lares um
jovem desamparado. Filhos de criação existiam de fato. Mas raras vezes pensava-se em
legalizar sua situação pela adoção.
A desigualdade entre filhos “legítimos” e “criados” era um fato pacífico da vida social.
Havia o perigo da adoção ser usada para legitimar filhos adulterinos, um ato que, ferindo a
moral familiar, era expressamente proibido na legislação de diversos países. Em uma
sociedade estamental, em que cada um conhecia seu lugar, um indivíduo sem herdeiros podia
achar mais honroso deixar seu patrimônio à Igreja do que a um filho legítimo ou ao criado que
tinha abrigado durante anos.
O Estado moderno não tinha os mesmos motivos que a Igreja para colocar obstáculos
à adoção, já que seu poder econômico residia em outras bases, que não o patrimônio de
famílias sem herdeiros. Tinha interesse, isto sim, na ordem pública, na socialização adequada
dos jovens sem família. É sem dúvida por este motivo que, durante a primeira metade do
século XX, as discussões jurídicas centraram-se na transferência do pátrio poder, deixando a
questão de herança em segundo plano. Mas a adoção também vinha ao encontro das
necessidades de um poder público que estendia sua influência cada vez mais para dentro da
intimidade familiar. Aproveitava-se a responsabilidade de garantir direitos individuais, para
assim, estreitar o controle sobre a vida dos súditos. Simultaneamente, a nova concepção de
infância consolidou a noção moderna de infância enquanto fase crucial para o
desenvolvimento da personalidade adulta, necessitando de orientação especializada, o que
teve contribuição da psicologia.
Ariès (1973) é precursor na discussão dessa nova concepção de infância. Sua obra foi
precursora, de um novo campo que ficou conhecido como “história da infância” e gerou
diversos trabalhos subsequentes. Para o autor, a constituição desse novo conceito de infância
29
está na transição dos séculos XVII e XVIII, quando ela passa a ser definida como um período
de ingenuidade e fragilidade do ser humano, que deve receber todos os incentivos possíveis
para sua felicidade. O início do processo de mudança, por sua vez, nos fins da Idade Média,
tem como marca o ato de mimar e paparicar as crianças, vistas como meio de entretenimento
dos adultos (especialmente da elite). A morte das crianças também passa a ser recebida com
dor e abatimento.
A análise feita por Áries (1973), portanto, destaca-se por fornecer elementos para
problematizarmos a infância em uma sociedade que, desde a conclusão da obra, apresenta um
individualismo acentuado. Muitas vezes nos deparamos com crianças (e, mais recentemente,
adolescentes) que são vistos como projeções de expectativas dos pais ou que são protegidos
ou mimados, reinventando os hábitos de fins da Idade Média. Os perigos e consequências
desta situação podem, sem dúvida, serem melhor compreendidos a partir das reflexões
presentes na obra: História Social da Criança e da Família.
O Código Civil de 1916 recupera uma prática antiga: a transferência por escritura de
responsabilidade tutelar entre um adulto e uma criança. Segundo esta lei, qualquer pessoa com
mais de 50 anos, sem prole legítima ou legitimada, podia adotar uma criança mediante
contrato com os pais biológicos. Não havia restrição quanto a sexo, estado civil ou
nacionalidade. O adotado podia ter qualquer idade desde que fosse respeitada uma diferença
de 18 anos entre ele e os pais adotivos. A relação adotiva era revogável e não anulava o
vínculo entre a criança e seus genitores. Em suma, a posse da criança era regulamentada no
cartório da mesma forma que se regulamentava a posse de bens e imóveis.
30
tratados da época, da necessidade urgente de corrigir a legislação em benefício da grande
legião de crianças desamparadas” (FONSECA, 1995, P. 119). A idade mínima dos pais
adotivos baixou para 30 anos e a diferença de idade para 16 anos. Também nessa época os
juízes de menores começaram a exercer pressões no sentido de que os cartórios somente
lavrassem escrituras mediante autorização judicial.
Com a Lei 4.655 de 1965 sobre a “legitimação adotiva”, vemos, pela primeira vez, a
idéia de um laço irrevogável que confere direitos hereditários (se bem que limitados) à
criança, fazendo cessar qualquer ligação com a família anterior. A lei diz respeito a órfãos, de
pais desconhecidos, ou a “menores abandonados”, até a idade de sete anos. Com o Código de
Menores de 1979, passaram a coexistir duas formas de adoção – plena (a imagem da
legitimação adotiva) e simples (à imagem do Código Civil).
31
através de cursos preparatórios, de modo a esclarecer sobre o significado de uma adoção e
promover a adoção de pessoas que não são normalmente preferidas (mais velhas, com
problemas de saúde, indígenas, negras, pardas e amarelas);
a) Traz o conceito de família extensa (ou ampliada), pelo qual se deve esgotar as
tentativas de a criança ou adolescente ser adotado por parentes próximos com os
quais o mesmo convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade. Para só
depois serem encaminhadas para o cadastro nacional de adoção. Assim, por
exemplo, tios, primos e cunhados têm prioridade na adoção (não podem adotar os
ascendentes e os irmãos do adotando);
b) Estabelece a idade mínima de 18 (dezoito) anos para adotar, independente do
estado civil (casado, solteiro, viúvo etc.). Contudo, em se tratando de adoção
conjunta (por casal) é necessário que ambos sejam casados ou mantenham união
estável;
c) A adoção dependerá de concordância, em audiência, do adotado se este possuir
mais de 12 (doze) anos;
d) Irmãos não mais poderão ser separados, devem ser adotados pela mesma família,
salvo raras exceções;
e) A adoção conjunta por união homoafetiva (entre pessoas do mesmo sexo) é vedada
pela lei. Não obstante, o Poder Judiciário já se decidiu em contrário, em caso de
união homoafetiva estável;
f) A gestante que queira entregar seu filho (nascituro) à adoção terá assistência
psicológica e jurídica do Estado, devendo ser encaminhada à Vara da Infância e
Juventude de sua Comarca;
g) A lei estabelece também como medida protetiva a figura do acolhimento familiar,
a qual a criança ou o adolescente é encaminhado para os cuidados de uma família
acolhedora, que cuidará daquele de forma provisória;
h) A lei ainda determina que crianças e adolescentes que estejam sob a medida
protetiva nos serviços de acolhimento institucional, tenham sua situação reavaliada
de 06 (seis) em 06 (seis) meses, tendo como prazo de permanência máxima no
Serviço 02 (dois) anos, salvo exceções;
i) Em se tratando de adoção internacional (aquela na qual a pessoa ou casal adotante
é residente ou domiciliado fora do Brasil), esta somente ocorrerá se não houver,
em primeiro lugar, alguém da chamada família extensa habilitado para adotar, ou,
32
em segundo, forem esgotadas as possibilidades de colocação em família substituta
brasileira (se adequado, no caso sob análise, a adoção por esta). Por fim, os
brasileiros que vivem no exterior ainda têm preferência aos estrangeiros.
Dentro desse novo contexto legislativo que valoriza o direito à convivência familiar e
comunitária, onde os princípios igualitários e individuais estão instaurados, é que temos o
intuito de trabalhar o tema adoção, visto que, conforme podemos observar ao longo da
história da adoção, a institucionalização de crianças e adolescentes é uma prática comum,
aplicada em sua maioria por motivos de pobreza e abandono, ausente de uma prática de
avaliação e monitoramento da medida protetiva.
Quem decide adotar uma criança deve dirigir-se à Vara da Infância e da Juventude
mais próxima do seu domicílio para inscrever-se como candidato à adoção. No Distrito
Federal, os interessados à adoção peticionam por meio de advogado particular ou defensoria
pública, pedido de adoção seguido da apresentação dos seguintes documentos, necessários
para abertura do processo: Carteira de identidade do(s) requerente(s) (cópia); Certidão de
casamento ou Declaração de Convivência Marital; comprovantes da situação econômica dos
candidatos à adoção, comprovante de residência, certidão de nascimento dos filhos
biológicos, atestado de antecedentes criminais, declaração de idoneidade moral e atestado de
saúde física e mental.
33
§ 4o Sempre que possível e recomendável, a preparação referida no § 3 o deste artigo
incluirá o contato com crianças e adolescentes em acolhimento familiar ou institucional
em condições de serem adotados, a ser realizado sob a orientação, supervisão e
avaliação da equipe técnica da Justiça da Infância e da Juventude, com apoio dos
técnicos responsáveis pelo programa de acolhimento e pela execução da política
municipal de garantia do direito à convivência familiar.
Para realização dessa preparação, a VIJ-DF firmou Termo de Cooperação com as
OSCIP’s: Berço da Cidadania3 e o Grupo de Apoio à Adoção “Projeto Aconchego” 4, e os
Cursos de Psicologia da Universidade Paulista - UNIP e da Universidade Católica de Brasília
– UCB.
a) As Expectativas da Adoção;
b) Ressignificando a adoção;
c) O processo de desenvolvimento da criança e do adolescente;
d) A criança idealizada e a criança real;
e) O papel da Justiça nos processos de adoção;
f) Origem e revelação
3
Berço da Cidadania é uma instituição da sociedade civil, sem fins lucrativos, cuja missão é promover ações de
prevenção, intervenção e acompanhamento para assegurar a convivência familiar e comunitária a crianças e
adolescentes em situação de vulnerabilidade e risco social. Seu objetivo é proporcionar práticas que previnam a
necessidade da medida de Acolhimento Institucional, bem como meios que assegurem cuidados de qualidade nos
serviços de acolhimento de crianças e adolescentes, tendo em vista a otimização do trabalho de reintegração
familiar de modo a tornar a passagem pelo serviço o mais breve possível. Sobre os projetos desenvolvidos pela
instituição acessar o site: http://www.bercodacidadania.org.br. Tem como frente de trabalho quatro linhas de
atuação:
a) Cuidados reparadores nos serviços de acolhimento,
b) Preparação de pais, crianças e profissionais no processo de adoção,
c) Construção de autonomia para adolescentes atendidos nos serviços de acolhimento,
d) Trabalho de reintegração familiar.
4
O Projeto Aconchego é uma entidade civil, sem fins lucrativos, fundada em dezembro de 1997, com atuação
em todo o Distrito Federal. Dentre os principais objetivos do projeto encontram-se:
a) Esclarecer, orientar, apoiar famílias adotivas, pretendentes à adoção e a comunidade;
b) Promover o direito à convivência comunitária de crianças e adolescentes sob medida de acolhimento
institucional;
c) Prevenir o abandono e a marginalização;
d) Buscar uma estrutura que possa direcionar, assistir e promover os esforços Estado-Comunidade, na
tarefa de encontrar famílias para crianças e adolescentes liberados para adoção, guarda e tutela,
inclusive, como órgão voluntário auxiliar da Vara da Infância e Juventude do Distrito Federal.
Atualmente, as principais áreas de atuação do PROJETO ACONCHEGO são:
o Apadrinhamento Afetivo, realizado junto às crianças e aos adolescentes institucionalizados, com as
atividades do Apadrinhamento e do Irmão mais velho; e o Apoio à Adoção, através do Pré adoção, Preparação
para Adoção, Adoção Tardia e Encontro sobre Adoção. São várias atividades que vão desde o encontro de
filhos e pais adotivos com pessoas interessadas no tema até a preparação das crianças nos abrigos, sempre
trabalhando a preparação e acompanhamento emocional de adotantes e adotados, buscando, ainda, incentivar as
chamadas “adoções necessárias” (adoções tardias, de grupos de irmãos, inter-raciais etc.). Sobre os projetos
acessar o site: http://www.projetoaconchego.org.br
5
Informações cedidas por Maria da Penha Oliveira Silva, membro integrante do Projeto Aconchego.
34
Após a conclusão dessa preparação e aprovação pelo juiz, os candidatos passam a ser
considerados habilitados à adoção e entram no cadastro de pretendentes.
6
O Cadastro Nacional de Adoção – CNA, é uma ferramenta criada pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ,
com objetivo de otimizar um diálogo maior entre o próprio judiciário, visando diminuir o tempo de espera das
crianças por uma família adotiva. Conforme previsto nos incisos abaixo do art. 50 da Lei 12.010/09:
§ 5o Serão criados e implementados cadastros estaduais e nacional de crianças e adolescentes em condições de
serem adotados e de pessoas ou casais habilitados à adoção.
§ 7o As autoridades estaduais e federais em matéria de adoção terão acesso integral aos cadastros, incumbindo-
lhes a troca de informações e a cooperação mútua, para melhoria do sistema.
§ 8o A autoridade judiciária providenciará, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, a inscrição das crianças e
adolescentes em condições de serem adotados que não tiveram colocação familiar na comarca de origem, e das
pessoas ou casais que tiveram deferida sua habilitação à adoção nos cadastros estadual e nacional referidos no
§ 5o deste artigo, sob pena de responsabilidade.
7
Fonte: http://www.conjur.com.br/2011-abr-14/existem-seis-vezes-adotantes-criancas-adocao-pais
35
Por outro lado, a realidade das crianças e adolescentes cadastrados no CNA é outra, a
maior parte é de grupos de irmãos que somam 3.352 (75,72%). Com relação à idade, o
levantamento explicitou que quanto mais velha a criança, menor as chances de ela ser inserida
em uma nova família. Segundo o levantamento, a predileção dos pretendentes é maior por
bebês, 5.373 disseram que adotariam crianças com até um ano de idade, e 5.474 disseram que
adotariam crianças com até dois anos de idade.
Essa desproporção remete-nos a explicitar alguns dados sobre o perfil das crianças
pretendidas por esses casais no DF: 55% esperam adotar crianças do sexo feminino, 43,33%
da cor morena clara, contra 2,78% da cor negra. 80% das crianças que foram adotadas em
2008 apresentavam ótimas condições de saúde, contra 1,11% de crianças portadoras de
necessidades especiais.
Dentro desse contexto é imprescindível mencionar que durante o ano de 2009, foram
deferidas 180 adoções, das quais 107 foram intuitus personae9 e 26 adoções foram
intermediadas pela VIJ-DF, ou seja, deferidas a casais habilitados. Das 26 adoções
acompanhadas pela sessão de adoção, ressalta-se um caso de devolução. Vale salientar que do
restante das adoções efetivadas no ano de 2009, que somam um total de 154 processos, o
8
Informações colhidas em 09/09/2010, na Seção de Colocação em Família Substituta – SEFAM da Primeira
Vara da Infância e Juventude do Distrito Federal.
9
Adoção Intuitus Personae , também conhecida como “adoção pronta” e “adoção direta”é aquela onde a
criança é entregue por sua família natural diretamente para os interessados em adotá-la e estes, por sua vez, se
dirigem a uma vara da infância para efetuarem a adoção. Sobre o tema houve alterações significativas a partir da
aprovação da Lei 12.010/09, que acrescenta o art. 50 o §13, o qual dispõe que: “somente poderá ser deferida
adoção em favor de candidato domiciliado no Brasil não cadastrado previamente nos termos desta Lei quando:
I - se tratar de pedido de adoção unilateral; II - for formulada por parente com o qual a criança ou adolescente
mantenha vínculos de afinidade e afetividade; III - oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de
criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação
de laços de afinidade e afetividade (...)”. Assim sendo não há mais possibilidade de ser postulada este tipo de
adoção, por consentimento dos pais, pleiteado por pessoa não cadastrada que exerça a guarda de fato da
criança, tampouco pelo guardião legal que alegue vínculos afetivos com criança menor de três anos, sem
antes comprová-los.
36
acompanhamento sistemático da formação do vínculo não foi efetivado pela SEFAM, devido
à criança não ter sido acolhida por casais habilitados desta Vara. Todavia, cabe salientar que
esses pretendentes passaram por uma avaliação prévia10 dos técnicos de psicologia e
assistentes sociais desta Seção, antes da efetivação do processo de adoção, não sendo esse
acompanhamento sistematizado. Assim sendo, não foi possível dimensionar se posteriormente
houve ou não devolução dessas crianças por essas famílias.
Voltando aos procedimentos para adoção temos que, após habilitados, os pretendentes
passam por uma aproximação com a criança “escolhida”. Esse processo é feito por intermédio
da equipe técnica da VIJ, sendo denominado de Estágio de Convivência, que acompanha os
primeiros encontros e observa a interação ocorrida com vistas à colocação da criança nessa
família. É recomendável aos casais que essa aproximação seja gradativa, respeitando os
momentos da criança em relação à sua separação do serviço de acolhimento, que é muitas
vezes seu único lugar de referência. No entanto, há relatos tanto de técnicos da SEFAM, como
de famílias afetivas, dentro do grupo de Apoio à adoção: Aconchego, que ela também ocorre
de forma abrupta e rápida, sem levar em conta a complexidade desse momento.
Embora a reflexão acerca das razões desses procedimentos não seja objeto deste
estudo, é importante considerar as necessidades subjetivas dos envolvidos na constituição do
vínculo adotivo. Para ilustrarmos a importância disso, far-se-á referência à fala de uma das
10
A avaliação prévia era composta de uma entrevista com a pessoa ou o casal pretendente a adoção. Em alguns
casos antes do parecer final essa avaliação era precedida de visita domiciliar com o objetivo de subsidiar o
relatório final, emitido ao Juiz da VIJ sobre o caso.
37
famílias entrevistadas F[2]: (...) mas ao mesmo tempo ela chorava e me segurava e perto de
mim o tempo todo no meu colo, e depois me segurando enquanto a equipe do Abrigo fazia
todo o processo de despedida, que eu achei bonito, de despedir daquele lugar, daquelas
pessoas, daquilo que tinha sido parte da vida dela (...).
38
Enquanto o Acolhimento for necessário, é fundamental ofertar à criança e ao
adolescente um ambiente e cuidados facilitadores do desenvolvimento, de modo a
favorecer, dentre outros aspectos: i. Seu desenvolvimento integral; ii. A superação
de vivências de separação e violência; iii. A apropriação e ressignificação de sua
história de vida; iv. O fortalecimento da cidadania, autonomia e a inserção social.
(CONANDA, 2009, p. 29).
Antes da discussão dos novos parâmetros legais que perpassam pelo tema de adoção
vale ressaltar a mudança de nomenclatura do termo de Abrigo para “Acolhimento
Institucional”, que por sua vez substitui também o termo “orfanato”, sendo fruto de uma
ampla discussão em âmbito nacional do Grupo de Trabalho – GT, composto por
representantes de ONG’s de todo território nacional.
Paralelo a esse processo, em 2004 foi aprovado pelo CNAS a Política Nacional de
Assistência Social (PNAS), com o objetivo de concretizar direitos assegurados na
Constituição Federal (1988) e na Lei Orgânica de Assistência Social (1993). A PNAS
organiza a matriz de funcionamento do Sistema Único de Assistência Social (SUAS),
inaugura no país um novo paradigma de defesa dos direitos socioassistenciais. Na sequência,
a aprovação da NOB/SUAS estabelece parâmetros para operacionalização do SUAS em todo
o território nacional. Em 2006, foi aprovada a NOB-RH do SUAS que, dentre outros
11
Levantamento realizado pelo IPEA em 2003 e promovido pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos
(SEDH) da Presidência da República, por meio da Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança do
Adolescente (SPDCA) e do Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA). Das
cerca de 670 instituições de abrigo que eram beneficiadas, naquele ano, por recursos da Rede de Serviços de
Ação Continuada (Rede SAC) do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, foram investigados
589 abrigos, ou seja, 88% do total. Essas instituições acolhiam, no momento da realização da Pesquisa, 19.373
crianças e adolescentes. Ver IPEA/CONANDA. O direito à convivência familiar e comunitária: os abrigos
para crianças e adolescentes no Brasil / Enid Rocha Andrade da Silva (coord). Brasília, 2004.
39
aspectos, estabeleceu parâmetros nacionais para a composição das equipes que devem atuar
nos serviços de acolhimento.
Dentre outros resultados a pesquisa realizada pelo IPEA apontou que 50,1% das
crianças e adolescentes foram abrigados por motivos relacionados à pobreza; 24,1% estavam
acolhidas em função da situação de pobreza de suas famílias; 86,7% tinham família, sendo
que 58,2% mantinham vínculos familiares, com contatos regulares; apenas 43,4% tinham
processo na justiça, e somente 10,7% estavam em condição legal de adoção; 20% estavam
institucionalizadas há mais de seis anos.
12
Conforme pesquisa realizada pela Comissão Intersetorial criada pelo decreto Governamental 28.075 de
28/06/2007, visando elaboração do Plano Pró Convivência Familiar do Distrito Federal, aprovada pelo Conselho
de Assistência Social do DF e Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente do DF, publicada no DODF
de 27/06/08. Tal Plano tinha por fundamento o Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária
(BRASIL, CONANDA, 2006)
13
Serviços de acolhimento no Distrito Federal: Ampare, Casa Abrigo ABA, CEICON, FALE, Grupo Luz e
Cura, Instituição Dom Orione, Instituição Vicenta Maria, Lar Chico Xavier, Nova Acrópole, Padre Cícero, Lar
São José, Serviço Integrado de Amparo e Orientação – SIAO, Transforme, Vida Positiva, Abrigo – Reencontro
Abrire, Nosso Lar – Sociedade Cristã Maria e Jesus, Aldeias Infantis SOS Brasília, CRIAMAR, Casa Transitória
BSB, Casa de Ismael, Sociedade Casa do Caminho, Nossa Senhora das Graças e Casa da Criança Batuíra.
40
A maior parte dessas instituições não dispõe de recursos físicos, humanos, financeiros
suficientes para execução de projetos psicopedagógicos, o que visivelmente dificulta o
trabalho de reintegração as famílias de origem e o trabalho qualificado de preparação para
adoção daquelas que já se encontram cadastradas para adoção.
A esse respeito, consultar PEREIRA (2004), que indica o fenômeno de burn out a que
essas profissionais são submetidas. Dentre outros dados contemplados no Plano Distrital
ressaltamos que apenas 24% de cuidadores permanecem no cargo por mais de quatro anos,
sendo que a maioria deixa o trabalho por motivos familiares, cansaço ou dificuldades de
adequação. Esse fenômeno tem implicação direta com o processo de reintegração à família
de origem ou à família adotiva. no que diz respeito à construção do vínculo positivo ou
negativo que a criança ou e/ou adolescente desenvolve com os suas figuras de autoridade.
Para aprofundamento sobre a especificidade do vínculo entre educadora/ cuidadora e criança
abrigada, indicamos o trabalho de FRANÇA, intitulado: Mãe social: o mito do amor materno
nas instituições de abrigo.
14
Iniciado em 2005 por iniciativa do Fundo das Nações Unidas para a Infância e Juventude (UNICEF), com
cooperação técnica da Associação Brasileira Terra dos Homens e apoio da Secretaria Especial dos Direitos
Humanos – SEDH, do Instituto Camargo Corrêa e do Instituto C&A, o GT Nacional Pró-Convivência Familiar e
Comunitária reuniu representantes governamentais (estados e municípios) e não governamentais para a discussão
e proposição de parâmetros nacionais para o atendimento em serviços de acolhimento para crianças e
adolescentes.
42
não governamentais, de diversas nacionalidades. Em agosto de 2006, o documento foi
discutido no Brasil em uma Reunião intergovernamental que reuniu especialistas
representantes de mais de 40 países, o Comitê dos Direitos da Criança da ONU, o Serviço
Social Internacional e o UNICEF. Em junho de 2009, durante a 11ª Sessão do Conselho de
Direitos Humanos da ONU, foi aprovado o Projeto de Resolução sobre as Diretrizes para
Cuidados Alternativos para Criança, que será levado à Assembléia Geral das Nações Unidas.
(CONANDA, 2009, p. 6).
15
Sistema de Garantia dos Direitos – SGD (ver glossário)
16
Proteção Social Básica (ver glossário)
17
Proteção Social Especial de Média Complexidade (ver glossário)
18
Proteção Social Especial de Alta Complexidade ( ver glossário)
43
Atualmente, os serviços de acolhimento ainda caminham para as mudanças previstas
na Lei 12.010/09. Normalmente com práticas ainda disciplinadoras, parecem carecer de uma
estrutura capaz de propiciar condições promotoras de um acolhimento adequado. Todavia,
compreende-se que nem todos os serviços oferecem riscos danosos a esse público. Alguns,
mesmo com a ausência de recursos financeiros, têm mostrado resultados positivos, com a
integração de jovens à sociedade, através das Repúblicas. Há de se mencionar que alguns
desses adolescentes chegam ao serviço de acolhimento prestes a completarem 18 anos,
necessitando de alternativas emergenciais que visem sua inserção à sociedade.
Por outro lado, vê-se nas práticas repetitivas de acolhimento a falta de uma maior
reflexão sobre as consequências que uma longa institucionalização pode causar nesses
sujeitos, sobretudo quando há ausência de afeto nas relações dentro dos serviços, há falta de
atendimento individualizado à criança, há carência de recursos financeiros e humanos, e
principalmente quando não há capacitação das pessoas que atuam na proteção social especial
de alta complexidade.
Antes mesmo da mudança legal, essa hipótese já era discutida por alguns autores,
conforme sugere o pensamento de Goffman (1987), o qual defendia que a institucionalização
não favorecia o desenvolvimento biopsicossocial da criança, e muito menos fortalecia a rede
social da família. Todavia, há de se considerar que existem serviços de acolhimento que
atendem a essas crianças e adolescentes em suas necessidades biopsicossociais. Considerar os
serviços como desnecessários seria fadar uma opção útil de atendimento para esse público,
que tende a ser população de risco, em virtude, principalmente, da pobreza das famílias das
quais são oriundos; do afastamento da convivência familiar a que são submetidos por terem
sido vítimas de maus-tratos domésticos e por não usufruírem de uma rede social de apoio.
44
É sabido que em determinadas situações faz-se necessário a aplicação da medida
protetiva prevista no ECA, no art. 10119, mas antecede a essa medida o amplo funcionamento
da Proteção Social Básica dessas famílias prevista no SUAS.
Por outro lado, cabe um estudo mais minucioso e acelerado por parte dos serviços de
acolhimento e do Judiciário sobre essas crianças e adolescentes, conforme previsto na Lei
12.010/09, a qual estipula sua permanência de no máximo dois anos, salvo raras exceções.
Esse estudo deve ser feito a partir do que propõe o Plano de Atendimento Individual e
Familiar da Criança, previsto nas orientações técnicas. A celeridade oportuniza a colocação de
crianças desprovidas de vínculos familiares a outras famílias, a partir de sua colocação em
família acolhedora ou adotiva, dando assim a elas, oportunidade de conviverem em uma
família.
No capítulo seguinte faremos uma breve explanação sobre à qual família estamos
falando. Assim segue uma prévia da discussão sobre as mudanças que o conceito de família
vem sofrendo, principalmente com a aprovação do PNCFC/2006 sob a ótica do direito à
convivência familiar e comunitária das crianças e adolescentes que vivem nos serviços de
acolhimento.
19
ECA, art. 101- Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá
determinar, dentre outras, as seguintes medidas: (...) VII – Acolhimento Institucional; VIII – Inclusão em
programas de atendimento familiar; IX – colocação em família substituta.
45
CAPÍTULO 2
APROXIMAÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA
[...] mas as coisas tem que mudar, as famílias estão se desfazendo. Houve um
descompasso da vida familiar. A gente foi criada nesse ambiente de família
[...].F[2][D] (JANETE, 2010)
Não é objetivo deste capítulo fazer uma historização do conceito de família, mas sim
tecer uma breve explanação sobre o tema, considerando-se os avanços teóricos a ele
relacionados, inclusive em nível da aplicação das políticas públicas.
A referência feita à família20 na CF/88 no artigo 226 §4º é como “entidade familiar
a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”. Tal conceito ganha
ampliação através da Lei 12.010/09, no art. 25 (...) parágrafo único, no qual “entende-se
por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou
da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente
convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade”.
Essas concepções ampliam o conceito e possibilitam ver a família como todo o grupo
de pessoas com laços de consanguinidade e/ou de aliança e/ou de afinidade, cujos vínculos
circunscrevem obrigações recíprocas, organizadas em torno de relações de geração e de
gênero. A amplitude destas definições derruba qualquer idéia preconcebida de modelo
familiar “normal”. Trata-se, portanto, de saber se a família é capaz de realizar as funções de
proteção e de socialização.
20
Para detalhamento sobre o conceito de família ver KOWALIK, Adam. Noções do Direito Familiar.
Panóptica, Vitória, ano 1, n. 9, jul. – ago., 2007, p. 129-149. Disponível em: <http://www.panoptica.org>.
46
família pode ser pensada como um grupo de pessoas que são unidas por laços de
consangüinidade21, de aliança22 e de afinidade”23(PNCFC/2006, p. 27).
Não obstante, é preciso refletir que os avanços nas leis não garantem mudança nas
ações se estas não forem fortemente embasadas em um compromisso de atender às famílias
nas suas reais necessidades, tornando-às autônomas. O que vemos constantemente são
crianças e adolescentes atendidas nos serviços de acolhimento, expressando uma família que
precisa ser cuidada. Por um lado estão essas famílias que não conseguem acessar serviços
públicos, que quando existentes não atendem às suas reais necessidades. Por outro lado,
vemos essas crianças e adolescentes que necessitam dos serviços de acolhimento. Sendo
21
A definição pelas relações consanguineas de quem é “parente” varia entre as sociedades, podendo ou não
incluir tios, tias, primos de variados graus etc. Isto faz com que a relação de consanguinidade, em vez de
“natural”, tenha sempre de ser interpretada em seu referencial simbólico e cultural. PNCFC, 2006.
22
Vínculos contraídos a partir de contratos, como a união conjugal (PNCFC, 2006).
23
Vínculos “adquiridos” com os parentes do cônjuge a partir das relações de aliança (PNCFC, 2006).
47
reproduzido assim, um ciclo interminável de dependência desse público carente de programas
e serviços ausentes de uma visão emancipatória.
De acordo com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças,
aprovada em 20 de novembro de 1989:
[...] os Estados velarão para que as crianças não sejam separadas de seus pais contra
a vontade desses, exceto quando, de acordo com decisão judicial, as autoridades
competentes determinem, de acordo com a Lei e os procedimentos aplicáveis, que
tal separação é necessária ao interesse superior da criança.
A proteção pressupõe um protetor e um protegido, posto que, necessariamente, o
primeiro exerce um poder, uma autoridade em relação ao protegido, principalmente no que
tange às decisões. Mas como isso se dá na prática, uma vez que a família que deveria agir
como rede de proteção encontra-se desprotegida em seus direitos? A certeza que temos é que
essa mesma família também precisa ser cuidada.
24
Art. 34 §1º - A inclusão da criança ou adolescente em programas de acolhimento familiar terá preferência a
seu acolhimento institucional, observado, em qualquer caso, o caráter temporário e excepcional da medida, nos
termos desta lei. §2º Na hipótese do §1º deste artigo a pessoa ou casal cadastrado no programa de acolhimento
familiar poderá receber a criança ou adolescente mediante guarda, observado o disposto nos arts. 28 e 33 desta
Lei.
25
Art. 92 princípio II integração em família substituta, quando esgotados os recursos de manutenção na
família natural ou extensa.
26
Sobre o tema Acolhimento Familiar consultar a tese de mestrado de VALENTE (2008).
48
também uma via de proteção a criança e adolescente vítima de abandono. Assim como, a
adoção, o acolhimento familiar também representa uma resposta às necessidades não
satisfeitas pela família biológica, uma resposta que oferece à criança ou adolescente vítima de
abandono uma possibilidade de ter pais e ambiente familiar, indispensáveis para o seu
desenvolvimento. A família adotiva deve cumprir com todas as funções de família, não só as
de subsistência material, mas também permitir espaço para reconstrução dos vínculos de
filiação e colaborar amplamente na internalização do sentimento de auto-estima, chave para o
processo de desenvolvimento de uma personalidade sadia e construtiva.
Insiro aqui, mais uma vez a importância do estudo em tela em seus dois aspectos:
“devolução” e “adoção positiva”, o que possibilitou vislumbrar de forma mais clara a
passagem da parentalidade biológica à parentalidade afetiva, no âmbito da qual configura a
identidade da criança adotada. Antes dessa aproximação com os sujeitos pesquisados faz se
necessário inserir algumas reflexões sobre família numa perspectiva sistêmica.
É necessário salientar que nesta dissertação cita-se dois sistemas familiares diferentes:
a família de origem e a família adotiva, sendo que nessa pesquisa foi uma opção estudar a
família adotiva. Todavia, cabe ressaltar que o aprofundado sobre a família de origem da
criança adotiva e a construção do seu genograma não foram possíveis, uma vez que essas
informações só eram viáveis com o estudo aprofundado dos processos que, por sua vez,
correm em segredo de justiça. Porém, entende-se que isso não desqualificou o estudo, uma
vez que trabalhamos aqui o conceito de família de forma mais genérica. Nesse sentido, ao
49
descrevermos o conceito de família estaremos nos reportando tanto à família adotiva como à
de origem.
De acordo com Minuchin (1982), a família é o local que propicia as relações afetivas,
bem como cria recursos necessários para o desenvolvimento e bem estar de seus
componentes. Este espaço de proteção cria um ambiente de educação formal e informal, e é
nesse espaço social que são absorvidos os valores éticos e morais, e onde se aprofundam os
laços de solidariedade, além é claro de se garantir a proteção integral de seus membros.
De acordo com Cerveny (1994), toda família transmite seu modelo, mesmo aquelas
que cuidam muito para não o fazer. Assim, certos modelos podem passar à geração seguinte
de outra forma ou até pular uma geração. Esses modelos definem a construção subjetiva de
padrões de comportamento.
O autor aponta que quando esses padrões de autoridade são claros e flexíveis eles
contribuem para o crescimento de seus membros. Contudo, quando isso não acontece, a
comunicação se torna confusa e pode propiciar comportamentos inadequados. Isso significa
que quanto mais coeso for o grupo mais fácil a diferenciação progressiva da individualização
de seus membros. Isso acaba por torná-los menos dependentes em seu funcionamento do
sistema familiar original e, instituindo-os com funções diferentes, em um novo sistema. Nesse
sentido defende que, quanto mais flexível e adaptável for a família, mais significativa ela se
torna
Para Minuchin (1982) a maioria desses padrões transacionais são particulares e são
construídos com o tempo, dentro do próprio ambiente familiar. Quando eles são organizados
50
refletem as regras implícitas que definem expectativas e limites no ambiente familiar,
denominados como fronteiras nítidas. A abordagem sistêmica entende que cada pessoa
contribui para a formação de padrões transacionais, mas também é evidente que a
personalidade e o comportamento são moldados pelo que a família espera e permite.
O autor indica que a nitidez das fronteiras dentro de uma família é um parâmetro útil
para avaliação do funcionamento familiar. Para ele algumas famílias giram em torno de si
mesmas, o que as tornam difusas. Outras desenvolvem fronteiras extremamente rígidas. A
comunicação através dos subsistemas se torna difícil e as funções protetoras da família ficam
prejudicadas. Estes dois extremos de funcionamento das fronteiras são chamados de
emaranhamento e desligamento, os quais se referem a um estilo transacional ou à preferência
por um tipo de interação, e não a uma diferença qualitativa entre funcional e disfuncional.
O autor aponta que para que a família se mantenha viva é necessário que ela mude e se
adapte às circunstâncias históricas. Lembra ainda que ela é um sistema sóciocultural, aberto,
em contínua transformação, que necessita se reestruturar à medida que passa por
determinados estágios de desenvolvimento, para Minuchin (1982, p. 56) “a família recebe e
envia inputs para e do extra familiar, e se adapta às diferentes exigências dos estádios de
desenvolvimento que enfrenta.”
Andolfi (1989, p. 20) contribui com esse pensamento ao considerar que “a família é
um sistema entre sistemas, e que é essencial a exploração das relações interpessoais, e das
normas que regulam a vida dos grupos significativos a que o indivíduo pertence, para uma
compreensão do comportamento dos membros e para a formulação de intervenções eficazes.”
Não foi possível falar das relações familiares sem abordar de forma teórica o conceito
de vínculo, o qual perpassa todo o estudo em tela. Assim sendo, detalhar-se-á adiante algumas
considerações a respeito desse conceito.
Falar de vínculo afetivo é falar de um tipo particular de relação com outrem. É uma
dinâmica em contínuo movimento que funciona acionada ou movida por fatores instintivos e
por motivações psicológicas. Podemos definir o vínculo como uma relação particular com o
objeto desejado. Esta relação particular tem como conseqüência uma conduta mais ou menos
fixa com este objeto (PICHON-RIVIÈRE, 1986).
De acordo com esse autor temos dois campos psicológicos no vínculo: um interno e
outro externo. Sabemos que existem objetos externos e objetos internos. É possível
estabelecer um vínculo, uma relação de objeto, com um objeto interno e também com um
objeto externo. Podemos dizer que aquilo que mais nos interessa do ponto de vista
52
psicossocial é o vínculo externo, enquanto que do ponto de vista da psiquiatria e da
psicanálise, aquilo que mais interessa é o vinculo interno, isto é, a forma particular que o eu
tem de se relacionar com a imagem de um objeto colocado dentro do sujeito. Esse vínculo
interno, então, está condicionado a aspetos externos e visíveis do sujeito.
Não existem relações impessoais, uma vez que o vínculo de dois se estabelece sempre
em função de outros vínculos condicionados historicamente no sujeito e que, acumulados
nele, constituem o que denominamos o inconsciente. O inconsciente27, portanto, é constituído
segundo a perspectiva de Pichon-Rivière (1986) por uma série de pautas de conduta
acumuladas em relações com vínculos e papéis que o sujeito desempenha frente a
determinados sujeitos. Para esse autor, pode-se levar em conta a ação do meio sobre o
indivíduo, bem como a ação do indivíduo sobre o meio, e isto em uma contínua espiral
dialética.
Assim sendo, podemos dizer que uma pessoa reage de um modo particular frente a um
acontecimento na medida que esse objeto tem um significado particular para ela. Esse
significado está relacionado com a história particular do sujeito. Não obstante, poderíamos
falar do processo de adoção de outra maneira. Nesse contexto é imprescindível considerar
tanto o desejo particular do adotado como do adotante, a partir de um estudo prévio dos
motivos e condições que incitaram a concretização do ato em si, levando em consideração a
representação particular e individual de cada pretendente, e por fim entender como a história
pessoal de cada um pode interferir na apreensão e compreensão do filho adotivo.
27
Não é propósito desse estudo discutir o conceito de inconsciente, visto que esta é uma questão extremamente
complexa, que poderá ser abordada em outros trabalhos de ordem psicanalíticas.
53
consigo uma história de vida anterior quando é inserida em uma nova rede de
relacionamentos, independente de qualquer idade em que seja incluída em uma nova família.
Para Winnicott (1999, p. 162): “Até mesmo a raiva pode indicar que há esperança e que, no
momento, a criança é uma unidade, capaz de sentir o confronto entre o que é concebido e o
que realmente é encontrado no que chamamos de realidade compartilhada”.
Corroborando com esse raciocínio, Vicente (2000, p. 47-59) considera que toda
criança ao nascer está inserida em determinado território social e geográfico. Esse território
revela o lugar ao qual esta criança pertence e à qual a comunidade está vinculada.
Principalmente vinculada a uma paternidade/maternidade. Dessa forma, podemos dizer que
toda criança nasce em uma comunidade e que esta, portanto, também definirá sua identidade.
Nesse sentido, pode se entender que cultura e família interagem reciprocamente.
De acordo com Vicente (2000) a história de vida da criança tem início dentro da
história da família, de sua comunidade e de sua nação. Neste sentido, a criança que viveu em
acolhimento institucional e, portanto, foi afastada da convivência familiar e comunitária,
sofreu uma ruptura no processo de construção de sua história de vida, e também uma ruptura
nos vínculos afetivos, pois foi afastada de suas raízes culturais e afetivas. Ao ser adotada a
criança traz lacunas no que se refere às suas raízes e precisará de um tempo para se
reorganizar e assimilar os novos modelos culturais que lhe serão apresentados na família que
a adotou. Nesta perspectiva compreende-se que toda relação de vinculação surge da
convivência e do respeito, e não só da herança genética.
Nesse sentido, entende-se que para a criança adotiva a narrativa de sua história de vida
atua como um elemento importante de mediação. Para aquelas que foram afastadas da
convivência familiar, esta narrativa pode amenizar a sobreposição do coletivo ao individual,
durante o período de institucionalização. E pode, também, facilitar a transição da saída da
instituição para a reintegração no contexto familiar e comunitário. Considerar todos os
vínculos instituídos durante sua infância e adolescência, sejam eles, familiar ou institucional é
54
uma tentativa de resgatar a história individual da criança, processo esse que tende facilitar a
construção dessa nova filiação em adoção.
Para isso entendemos que para toda boa vinculação, seja ela adotiva ou biológica, é
necessária a introdução da criança em uma história familiar, a qual ela necessariamente
precisa sentir-se como parte integrante. Todavia anterior a essa relação de pais e filhos, é
imprescindível que os pais avaliem as expectativas que estão depositando sobre os filhos,
estes apresentam naturalmente limitações, sejam elas históricas ou no seu desenvolvimento
etário. Os filhos não devem ser percebidos como objeto adquirido para tamponar uma falta,
mas como outro ser do qual advirão gratificações e frustrações.
Não cabe nesse estudo esgotar a discussão do conceito de vínculo. Sua complexidade
requer um estudo mais aprofundado que foi proposto aqui, onde se busca evidenciá-lo pela
interpretação dos fragmentos dos discursos dos sujeitos entrevistados.
Com vistas a dar prosseguimento a proposta deste trabalho, trataremos a seguir dos
caminhos percorridos na pesquisa que nos levaram ao acesso aos sujeitos entrevistados e à
efetivação da relação entre a teoria proposta e a análise dos discursos.
55
CAPÍTULO 3
APRESENTAÇÃO DO MÉTODO
3. Contextualização da metodologia
28
O termo Adoção Positiva é de autoria minha, utilizado para os casos em que as crianças permaneceram com
suas famílias adotivas, de forma que não foram devolvidas. Nesses casos considero que foi possível construir
positivamente o vínculo de pertencimento entre a família adotante e a criança. Não é minha intenção, sugerir o
conceito de adoção negativa, por não acreditar que haja imparcialidade ou desejo de negação nessa opção de
convivência familiar.
56
Além disso, os dois casos de “adoção positiva” fizeram referência também a convivência
com as famílias adotantes de um período de cinco anos. O recorte para os períodos estudados
foi proposital, à medida que houve disponibilidade das famílias e respectivos filhos adotados
em participarem da pesquisa e possibilidade de localizá-los.
Não foi objeto de estudo aprofundar questões inconscientes que resultaram na adoção
ou na devolução29. Foram abordados aspectos mais abrangentes como: motivações,
participação da família extensa, preparação e orientação, relação da família e da criança com a
justiça e o serviço de acolhimento, relação afetiva da família com a criança e superação das
dificuldades enfrentadas na convivência.
Isto significa que o método de coleta de dados utilizado foi aberto e reconstruído ao
longo dessa pesquisa, o que possibilitou acolher as necessidades de reformulações. Esta
metodologia levou em consideração minha participação no fenômeno investigado, numa
relação onde o sujeito e o objeto foram modificados no decorrer da experiência. Neste
trabalho investigativo, pude interagir com os sujeitos pesquisados no processo que gerou uma
reflexão interativa sobre o processo de adoção tanto para as famílias adotantes como para as
crianças adotadas.
O acesso aos sujeitos da pesquisa foi delineado pela minha trajetória pessoal e
profissional. A partir desse conhecimento pré-estabelecido tracei três possibilidades que
viabilizaram o acesso ao objeto de estudo: o grupo de apoio a adoção nomeado como Projeto
Aconchego, a consulta aos processos de adoção na Vara da Infância e Juventude do Distrito
Federal ou ainda como terceira possibilidade: o contato fluído com a rede de serviços de
29
Para saber mais sobre o assunto consultar a tese de mestrado de GHIRARDI, M. L. A. M. A devolução de
crianças e adolescentes adotivos sob a ótica psicanalítica: reedição de histórias de abandono. Dissertação
(Mestrado em Psicologia) - Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.
57
acolhimento, cuja relação de trabalho sempre foi positiva, durante o período que estive como
coordenadora do Lar de São José, de 2005 à 2010.
30
Aldeias Infantis SOS funciona na SGAN 914, conjunto F, Asa Norte Brasília/DF. A organização Aldeias
Infantis SOS é uma entidade sem fins lucrativos com origem em Imst, na Austrália, em 1949 com a finalidade de
atender órfãos da segunda guerra mundial. Funciona associada à Kinderdof, uma associação civil de direito
privado com sede na Áustria. As aldeias atuam em 132 países. No Brasil a organização atua em 10 estados. Em
Brasília foi fundada em 1968, possui 12 residências, denominadas como casas lares, podendo atender até 120
crianças e adolescentes de forma integral em seus direitos de moradia, alimentação, saúde e lazer. O atendimento
é destinado a crianças e adolescentes de 0 a 18 anos, que se encontram em situação de vulnerabilidade social,
retiradas de suas famílias biológicas por ordem judicial, encaminhadas pela Vara da Infância e da Juventude do
DF por se encontrarem em situação de risco social. As casas lares são chefiadas por mães sociais (atualmente
denominadas como cuidadoras), contratadas pela Instituição, estas não podem morar no local com seus filhos
biológicos. O limite de atendimento para cada cuidadora é de 10 crianças e adolescentes de ambos os sexos.
31
A Casa de Ismael - Lar da Criança foi fundada em 1968, funciona SGAN Quadra 913 Conjunto G, Asa
Norte Brasília, DF. É uma instituição de Assistência Social sem fins lucrativos. Atende crianças e adolescentes
de 0 a 18 anos e respectivas famílias em situação de risco ou vulnerabilidade social. Oferece serviço de
acolhimento institucional, apoio sócioeducativo em meio aberto, orientação e apoio sóciofamiliar, escola de
educação infantil e profissionalização de adolescentes aprendizes. Atua em três eixos: Assistência Social,
Educação e Saúde. O serviço de acolhimento é mantido por meio de doações da comunidade, de sócios
contribuintes, além de convênios firmados com o governo do Distrito Federal. Sua estrutura organizacional é
composta por assembléia geral, conselho fiscal, presidência, assessoria de comunicação e seis diretorias, entre
elas: Diretoria de assistência e promoção social, Diretoria de infância e juventude, Diretoria de produção e
profissionalização, Diretoria administrativa, Diretoria financeira e Diretoria de recursos materiais.
32
Lar de São José funciona na QNM 32 Módulo B, Área Especial da Ceilândia. É uma Organização Não
Governamental, criada em 1987, sua constituição jurídica data de 1998, é composta por uma diretoria. O serviço
de acolhimento é mantido por doações. Funciona em uma área de 3.750 m², sendo sua área construída 1710 m²,
onde pode-se encontrar um refeitório central, 05 salas de atendimento, um parquinho, duas áreas de lazer e uma
lavanderia comunitária e 5 casas lares que comportam até 12 crianças e adolescentes com faixas etárias variadas
de 0 a 18 anos, sendo a responsável pela casa contratada pela Instituição na função de cuidadora, podendo ser
casada e ter até 2 filhos. Além das 5 casas lares, custeia uma república fora da instituição que atende jovens que
completaram 18 anos e não tem vínculos para reintegração familiar.
58
Abrire33. Nas Aldeias SOS e na Casa de Ismael não foram identificados nenhum caso de
devolução. No Lar de São José e Abrire, consegui abertura para acesso ao objeto de estudo.
No serviço de acolhimento do Lar de São José tive acesso a três famílias e respectivos
filhos que passaram pelo processo, qual seja Família[1][D][Devolução] Joana e Isabel34,
Família[3][AP][Adoção Positiva] Débora, Vilmar e Guilherme, e Família[4][AP][Adoção
Positiva] Lilian, Mônica e Júlia. A segunda devolução foi identificada no Abrigo Reencontro
– Abrire, Família [2][D][Devolução] Janete e Cláudia.
3.2 Instrumentos
33
Abrigo Reencontro - Abrire funciona na QNF 24, AE, Taguatinga Norte/DF, é o único serviço de
acolhimento público no DF. Atende crianças e adolescentes de 0 a 18 anos. Funciona em sistema de casas lares,
na própria sede ou de forma descentralizada, em quatro casas lares situada no Gama, Recanto das Emas, Guará e
M Norte Taguatinga.
34
Os nomes atribuídos aos sujeitos desta pesquisa são fictícios. Quanto aos estudos dos fragmentos, estes foram
obtidos a partir das entrevistas realizadas que fazem parte do próximo capítulo.
59
do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE. No que se refere à participação das
crianças, o termo foi assinado pelo responsável legal (anexo um, dois e três).
Depois de identificadas as famílias, por meio de autorização formal, foi solicitado aos
serviços de acolhimento consulta aos prontuários referentes ao meu objeto de pesquisa,
objetivando conhecer de forma aprofundada cada situação. Com o prévio conhecimento das
famílias adotivas, a partir dos prontuários, fiz os primeiros contatos telefônicos para
esclarecimento sobre a pesquisa, seus objetivos e agendamento de entrevista.
60
Com base na proposta metodológica apresentada, as entrevistas realizadas com as
famílias adotivas e respectivos filhos foram transcritas, lidas e organizadas em Eixos de
Análise, construídos a partir dos objetivos da pesquisa, visando o levantamento de indicadores
e a construção de Zonas de Sentido.
Entende-se como indicador a identificação do conjunto das falas, produções escritas,
desenhos etc. que apareceram nos fragmentos dos discursos dos participantes. Optou-se por
nomear os discursos como fragmentos por tratar-se da análise de alguns trechos das
entrevistas e não do todo.
Assim, para melhor compreensão da relação de vinculação entre a família adotante e
seu respectivo filho, as zonas de sentido foram analisadas na seguinte ordem:
a) O desejo e sua falta;
b) A relação entre as motivações, o altruísmo e a realidade vivenciados no processo de
adoção;
c) A desvelação da família de origem como condição do vínculo;
d) A criança imaginária e a criança real;
e) A preparação da criança e do requerente para adoção, a partir da viabilização
institucional;
f) O vínculo familiar estendido;
g) A devolução a partir da análise do silêncio dos pais e do sofrimento dos filhos
adotivos.
Ressalta-se que a preocupação com o desenvolvimento da análise foi de ordem
qualitativa. A proposta desta metodologia foi, portanto, legitimar o aspecto processual da
construção do conhecimento, ao invés de defini-lo como uma expressão direta de
instrumentos. Portanto, a construção teórica ocorreu a partir desses indicadores, que foram à
fonte de informação e que alimentaram continuamente o diálogo com a teoria, caracterizando
um processo recíproco e contínuo.
Assim, buscou-se, conforme apresentado no próximo capítulo, aprofundar a análise
dos fragmentos das entrevistas realizadas com as famílias adotantes e seus respectivos filhos,
momento em que foi detalhado o histórico de cada caso estudado. Ressalta-se que as
entrevistas não foram colocadas em sua inteireza durante essa análise, mas sim em
fragmentos mais significativos, devido à extensão do conteúdo, sendo priorizadas as partes
dos discursos que conduziram a análise qualitativa.
61
Vale salientar que somente no capítulo cinco se abordou de forma detalhada as
semelhanças e diferenças desses discursos. Para fins de resguardar a privacidade dos
entrevistados os nomes empregados na descrição e discursos, durante a análise, serão todos
fictícios.
62
CAPÍTULO 4
4.1 Análises dos fragmentos dos discursos: a adoção a partir das falas das famílias e da
expressividade das crianças adotivas
Este capítulo apresenta a análise de fragmentos dos discursos obtidos pelas entrevistas
com quatro famílias que passaram pelo processo de adoção, bem como a análise dos desenhos
dos seus respectivos filhos adotados. O objetivo foi compreender os indicadores positivos e
negativos que possibilitaram a vinculação adotiva a partir da teoria apresentada nos capítulos
anteriores.
Para melhor visualização dos quatro casos estudados, segue abaixo quadro síntese.
Casos Requerente Legalidade Idade atual Permanência Irmãos que Tempo Situação do Situação atual
para adoção da criança no Serviço de permaneceram com a processo de da criança e
e da Acolhimento com a família família adoção da adolescente
adolescente antes da biológica adotiva
adoção
F1[D] Mulher Não 11 anos Nenhuma 2 5 anos Concluso Devolvida na
solteira habilitada. Passou por três VIJ-DF,
A requerente outras famílias morando no
apadrinhava a de forma não Serviço de
criança legalizada Acolhimento
63
4.2 Família [1][D] Joana e Isabel
[...] E ela é uma menina inteligentíssima, inteligentíssima, mas ela tinha tanta
vontade de me fazer sofrer, que era uma coisa impressionante [..][F1][D](JOANA,
2010).
[...] eu não gosto de falar de minha mãe, quando eu fazia alguma coisa errada ela me
colocava pra ficar escrevendo a mesma frase, muitas vezes [...], meu irmão não é o
problema, o problema é minha mãe [...] [F1][D](ISABEL, 2010).
Este fragmento refere-se à adoção legal de Isabel35 por Joana, em 2005, com duração
processual de dez meses, sendo a devolução da criança proferida no início de 2010. Ressalta-
se que antes da concretização dessa adoção, Isabel morou com outras três famílias, as quais
não foram possíveis localizá-las, que a devolveram à mãe biológica. Vale ressaltar que
nenhuma das três detinha guarda ou tutela da criança. Por esse motivo, será analisada nesse
fragmento apenas a devolução referente ao processo legal entre Joana e Isabel.
Salienta-se que essa adoção teve caráter intuitus personae36. Urge mencionar que na
época que foi efetivada a adoção, ainda não era pré-requisito a participação dos pretendentes
em programas de preparação, todavia esta exigência está prevista na Lei 12.010/09.
Joana tem 29 anos, é solteira, mora com sua mãe e seu filho biológico de um ano e três
meses. Isabel é filha de migrantes que vieram do Belém do Pará para Brasília, na expectativa
de uma vida melhor. É a segunda filha de um grupo de dois irmãos, uma menina e um
menino.
Foram realizados dois contatos telefônicos e uma visita à residência de Joana, que se
mostrou solícita para ser voluntária na pesquisa [...] eu me interessei em responder a
entrevista porque, na época que a gente está adotando, a gente não vê nada sobre alguma
pesquisa relacionada à adoção, depois eu procurei no Google, agora, e vi algumas coisas,
mas seria muito importante ter mais, por isso eu resolvi colaborar, porque adoção todo dia
está tendo mais uma. E o que eu percebi é que meu caso não é isolado, não é isolado [...].
Em nenhum momento, ela manifestou constrangimento ou relutância em expressar o que
aconteceu durante o processo.
35
Todos os nomes utilizados nos quatro fragmentos foram substituídos por pseudônimos, visando preservar o
anonimato das famílias entrevistas.
36
Ver nota de rodapé número dez, a qual define adoção intuitus personae.
64
Quanto a entrevista com Isabel, “filha” de Joana, salienta-se que nos dois primeiros
contatos pessoais, realizados no Serviço de Acolhimento, a criança se mostrou arredia e não
autorizou a gravação. Em alguns momentos se dispersou com os movimentos externos ao
ambiente reservado para coleta dos dados. Já na terceira visita a criança se aproximou mais,
mostrou-se concentrada nas perguntas e verbalizou de forma clara sobre a convivência que
teve com a família adotiva. Consideram-se comuns e frequentes todas essas reações, uma vez
que não houve tempo hábil para que Isabel pudesse desenvolver confiança suficiente e se
sentir confortável durante a pesquisa. Todavia é importante observar que todas essas variáveis
puderam ser contornadas com o emprego do recurso da expressividade, pelo qual a criança
demonstrou vivências significativas, através desse instrumento, conforme será descrito mais
adiante. Contudo, antes disso, falar-se-á sobre os motivos que levaram Joana a adotar Isabel.
Quando adotou Isabel, Joana era solteira, não tinha filho biológico, era recém formada,
estava desempregada e morava com a mãe. Apadrinhava Isabel antes do seu nascimento,
devido à carência financeira e estrutural da família [...]. Ela sempre foi minha afilhada, eu a
conhecia antes dela nascer, a busquei no hospital. Como a história da família dela era muito
complicada, eram pessoas muito carentes, sempre a ajudei a distância [...].
Joana relatou que Isabel foi “dada” a uma família aos três meses, passando por outros
três lares diferentes, até completar seis anos de idade, e mencionou que isso se deveu ao
“difícil comportamento apresentado pela criança” [...] como ela era uma criança muito
difícil, as pessoas sempre a devolviam [...]. Depois da última devolução, Joana decidiu-se
pela adoção de Isabel. Essa atitude nos sugeriu uma atitude da mãe altruísta e amedrontada no
que tange a culpabilização deferida pela mãe biológica de Isabel. [...] Quando ela voltou pra
casa da mãe, esta me pediu para que eu ficasse com ela, eu não queria, mas a situação da
família era muito complicada, difícil [...], a mãe ficou me questionando, eu fiquei com medo
de me sentir responsabilizada se acontecesse alguma coisa com ela e acabei pegando a
Isabel, exigi que fosse adoção legal. Para Joana o fato de a família ser “muito carente” e
“complicada”, representava uma ameaça a Isabel e necessitava de sua “ajuda”. Joana se
sentiu obrigada a assumir a criança por conhecer a família e saber da sua situação de
desestrutura.
Ressalta-se que pensar os conflitos familiares tendo como causa a ausência financeira,
não é uma idéia que perpassou só a visão de Joana, mas também permeia o imaginário
coletivo. Entende-se que a pobreza material também pode gerar conflitos, e até desestruturar
as famílias, todavia não é esse o único motivo que as desorganizam. A ausência de políticas
65
públicas para atendimento das demandas específicas dessas famílias nas áreas de saúde,
educação e assistência social, contribui para o desencadeamento de tantos outros problemas
estruturais.
Essa moral social comove e impulsiona muitas famílias a buscarem na adoção uma
forma de ajudar o próximo, principalmente quando se trata de crianças “abandonadas” pelas
famílias e pelo Estado. O mito do amor materno impede essas famílias de examinar com
objetividade e clareza uma realidade social crônica, carente de uma ação pontual do Estado
para atendimento dessa demanda.
Contribui com esse pensamento a tese de mestrado de Ghirardi (2008), quando propõe
que essa ajuda assume um caráter altruísta, o que gera nessas pessoas certa obrigação de
salvar o próximo do seu destino injusto.
Isabel retratou com sua fala uma família violenta, a qual Joana nomeou como
“complicada”. Todavia em ambas as falas percebemos a urgência de uma intervenção que
deveria ter sido viabilizada na época em que a criança ainda se encontrava morando com a
família biológica, porém em nenhum momento Joana menciona ter acionado o Conselho
Tutelar ou qualquer outro órgão de garantia dos direitos da criança. O caminho encontrado
para solucionar o sofrimento de Isabel foi sua retirada da família biológica, a partir de sua
adoção.
Por outro lado, em outro momento da entrevista, Joana se reportou a essa mesma
família como agressora, mas possível de ser acessada e assumir novamente as
responsabilidades com Isabel, a qualquer momento. [...] Porque é o seguinte, o pai dela é
37
Grifos da autora GHIRARDI (2008), que refere-se a Eva Giberti (1992b), a qual utiliza-o frequentemente para
referir-se à origem da criança vista pelos pais adotivos como “desqualificada”, desvalorizada.
66
drogado mesmo. Rouba, é alcoólatra, é tudo mais alguma coisa. A mãe dela decidiu dar os
filhos todos pra ficar com essa bênção maravilhosa de homem. E deu as crianças e fugiu
daqui porque estava sendo procurado pela polícia. A última vez que os vi foi o dia que
assinamos o papel no juiz. E olha que ela tem meu telefone, tem meu endereço [...] . Esse
discurso remeteu-nos a hipótese de que Joana, mesmo considerando a família “complicada”,
“violenta” e “usuária de drogas”, também levantou a possibilidade de que esta pudesse
assumir novamente as responsabilidades de pais, o que por um lado a aliviaria do peso da
devolução.
Para ela, a mentira, os roubos e as ameaças de Isabel foram os principais fatores que
culminam em sua devolução. [...] Ela sempre me roubou, roubava aqui em casa e vendia na
escola [...] e esses objetos que ela rouba - jóias, e não consegue vender, ela diz que eu bato
nela e ela está cansada desse martírio. [...] Ela começou ameaçar de se machucar e falar,
agora eu quero ver quem vai duvidar, que você me machuca, então essas coisas começaram a
piorar [...] então ela ameaçou de matar o irmão, disse que a melhor maneira de matar
alguém é com veneno, porque não saía nem sangue [...] quando ela falou isso eu me arrepiei
por inteiro, eu voltei pra casa paralisada. E falei, meu Deus, agora eu tenho que fazer
alguma coisa, eu vou de novo à Vara de Infância. [...] E eu fui assim, muito certa do que eu
precisava lá [...] e aí sugeri que eles abrigassem Isabel.
Por outro lado, observamos a partir da fala da mãe, algumas tentativas de aproximação
com a filha, antes da concretização da devolução. Todavia, o estabelecimento do vínculo de
filiação pareceu não ter se concretizado. Ela mostra a dificuldade que tem de reconhecer
Isabel como membro familiar [...] E eu falava, Isabel, todo dia é dia de mudar, você tem
chance de mudar, mas mudar não é fácil, mudar é difícil, é uma luta contra a gente mesmo,
mas você pode mudar, mas se você quiser minha ajuda eu te ajudo, eu só não posso fazer por
você. [...] Muitas vezes eu tentava, chamava-a para minha cama, pra gente conversar, mas
ela nunca se aproximou.[...]
Mais uma vez, Ghirardi (2008) traz uma importante contribuição com seu trabalho, ao
falar do respeito, da importância e da dificuldade que os pais adotivos têm de assimilar a
67
origem da criança à sua nova realidade vivida com a família adotiva. E ainda nos sinaliza uma
luz para entendermos tanto a criança como a família que passou pelo processo de filiação:
A relação afetiva entre Joana e Isabel nos pareceu não ter sido consolidada. De um
lado, a mãe relatou que a criança não desenvolveu vínculos, nem se adaptou durante esses
cinco anos de convivência [...] ela nunca se adaptou, eu sempre pensei que era uma fase, que
as coisas iam melhorar, que ela ia se engajar, só que ela nunca criou vínculo nenhum com a
gente. Ela não gosta de abraço, ela não gosta de beijo, ela não gosta de nada, ela não quer
estar perto de ninguém [...]. Por outro lado, em momento diferente da entrevista da mãe,
Isabel argumentou que a mãe era muito rígida com ela [...] eu não gosto de falar de minha
mãe. Quando eu fazia alguma coisa de errado, ela me colocava para escrevendo várias vezes
que eu estava errada [...] todavia a criança representou essa mãe como figura importante nos
desenhos. O discurso da mãe nos incitou a pensar sobre seu desejo pela criança imaginária
“ideal” e não real.
68
Tal hipótese pode ser vista pela ausência de cores, a falta de chão nos pés de toda a
família, suspensa no ar. A presença de alguns membros com sorriso (tio e avó), enquanto o
irmão e a mãe quase não sorriem. Os braços do tio e irmão estão para cima, enquanto os da
avó quase não aparecem, assim como os braços da mãe que apresentam uma desproporção
significativa.
Em outro momento, durante a entrevista com sua mãe adotiva, ao reportarmos aos
contatos que Isabel mantinha com sua família materna, esta verbalizou que a mesma família
nunca aceitou a idéia da adoção. Reafirma, várias vezes, que Isabel nunca foi aceita como
parte integrante do grupo familiar e tenta justificar que isso não lhe importava, pois a decisão
foi sua ao adotar Isabel e não da sua família [...] a minha família nunca aceitou Isabel. Não
queriam que eu adotasse então eles nunca a aceitaram. E a gente quando adota, é a gente
que adota, não é a família, ela não tem nada a ver com isso [...] não consideravam ela da
família como a gente, assim, quando davam um presente, davam uns R$10,00, não ia ser uma
coisa que dariam para os sobrinhos [...] foi uma decisão minha, eu posso decidir para minha
vida, mas eu não posso impor para ninguém ainda afirma [...] ela não tem vinculo nenhum
com a minha mãe [...] Percebemos nessa fala que o vínculo da aceitação nunca existiu por
69
parte da família extensa, portanto Isabel não conseguiu desenvolver com essa família extensa
o vínculo externo.
Entendemos aqui que nem a criança, nem a mãe estavam preparadas para iniciar a
convivência familiar. A mãe por não ter clareza da sua motivação pela adoção e a filha por
não ter elaborado o luto dos abandonos sofridos nos outros acolhimentos familiares.
Talvez por isso ter sido tal difícil para Joana ocupar a posição de autoridade. Era
desconfortante porque lhe demandava mais tempo e lhe exigia uma maior aproximação
70
emocional com Isabel, o contrário do que o apadrinhamento lhe exigiu [...] me falaram que
ela tinha dificuldade com figura de autoridade, que eu tinha escolhido ser a figura de
autoridade dela e que eu tinha que fazer ela obedecer [...] e uma vez a psicóloga falou isso
pra mim, Joana, o ódio da Isabel não é de você, e sim a posição que você ocupa na vida dela.
Podia ser eu, podia ser outra pessoa não é específico, foi o que a psicóloga dela me disse, e
ai fiquei pensando. Mas eu sei que de mim ela não gosta [...].
Na relação entre Joana e Isabel identificamos a falta de uma acomodação mútua, entre
ambas. A adaptação à filha exigiu da mãe maior flexibilidade nas regras e uma maior
disposição em dar credibilidade e autonomia à criança. Para Minuchin (1982, p. 68) “(...) se
não há mudança familiar, aparecerá uma configuração disfuncional, que será repetida cada
vez que ocorre um conflito”.
Outro fator estressante que prejudicou a aceitação de Isabel na família foi a pouca
importância dada a sua singularidade histórica referente aos abandonos sofridos
anteriormente. Essa hipótese pode ser reforçada a partir de uma leitura de uma fala da mãe
[...] ela nunca sofreu espancamento, ela nunca foi estuprada, ela nunca teve nada. O que ela
teve pode ser as rejeições das famílias e da mãe, eu sei que dói, mas eu não acho que seja só
isso que move Isabel, eu não acho que só isso faz ela sentir raiva de mim [...].
Por outro lado, Isabel expressou pelo desenho seu desejo em estar com a família
adotiva, e o sonho de viajar com a mãe. Este projeto foi idealizado junto à mãe adotiva e
interrompido com o nascimento do irmão, mas para Isabel ele ainda estava vivo, suscetível de
ser realizado, mesmo ela estando ano serviço de acolhimento.
71
O nascimento do filho foi visto por Joana como um intensificador do conflito entre ela
e Isabel, talvez porque a vinculação de filiação ainda não estivesse consolidada em sua
inteireza. [...] Com o nascimento do irmão a coisa piorou muito porque ela é extremamente
agressiva [...]. A angústia da obrigação da adoção, da impotência, da falta de diálogo entre
mãe e filha, e do apoio da família extensa motivaram a devolução de Isabel, o que para a mãe
surgiu como uma possibilidade que interrompia seu sofrimento. [...] Só eu sei o que eu vivo,
eu vivo em um inferno há cinco anos, um inferno literalmente. O pior lugar da minha vida era
essa casa. A minha vida estava uma zona. [...].
Entregar a filha na VIJ-DF foi o caminho que Joana encontrou para aliviar sua
angústia. [...] Então eu não tinha como trabalhar, eu não tinha como fazer nada, a minha vida
estava atada, porque eu não tinha como sair de casa, eu tinha que ficar plantada o dia inteiro
dentro de casa[...].
A mãe sugeriu a culpa do fracasso da adoção à filha. [...] E ela é uma menina
inteligentíssima, inteligentíssima, mas ela tinha tanta vontade de me fazer sofrer, que era uma
coisa impressionante [...] alguma coisa ela tem [...]
72
Em outro momento diferente da entrevista com a mãe, solicitamos a Isabel que fizesse
o desenho do que desejava para o seu futuro. Ela expressou verbalmente e depois pela grafia,
seu desejo de cuidar de crianças “espertas”38.
Mais uma vez observamos que Isabel não coloriu os desenhos, a menina que
representou não tem o braço esquerdo. Apesar de as pessoas estarem próximas, o desenho não
propôs um elo entre os membros, sugerindo-nos refletir sobre a dificuldade do vínculo. E, por
fim, observamos que ela não colocou chão sob os pés. Para Hammer (1991) os sujeitos cujos
desenhos são colocados na parte de baixo da página parecem estar mais firmemente
enraizados, apesar de ocasionalmente deprimidos e com atitudes de derrota.
Quanto mais abaixo o ponto médio do desenho estiver em relação ao ponto médio da
página, maior a probabilidade de que o sujeito se sinta inseguro e inadequado e que
este sentimento esteja produzindo uma depressão no humor, mas também que o
sujeito esteja ligado à realidade ou orientado para o concreto. (HAMMER, 1991,
p.51)
Ao mesmo tempo em que seu desenho representou o desejo de cuidar de crianças,
parece-nos que inconscientemente trouxe à tona seu desejo de ser cuidada. Talvez a criança
38
Grifos da criança.
73
quisesse lembrar aqui da mãe adotiva. Na figura, ela não representou um cuidador homem,
apenas a figura feminina. Outro detalhe interessante é que Isabel desenhou um menino e uma
menina, aqui talvez quisesse trazer a presença do irmão adotivo, que permaneceu com a mãe,
e a vontade que ainda mantinha de ser cuidada pela mãe adotiva junto ao irmão.
Não podíamos deixar de nos reportar ao primeiro desenho solicitado à criança, no qual
se pediu à Isabel que representasse sua imagem e ela desenhou uma menina no centro da
folha. Percebemos aqui braços rígidos, um dos pés sobre o chão, o outro no ar, talvez
retratando a insegurança quanto ao seu futuro. Todavia, é o único desenho que coloriu.
No entanto, o que nos interessou foi a cor utilizada pela criança no desenho.
Observamos que Isabel coloriu de rosa o coração, essa cor pode representar o afeto e, ao
mesmo tempo, ferida e dor. Ela expressou, pela grafia, várias ramificações saindo do coração,
isso também nos sugeriu o sentimento de ressentimento.
Todavia, antecipar o fracasso, nesse processo de adoção, seria incoerente, pois seria
culpabilizar exclusivamente mãe e filha, pela devolução. Para Schettini (2009, p. 40) “quando
o outro se diz impotente ele também está dizendo que é impotente para mostrar o que pode e
ninguém vê”. Tanto a mãe pareceu buscar um caminho: [...] O que eu busco agora que ela
está no abrigo é primeiro tratamento, pra eu saber o que ela tem [...] tudo é muito lento, tudo
muito difícil [...] quanto a filha, quando nos indicou com seus desenhos um pedido de ajuda.
Isso nos fez refletir sobre a necessidade de direcionar algumas ações a criança, como:
acolhimento de sua dor, de suas incertezas quanto ao futuro, acolhimento de suas repetidas
histórias de devolução. Talvez essa devolução possa ser um desafio e uma proposta à
ressignificação tanto da mãe quanto da filha, uma proposta a um novo nascimento, onde Joana
possa encontrar um espaço no serviço de acolhimento, ou em uma terapia com a filha, para
refletir sobre os indicadores que levaram à devolução.
75
4.3 Família [2][D] Janete e Cláudia
[...] você quer vir? Quer ter uma mãe? Quer ter uma casa? Quer comida? Quer ir
trabalhar? Quer vir estudar? Então eu posso oferecer isso pra ela, ela não pode me
oferecer nada, ela é uma pobre coitada [...]F[2][D] (JANETE, 2010).
[...] O que eu queria é que tudo na minha vida pudesse dar certo, eu pudesse ainda
ter essa família, essa família que me adotou. O que sonho pro meu futuro é ter minha
casa, meu carro, meu marido meus filhos, penso fazer uma faculdade, me formar. É
o que eu sempre quis e ainda quero. [...] mas coisa da vida assim sabe me impediram
de que eu pudesse fazer isso, quando eu brigava com ela eu não estudava, fiquei
alguns anos, sem estudar. [...]F[2][D] (CLAÚDIA, 2010).
Janete, mãe adotiva, tem 71 anos, é separada há 15 anos, é mãe biológica de dois
filhos do sexo masculino, hoje com 40 e 42 anos respectivamente, e mãe adotiva legalmente
de 17 outras crianças. Residem em sua companhia dois de seus filhos adotivos de 17 anos,
sendo um deles irmão biológico de Claudia. Os outros dois moram em um Abrigo para
pessoas com necessidades especiais, outro filho de 17 anos, mora em residência custeada por
Janete, e os outros onze são independentes.
Cláudia tem 18 anos, é a mais velha de seis irmãos biológicos, sendo: duas irmãs, 14 e
três anos e três irmãos: 08, 13 e 17 anos, sendo que o último mora com Janete. Atualmente a
adolescente reside com os pais biológicos e trabalha como atendente em uma rede de fast
food.
Janete foi contatada duas vezes ao telefone para agendamento de entrevista. Para
realização da pesquisa, realizamos uma visita em sua residência. Nessa, ela mostrou-se
bastante solícita ao nos receber, respondeu com presteza a todas as questões referentes à
adoção.
76
Em outro momento foram realizados contatos telefônicos com Cláudia e agendamento
para entrevista em seu local de trabalho. No início esta se mostrou inibida, mas à medida que
conversávamos interagiu de modo mais espontâneo, ela não quis desenhar. Cabe salientar que
se optou por nomear os discursos como fragmentos, por tratar-se da análise de alguns trechos
das entrevistas e não do todo. Como foi opção da adolescente não desenhar, a obtenção de
informações foi guiada pelas perguntas que estavam no instrumental dos desenhos, as quais
foram adaptadas, conforme a necessidade de obtenção de informação.
A adoção de Cláudia pareceu ser amparada por um desejo altruísta da mãe adotiva,
não singular, misturado a outras 17 adoções que efetivou [...] as coisas eram mais fáceis.
Minhas amigas faziam as fichas e aí pegávamos pra adotar. Na época tinha muitos bebês no
antigo CRT, hoje Abrire, eu acho que consegui umas 50 crianças para minhas amigas
adotarem, fazíamos primeiro colocação familiar e depois pedíamos adoção [...]. Em
dezembro de 1993, Janete mencionou ter acolhido para passar o natal em sua companhia seis
crianças, incluindo Cláudia e seu irmão, hoje com 17 anos, o qual ainda encontra-se em sua
companhia. [...] Então, nesse dia eu tirei seis pra passar o natal comigo. Era muito
conhecida, tinha recebido vários títulos, foi fácil pra mim. E aí peguei os seis e não devolvi
mais [...]. Em vários momentos da conversa, Janete pareceu expressar um sentimento de
salvar o “outro” da “condenação” ao abandono, permeado talvez pelo desejo inconsciente de
superação dos seus limites e talvez, por reação a um abandono afetivo sofrido por seus pais,
mas não foi nossa intenção nessa dissertação trabalhar esses desejos inconscientes.
Dividir as atenções era complicado, as idades eram próximas e Janete admitiu sua
limitação entre ter que dividir-se entre seu trabalho e o tempo de estar com os filhos. [...]eu
vou ser bem sincera, eu pegava mais no colo o irmão dela e o outro pequeno, porque eles
tinham um mês e meio e o outro de dois meses de vida. Eu que ensinei a andar, falar. [...] Eu
trabalhava o dia inteiro e tinha quatro empregadas [...] fui mulher de ganhar muito dinheiro,
criei vinte filhos sozinha [...]. Joana afirma que todos os filhos adotivos foram criados
igualmente [...] Andava bonitinha, sempre estudou em escolas boas, Kombi buscava e trazia
[...] então eles sempre tiveram do bom e do melhor, ela foi criada como normalmente todos
eles. Eu acho que com muito amor, muito carinho, não fiz muito a vontade dela [...]. Todavia,
em outro momento durante a entrevista com Cláudia esta verbalizou que havia distinção
quanto a sua vivência com a mãe adotiva [...] as coisas que acontecia dentro da casa de
errado, ela já ficava nervosa, já brigava comigo, eu não aceitava [...].
77
Evidenciamos nesse discurso o conceito da “filha idealizada”, o qual aprofundaremos
com mais clareza na zona de sentido do capítulo cinco, que Janete buscou encontrar em
Cláudia[...] eu quero que ela venha, quero enfeitar, pintar o cabelo dela, comprar jóias,
comprar sapato, comprar roupas, e ela não quer nada disso, um dia vem, dorme comigo na
minha cama, no outro dia quando vou procurar, desculpa eu falar (Janete chora), mas a filha
da puta, sumiu e se eu falar qualquer coisa [...]. Janete vê na filha uma profunda ingratidão.
[...] Aí eles me chamaram e eu falei que bati nela mesmo, porque ela tinha me mordido, tem a
marca até hoje aqui no meu braço. Aí eu pensei, estou muito velha pra apanhar de filhos.
Essa situação de indefinição no processo legal de Cláudia pode ter sido o fator que
desencadeou sentimentos de insegurança na adolescente. Percebemos na fala de Cláudia que
sua insegurança motivou sua rebeldia: [...] quando eu brigava com ela eu não estudava, fiquei
alguns anos, sem estudar [...]. Porém esse sentimento parece não ter anulado seus planos
futuros [...]. O tempo que eu estava com ela, sempre na minha cabeça ficava esses
pensamentos, terminar meus estudos, fazer uma faculdade.
Por um lado, a mãe adotiva pareceu não dar importância na efetivação do processo
legal, o qual se estendeu durante toda a convivência de ambas. O conflito e a insegurança do
vínculo nessa convivência se expressa na agressão física da mãe adotiva a filha. Por outro
lado, a adolescente demonstrou ter dificuldade em verbalizar seu sofrimento quanto sua
insegurança na família adotiva. A forma encontrada para representar suas incertezas foi
através da rebeldia que se intensificou na adolescência.
Os conflitos entre mãe e filha tiveram mais peso na adolescência de Cláudia. Para
Janete, o que realmente culminou na devolução da filha foi o uso de drogas. [...] quando eu
sei que usou droga eu fico doida, aí eu pego um cabo de vassouras, aí eu bato, eu bato
mesmo [...] quem usa drogas é muito difícil, ela usa crack, e a gente que nunca teve isso na
vida da gente, não entende [...]. Ao mesmo tempo contradiz seu argumento ao revelar que
seus filhos biológicos foram usuários de drogas [...] meus dois filhos biológicos usaram muita
droga, porque eu dei de tudo, dei carrão, vivia na sociedade com filho de ministro, fazendo
78
pega por ali no aeroporto [...], Meus dois verdadeiros39 de vez em quando ainda fumam, um
tem 40 anos o outro 42.
A fala anterior da mãe, sobre os filhos “meus dois verdadeiros”, levou-nos a refletir
sobre a distinção que fazia entre os filhos biológicos e filhos adotivos, e como isso
influenciava na convivência com Claudia.
Schettini (2009) nos aponta que enquanto ocorre a separação entre os filhos biológicos
e os filhos adotivos sempre haverá problemas na efetivação da filiação:
Para Cláudia, a convivência com Janete sempre foi permeada pelo “fantasma” da sua
aceitação, cercada de histórias pessoais mal resolvidas da mãe: [...] ela sempre foi uma boa
pessoa, uma boa mãe, mas era muito difícil dela me compreender e eu compreender ela. Era
difícil porque ela tinha o jeito dela [...] o que ela passou, não sei se foi o que ela passou com
os pais dela, pra ela ser daquele jeito que ela sempre foi [...]. Essa hipótese indicava a
influência que a história pessoal de Janete, permeada pelo “abandono afetivo” de seus pais
biológicos, tinha na convivência com a filha.
Tal hipótese é reafirmada pela teoria de Levinzon (2004, p.48), quando argumenta que
“[...] o desejo e a necessidade de acolher um “órfão” necessitado é a forma particular que
39
Grifos meus
79
algumas pessoas encontram em reescrever sua história pessoal de muita carência e sentimento
de abandono”.
Corrobora com essa hipótese a fala de Janete no que tange a rigidez projetada na
criação dos seus filhos: [...] na minha época eu tinha que tirar 100 em todas as matérias,
senão o pai pegava uma cinta e me enchia de porrada, e nunca fiquei reprovada, sempre fui a
primeira aluna, eu e todos os meus irmãos, e a gente era muito pobre, puxava água de poço,
cozinhava em fogão de lenha, eu tinha que passar o terno branco do meu pai, e era de linho,
tinha que engomar, eu bordava divinamente bem, eu costurava e estudava, a gente não
respondia pó meu pai, era sempre “sim Senhor, sim Senhora”, mãe, dá licença. Nunca abri
uma gaveta de mãe, e eu tinha psicose que se tivesse um pingo de água na pia da cozinha,
enquanto eu não me enxugava não ia dormir, e tudo tinha que ter cheirinho [...].
A rigidez apareceu na fala de Cláudia como ameaça a uma convivência saudável [...]
quando a gente vai entrando em uma fase é mais complicado, porque ela tem a cabeça dela,
os pensamentos dela e eu tenho os meus e ficava difícil compreender ela, de tudo que ela
falava, de tudo que ela fazia, do jeito que ela era rígida [...].
Tal hipótese nos aponta para reflexão sobre o conceito de famílias rígidas discutido na
teoria sistêmica, onde cada indivíduo é visto como um subsistema. A tendência dessas
famílias rígidas é compartilhar muito pouco e, portanto, ter pouco em comum, ter um
exagerado sentimento de independência, uma ausência de sentimentos de lealdade e de
pertença, não procurar ajuda quando necessário, salientar que o que afeta um membro não
está registrado por outros e ter baixo nível de ajuda e apoio mútuo. São famílias que são
difíceis de alterar, em qualquer momento, e de ter uma clareza de papéis, havendo também
uma má comunicação. Essas características podem ser observadas na convivência que Cláudia
descreve com Janete.
Cláudia mencionou em sua fala se sentir como “bode expiatório” 40, a qual a todo o
momento era responsabilizada por todos os problemas que aconteciam na casa. A falta de
confiança na adolescente também era um indicativo de um não pertencimento àquela família,
pois pertencimento envolve aceitação. Ela tem clareza de que voltar a morar com Janete não é
a solução para resolver os problemas; [...] Ela complicava muito as coisas. Ela sempre botava
coisa além do que acontecia, ela botava na cabeça que era daquele jeito, dizia: Porque você
fez isso, porque você fez aquilo, sendo que eu não tinha feito. Ai ela ficava na cabeça dela
40
Grifos meus.
80
que eu tinha feito, que tinha sido eu, a culpada sempre era eu. [...] se eu tivesse que mudar
alguma coisa, voltar atrás seria difícil, porque meus pensamentos já são outros, os dela
também, e as coisas mudam, muitas vezes ela já pediu pra mim voltar, pra ficar com ela que
ela ia tentar me compreender, mas nunca deu certo [...].
Em outros momentos, demonstrou ambivalência em sua decisão, que para nós refletiu
um desejo em resgatar essa família, demonstrou ter sentimentos de saudade e afeto pelo que
viveu: [...] o que eu queria é que tudo na minha vida pudesse dar certo, eu pudesse ainda ter
essa família, essa família que me adotou [...] às vezes bate aquela saudade (chora), mas a
saudade é por conta da convivência que vivi com ela e com meus irmãos.
Ao perguntarmos sobre quem seriam as pessoas mais importantes que gostaria que
estivessem presentes nas suas conquistas pessoais, Cláudia reportou-se aos seus irmãos
biológicos como sendo pessoas significativas em sua vida: [...] só meu irmão e meus outros
cinco irmãos que moram com meu pai [...]. Reforçou a importância dada ao vínculo
desenvolvido com o irmão biológico que continua morando com Janete: [...] ele é meu irmão
de sangue. Não posso perder meu vínculo com ele [...]. Fica explicito em sua fala que o que
lhe impedia em continuar os contatos com esse irmão era a elaboração da dor da rejeição que
ainda estava muito presente: [...] esse trabalho meu complicou tudo pra ir lá, mas ele não me
impede não, é questão de tempo pra mim, eu estava dando um tempo, mas eu vou tentar ir lá,
eu vou lá visitar eles.
Todavia, quando se viu longe dessa família, Cláudia propôs uma mudança real e
significativa em sua vida: [...] O que sonho pro meu futuro é ter minha casa, meu carro, meu
marido, meus filhos, penso fazer uma faculdade, me formar. É o que eu sempre quis e ainda
quero. Seu desejo pareceu somar-se à necessidade de mostrar que era capaz de superar as
dificuldades que passou: [...] vou seguindo minha vida [...] mas a gente tem que está aí, firme
e forte, agradecendo a Deus.
O sentimento de perdão traduzia seu desejo de ser reconhecida como uma pessoa que
foi importante para “salvar” Cláudia do abandono e da rejeição sofrida anteriormente, [...]
você quer vir? Quer ter uma mãe? Quer ter uma casa? Quer comida? Quer ir trabalhar?
Quer vir estudar? Então eu posso oferecer isso pra ela, ela não pode me oferecer nada, ela é
uma pobre coitada [...] eu não preciso dela pra nada.
Esse distanciamento que Janete trouxe com sua afirmação em ter tudo e não precisar
da filha para nada evidencia um sentimento de dor manifestada pela distância afetiva durante
e após a convivência com Cláudia. A falta de vinculação e afeto nessa relação foi expressa em
alguns momentos pela agressão física e verbal da mãe adotiva à filha. Para Schettini (2009,
p.95) essa dor “é acolhimento que, muitas vezes, se transforma em recolhimento, quando não,
em algo mais angustiante: encolhimento”.
82
4.4 Família [3] [AP] Débora, Vilmar e Guilherme
[...] vínculo não se cria no momento que acolhemos, esse momento é o início, até
porque entendo que esse momento tem que ter, porque as pessoas têm que ter
responsabilidades pra assumir uma criança, mas o vínculo é uma coisa que se cria ao
longo da vida, ao longo dos anos. (...) É igual quando você casa, são duas pessoas
diferentes que vivem na mesma casa, que por mais que namorem por muito tempo,
quando casam e vivem no mesmo lugar, vão ver as manias do outro, tem que se
adaptar F[3][AP] (DÉBORA, 2010).
Este fragmento refere-se à adoção legal de Guilherme pelo casal Débora e Vilmar,
ocorrida no início de 2005, com duração processual de um ano.
Débora e Vilmar são casados há mais de 20 anos, são pais biológicos de Leila de 16
anos, Gabriel que é falecido, e pais adotivos de Guilherme. Este tem dez anos, foi adotado
com cinco anos. É filho biológico de pais separados, irmão biológico de Júlia, onze anos,
também adotada por outra família, a adoção de Júlia será analisada no próximo fragmento.
Salientamos que não foi possível obter informações complementares sobre os pais biológicos
de Guilherme.
Foram realizados dois contatos telefônicos para entrevista e uma visita à residência.
Durante todos os contatos o casal mostrou-se receptivo e acessível para falar sobre a adoção.
A conversa com Guilherme aconteceu em sua residência em momentos diferentes que a dos
pais, porém no mesmo dia. Guilherme brincou e foi muito espontâneo, não se mostrou inibido
em gravar a conversa. Sua irmã não foi entrevistada, devido ao enfoque dado ao objeto de
estudo. Há de se considerar que o material colhido foi suficiente para a análise prevista, qual
seja o processo de vinculação da criança com seus pais adotivos.
A adoção surgiu de um desejo materno e paterno que foi pensado e discutido entre o
casal antes do acolhimento da criança. De acordo com Vilmar, pai adotivo: [...] desde o
começo compartilhávamos essa vontade [...] nossa idéia sempre foi ter três filhos, dois
biológicos e um adotivo [...] como papai do céu não quis providenciar outro neném
biológico, partimos pra adoção.
Observamos também que este desejo foi motivado pelo sentimento de altruísmo,
principalmente do pai, que morou em uma Instituição de Acolhimento por 12 anos: [...] eu
sempre tive essa idéia desde pequeno, porque eu vivi a realidade do Guilherme, nosso filho,
fui morar com minha mãe a partir dos 12 anos, sempre morei em orfanato.
83
Débora e Vilmar cultivaram a idéia de ter dois filhos biológicos e um adotivo, durante
os anos de convivência conjugal. Seu primeiro filho era especial, faleceu com 13 anos, no 6º
mês em que Guilherme já se encontrava com a família. O desejo inicial do casal era por uma
adoção de um bebê, explicam que a mudança do perfil foi impulsionada pela demora na fila
de espera na Vara: [...] a gente começou o perfil de um bebezinho, depois fomos subindo a
faixa etária pra cinco anos, por conta da demora. O casal demonstrou sentimentos de
ansiedade quanto a espera pelo filho: [...] nosso processo foi bem rápido [...] foram nove
meses de espera, uma gestação [...], mas em nenhum momento reportaram a isso como
prejudicial na vinculação com Guilherme.
Durante os seis primeiros meses, Débora e Vilmar relataram que a adaptação foi
tranqüila. Para eles as dificuldades começaram com o falecimento do filho mais velho. A mãe
argumentou que foi muita mudança para pouco tempo de assimilação [...] na época que
tivemos a crise foi seis meses depois que Guilherme estava aqui. De pensar em devolver
mesmo, de chegar ao ponto de ir à Vara da Infância e pedir a devolução dele. Para ela a
maior dificuldade foi perder o filho e adaptar-se se ao estranho, [...] seis meses a gente ainda
estava na adaptação, estávamos aprendendo ainda [...] Então teve isso, além de ter que me
adaptar com o Guilherme, tive que me adaptar com a falta de Gabriel. Percebemos com a
fala da mãe, uma fantasia e medo em se apegar à Guilherme com receio em trair o primeiro
filho que faleceu.
Mesmo assim, observamos que a elaboração do luto pelo filho falecido ainda está
sendo processada por toda a família. Os desenhos que Guilherme representou trouxeram uma
constante presença do irmão. Isso nos indicou a importância que Gabriel teve para Guilherme,
tanto que quando perguntamos a ele o que desejava para o seu presente ele desenhou seu
irmão na figura de um anjo.
85
.
Essa proposição teórica pode ser confirmada pela fala do pai, quando diz que: [...] a
adaptação foi muito por ele, essa perda nossa foi uma perda irreparável, você pode brigar
com o Guilherme, danar com ele, que daqui a dois segundos ele já está com uma carinha
boa, abraçando e beijando. Ele é muito alegre, ele encheu a casa, se fosse diferente não
86
seríamos a família que somos hoje. Guilherme pareceu estar bem integrado à família adotiva,
mas demonstrou pelo desenho a necessidade da busca pela sua origem, que será tratada mais
adiante.
A família adotiva é retratada por Guilherme como sendo muito importante. Essa
afirmação pode ser vista no desenho abaixo. Solicitamos a criança que representasse onde
mora e que incluísse as pessoas que gosta. Então ele representou sua família adotiva.
Observamos que a casa representada tem chão, mas a família encontra-se suspensa no
ar. Guilherme nomeou todos os membros, o terceiro componente familiar ele diz ser um
amiguinho da escola, mas observamos que as características representadas são de uma criança
com traços de morte.
87
desenho, Guilherme fez a seguinte pergunta: Como se escreve mãe? Eu nunca consegui
escrever a palavra mãe. Durante a entrevista com os pais, Débora mencionou que o filho tem
perguntado timidamente sobre sua genitora [...] Esses dias fui falar da mãe dele, porque hoje
é que ele está tocando nesses assuntos, e ele disse, “mas a minha mãe me abandonou, não me
amou”, mas primeiro ele conversou com o pai e depois comigo que a mãe tinha abandonado
ele.
Observamos, a partir da leitura sobre o tema, Schettini (2009) e Levinzon (2004), que
essa pergunta é comum aos filhos adotivos, sendo que a forma e o tempo que ela será feita
dependerão de como o vínculo com a família adotiva está sendo processado.
Para Hamad (2010, p.51-52), a figura da mãe é muito mais marcante para a criança do
que a figura do pai, para ele “só a mãe genitora abandona”. E ainda acrescenta que “a “mãe da
realidade” é a única mãe, à medida que ela destitui a “mãe todo poderosa” da primeira
infância. A mãe da realidade só é mãe pelo próprio fato de sua inscrição naquilo que impõe
limites”.
Observamos que, quando a mãe verbalizou para o filho que [...] amar também é abrir
mão [...] ela trouxe à tona, involuntariamente, o sentimento de rejeição e abandono. Para
Levinzon (2004, p.71) “a história contada pelos pais adotivos e suas referências aos pais
biológicos contribuem para a formação da auto-estima da criança e para o sentimento de ter
sido ou não desejada”.
Assim, quando Débora enfatizou para o filho que a mãe biológica de Guilherme
preferiu deixá-lo no abrigo a continuar com ele, ela instaurou para criança o movimento amor
versus rejeição [...] sua mãe te amou tanto que te deixou lá, porque se você tivesse com ela
hoje com a situação de vida que ela tinha, você estaria até no crime, usando drogas, como a
gente vê esses meninos de rua por aí, não é porque eles querem essa vida pra eles, é porque
eles não tem uma estrutura de família. Então ela percebeu que não ia dá conta de você e
preferiu te deixar lá, do que você depois se envolver no mundo do crime. Então amar também
é isso, acho que você não pode ter raiva da sua mãe por isso [...] é o que eu falo pra ele, é de
hoje em diante, daqui pra frente, não tem como voltar atrás.
Todavia, para a criança, esse argumento pareceu ter incitado ambiguidade em sua
compreensão sobre o que significa o amor e o abandono da genitora. Quando a mãe diz:
“amar também é isso”. Esse “isso” pode ser entendido como “amar também é “rejeitar,
abandonar”.
88
Débora pareceu querer poupar o filho sobre sua verdade, todavia essa ação pareceu
limitar os sentimentos da criança quanto aos seus acessos de raiva, medo e dúvida em relação
à sua genitora. Quando Guilherme diz [...] minha mãe morreu, minha mãe é você. Talvez
esteja querendo perguntar: O que é amor? Quem é minha mãe? A quem devo lealdade? Para
Levinzon (2004, p.72) pais ambivalentes “estimulam vivências de abandono e rejeição que
somam à vivência original com a mãe biológica”.
Por outro lado, se nos reportarmos ao desenho anterior, veremos que Guilherme não
retratou a morte como responsável pela quebra de um vínculo, pelo contrário, ele trouxe com
a representação do irmão falecido a presença da manutenção desse vínculo. Quando falou
“minha mãe morreu” talvez seja a maneira que tenha encontrado de trazê-la para o seu
presente. Hipoteticamente entendemos que, para Guilherme, ainda é muito confuso entender
os motivos do abandono sofrido pela sua genitora. Conhecer sua história pregressa, talvez seja
imprescindível para ultrapassar sua dificuldade de escrita, conforme veremos em sua
expressão gráfica e verbal, mais adiante, e talvez vislumbrar novos horizontes com essa nova
família que está construindo.
Contribui com esse pensamento a teoria de Neuburger (1999), quando nos incitou
pensar sobre a importância que essa memória familiar tem para o desenvolvimento psíquico
de Guilherme.
(...) a memória familiar é, pois, aquilo que permite a transmissão do mito familiar,
seja aquilo que há de mais “intimo”, ou melhor, aquilo que cria o íntimo de uma
família, que assegura uma identidade familiar, do “igual”, que permite a uma pessoa
se ajustar em sua própria identidade, seja identificando-se seja opondo-se.
(NEUBURGER (1999, p. 46-47).
Para ele, as famílias que apagaram seus aspectos considerados anormais ou suas
particularidades, produzem uma patologia da transmissão que dificulta a construção de uma
família para a geração seguinte.
Então nos perguntamos durante a interpretação quem seriam os alienígenas? Claro que
devemos pensar como algo fantasioso, porém com uma mensagem nas entrelinhas. Os
alienígenas seriam a família biológica que Guilherme não tem contato e que gostaria de ter?
Por isso um castelo que tenha um caminho definido “que leve a rua, uma cidade e a lua”. Só
90
na Lua ele poderia obter esse contato com essa família? Talvez por isso apenas Guilherme
possa fazer contato com os alienígenas.
Débora verbalizou que o filho tem sua história pregressa elaborada, quando
mencionou que ele [...] substituiu bem a figura da irmã biológica, hoje quase não fala mais
nela. O vínculo com a irmã aqui em casa é muito maior. E ainda quando relatou que o filho
desconhece o movimento que os pais fizeram para sua devolução, e das dúvidas que tiveram
após o falecimento de Gabriel: [...] Deus é tal bom que não fez ele perceber as coisas dessa
forma, ele não sabe de tudo isso que passamos.
A família está cercada de segredos. Primeiro o segredo de não informar à criança sobre
sua origem, por receio, por falta de informações e até por falta de orientação profissional de
como ele reagiria diante de sua verdade: [...] eu me senti insegura, por exemplo, em relação à
irmã que ele tem, de estreitar algum laço, e de o juiz achar melhor ele ficar com a mãe da
menina. [...] Ele tem mais dois irmãos, ainda não falamos deles pra ele, porque não sei se é o
momento de dizer, ainda não disse nada, porque o sofrimento vai ser triplicado, também não
temos o endereço deles, não sabemos onde localizá-los.
91
acesso à mãe adotiva quando o irmão morreu, momento que mais precisou para sua
adaptação. Todo esse silêncio está explicito nos desenhos representados pela criança e pode
representar uma das possibilidades de nossa hipotetização.
Levinzon (2004) coaduna com nossa hipótese a partir de sua teoria de que os pais que
trazem sentimentos de culpa ou de medo adicionam às crianças uma carga maior de rejeição e
abandono, influindo diretamente em temores de insegurança e efetivação do amor parental,
“nestes casos, é como remexer com um instrumento afiado em uma velha ferida, mal
cicatrizada” (LEVINZON, 2004, p.73). Isso pode ser observado no segundo desenho, em que
Guilherme representou a família suspensa no ar. Para Hammer (1991, p.51) “adultos que são
representados na parte superior frequentemente são aqueles que se sentem inseguros em
relação a si mesmos (“ flutuando no ar”)41 .
A família demonstrou ter claro que a construção do vínculo não está totalmente
estabelecida, ele ainda está se construindo. Podemos ver isso na fala de Débora quando diz
que: [...] o vínculo é uma coisa que se cria ao longo da vida, ao longo dos anos [...].
Vislumbramos, com isso, que esta família também está aberta a novas orientações para
superação de seus desafios: [...] acho que há falta de preparo pra gente lidar com algumas
situações.
Este é, portanto, um dos resultados importantes dessa pesquisa, mostrar que mesmo
aquelas famílias que encontram com seus processos legais concluídos necessitam de apoio
profissional para lidarem com algumas questões que surgem com a convivência diária com o
filho adotivo.
41
Grifos do autor
92
4.5 Família [4][AP] Lilian, Mônica e Júlia
Vínculo pra mim se constrói, não é um processo que você nasceu com
ele. É um ser humano, é alguém desconhecido que está entrando em
sua vida, por mais que você deseje, e desejo a gente sabe que uma
hora pode estar aqui e outra hora ali. O exercício do cuidado é que vai
fazer a diferença de alguém querer ou não querer a adoção”. F[4][AP]
(LILIAN, 2010).
Este fragmento de discurso refere-se à adoção legal de Julia, deferida a Lilian, ocorrida
no final de 2005, com duração processual de quatro anos.
Lilian vive sob regime de concubinato42 com Mônica, que tem uma filha biológica de
15 anos. Júlia é filha biológica de pais separados. Foi assistida pelo serviço de acolhimento
por cinco anos, é irmã biológica de Guilherme, cuja narrativa foi analisada anteriormente e
também irmã biológica de dois meninos, cujas idades e paradeiro não foram possível acessar.
Foram realizados dois contatos telefônicos com Lilian, antes da entrevista, a qual se
mostrou receptiva para responder as questões referentes à adoção. Para efetivação da pesquisa
foram realizadas duas visitas à residência da família. No primeiro momento conversamos com
Lilian e Mônica, que responderam com muita presteza à todas as questões solicitadas e
retornamos em outro momento para conversarmos com Júlia e Juliana, sua irmã. Ambas não
mostraram relutância em responder a nenhuma pergunta e estavam bem desinibidas para
fazerem os desenhos solicitados. Foram utilizados nesses fragmentos apenas os desenhos de
Júlia, foco dessa pesquisa. O material complementar obtido com a pesquisa poderá ser
utilizado para estudos posteriores.
Legalmente, a adoção envolveu Lilian e Júlia [...] foi um processo que na minha
gestação era meu, ela me apoiou, mas era o meu processo [...] foi o meu movimento de
adoção, não foi nosso, enquanto casal, nem mesmo de documento, senti sempre o apoio dela,
mas era a minha maternidade.
42
Concubinato: modernamente, é um termo jurídico que especifica uma união não formalizada pelo casamento
civil. No dia 05/05/2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a favor da união estável entre casais
homossexuais. A decisão foi unânime. Os ministros e ministras da corte fundamentaram seus discursos nos
preceitos fundamentais da Constituição, principalmente igualdade, dignidade da pessoa humana e proteção à
segurança jurídica.
93
A adoção de Júlia surgiu de um desejo de maternidade aceito pela companheira: [...]
às vezes, quando eu imaginava ser mãe, eu imaginava ser mãe de uma criança adotada.
Mesmo antes quando eu tinha uma relação heterossexual, eu imaginava ser mãe de uma
criança adotada e sempre imaginava ser mãe de uma criança maior. A adoção tardia era
meu desejo materno. [...] Eu cheguei em casa participei a Mônica desse meu projeto e ela me
apoiou [...]. Foi meu projeto de maternagem, e eu senti isso como tendo o apoio dela.
Durante a entrevista, Mônica verbalizou que também idealizava adotar uma criança,
esse desejo sempre foi compartilhado com sua filha. O que confirma a hipótese acima, de que
quanto mais trabalhadas e compartilhadas as motivações pela adoção, mais aumentam as
chances de sua aceitação: [...] mesmo quando a Juliana era pequena, conversava com ela que
íamos adotar uma criança, mas eu tinha muito claro na minha cabeça que pra acolher outra
criança eu tinha que ter estrutura para isso, até porque cuidar de uma criança na condição
de estar só era muito difícil [...] Quando a Lilian manifestou esse desejo, óbvio, justamente
por já guardar isso em mim não vi nenhum problema, e Juliana muito menos, ela já era
alimentada desse desejo.
Para Lilian a adaptação com Júlia foi fácil, seu desejo em desenvolver a maternagem
já vinha sendo elaborado antes da chegada da filha: [...] não senti dificuldade de adaptar, não
tive adaptação, não rolou estágio de convivência, aproximação, eu já amava a Júlia como
minha filha, eu nunca deixo de falar.
Até os três anos de idade, Júlia esteve sob os cuidados do pai e da tia paterna,
introjetar a figura de mãe “cuidadora” foi a maior dificuldade enfrentada no início da
convivência com Lilian [...] foi difícil pra ela lidar com a mãe cuidadora, e cuidar significa
orientar. A cumplicidade com a irmã adotiva ajudou na adaptação à família: [...] hoje vejo
que tem o tempo certo pra começar a orientar e ela compartilhou muito isso com a irmã, de
que estava muito angustiada, e que foi muita novidade pra ela, muita coisa nova ao mesmo
tempo, era muita coisa pra ela lidar. Esse processo de treinamento, do novo dentro de uma
casa.
94
nada de agressão física. [...] Então uma pra outra são pessoas sagradas, individualmente
elas têm uma cumplicidade e ao mesmo tempo estão se dedurando, são muito irmãs.
Esse relato nos impulsiona a pensar que, mesmo quando uma relação parece saudável,
é necessário refletir sobre a complexidade de um fenômeno que não se esgota, mas que
sempre se apresenta como um contínuo desvelar-se. Para Júlia o medo da rejeição a
paralisava, levava-a a aceitar o que não gostava. Isso fazia com que a criança se anulasse: [...]
eu lembro que eu só me dei conta foi quase um ano depois, que eu observei que ela não
gostava de algumas verduras, mas eu disse: Júlia você sempre comia. E ela dizia: mas eu
tinha medo que você me devolvesse. E ela dizia que comia tudo, era o discurso dela, “eu
adoro verduras” [...] hoje em dia eu já vejo ela negando tudo, mas quando ela verbalizou
isso é que eu me dei conta desses possíveis fantasmas que poderia estar na cabecinha dela,
eu não percebia que ela tinha esses medos, porque sempre fomos muito vinculadas, ela
sempre me chamou de mãe, desde a primeira visita que eu fiz no Abrigo.
Esses medos são explicados por Schettini (2009) como um sofrimento vivido tanto
pelos pais como pelos filhos adotivos, as possibilidades de transpor essa dor estão ligadas
com a capacidade que os pais devem desenvolver durante a convivência diária, a partir da
apreensão do filho em sua inteireza e sua singularidade.
Para Lilian nem a adaptação inicial, nem a separação entre ela e sua companheira
ameaçaram a vinculação com Júlia, o que ameaçou essa vinculação materna foi a má
95
condução do processo legal de adoção: [...] eu já tinha idéia das possíveis dificuldades da
Júlia em relação a esse processo inicial e na minha cabeça eu tinha condições de dar conta
disso [...]. Eu me senti muito estruturada pra ser mãe da Júlia [...] tive um suporte
psicoterápico anterior que me ajudou muito a dar conta dos meus limites [...] eu não dei
conta disso, desse contexto todo, não foi em relação a Júlia e não foi por conta desse
processo todo que gerou nossa separação foi por conta da justiça que realmente me
bloqueou, isso realmente me desestabilizou.
Não trabalharemos aqui essa narrativa, essa dificuldade com a justiça será trabalhada
no capítulo seguinte, por se tratar de um ponto comum aos outros três fragmentos anteriores.
Júlia adaptou-se bem à nova concepção de família. Quando solicitamos a ela que
desenhasse o lugar onde morava e as pessoas que gostava, ela nomeou voluntariamente essas
pessoas como “minha família”. Em alguns momentos da entrevista com a mãe, esta
verbalizou que ser lembrado, para Júlia, é muito importante: [...] o fato de ser lembrado pra
ela é muito importante. Talvez a forma que tenha encontrado para ser reconhecida enquanto
membro integrante da família adotiva tenha sido reconhecer todos como integrantes. Todavia,
há de se observar que Júlia não traz nesse desenho a figura do irmão Guilherme, adotado pela
F[3][AP], portanto, já internalizado como integrante de outro sistema familiar.
96
A criança inclui pessoas que moram e não moram na residência. Para algumas delas,
ela pede para escrever o nome atrás do desenho. Observamos que a casa não tem chão e todas
as pessoas estão espalhadas, parece-nos que as pessoas estão soltas. Com isso hipotetizamos a
busca de internalização dessa nova concepção de família a qual Júlia se inseriu e o desejo que
tinha em dar consistência a ela.
A família extensa teve papel importante tanto no processo inicial de adaptação como
na vivência do dia a dia de Júlia, talvez por isso ela tente trazer a presença de todos no lugar
representado como sua moradia [...] Não foi só comigo que ela teve uma família, ela teve essa
segurança com essa família aqui dessa casa, com a minha família do Rio, que de cara
recebeu ela como membro da nossa família, pessoas como avó, com a família da Mônica que
também a acolheu.
97
[...] acho que no dia em que eu recebi a guarda da Júlia eu já manifestei na vara da infância
meu desejo para que ela pudesse ter contato com o irmão Guilherme. A mãe mencionou
também que Júlia mantém contatos esporádicos com seu irmão, Guilherme, já em relação aos
outros dois disse ter buscado informações na VIJ, mas não ter localizado o endereço. [...] E
ela sempre falando dos outros irmãos. E eu sempre falando pra ela, vou tentar, vou tentar e
tentei dos outros irmãos também, mas nunca obtive respostas da Vara.
Podemos observar que a busca por informações sobre a família biológica está latente
na criança. Solicitamos Júlia que desenhasse o que desejava para o seu presente, ela
representou seu desejo em reencontrar a mãe e os irmãos biológicos.
Nos corações Júlia trouxe os dois irmãos, disse desconhecer as fisionomias deles, ela
disse ter poucas lembranças da infância que passou com eles, pois quando foi para o serviço
de acolhimento tinha três anos, porém lembrou com clareza dos nomes que inclusive, coloca
nos corações. Observamos também que é o único desenho que colore, utilizando-se da cor
vermelha, que pode traduzir afeto e amor.
98
Júlia centralizou seu desenho na folha, que para Hammer (1991) quer dizer “segurança
elevada”. Ao verbalizar à Lilian que quer informações e insistir em manter contatos com o
irmão com quem conviveu, Júlia demonstrou ter segurança na relação estabelecida com a
mãe. No que se refere ainda à localização do desenho na página, Hammer (1991, p.51) aponta
que “[...] quanto mais acima o ponto médio do conceito desenhado estiver do ponto médio da
página maior será a implicação de que o sujeito sinta que está se esforçando, de que seu alvo é
relativamente inatingível e que ele tenda a manter-se distante e relativamente inacessível”. O
acesso à informações sobre os outros irmãos é desejo manifesto, porém ainda indisponível
para Júlia.
Há indicativos na relação afetiva entre mãe e filha, verbalizada por Lilian e nos
desenhos representados por Júlia, de que as várias tentativas em resgatar a família biológica
não anularam a segurança que a criança desenvolveu com a família adotiva, a qual tem
construído uma relação de afeto. Isso é perceptível na fala da mãe: [...] Ela tem qualidades
que eu não tenho, ela tem defeitos que eu não tenho. E nós somos diferentes mesmo, e eu
tenho que respeitar isso. Isso pra mim tem que ser um processo de muito respeito porque eu
não adotei também uma criança pequena, um processo que não seja só a vontade da mãe que
prevalece, até porque eu também tenho vontade.
Essa confiança entre mãe e filha caracteriza um vínculo forte desenvolvido nessa
relação afetiva, pautada no respeito, na aceitação e no diálogo
99
Para Schettini (2009), o retorno à família biológica é natural, comum na fase de auto-
afirmação da adolescência. Para ele “[...] a busca do encontro com sua história pregressa não
representa para eles o desejo de trocar de parentalidade. Trata-se de duas circunstâncias
típicas da adolescência” (SCHETTINI, 2009, p.44,45).
O autor afirma ainda que, passado o auge desses conflitos, certamente estará
consolidada mais uma etapa (talvez a última) da escolha bilateral. Quem foi escolhido, agora
se sentirá também tendo escolhido.
100
Coaduna com esse pensamento Lévy-Soussan (2010), quando nos trás para refletir
sobre a importância que devemos dar a singularidade de cada indivíduo, considerando-o em
sua inteireza “a verdade da filiação em um sujeito é singular”. Para ele a singularidade
começa para algumas crianças por uma história de abandono. E as crianças só nascem dos
desejos que os adultos têm.
Tal teoria tece uma aproximação com a expressão do desenho de Júlia, que ao ser
solicitada para representar o que quer para o seu futuro ela corrobora com essa discussão.
Júlia verbalizou que o desenho representava “Júlia e todos os seus filhos”. Querer
cuidar de tantas crianças nos remeteu a hipótese da “cuidadora que não foi cuidada”. Para
Schettini (2009, p.57) “o desejo baseia-se naquilo que nos falta”. É muito difícil, por mais que
a criança tenha desenvolvido o vínculo de pertencimento com a família adotiva entender as
questões que levaram sua mãe “geradora” a abandonar. Júlia sempre carregará consigo,
através da marca que trás em si, o umbigo, a presença da genitora. Compreender o lugar que
irá ocupar no mundo e elaborar sua história pregressa talvez seja o mais difícil para ela,
porque lhe requer a habilidade de lidar com as dores mais íntimas da rejeição.
101
A hipótese que temos com a representação do desenho acima é a de que talvez Júlia
busque nessa sua idealização responder suas questões sobre seu abandono, à medida que
instaure nos outros o cuidado.
Todavia, faz-se necessário trabalhar essa questão com a adolescente para que a mesma
não venha a repetir o que aconteceu com Janete F[2][D], a qual adotou dezessete crianças.
Talvez isso hoje fosse quase impossível, pelo que trata a lei 12.010/09, a qual exclui a
possibilidade da adoção intuitus personae. Ainda assim, entendemos ser necessária uma
orientação profissional, para que a criança possa elaborar melhor a questão do “abandono” .
102
CAPÍTULO 5
103
Para discussão dessa zona de sentido retomo a pergunta que perpassou o processo de
identificação dos vínculos de filiação: o que levou as famílias pesquisadas a adotarem uma
criança? Esta questão foi imprescindível e, apesar de não ter sido a pergunta central desse
estudo ela guiou a resposta do objetivo desse trabalho, que era “compreender o processo de
vinculação adotiva dentro da dinâmica familiar, no ensejo de destacar indicadores que
contribuíram para construção do vínculo de filiação e indicadores que desfavoreceram essa
construção”. Entende-se que sem o aprofundamento dessa reflexão os resultados dessa
pesquisa ficariam comprometidos.
Alguns relatos sobre as motivações foram identificados como mais comuns na fala
das famílias entrevistadas. Dentre eles citam-se: a esterilidade de um ou ambos os pais, o
desejo de ter filhos quando já se passou da idade em que isto é possível biologicamente, a
idéia de que “há muitas crianças necessitadas, e que se estará ajudando-as e fazendo um bem à
sociedade”, o contato com uma criança que desperta o desejo da maternidade ou paternidade,
o parentesco com os pais biológicos que não possuem condições de cuidar da criança,
mulheres que anseiam por ser mães, mas não possuem um parceiro amoroso,
Vimos que nas F[1][D] e F[2][D] o projeto de adoção surgiu do desejo de “ajuda ao
próximo”, o que para nós apareceu como forte indicativo para devolução das crianças, porém
não único. Veremos na análise de outras zonas de sentido que existiram outros indicadores
que também contribuíram para essas devoluções. Já na F[3][AP], além do desejo de ajuda ao
próximo, o desejo de exercer a paternidade e a maternidade também estava presente na busca
pelo filho adotivo. Encontramos na F[4][AP] um desejo materno mais elaborado.
[...] se os pais são vistos como “benfeitores” aos quais se deve gratidão, o filho fica
impedido de viver e exprimir a sua agressividade, rivalidade e competição. Pais
excessivamente idealizados tornam demasiadamente culpabilizada a agressividade
do filho, com todos os efeitos nocivos que isso provocará no seu psiquismo. (DINIZ,
1993 citado em LEVINZON, 2004, p. 18).
104
Foi pensando nesses indicadores presentes nos fragmentos estudados que enviesaram o
encontro ou promoveram o desencontro com o filho adotivo que se construiu esse capítulo.
Assim, apresenta-se a seguir a análise das demais zonas de sentido que se destacaram nas
entrevistas com as famílias.
Em todas as famílias pesquisadas, tanto para os pais como para os filhos adotivos,
encontramos ambiguidade no processo de filiação. É sabido que essa ambivalência nos
sentimentos experimentados na relação afetiva, seja ela adotiva ou não, é esperada. Todavia,
observou-se que essa ambigüidade tornou-se “problemática” quando sua forte intensidade
passou a ser um modo de funcionamento, o que gerou intensificação de conflitos que
comprometeram a qualidade do vínculo e trouxe maiores dificuldades para a criança,
principalmente ao se ver incluída no imaginário parental como filha.
A F[1][D] apresentou ambiguidade pelo desejo de ajudar a criança a ter uma família
e o ter uma filha. A adoção nasceu muito mais da vontade da ajuda, com o intuito de salvar a
criança de sua má sorte de conviver em uma família violenta, agressiva e usuária de droga, do
que de uma necessidade ou desejo materno. Essa adoção também foi incitada pela mãe
biológica como uma obrigação. Observou-se que a mãe adotiva deu pouca importância à
história de sofrimento da filha, considerou que as perdas, as rejeições e os abandonos sofridos
por esta não foram motivos suficientes que justificassem seu desamor ou sua falta de afeto.
Essa vivência de sofrimento ganhou uma dimensão maior a medida que a criança começou a
105
apresentar situações de rebeldia a partir de atos ilícitos como: roubos, mentiras e fugas. O
principal argumento apresentado pela mãe adotiva foi o de que a filha nunca desenvolveu o
vínculo com a família adotiva, o que é contrariado pela expressão gráfica da criança, que em
vários momentos demonstrou ter afeto por essa família. Todavia, com um vínculo que
pareceu-nos não ter se concretizado em sua inteireza.
Não muito distante dessa realidade vimos que na F[2][D] essa ambiguidade também
esteve presente. A força motriz que moveu Janete a adotar não só Cláudia, mas outras
dezessete crianças perpassou o desejo da ajuda ao próximo. A mãe argumentou que não
efetivou o processo de adoção devido ao pai biológico de Cláudia, que lhe extorquia muito
dinheiro. Todavia, a requerente se contradisse quando decidiu-se pela devolução de apenas
um dos filhos, ficando com o outro, o qual é irmão de Cláudia. A devolução inseriu-se no
contexto de conflitos que repercutiram em agressões físicas e verbais entre ambas. Outro
argumento utilizado por Janete para devolução deveu-se à sua suspeita de a filha fazer uso de
drogas, o que é negado por Cláudia. Esta mencionou que sua convivência com a mãe sempre
foi conturbada, permeada de suspeitas infundadas e acusações, inclusive verbalizou que foi
considerada pela mãe como “bode expiatório”, responsável por tudo de errado que acontecia
na casa.
Uma possível hipótese que identificamos para justificar sua “rebeldia”, além da
transição da fase da infância para a adolescência, foi a insegurança que Cláudia desenvolveu
com a demora da finalização do processo de adoção. Outra hipótese seria o fato da dificuldade
de Janete lidar com a possibilidade de a filha estar fazendo uso de droga. A mãe vivenciou
essas dificuldades em sua história de vida, com a dependência do pai biológico, com o ex-
marido e os filhos biológicos que são ainda usuários de drogas. A drogadição da filha
apresentou-se nesse estudo, pelo que foi constatado na fala de Cláudia, como uma
conseqüência e não como uma causa do conflito.
Observamos também que o diálogo nessa relação familiar era pouco presente, o que
intensificou os conflitos entre mãe e filha, principalmente com a fase da adolescência.
Após ser entregue à VIJ, Cláudia rompeu o vínculo com essa família adotiva. Durante
a entrevista mencionou ter passado por um doloroso processo de rejeição, em virtude da
devolução e do rompimento do convívio com o irmão. Há de se ainda mencionar que tanto
mãe quanto filha demonstraram muita ambiguidade sobre as possibilidades de reaverem o
vínculo de filiação. Por um lado, Cláudia expressou saudades da família adotiva, todavia
106
também verbalizou que não tem intenção de morar novamente com Janete. Por outro lado, sua
mãe adotiva falou do perdão e da vontade que tinha de reencontrar a filha e do desejo de
continuar cuidando dela.
Talvez esse tenha sido o caminho encontrado para provar a essa mãe que conseguiu
apreender o lhe foi ensinado durante sua convivência e superar, pelo menos em parte, sua
rejeição. Cláudia rompeu em parte o ciclo de dependência afetiva, com essa mãe e rompeu
totalmente o ciclo de dependência econômica. Por outro lado Janete pareceu ser impulsionada
pela necessidade de perdoar a filha, esse perdão advém de sua crença religiosa, que é notória
em sua fala, mas também do seu desejo de ter a filha de volta em sua casa.
Não indiferente a isso, Guilherme absorveu a angústia da perda sofrida pelos pais e o
desejo de inserir-se como parte integrante nessa família. Aqui, identificou-se a ambiguidade
107
entre o desejo de demonstrar afeto e a necessidade de vivenciar o luto da perda do filho. A
inscrição de Guilherme nessa família deveu-se ao excesso de afeto voluntário direcionado aos
pais, pela cumplicidade matrimonial entre os pais e o apoio emocional buscado na religião.
Por último, não menos importante, observou-se que na F[4][AP] o desejo pela
maternidade foi notório na fala da mãe. O vínculo afetivo que perpassou essa relação filial foi
considerado forte, apesar de ainda não ter sido concretizado em sua inteireza. Todavia, a mãe,
na busca de preencher o vazio deixado pela família de origem da criança, buscou
incessantemente alimentá-la com informações referentes à sua origem. A filha, pela
expressividade do desenho, demonstrou angústia. A busca constante em responder sempre à
necessidade da filha pela busca de sua origem, sem ponderar o que lhe era possível, pareceu
angustiá-la.
108
Alguns autores como Levinzon (2004) e Schettini (2009) ressaltam a importância do
momento da revelação, que comparam a situações como um casamento ou um ritual de
passagem, e que podem servir para unir a família. Outros enfatizam que é uma experiência
que sempre deixa um “gosto amargo”.
Hamad (2010) sugere que se prepare um álbum com fotografias que representem uma
espécie de pequena reportagem com os pais adotivos: as fotos da maternidade ou do serviço
de acolhimento, onde estava a criança e do encontro com os pais adotivos. Para ele, a criança
deve poder manipular esse álbum tatilmente, quase como um brinquedo, que representa a
materialização do que se chamará: “nosso encontro contigo”.
Todavia, o importante não é o que se utilizará para contar essa história, mas o carinho
e a ternura com que será contada. Deve ficar claro que não é uma história na qual um herói
realiza feitos incríveis, e nem um mártir que sofre terríveis injustiças. É simplesmente a
história de pessoas que buscam uma às outras, procurando experienciar o sentimento tão
importante de estar inserido em uma família.
É notório ter claro que todo processo de adoção baseia-se de alguma forma em uma
experiência de perda ou rejeição. Há uma ruptura na experiência biológica da criança, que é
inegável, e que deixa marcas que influenciam sua auto-imagem e sua capacidade de se
vincular a outrem. A perda é acompanhada de um processo de luto relativo aos seus genitores,
que precisa ser elaborado antes de sua inserção em outra família.
[...] na descoberta de relance que não existe história boa ou má, mas uma história
singular. E toda história só e singular à medida que se chega a torná-la suportável.
Ela se mostra suportável a partir do momento em que o equívoco, como nos ditos
espirituosos, vem desfazer o domínio dos significantes que se congelam em uma
significação que nos causa vergonha, como por exemplo: “eu sou uma criança
adotada” (HAMAD 2010, p. 54).
109
pais adotivos em fornecerem informações ao filho, mesmo considerando a família biológica
do filho sensata ao “abandonar e rejeitá-lo”. Percebemos que a F[4] [AP] a todo momento
manteve a filha consciente sobre sua origem. Veremos a seguir uma breve apreciação sobre
cada família.
Ressalta-se aqui que Joana passou por uma história familiar dolorosa, com a separação
dos seus pais e o falecimento de um irmão. Outro ponto importante de mencionar é que essa
mãe adotiva dependia financeiramente dos pais biológicos. Isabel apareceu em sua vida como
uma “luz no fim do túnel”, que a ajudaria transpor essas barreiras afetivas. No entanto, suas
dificuldades “internas” de elaboração da carência afetiva, parecem ter influenciado
diretamente nesse processo de vinculação com a filha. Em contrapartida a criança
demonstrou, a partir dos desenhos, ter afeto por essa família adotiva, porém com vínculos
fragilizados.
Observou-se que no caso de sua irmã F[4][AP], esta foi muito exposta às informações
sobre a família biológica, tanto que nos desenhos demonstrou ansiedade em ter contato com a
mãe e os outros dois irmãos biológicos. Percebeu-se pela fala da mãe um movimento contínuo
na busca de informações sobre o paradeiro da família biológica. Houve um cuidado por parte
dessa mãe em tentar resgatar todas as informações pertinentes à origem da filha. Todavia,
Schettini (2009) nos alerta sobre o cuidado que deve ser dado sobre a exposição demasiada da
verdade ao filho adotivo. Para o autor, a pedagogia da adoção nos indica que é necessário
apresentar ao adotivo o que se considera indispensável, deve-se cuidar para não impor o que
ele ainda não deseja encontrar.
Observou-se também que essa mãe se envolveu mais que a F [3] [AP] na tentativa de
colocar os irmãos adotivos em contato, houve um respeito à convivência de ambos. Ao
contrário do que aconteceu com a F[3][AP], que pareceu-nos não ter segurança sobre essa
aproximação entre os irmãos. Todavia, o principal motivo levantado por essa família para não
investir na convivência dos irmãos foi a falta de orientação profissional para lidar com a
questão da homossexualidade da mãe adotiva de Guilherme.
111
[...] a busca de um sujeito que não se situa num corpo, nem numa verdade biológica,
nem nos genes, e sim no seu psiquismo, é uma constante. Ali são vividos estados de
sofrimento, de dúvida, de questionamento para o sujeito que se interroga sobre os
vínculos que o unem a seus próprios pais. A verdade da filiação em um sujeito é
singular. Ela se fala e se diz em relação à vivência daquele que se conta. A filiação
se constrói nessa auto-narração que busca ligar o sujeito a sua família. (LÉVY-
SOUSSAN, 2010, p. 88, citado em TRINDADE-SALAVERT, I (Org.).
Dentro desse contexto, observamos que nas F[1][D], F[2][D] e F[3][AP] a falta de
diálogo e de disposição afetiva dos adultos em se aproximarem das crianças intensificaram os
conflito. Isso representou elementos significativos na transposição dos vínculos de filiação.
Por outro lado, na F[4][AP] o diálogo e o acolhimento das dúvidas da criança proporcionaram
uma maior vinculação afetiva à família adotiva.
Conforme indicado no início desse capítulo, as motivações que levam à adoção são
inúmeras. Todavia, o desejo de se ter um filho só surge da criança imaginária criada pelos
pais adotivos. Para Levinzon (2004) esse desejo surge quando a criança imaginada está a
frente da empreitada familiar.
[...] pode ser o órfão a ser procurado, porque a pessoa desde pequena disse que iria
“ajudar um órfão”, ou ainda a menininha sonhada, com quem se poderá reviver e
tentar reconstruir detalhes de uma infância passada, ou então o herdeiro, que
prolongará o nome da família. Aos poucos, essa criança que habita o imaginário dos
pais passa a ter um rosto, uma identidade. A criança imaginária não corresponderá à
criança real. (LEVINZON, 2004, p.43).
112
Muitas pessoas levam para casa uma criança exausta, assustada, desorientada e doente.
Isso não combina com a pintura perfeita que imaginaram. No entanto, pais adotivos podem
apresentar uma dificuldade maior em expressar seus desapontamentos como: “eu gostaria que
tivesse sido um menino” ou “eu estava imaginando um bebê calmo” ou “eu não posso
acreditar que a cor de seu cabelo não é igual ao meu”. Eles podem sentir que só lhes cabe a
expressão da gratidão pelo que receberam e que os sentimentos de frustração normais
estragariam um cenário frágil e vulnerável.
Levinzon (2004) defende que quanto mais os pais estiverem conscientes de que podem
haver diferenças na criança que esperam, e que a adoção apresenta desafios que lhe são
inerentes, mais estarão preparados para conviver com a criança de acordo com a sua
especificidade. Defende ainda que os sentimentos e expectativas dos pais têm influência
determinante na formação da personalidade dessas crianças.
A autora incita a idéia sobre a fantasia do roubo da criança imaginada pelos seus pais
adotivos, onde eles sentem como se tivessem “surrupiado” a criança e a qualquer momento
pudesse surgir alguém que reclamasse a posse dessas crianças. Para ela essas fantasias podem
estar relacionadas a:
Por outro lado, a criança adotiva também pode fantasiar que ter continuado com seus
pais a teria feito mais feliz. Para Levinzon (2004), esse tido de fantasia apresenta-se como
dolorosa aos pais adotivos, principalmente quando seus sentimentos de vinculação parental e
suas angústias com relação ao processo de adoção não estão bem elaborados.
113
O grande desafio que se apresenta nestes casos é não confundir uma dimensão
fantasiosa por parte da criança com a realidade. Por isto, é importante que tenham
uma boa noção sobre o desenvolvimento infantil e do que é normalmente esperado
em uma criança. Em função dessas dificuldades dos pais, o filho adotivo pode se ver
privado da possibilidade de construir e expressar fantasias defensivas do tipo do
“romance familiar”. Nesses casos, a relação com a realidade torna a fantasia um
elemento demasiadamente agressivo e ameaçador.
(LEVINZON, 2004, p. 67).
Essa teoria coaduna com a fala das famílias pesquisadas, conforme podemos visualizar
a seguir.
Já na F[3][AP] o fator estressante para adaptação do novo membro à família foi sua
incensante solicitação de carinho e atenção, normal à fase de desenvolvimento infantil. Os
pais idealizaram um filho que não requeresse muito sua atenção e seu afeto. O anseio de
contato com a família biológica também pareceu algo que incomodou a família adotiva. A
família também verbalizou a idealização de um filho recém-nascido que pudesse ser moldado
a seus costumes, todavia a mudança de perfil surgiu como um atrativo para agilização do
processo. Todas essas variáveis suscitaram a reflexão sobre a necessidade de uma preparação
adequada à família antes e durante o processo de adoção. Isso será tratado no item seguinte.
Na F[4][AP] observou-se que o desejo pela adoção da mãe adotiva foi trabalhado
antes e durante o processo de filiação e compartilhado a todo o momento com a companheira
e toda a família extensa. As diferenças físicas e a idade da criança não se constituíram em
dificuldades encontradas no processo de filiação. Apesar de a criança não ter sido preparada
para inclusão em uma família adotiva, ela encontrou espaço nessa família para expressar seus
anseios e medos, o que contribuiu significativamente para sua vinculação afetiva.
115
No que consiste uma boa preparação para a criança que está cadastrada para adoção e
para as pessoas que pretendem adotar? Essa indagação perpassou todos os discursos das
famílias entrevistadas e a análise dos desenhos dos respectivos filhos adotivos. De forma que
exigiu-nos uma reflexão mais aprofundada sobre o assunto. Salienta-se que não foi
intenção chegar a uma receita básica sobre como preparar crianças e pais para o verdadeiro
encontro de filiação. O objetivo maior foi mostrar os indicadores que viabilizaram o encontro
filial, apresentados pelos próprios sujeitos entrevistados, no que se refere à preparação para
adoção.
Para isso, foi notório considerar que o sucesso da adoção também esteve inscrito na
efetiva elaboração do luto da criança em relação à sua família biológica. Insistimos na tese de
que uma criança não pode ir para adoção sem antes saber o que está acontecendo com ela,
sem antes ter claro que sua família de origem não é mais sua família legal, mas que essa
mesma família pode permanecer dentro dela afetivamente.
Por outro lado, entendemos que a família também precisa compreender um pouco
mais sobre a criança, precisa saber um pouco mais sobre a história de vida que ela traz, saber
o que ela vai precisar, que tipo de acolhimento será necessário oferecer, quais são os desejos e
os sonhos dessa criança. É imprescindível que tanto a criança como a família se conheçam
minimamente antes do encontro concreto.
A Lei 12.010/09 trouxe um avanço em termos de reflexão sobre adoção, pois passou a
exigir que os candidatos a pais por adoção passem pelo processo de preparação. Todavia, a lei
coloca isso antes do estudo psicossocial. Isso ainda continua sendo um entrave, pois o espaço
de tempo entre esse preparo, o estudo e o acolhimento de uma criança na família adotiva é
muito extenso, salvo raras exceções. Isso continua interferindo no distanciamento do que é
trabalhado nos programas de preparação para adoção e no que a família vive em seu encontro
real com a criança adotada. Talvez um acompanhamento mais sistematizado no estágio de
convivência possibilitasse a essas famílias lidar com seus anseios e medos quando a criança
imaginada se torna real. Entendemos aqui que o processo ideal de adoção necessita de dois
momentos, o que antecede o psicossocial, e o que antecede à ida da criança para essa família.
Esta questão é bastante complexa, coordenar as necessidades dos pais e das crianças
representa um constante desafio para os profissionais que lidam com o tema, pois requer tanto
do Judiciário como do Executivo, uma sensibilização sobre a causa. Além disso, requer ações
pontuais, como: contratação de mais profissionais preparados sobre o tema para efetivação
116
dos programas de adoção: aumento no quadro funcional do Judiciário para realização dos
estudos psicossociais; contratação de profissionais preparados nos serviços de acolhimento,
visando uma preparação da saída da criança mais grupos terapêuticos com espaços para
discussões das demandas reais que a criança apresenta após o acolhimento na família adotiva,
e sobretudo, ações processuais que ultrapassem os entraves burocráticos.
Sobre o último ponto indicado acima, Winnicott (1999) afirma que a demora pode ser
séria e destruir um bom trabalho, de modo que quando os pais recebem a criança, muita coisa
já aconteceu na vida dela. A demora e os adiamentos, quando os pais já estão prontos, podem
fazer com que estes percam a disposição especial no momento certo para os cuidados com a
criança. Lenvizon (2004) corrobora com essa idéia quando afirma que:
[...] é comum os pais receberem um bebê que teve cuidados inadequados antes de
ser adotado, e como resultado pode-se dizer que eles não apenas receberam um bebê,
mas também um “problema psicologicamente complexo”. O grau de perturbação
ambiental que a criança sofreu antes da adoção influencia sobremaneira o seu
desenvolvimento emocional e possibilita uma estimativa quanto à futura necessidade
de um acompanhamento profissional (LEVINZON, 2004, p.22).
A autora complementa que quando a criança passou por privações ambientais
importantes e sua história inicial não foi suficientemente boa em relação à estabilidade
ambiental é necessário que os requerentes tenham clareza sobre a demanda afetiva que essa
criança demandará deles. Nesse sentido é imprescindível que os pais sejam alertados, pois o
cuidado com essa criança, a qual exigirá deles mais do que um simples cuidado básico, a
persistência do afeto é que determinará a qualidade do vínculo de filiação.
A partir desse contexto propomos uma reflexão sobre aquilo que as famílias e
respectivos filhos adotivos disseram sobre a preparação durante o processo de adoção.
Observou-se que todas as crianças, participantes desse estudo não foram preparadas
para adoção. Todavia, ressaltamos que a criança da F[1][D] e a da F[4][AP] receberam
atendimento terapêutico particular depois da efetivação do processo de adoção. Todas as
crianças, inclusive aquelas que se encontraram integradas afetivamente à família adotiva, não
conseguiram transpor o vínculo da família biológica para família adotiva em sua inteireza.
Para aquelas que continuaram com suas famílias adotivas, vemos que essa transposição está
se dando gradativamente no ritmo pessoal de cada filho adotivo.
Para Schettini (2009) a transposição do vínculo afetivo é a tarefa mais delicada vivida
pela criança, porque implica que ela saiba com clareza sobre sua família biológica e os
motivos que levaram à sua adoção.
117
É preciso levar em conta o risco que a criança vive ao se perceber cada vez mais
distante da sua origem (pais biológicos) Tal situação poderá produzir o rompimento
sem que ainda o novo vínculo afetivo com a família substituta esteja consolidado. O
arrojo do trapezista que se lança para agarrar-se às mãos do seu parceiro ilustra bem
o sentimento de ameaça contido na transposição afetiva que consiste no espaço, por
menor que seja, entre soltar-se do seu trapézio e sentir-se seguro nas mãos do
companheiro (SCHETTINI, 2009, p.58).
Nesse sentido é que se faz imprescindível a preparação da criança e da família, pois
ambas as partes se encontram envolvidas emocionalmente em demasiado para ponderar sobre
os desafios inerentes ao processo da filiação adotiva. A falta de preparo pode se transformar
em uma armadilha nos momentos de conflito e desestabilizar o que já foi construído ao longo
do convívio familiar e levar ao fracasso da adoção.
Por outro lado, a F[2][D] disse ter recebido orientações do Judiciário para devolver a
filha devido os “problemas” causados por ela. Porém, disse ter buscado nessa devolução uma
alternativa para que a filha fosse encaminhada para uma clínica de desintoxicação. Todavia, a
118
mãe não disse ter procurado ajuda na saúde, antes da devolução. Outra contradição da fala
dessa mãe é que ela mantém financeiramente um filho adotivo dependente químico fora de
sua residência, que inclusive tem dezessete anos. Por que pedir o acolhimento institucional de
um e do outro não? Incitamos mais uma vez a não concretização da filiação adotiva nessa
relação entre mãe e filha, que inclusive não foi mesmo efetivada judicialmente.
Em contrapartida, faltou a essa filha orientação sobre seus direitos. Ela foi
encaminhada para o serviço de acolhimento e depois passou por uma clínica de
desintoxicação. Após completar dezoito anos, foi encaminhada para o mercado de trabalho e
não recebeu nenhuma orientação da Justiça ou outro serviço de defesa da criança e do
adolescente sobre seus direitos adquiridos após conviver quinze anos com a família adotiva.
Entende-se que mesmo que o processo legal não tenha sido concluído, a mesma poderia ter
recebido apoio financeiro da família adotiva, após devolução, já que o apoio afetivo não foi
possível.
Por fim, a F[4][AP] pareceu bastante estruturada para adoção, devido o vínculo
externo desenvolvido em seu processo psicoterápico. Disse não ter recebido orientação da
VIJ, recriminou a burocracia e a discriminação sofrida devido sua opção sexual.
Importante ressaltar que as F[1][D] e F[2][D] não estavam habilitadas na VIJ, tendo
assim esta adoção caráter intuitus personae, enquanto que as F[3][AP]e F[4][AP], passaram
por todos os trâmites legais da adoção.
Schettini (2009) orienta-nos que quanto mais amplo for o reconhecimento da interação
da criança adotada na família, mais segura ela se sentirá em face do sentimento de abandono,
que traz dentro de si.
Nesse sentido, entendemos que a não aceitação da criança está relacionada a uma série
de fatores, dentre eles destacamos os que mais apareceram nas famílias pesquisadas: a
interrupção da linhagem, a história pregressa da criança como fator determinante de seu
caráter e, por último, não menos importante, a ameaça do desconhecido e a aceitação das
diferenças.
120
Outras pesquisas que já foram realizadas com pais adotivos de várias partes do Brasil,
como é o caso da de Ebrahin (1999, citado em SCHETTINI, 2006, p.173), que entrevistou 81
pais adotivos e a de Weber (2001, citado em SCHETTINI, 2006, p. 173) com 240
participantes, constataram que o apoio dos familiares e dos amigos foi considerado um fator
decisivo para o sucesso da adoção. Nesse sentido é que reafirmamos mais uma vez que um
dos fatores que favorece o sucesso da adoção é o apoio recebido por sua rede social primária.
A experiência tem mostrado que a convivência com o filho adotivo acaba por
contagiar a família extensa, as próprias crianças se encarregam de minar a resistência a sua
aceitação. Hamad (2010) argumenta que quando isso não acontece é necessário que os pais
adotivos assumam a defesa do filho adotivo, limitando seu contato com a família extensa, no
intuito de evitar constrangimentos e discriminação.
Dentro desse contexto observou-se que uma das dificuldades encontrada pela mãe
adotiva da F[1][D] foi a falta de clareza em aceitar a importância da família extensa,
principalmente a falta do envolvimento da avó materna adotiva que residia na mesma casa.
Nesse caso, a família extensa também não foi informada previamente do desejo pela adoção,
mesmo porque esse talvez não tenha existido realmente. A recusa pela adoção persistiu
durante os cinco anos de convivência e a mãe adotiva nunca reagiu as discriminações e
preconceitos dispensados por essa família extensa à filha.
Uma hipótese identificada neste caso foi a fragilidade com que foram construídos os
vínculos de filiação nessa família. Observou-se que a relação afetiva entre mãe e filha adotiva
praticamente não existiu. A avó materna adotiva, por sua vez, tinha grande dificuldade em
interagir de forma afetiva com sua filha e a neta adotiva, devido à perda sofrida do filho
biológico. O luto dessa perda parece não ter sido elaborado por essa família. Nos desenhos
que a criança elaborou, o afeto apareceu de forma fragmentada, foi possível visualizar essa
hipótese na observação das pessoas que estavam distantes umas das outras, e sem partes do
corpo como, por exemplo, um dos braços, no desenho cinco.
121
Não muito distante dessa realidade observou-se que na F[2][D] a família extensa,
incluindo os outros filhos adotivos, não foram consultados sobre a adoção. Na fala da
adolescente essa mesma família a aceitou. Todavia, devido à rigidez da mãe adotiva, a família
extensa não interferiu em sua devolução. Corrobora com essa hipótese a teoria de Minuchin
(1982) quando o autor defende que famílias muito rígidas buscam a todo preço manter um
status quo inatingível, pois vivem com muita dificuldade os períodos que exigem mudança e
maturação. Para ele “[...] às famílias organizadas rigidamente muitas vezes se apresentam
como não precisando ou não querendo qualquer mudança na família. Os padrões transacionais
preferidos são mantidos inflexivelmente”. (MINUCHIN, 1982, p. 219).
Essa dinâmica estava perceptível na fala da mãe adotiva de F[2][D]. Por outro lado,
observou-se que o vínculo interno e externo desenvolvido pela adolescente com essa família
foi um dos fatores que a ajudaram a superar as dificuldades da devolução.
Entendemos aqui como silêncio o mais íntimo e doloroso dos sentimentos vivenciado
pelas famílias pesquisadas, e tantas outras que vivenciam o desencontro no processo de
adoção. Talvez a maior dor dessas famílias esteja no “fracasso” em não conseguirem transpor
as barreiras dos seus anseios pessoais.
Quando uma adoção não dá certo é necessário pensar nos motivos que levaram essas
famílias ou respectivos filhos a não processarem o verdadeiro encontro. Poderemos então
visualizar não apenas uma resposta, mas várias. Em geral, a primeira coisa que pensamos é
quem foi o culpado da devolução e não quais os motivos que suscitaram esse desencontro.
No caso da F[2][D] observamos que a mãe, em uma tentativa de justificar seu ato de
devolução, culpa a filha pelo fracasso da adoção. Na teoria do vínculo de Picnhon-Rivière
(1986) esse tipo de vínculo é denominado como paranóico, o qual se caracteriza por
reclamações e desconfiança constante do outro. Todavia, a filha não se viu nem no papel de
vítima, nem no papel de acusadora da mãe adotiva. Pelo contrário, sua narrativa caminhou
para a tese de que o encontro filial não foi possível porque ela tinha um pensamento diferente
do de sua mãe. No entanto, verbalizou um profundo sofrimento por não mais conviver com
seu irmão biológico que continuou morando com a mãe adotiva.
Hipotetizamos, então, que a vinculação afetiva com a mãe adotiva, com o irmão
biológico e com as pessoas de referência no serviço de acolhimento, mesmo imbuídas de
conflitos, foram fundamentais para o crescimento pessoal de Cláudia e o enfrentamento da
devolução.
Então, é possível considerar que nos dois casos F[3][AP] e F[4][AP] um dos
indicadores que evitou a devolução pode estar fundamentado no olhar cuidadoso,
123
desenvolvido pelos pais, em relação aos medos que os filhos demonstraram na relação de
filiação. O estabelecimento da relação afetiva e o apego seguro aos pais adotivos tornaram-se
um alento para o filho adotado, preenchendo assim as lacunas deixadas pelas perdas do
vínculo inicial de suas origens.
Vimos que algumas vezes as incertezas dos pais adotivos se confundiram com a dos
filhos. Algumas vezes essas dores atingiram mais a uns que a outros, principalmente pelo
sentimento de impotência presente, também nas falas das F[3][AP] e F[4][AP]. Todavia, pelo
afeto e diálogo foi possível superar esses desafios.
124
CAPÍTULO 6
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Há de se considerar que tanto pais quanto filhos adotivos devam ter à sua disposição
serviços públicos que disponham de uma equipe preparada, capaz de auxiliá-los nas
dificuldades encontradas durante o encontro real com a criança, e não só, durante a tramitação
legal do processo de adoção. Não descaracterizamos aqui a importância dos grupos de apoio à
adoção pelo contrário, são eles os responsáveis, na realidade do Distrito Federal, pelo sucesso
e concretização de muitas adoções.
125
Os resultados dessa pesquisa nos mostraram que o vínculo de filiação perpassou o
vínculo que foi construído com a rede relacional dos requerentes. Assim, o apoio familiar e
dos amigos se tornou fundamental para superação dos conflitos de ordem emocional. No
entanto, vimos também que tal interação aconteceu gradativamente, à medida que esses
membros processaram o encontro real com a criança. No entanto, para as famílias que
“rejeitaram” a criança adotiva não houve essa interação
Se por um lado observamos que foi necessária uma boa elaboração das motivações por
parte dos pais adotivos e uma aceitação por parte da família extensa, por outro identificamos
que a adoção se tornou um árduo caminho tanto para os requerentes como para o filho
adotivo, quando este último não passou pela elaboração do luto de sua família de origem.
A expressividade pelo desenho das crianças adotivas nesse estudo nos indicou que a
transposição do vínculo de filiação estava diretamente ligada à revelação sobre sua origem e à
disponibilidade afetiva da família adotante em acolher as dúvidas e incertezas dessas crianças.
Observamos que esse processo se tornou menos doloroso quando os requerentes
compreenderam suas limitações e as singularidades da história de vida da criança.
Independente das crianças terem ou não permanecido com suas famílias adotantes, em
todos os casos estudados aqui, a transposição do vínculo de filiação não se deu em sua
inteireza, percebemos que esse processo ainda está sendo construído na convivência dessas
famílias. Essa questão é complexa e requer um olhar mais atento dos profissionais que lidam
com o tema de adoção, pois há crianças que conseguem elaborar essa transposição de forma
tranquila, enquanto outras permanecem boa parte de sua convivência, se não toda, tentando
efetivar o verdadeiro encontro com seus pais adotivos.
Para exemplificar essa hipótese, nos reportamos aqui a outro estudo que não faz
referência específica à adoção, mas que aponta para a assertiva de que algumas pessoas são
influenciadas na vida adulta pelas vivências que tiveram em sua. De acordo com este estudo
(MILLER, 1986 citado em MAGALHÃES, 2001) crianças que foram usadas em sua infância
para atenderem desejos narcísicos de seus pais ou cuidadores, aprenderam a ignorar na vida
126
adulta suas próprias necessidades e adquiriram uma responsabilidade emocional intensa e uma
percepção aguçada das necessidades alheias, esse papel provavelmente foi assumido na
infância dessas crianças como uma necessidade para manter a homeostase dessas famílias.
Em síntese, concluímos que a adoção oferece às crianças um lar e uma família estável,
e aos pais a oportunidade de realizar o seu papel parental. No entanto, quando examinamos o
universo da adoção, não podemos deixar de considerar que ela envolve dores e desafios, e que
em sua origem comumente encontramos histórias de muito sofrimento, que podem ser melhor
enfrentadas se tanto os requerentes quanto as crianças que estão para adoção forem mais bem
preparados para essa empreitada.
E por último, talvez o mais importante a ser observado naqueles que participaram do
processo de adoção, cada um à sua medida, foi é a ressignificação pessoal que os sujeitos da
pesquisa nos apresentaram. De alguma forma essas famílias e seus respectivos filhos se
transformaram, alguns mais pela dor, outros pela alegria do verdadeiro encontro.
Observamos que na F[1][D] e na F[2][D] faltou viver o que Clarice Lispector teceu em
sua poesia: “Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu
mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento”.
Talvez essa seja a grande descoberta que viabiliza o verdadeiro encontro na adoção:
fazer com que os envolvidos no processo (famílias, crianças adotáveis e profissionais),
reflitam continuamente sobre os desafios inerentes ao processo de adoção e às possibilidades
em relação à transposição desses desafios, antes que o conflito ganhe a dimensão da
devolução.
128
GLOSÁRIO
Proteção Social
Tomando por base esse conceito, assume-se que a proteção social se expressa a partir
de um sistema de medidas pelas quais a sociedade se organiza para que seus membros tenham
apoio para superar suas vicissitudes. Neste conceito incluem-se principalmente aquelas
medidas que são voltadas à superação de vulnerabilidades sociais decorrentes de pobreza e de
privação.
129
No que se refere à proteção social de crianças e de adolescentes, no Brasil, as medidas
diretamente protetivas estão expressas nos artigos 101 e 129 da Lei nº 8.069/90 – Estatuto da
Criança e do Adolescente-ECA. São, também, parte dessa proteção as determinações
expressas pelo ECA sobre a preservação dos vínculos familiares originais, recomendando
evitar, sempre que possível e no melhor interesse da criança, rupturas que possam
comprometer o seu desenvolvimento. O Plano Nacional de Assistência Social – PNAS
(2004:19-20) elenca as seguintes garantias como de responsabilidade expressa do Estado e da
Sociedade em relação à proteção social:
130
b) Os Benefícios de Prestação Continuada (BPC): configuram-se como elementos
potencializadores da proteção ofertada pelos serviços de natureza básica ou
especial, contribuindo dessa forma com o fortalecimento das potencialidade de
indivíduos e familiares.
c) O Protocolo de Gestão Integrada de Serviços, Benefícios e Transferências de
Renda no âmbito do SUAS: trata dessa articulação entre a prestação dos
Benefícios Eventuais e os serviços socioassistenciais. Compõem a Proteção Social
Básica, dada a natureza de sua realização.
A Proteção Social Básica atua por intermédio de diferentes unidades. Dentre elas,
destacam-se os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) que são uma unidade
pública estatal descentralizada da Política Nacional de Assistência Social (PNAS).
O CRAS atua como a principal porta de entrada do Sistema Único de Assistência
Social (SUAS), dada sua capilaridade nos territórios e é responsável pela organização e
oferta de serviços da Proteção Social Básica nas áreas de vulnerabilidade e risco social e a
rede de serviços socioeducativos direcionados para grupos específicos, dentre eles os
Centros de Convivência para crianças, jovens e idosos. Dividem-se em três principais eixos
de atuação: o Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF); os Serviços de
Convivência e Fortalecimento de Vínculos, que são quatro, organizados por faixa etária
(crianças, adolescentes, jovens e idosos), e o Serviço de Proteção Social Básica no
Domicílio para Pessoas com Deficiência e Idosas.
131
- proteção social especial de média complexidade, que difere da proteção básica por se
tratar de um atendimento dirigido às situações de violação de direitos. Essa proteção é
destinada às famílias e indivíduos que, mesmo tendo tido seus direitos violados, não tiveram
seus vínculos familiar e comunitário rompidos. Há cinco serviços de média complexidade,
divididos por público, sendo eles: atendimento a adolescentes em cumprimento de medida
socioeducativa que visa desenvolver atividades que possibilitem uma nova perspectiva de
vida futura. Já no caso de indivíduos que enfrentaram afastamento do convívio familiar
devido à aplicação de alguma medida judicial, é oferecido o Serviço de Proteção e
Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI). Pessoas com deficiência,
idosas e suas famílias também encontram acompanhamento específico. Nessa situação, os
indivíduos são acompanhados para prevenir o preconceito e a exclusão. Para pessoas em
situação de rua, as atividades desenvolvem as relações sociais para a construção de novos
projetos de vida.
132
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WINNICOTT, D. W. Tudo começa em casa. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
137
ANEXOS 1
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
MODELO DE TCLE PARA O RESPONSÁVEL LEGAL DA CRIANÇA E/OU
ADOLESCENTE ADOTADO
Eu,______________________________________________________________,
concedo a permissão para que meu filho(a)
___________________________________participe da pesquisa intitulada
“RESSIGNIFICANDO O PROCESSO DE ADOÇÃO: ENCONTROS E
DESENCONTROS”, a qual faz parte do mestrado em psicologia realizado pela Universidade
Católica de Brasília.
Estou ciente que, de maneira geral, a pesquisa tem como objetivo analisar a relação
dos vínculos afetivos desenvolvidos no processo de adoção entre a família que adota e a
criança e o adolescente que é adotado. Estou ciente também que a coleta de dados será feita
por meio de gravação de entrevista estruturada.
Declaro, que após ser esclarecido pelo pesquisador a respeito da pesquisa, consinto
voluntariamente a participação do(a)(s) meu/minha (s) filho (a)(s) nesta pesquisa.
Brasília, ............/............/............
________________________________________________________
Assinatura
________________________________________________________
Nome impresso
Contatos:
Patrícia Jakeliny F. de Souza Moraes jakeliny@hotmail.com
Prof.: Vicente de Paula Faleiros faleiros@ucb.br
Prof.: Marta Helena de Freitas mhelena@ucb.br
138
ANEXO 2
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
MODELO DE TCLE PARA O RESPONSÁVEL LEGAL DA CRIANÇA E/OU
ADOLESCENTE DO SERVIÇO DE ACOLHIMENTO
Eu,____________________________________________________________, na
função de guardiã da Instituição de Acolhimento:
_______________________________________________, concedo a permissão para que a
criança e ou adolescente: _________________________________________, que se encontra
sob medida protetiva, instituída pelo art. 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA,
participe da pesquisa “RESSIGNIFICANDO O PROCESSO DE ADOÇÃO: ENCONTROS
E DESENCONTROS”, a qual faz parte do mestrado em psicologia realizado pela
Universidade Católica de Brasília.
Estou ciente que, de maneira geral, a pesquisa tem como objetivo analisar a relação
dos vínculos afetivos desenvolvidos no processo de adoção entre a família que adota e a C/A
que é adotado. Estou ciente também que a coleta de dados será feita por meio de gravação de
entrevista semi-estruturada.
O nome do entrevistado não será mencionado em nenhum documento derivado deste
estudo e será substituído por um pseudônimo. Seus dados serão mantidos em sigilo, apenas
pesquisadores poderão ter acesso ao material integral da entrevista, com fins de verificar as
informações utilizadas na pesquisa.
Ao final da pesquisa, segundo seu interesse, você poderá receber os resultados, que
também serão posteriormente divulgados nos meios científicos, seminários e conferências,
com o objetivo de contribuir para o aprimoramento do conhecimento científico e o
aperfeiçoamento das intervenções realizadas por operadores psicossociais e jurídicos que
trabalham na defesa dos direitos das crianças e adolescentes em processo de adoção.
A participação da C/A é livre. Você tem o direito de fazer qualquer questionamento ou
expressar qualquer comentário referente às instigações deste estudo, podendo desistir de
participar do mesmo, a qualquer momento e não sofrer nenhum inconveniente com isso.
Caso esteja de acordo em participar da presente pesquisa e não possua mais dúvidas
sobre seus objetivos e condições, assine abaixo.
Declaro, que após ser esclarecido pelo pesquisador a respeito da pesquisa, consinto
voluntariamente em participar desta pesquisa.
Brasília, ............/............/............
________________________________________________________
Assinatura
________________________________________________________
Nome impresso
Contatos:
Patrícia Jakeliny F. de Souza Moraes jakeliny@hotmail.com
Prof.: Vicente de Paula Faleiros faleiros@ucb.br
Prof.: Marta Helena de Freitas mhelena@ucb.br
139
ANEXO 3
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
MODELO DE TCLE ÀS FAMÍLIAS ADOTANTES
Você está sendo convidado a participar de uma pesquisa de Mestrado que realizo junto à
Universidade Católica de Brasília sob orientação do Professor Doutor Vicente de Paula Faleiros e a
Professora Doutora Marta Helena de Freitas. A pesquisa instituída como: “RESSIGNIFICANDO O
PROCESSO DE ADOÇAO: ENCONTROS E DESENCONTROS” têm como objetivo, analisar os
vínculos afetivos desenvolvidos no processo de adoção na relação C/A/ família/ instituição de
acolhimento e judiciário.
Sua participação é livre e consiste em responder questões referentes à adoção, em forma de
entrevista estruturada, gravada em áudio. Seu nome não será mencionado em nenhum documento
derivado deste estudo e será substituído por um pseudônimo. Seus dados serão mantidos em sigilo,
apenas pesquisadores poderão ter acesso ao material integral da entrevista, com fins de verificar as
informações utilizadas na pesquisa.
Ao final da pesquisa, segundo seu interesse, você poderá receber os resultados, que também
serão posteriormente divulgados nos meios científicos, seminários e conferências, com o objetivo de
contribuir para o aprimoramento do conhecimento científico e o aperfeiçoamento das intervenções
realizadas por operadores psicossociais e jurídicos que trabalham na defesa dos direitos das crianças e
adolescentes em processo de adoção.
A sua participação é livre. Você tem o direito de fazer qualquer questionamento ou expressar
qualquer comentário referente às instigações deste estudo, podendo desistir de participar do mesmo, a
qualquer momento e não sofrer nenhum inconveniente com isso. Caso esteja de acordo em participar
da presente pesquisa e não possua mais dúvidas sobre seus objetivos e condições, assine abaixo.
Declaro que após ser esclarecido pelo pesquisador a respeito da pesquisa, consinto
voluntariamente em participar desta pesquisa.
Brasília ............/............/............
________________________________________________________
Assinatura
________________________________________________________
Nome impresso
Contatos:
Patrícia Jakeliny F. de Souza Moraes jakeliny@hotmail.com
Prof.: Vicente de Paula Faleiros faleiros@ucb.br
Prof.: Marta Helena de Freitas mhelena@ucb.br
140
ANEXO 4
ROTEIRO DAS ENTREVISTAS ÀS FAMÍLIAS ADOTIVAS
1) Perfil da família (número de pessoas residentes na casa, idade, renda, relação conjugal,
relação filial);
2) Participação da família natural ou amigos, antes e durante o processo de adoção (apoio,
recusa, preconceito);
3) Histórico da adoção: motivos, contexto (perda, infertilidade, afinidade, ajuda ao próximo,
etc), adoção acordada entre o casal;
4) Preparação do casal ou da pessoa para adoção (cursos preparatórios, terapia individual, de
casal);
5) Relação com a criança como: (afeto, vínculo, a relação com o outro, com a família
natural, cultura/meio social);
6) Como se dá a relação com as peculiaridades que a C/A adotado apresenta? (Suas
dificuldades na escola - notas ou nos relacionamento, dificuldade em mostrar afeto,
dificuldades de relacionamento com o filho biológico – caso tenha filho biológico)
7) Relação com a Justiça e o Abrigo (teve dificuldades de diálogo aberto sobre sentimentos
e/ou relação afetiva com a C/A adotado)
8) A volta da criança- saída FLUXO/REFLUXO: Entrada/desvinculação/
relação/vínculos/saída43
9) Situação atual do processo de adoção (ainda em andamento, já encerrou); (criança
devolvida definitiva ou indefinitivamente, há perspectiva de nova adoção). Como isso
influência no vínculo com a C/A adotado?
43
Pergunta se aplica apenas nos casos de devolução da criança à Instituição de Acolhimento.
141
ANEXO 5
ROTEIRO PARA APLICAÇÃO DO DESENHO ÀS CRIANÇAS E ADOLESCENTES
QUE PASSARAM PELO PROCESSO DE ADOÇÃO
1) Fale um pouco sobre você. O que gosta? Como você se sente nesse lugar.
2) Faça um desenho que represente você. (fale sobre seu desenho)
3) Faça um desenho de onde você mora, e inclua as pessoas que você gosta. (fale sobre
seu desenho)
4) Desenhe o que você deseja hoje para você. (fale sobre seu desenho)
5) Desenhe o que você deseja para o seu futuro. (fale sobre seu desenho)
6) Desenhe as pessoas que você gostaria que estivessem presentes nos momentos mais
importantes de sua vida. (fale sobre o desenho).
142
ANEXO 6
AUTO-IMAGEM DE GUILHERME
143