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Mestrado em Psicologia

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia

Mestrado

Ressignificando o processo de adoção:


encontros e desencontros

Autora: Patrícia Jakeliny Ferreira de Souza Moraes

Orientador: Vicente de Paula Faleiros


Co-Orientadora: Marta Helena de Freitas

Brasília, 2011.

12
M827r Moraes, Patrícia Jakeliny Ferreira de Souza

Ressignificando o processo de adoção: encontros e desencontros. /


Patrícia Jakeliny Ferreira de Souza Moraes – 2011.

132 f. : il.; 30 cm

Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília,


2011.
Orientação: Vicente de Paula Faleiros

Co-Orientação: Marta Helena de Freitas

7,5 cm
1. Adoção. 2. Família. 3. Relações humanas. I. Faleiros, Vicente de Paula,
orient. II. Freitas, Marta Helena, co-orient. III. Título.

CDU 159.9:316.812.33

Ficha elaborada pela Biblioteca Pós-Graduação da UCB

22/08/2011

13
Patrícia Jakeliny Ferreira de Souza Moraes

Ressignificando o processo de adoção:


encontros e desencontros

Dissertação de mestrado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu
em Psicologia da Universidade Católica
de Brasília, como parte dos requisitos para
obtenção do Título de Mestre em
Psicologia.

Orientador: Vicente de Paula Faleiros


Co-Orientadora: Marta Helena de Freitas

Brasília, 2011.

14
Dedicatória

A Ana Beatriz, Maria Eduarda e João Pedro, pelo tempo roubado,


pelo prazer de viver a maternidade e a fecundidade do afeto
todos os dias de nossas vidas.

Ao meu amor Alexander, pela compreensão da ausência e


incentivo

15
AGRADECIMENTOS

Agradeço,

Aos sujeitos dessa pesquisa, que pela disponibilidade plena, viabilizaram a concretização
desse estudo, que ao final tornou-se mais do que uma pesquisa, tornou-se um aprendizado de
vida e de inspiração para trabalhar e viver melhor.

A todas as crianças que vivem a espera de uma família afetiva e legal, demonstrando pela
resiliência uma capacidade inspiradora de viver a transposição do vínculo de filiação.

Aos meus orientadores Vicente de Paula Faleiros e Marta Helena de Freitas, que pela
transmissão de conhecimento, pela inspiração e afeto se tornaram amigos e cúmplices desse
aprendizado.

A meu esposo Alexander, que me acompanha amorosamente nos meus projetos de vida,
vivendo comigo de corpo e alma os prazeres da adoção.

A meus pais, pelo carinho, acolhimento e confiança, que mesmo distantes fisicamente, se
fizeram presentes nos momentos mais difíceis.

Aos meus irmãos Fábio e Janayne, por me ensinarem todos os dias ser resiliente na aventura
da frátria.

Aos meus avôs: Miguel Souza e Maria Mariazinha (in memorian), pelo aprendizado e o
exemplo.

Aos meus sogros, que me acolheram como filha, pelo afeto e carinho.

A Maria de Fátima de Novais Gondim, por me acolher nas minhas incertezas, no meu
sofrimento, nas oras mais difíceis dessa jornada, e por me guiar até minha essência.

A Maria Luisa de Assis Moura Ghirardi, pela contribuição do conhecimento agregado.

A Maria da Penha Oliveira Silva, pela sua intervenção profissional, pela cumplicidade e pelo
ombro amigo, que se fez presente nos momentos de angústia e alegria.

A Soraya Kátia Rodrigues Pereira, que com alma e corpo, trabalha com as famílias em prol
das incertezas e dos desafios que são inerentes aos processos de adoção.

A Dirce França, por entender minha ausência em vários momentos de trabalho.

A Aline de Souza, que transpõe as barreiras burocráticas do processo de adoção, aferindo uma
prática eficaz na preparação das crianças e adolescentes do serviço de acolhimento do Lar de
São José.

A equipe diretora e profissional do Lar de São José que me possibilitou arvorecer e me


encantar com o caminho da adoção.
16
A todos os amigos e amigas que se fazem lembrar, em especial: Mariana, Edileuza e Dirce,
que me impulsionam ousar novos vôos.

A CAPES, pela concessão de bolsa de estudo, imprescindível para concretização deste estudo.

A meus filhos e esposo, a quem dediquei este trabalho, por estarem comigo todos os dias
compartilhando seus desejos, sonhos e me ensinando qual a verdadeira essência da vida: o
amor.

17
RESUMO

Este estudo propôs uma análise sobre a adoção e a devolução, a partir do discurso de
quatro famílias e seus respectivos filhos que vivenciaram o encontro ou o desencontro na
adoção. O objetivo central dessa dissertação foi compreender o processo de vinculação
adotiva dentro da dinâmica familiar, destacando indicadores que contribuíram para construção
do vínculo de filiação e indicadores que foram desfavoráveis ao encontro filial. Foi utilizado o
aporte teórico da estrutura sistêmica e a teoria do vínculo de Pichon-Rivière (1986), que
viabilizaram compreender a adoção a partir da análise dos vínculos internos e externos das
famílias e respectivos filhos adotados. Considerou-se para este estudo a metodologia
qualitativa de González-Rey (2002), que possibilitou interagir de forma plena com os sujeitos
pesquisados tornando os resultados mais consistentes. A escuta das crianças adotadas se deu
pelo desenho, cujo instrumento serviu como recurso de expressividade para desvelar o
fenômeno de adoção, isso viabilizou avaliar como a adoção e a devolução tem impactado a
vida dessas crianças. Foi possível constatar que a devolução se relacionou a falta de apoio
profissional às famílias e respectivos filhos antes, durante e após o processo de adoção, a falta
do apoio das famílias extensas e a ausência do diálogo claro entre a família adotante e seus
respectivos filhos adotados. Outros fatores como os conflitos experimentados com a
alteridade da origem biológica ampliaram as fantasias de apropriação indevida da criança,
contraparte da devolução, podendo-se supor que os sentimentos de altruísmo e bondade
vividos pelos adotantes foram formações defensivas contra esses conflitos.

Palavras-chave: Adoção (criança). Devolução. Família. Vinculação Afetiva.

18
ABSTRACT

This study has proposed an analysis about adoption and return, starting from the speech of
four families and their respective children who experienced the encounter and mis-match in
adoption. The main purpose of this dissertation was to comprehend the process of adoptive
linkage within the domestic dynamics, detailing the indicators that contributed to the filiation
bond construction and indicators that were unfavorable to the filial encounter. The theorist
subsidy of the systematic structure has been utilized along with the bond theory of Pichon-
Rivière (1986), which made it viable to comprehend the adoption based on the analysis of the
internal and external bonds of the families and their respective adopted children. The
qualitative methodology of González-Rey (2002) has been considered for this study, which
made it possible to interact in full form with the subjects researched, making the results more
consistent. The adopted children’s audition was done by drawing, in which such instrument
served as a resource of expressiveness to unveil the adoption phenomenon. This made it
viable to evaluate how adoption and return have been impacting these children’s lives. It was
possible to find that the return has connected itself to the lack of professional support to the
families and to their respective children before, during and after the adoption process, the lack
of support from the extended families and the absence of open dialog between the adopter
family and their respective adopted children. Other factors such as the conflicts experienced
with the exchange of the biological origin increased the child’s undue appropriation fantasies,
return’s counterpart, enabling it to presume that the altruism and kindness feelings lived by
the adopters were defending formations against these conflicts.

19
SIGLAS

ABT Associação Brasileira Terra dos Homens


BPC Benefício de Prestação Continuada
BSB Brasília
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CF Constituição Federal
CNAS Conselho Nacional de Assistência Social
CONANDA Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
CRAS Centro de Referência da Assistência Social
CREAS Centro de Referência Especializado da Assistência Social
CT Conselho Tutelar
DF Distrito Federal
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
GT Grupo de Trabalho
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
LOAS Lei Orgânica de Assistência Social
MDS Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome
MP Ministério Público
NOB Norma Operacional Básica
ONG Organização Não Governamental
ONU Organização das Nações Unidas
PNAS Política Nacional de Assistência Social
PAIF Proteção e Atendimento Integral à Família
PAEFI Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos
PNCFC Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à
Convivência Familiar e Comunitária
PSE Proteção Social Especial
SAC Serviço de Ação Continuada
SEDH Secretaria Especial de Direitos Humanos
SGD Sistema de Garantia de Direitos
SNAS Secretaria Nacional de Assistência Social
SUAS Sistema Único de Assistência Social
SUS Sistema Único de Saúde
UNICEF Fundo das Nações Unidas para Infância
VIJ Vara da Infância e Juventude

20
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 12

CAPÍTULO 1
PROCESSO HISTÓRICO DA ADOÇÃO ............................................................ 17
1. Historização do processo de adoção........................................................................ 17
1.1 Procedimentos técnicos para adoção .................................................................... 22
1.2 Novos parâmetros legais do acolhimento institucional......................................... 27

CAPÍTULO 2
APROXIMAÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA............................................... 35
2. Da família idealizada a família possível.................................................................. 35
2.1 Pensando família a partir da estrutura sistêmica.................................................... 38
2.2 Aproximação teórica com o conceito de vínculo . ................................................ 41

CAPÍTULO 3
APRESENTAÇÃO DO MÉTODO.......................................................................... 45
3. Contextualização da metodologia............................................................................ 45
3. 1 Participantes e Local da pesquisa ........................................................................ 46
3.2 Instrumentos........................................................................................................... 48
3.3 Procedimentos em campo...................................................................................... 48
3.4 Procedimentos de análise....................................................................................... 49

CAPÍTULO 4
O FENÔMENO DA ADOÇÃO EM UM CONTÍNUO DESVELAR-SE............ 52
4.1 Análise dos fragmentos dos discursos: a adoção a partir das falas das famílias e 52
da expressividade das crianças adotivas......................................................................
4.2 Família [1][D] Joana e Isabel................................................................................ 53
4.3 Família [2][D] Janete e Cláudia............................................................................ 65
4.4 Família [3][AP] Débora, Vilmar e Guilherme....................................................... 72
4.5 Família [4][AP] Lilian, Mônica e Júlio.................................................................. 82

CAPÍTULO 5
RETOMANDO AS ZONAS DE SENTIDO............................................................ 92
5.1 Indicadores favoráveis e indicadores desfavoráveis no processo de adoção......... 92
5.2 O desejo e sua falta................................................................................................ 92
5.3 A relação entre as motivações, o altruísmo e a realidade vivenciadas no
processo de adoção...................................................................................................... 94
5.4 A desvelação da família de origem como condição do vínculo............................. 97
5.5 A criança imaginária e a criança real..................................................................... 101
5.6 A preparação da criança e do requerente para adoção a partir da viabilização
institucional.................................................................................................................. 104
5.7 Vínculo familiar estendido..................................................................................... 109
5.8 A devolução: o silêncio dos pais versus o sofrimento dos filhos.......................... 111

CAPÍTULO 6
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................... 114
Encontros e desencontros nos processos de adoção.................................................... 114

21
GLOSSÁRIO.............................................................................................................. 118

BIBLIOGRAFIA........................................................................................................ 122

ANEXO 1
MODELO DE TCLE PARA O RESPONSÁVEL LEGAL DA CRIANÇA
E/OU ADOLESCENTE ADOTADO....................................................................... 127

ANEXO 2
MODELO DE TCLE PARA O RESPONSÁVEL LEGAL DA CRIANÇA
E/OU ADOLESCENTE DO SERVIÇO DE ACOLHIMENTO........................... 128

ANEXO 3
MODELO DE TCLE ÀS FAMÍLIAS ADOTANTES........................................... 129

ANEXO 4
ROTEIRO DAS ENTREVISTAS ÀS FAMÍLIAS ADOTIVAS.......................... 130

ANEXO 5
ROTEIRO PARA APLICAÇÃO DO DESENHO ÀS CRIANÇAS E
ADOLESCENTES QUE PASSARAM PELO PROCESSO DE ADOÇÃO....... 131

ANEXO 6
AUTO-IMAGEM DE GUILHERME...................................................................... 132

22
INTRODUÇÃO

A sobrevivência da ligação diante das “tempestades emocionais” ou das pequenas


“ventanias” dá aos integrantes do grupo familiar o sentimento de uma vinculação
sólida e real. Estamos falando aqui do que eu chamaria da verdadeira adoção, que é
a que todos almejam, e se caracteriza pelo sentimento vivo de estar ligado e em
sintonia com alguém importante. (LEVINZON, 2004, p. 133).

A empatia com o tema de adoção me foi apresentada como um desafio pessoal. Seria
ousadia mensurar em palavras a quantidade de conhecimento pessoal e o amadurecimento
profissional que obtive com a conclusão desse trabalho.

Essa jornada teve início no Abrigo Lar de São José, no ano de 2005 até 2010, a qual
suscitou contato direto com a realidade de crianças e adolescentes1 que viveram e ainda vivem
em instituições de acolhimento aguardando uma reorganização estrutural de suas famílias
biológicas ou a colocação em uma família adotiva.

Durante minha prática profissional foi possível participar de vários estudos de casos
que demandavam um conhecimento específico sobre os conflitos e acertos que circulavam as
relações afetivas das famílias, em especial reporto-me a dois casos que me suscitaram as
instigantes perguntas: o que fazem as pessoas ficarem juntas? Como se constrói uma boa
convivência entre pais e filhos, independente de serem biológicos ou não? Como se configura
o conflito ou a aceitação do estranho na família? Quais as motivações dos requerentes para a
adoção? Qual o espaço que a criança adotada tem na família, para expressar sua história, seus
medos e desejos? Como uma boa orientação favorece a vinculação da criança aos pais
adotivos? Qual a contribuição da família e amigos no processo de adoção e como a
interrupção de um processo de adoção, via devolução, pode reeditar o abandono na criança
adotada?

Retrato aqui dois casos em específico, que acompanhei no Serviço de Acolhimento


onde atuei e que me impulsionaram ao ingresso no mestrado para aprofundamento do tema de
adoção. Reitero que estes dois casos não foram os objetos dessa pesquisa, apenas serviram
para ilustrar minhas instigações, muitos outros serviriam para retratar os desafios que o tema
propõe, mas em especial foram escolhidos dois, devido às suas complexidades, e que me
suscitaram duas perguntas mais específicas, as quais serão respondidas no decorrer desse

1
No decorrer de todo o trabalho todas as referências as crianças adotivas incluem o adolescente adotivo.
23
estudo: o que faz com que a adoção se torne um verdadeiro encontro ou um verdadeiro
desencontro para os requerentes e para a criança envolvida? Como esse processo pode
ressignificar a vida dos envolvidos?

O primeiro deles faz referência a um grupo de oito irmãos que foram separados para
adoção. Depois de uma tentativa frustrada de reintegração à família biológica, seis dos oito
irmãos foram cadastrados para adoção, os outros dois foram reintegrados ao tio paterno, sobre
os demais não houve manifestação do tio para acolhimento. A adoção aconteceu na seguinte
ordem: a primeira a sair foi a última das irmãs acolhida na Instituição por ser bebê, com dois
meses de acolhimento, por decisão da Vara da Infância a criança foi adotada separada dos
irmãos.

Em seguida saíram uma menina de seis anos e o irmão de cinco anos, três anos e meio
de acolhimento, depois foram adotadas mais duas irmãs: uma com três anos a outra com oito
anos, a primeira com três anos de acolhimento e a segunda com dois. E por último o irmão de
doze anos com dois anos de acolhimento foi recebido em separado por outra família. Não se
sabe se os trâmites legais já foram concluídos. As crianças foram liberadas do Serviço de
Acolhimento mediante guarda provisória, deferida pela Vara da Infância. As informações
obtidas um tempo depois foram de que as famílias preferiram manter vínculos afetivos entre
os irmãos, mesmo depois da separação, o que, segundo o relatado por um dos familiares foi de
extrema importância para adaptação inicial do grupo.

Em outro momento, a experiência de acompanhar o processo de uma adoção


internacional de uma menina de onze anos, agraciou-me com a esperança de que adoções
tardias acontecem e dão certo, mas primeiro é necessário que tanto a criança quanto seus
requerentes estejam preparados.

Nesse caso, a mãe biológica, também abrigada na adolescência, reedita a história do


abandono ao ter uma filha e deixá-la no Serviço de Acolhimento. A criança vive durante onze
anos na mesma Instituição em que sua genitora morou por três anos. Aos nove anos foi
apresentada a uma Senhora habilitada pela Vara da Infância e Juventude que gostaria de fazer
uma adoção tardia, a menina durante o estágio de convivência não desenvolveu nenhum
vínculo de filiação com a pretendente, verbalizando inclusive que preferia morar o resto da
vida na Instituição a ser adotada por alguém de quem não gostasse. Durante seis meses, foram
ensejados esforços para que a adoção desse certo, mas a criança não demonstrou nenhuma
vinculação à futura família. Respeitando sua decisão, a criança ora cadastrada apenas no

24
cadastro nacional, foi então encaminhada para adoção internacional. O processo de
aproximação e apresentação a outra família, agora Italiana, durou um ano e meio. Durante
esse período a criança teve acompanhamento psicológico sistematizado pelo setor de
psicologia da Instituição, sendo trabalhados aspectos relevantes de sua historia de vida
anterior e posterior ao acolhimento institucional, além de uma apresentação gradativa às
origens da família adotiva até que esta se familiarizasse e demonstrasse segurança nessa nova
relação. Depois de um ano e meio de trabalho entre serviço de acolhimento e Vara da
Infância, a criança foi apresentada ao casal, e gradativamente foi se desligando do serviço de
acolhimento até que todo o trâmite legal da adoção internacional fosse concluído, sendo a
criança então adotada e levada para Itália. Essa etapa durou dois meses. O que se sabe até o
momento é que a criança encontra-se bem vinculada à família adotiva.

A partir desse estudo, foi possível traçar indicadores que levaram ao verdadeiro
encontro, que perpassaram pelo bom vínculo de filiação e indicadores que apontaram para o
fracasso da adoção, muitas vezes expresso pela agressão física ou verbal, e pelo silêncio da
devolução vivenciada pela família adotiva e pela criança como uma expressão de “abandono”,
fracasso ou vergonha.

Assim, é notório considerar que a construção da filiação adotiva nesse estudo


dependeu tanto do desejo dos adultos em exercerem sua parentalidade, como do desejo da
criança em ter um ambiente de troca, respeito e afeto. Na prática, observou-se que, para
entender o processo de adoção, foi necessário entender primeiramente as motivações dessas
famílias que buscaram por meio da adoção a verdadeira filiação, como também foi necessário
entender o desejo da criança por essa nova família e as expectativas que foram desenvolvidas
nesse processo.

Apresentam-se aqui algumas reflexões em torno da apreensão do outro dentro do


contexto da adoção. Assim sendo, o presente estudo teve como objetivo a compreensão do
processo de vinculação adotiva dentro da dinâmica familiar, com intuito de destacar
indicadores que contribuíram para manutenção do vínculo e indicadores que impulsionaram
no seu rompimento.

Nesse estudo, optou-se por entrevistar as famílias adotivas e seus respectivos filhos. É
bem verdade que a proposta inicial era compreender a adoção dentro do fluxo – criança
adotada, família biológica, família adotiva, judiciário e serviço de acolhimento, a qual teria
sido extraordinária depois de concluída. Todavia a escolha por mais famílias adotivas e

25
respectivos filhos nas entrevistas possibilitou um aprofundamento do tema. Entende-se que
esse recorte não inviabilizou o entendimento da vinculação afetiva entre pais e filhos adotivos
e não desqualificou os resultados que serão apresentados no decorrer dessa dissertação,
ficando a análise desse fluxo como sugestão para futuras investigações acadêmicas.

Nesse contexto busquei entender dois casos onde foi possível a concretização da
vinculação social e afetiva entre a família e a criança adotada, e dois casos onde esse encontro
não aconteceu. Por um lado, identificamos famílias que, mesmo passando por conflitos,
conseguiram superar os desafios da adoção; por outro identificamos famílias que encontraram
mais dificuldades em nesse encontro filial com a criança adotiva.

Assim sendo, a construção desta dissertação contou com seis capítulos, cuja sequência
linear, descrevo aqui. Antes disso, ressalto que do capítulo um ao capítulo quatro o objetivo
foi articular os fragmentos dos discursos e dos desenhos de forma predominantemente
elucidativa no que tange às suas dimensões histórico-contextuais, deixando para o capítulo
cinco uma análise mais aprofundada no que tange as zonas de sentido.

No primeiro capítulo, faço uma revisão teórica sobre o tema, teço breves
considerações sobre a legislação da adoção, sobre o processo da adoção no Brasil, os
procedimentos técnicos e os parâmetros institucionais que nortearam a prática do acolhimento
institucional.

O segundo capítulo foi dedicado ao estudo da família com o fundamento na teoria


sistêmica de Minuchin (1982) e Andolfi (1989) e considerando os novos paradigmas
apresentados pela Política Nacional de Assistência Social (PNAS/2004), o Plano Nacional de
Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente à Convivência
Familiar e Comunitária (PNCFC/2006) e a Lei 12.010/09. Além disso, procedi à discussão do
vínculo interno e externo segundo Pichon-Rivière (1986) da família e da criança, inerente a
todo processo de filiação adotiva.

A seguir, no terceiro capítulo, apresento a contextualização da metodologia utilizada


para acessar os sujeitos da pesquisa. Como referência trago González-Rey (2002) que
considera o conhecimento como uma produção não linear que envolve aspectos passíveis de
uma construção interpretativa e interativa com os sujeitos pesquisados e a significação da
singularidade como nível legítimo da produção do conhecimento científico.

No quarto capítulo, trato da análise dos resultados da pesquisa, realizada com as


famílias e seus respectivos filhos adotados. Desenvolvo algumas reflexões teóricas a partir da
26
fala e interpretações dos desenhos dos sujeitos entrevistados. Tomo como aporte teórico
alguns autores que são referência, na discussão desse tema, como: Levinzon (2004), Ghirardi
(2008), Schettini (2009), Hamad (2010) e Lévy-Soussan (2010).

No quinto capítulo, a partir de uma análise mais aprofundada, retomo as zonas de


sentido identificadas nos discursos dos pais e nos desenhos dos seus respectivos filhos
adotivos. O que me possibilitou vislumbrar alguns indicadores que facilitaram a construção
dos vínculos de filiação e alguns indicadores que inviabilizaram o encontro parental no
processo de adoção.

E, por fim, não menos importante, as considerações finais apontam para uma reflexão
sobre o não dito por aqueles que estão direta ou indiretamente envolvidos no processo de
vinculação adotiva. Considero que esse olhar é imprescindível para a prática dos técnicos do
judiciário e dos técnicos dos serviços de acolhimento, os quais são responsáveis diretos na
preparação das famílias e das crianças.

27
CAPÍTULO 1
PROCESSO HISTÓRICO DA ADOÇÃO

1. Historização do processo de adoção

Para entendermos o tema “adoção” buscou-se, preliminarmente, historiar suas origens


e se inteirar dos motivos e formas como eram acolhidas as crianças, antes das “mudanças de
concepções dos direitos humanos fundamentais, infância, família, relação indivíduo-
sociedade-estado” (GHESTI-GALVÃO, 2008, P. 3), correlacionando-a nos itens seguintes,
com a legislação atual, especificamente no que se refere às propostas e determinações da
Política Nacional de Assistência Social (PNAS/2004), do Plano Nacional de Promoção,
Proteção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente à Convivência Familiar e
Comunitária (PNCFC/2006), do Plano Distrital de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos
da Criança e do Adolescente à Convivência Familiar e Comunitária (PDCFC/2007) e da Lei
12.010/09.

A adoção constitui-se em uma medida legal2, com caráter de excepcionalidade e


irrevogabilidade, o que vem ganhando grande repercussão, inclusive em nível jurídico,
permitindo maior abertura e análise da atuação dos profissionais que trabalham com a
questão. Ainda assim, vislumbramos lacunas acerca de alguns aspectos práticos que
interferem sobre as possibilidades da vinculação afetiva e que serão explorados ao longo deste
trabalho.

O tema adoção começa a ser tratado como política social, principalmente nos países
europeus, durante a emergência das guerras mundiais, sendo impulsionado pelas novas
concepções de criança e o novo papel que o Estado assume sob a vida privada. Até este ponto,
na história, a adoção, quando existia, dizia respeito principalmente à transmissão de bens, de
um nome familiar e, eventualmente, de poder político.

O adotante, via de regra, tinha que ser de idade avançada (50 anos era o mínimo
colocado, por exemplo, no Código Napoleônico) e os adotados eram freqüentemente
adultos. Os poderes centrais agiam em geral contra a adoção. Assim mantinham
relativamente alto o número de pessoas sem herdeiros, fazendo com que o
patrimônio de muitas famílias escoasse para o senhor feudal ou para a Igreja.
(FONSECA, 2002, p.118).

2
As outras medidas legais de colocação da criança são: a guarda e a tutela em família substituta, o acolhimento
institucional e a família acolhedora, com caráter de medida protetiva “transitória e provisória”.
28
Apesar do grande número de enjeitados deixados na roda de expostos, assim como os
jovens que viviam nas vias públicas (DONZELOT, 1980; RIZZINI, 1993; CABRAL, 2002),
antes do século XX, houve poucos movimentos ou debates para adaptar as leis sobre adoção
ao problema destas “crianças abandonadas”. Não raro, as pessoas recebiam em seus lares um
jovem desamparado. Filhos de criação existiam de fato. Mas raras vezes pensava-se em
legalizar sua situação pela adoção.

A desigualdade entre filhos “legítimos” e “criados” era um fato pacífico da vida social.
Havia o perigo da adoção ser usada para legitimar filhos adulterinos, um ato que, ferindo a
moral familiar, era expressamente proibido na legislação de diversos países. Em uma
sociedade estamental, em que cada um conhecia seu lugar, um indivíduo sem herdeiros podia
achar mais honroso deixar seu patrimônio à Igreja do que a um filho legítimo ou ao criado que
tinha abrigado durante anos.

Foi só depois da virada do século XX que o estado tomou a iniciativa de intervir no


que, até este momento, tinha sido administrado seja por acordos informais, seja pelo direito
contratual. A reorientação da filosofia jurídica para o bem-estar de crianças, antes de ser
interpretada como uma mera evolução humanista deve ser vista em função do campo político
em que ocorreu.

O Estado moderno não tinha os mesmos motivos que a Igreja para colocar obstáculos
à adoção, já que seu poder econômico residia em outras bases, que não o patrimônio de
famílias sem herdeiros. Tinha interesse, isto sim, na ordem pública, na socialização adequada
dos jovens sem família. É sem dúvida por este motivo que, durante a primeira metade do
século XX, as discussões jurídicas centraram-se na transferência do pátrio poder, deixando a
questão de herança em segundo plano. Mas a adoção também vinha ao encontro das
necessidades de um poder público que estendia sua influência cada vez mais para dentro da
intimidade familiar. Aproveitava-se a responsabilidade de garantir direitos individuais, para
assim, estreitar o controle sobre a vida dos súditos. Simultaneamente, a nova concepção de
infância consolidou a noção moderna de infância enquanto fase crucial para o
desenvolvimento da personalidade adulta, necessitando de orientação especializada, o que
teve contribuição da psicologia.

Ariès (1973) é precursor na discussão dessa nova concepção de infância. Sua obra foi
precursora, de um novo campo que ficou conhecido como “história da infância” e gerou
diversos trabalhos subsequentes. Para o autor, a constituição desse novo conceito de infância

29
está na transição dos séculos XVII e XVIII, quando ela passa a ser definida como um período
de ingenuidade e fragilidade do ser humano, que deve receber todos os incentivos possíveis
para sua felicidade. O início do processo de mudança, por sua vez, nos fins da Idade Média,
tem como marca o ato de mimar e paparicar as crianças, vistas como meio de entretenimento
dos adultos (especialmente da elite). A morte das crianças também passa a ser recebida com
dor e abatimento.

Já no século XVII, as perspectivas transitam para o campo da moral, sob forte


influência de um movimento promovido por Igrejas e Estado, por meio de suas leis
especialmente, onde a educação ganha terreno: trata-se de um instrumento que surge para
colocar a criança "em seu devido lugar”, embora com uma função disciplinadora, a escola não
nasce com uma definição de idade específica para a criança ingressá-la. Isto porque os
referenciais não eram o envelhecimento (ou amadurecimento) do corpo. A ciência moderna
ainda não havia triunfado e a educação nascia, portanto, com uma função prática, ora de
disciplinar, ora de proporcionar conhecimentos técnicos, que posteriormente configuram uma
escola para a elite e outra para o povo.

A análise feita por Áries (1973), portanto, destaca-se por fornecer elementos para
problematizarmos a infância em uma sociedade que, desde a conclusão da obra, apresenta um
individualismo acentuado. Muitas vezes nos deparamos com crianças (e, mais recentemente,
adolescentes) que são vistos como projeções de expectativas dos pais ou que são protegidos
ou mimados, reinventando os hábitos de fins da Idade Média. Os perigos e consequências
desta situação podem, sem dúvida, serem melhor compreendidos a partir das reflexões
presentes na obra: História Social da Criança e da Família.

O Código Civil de 1916 recupera uma prática antiga: a transferência por escritura de
responsabilidade tutelar entre um adulto e uma criança. Segundo esta lei, qualquer pessoa com
mais de 50 anos, sem prole legítima ou legitimada, podia adotar uma criança mediante
contrato com os pais biológicos. Não havia restrição quanto a sexo, estado civil ou
nacionalidade. O adotado podia ter qualquer idade desde que fosse respeitada uma diferença
de 18 anos entre ele e os pais adotivos. A relação adotiva era revogável e não anulava o
vínculo entre a criança e seus genitores. Em suma, a posse da criança era regulamentada no
cartório da mesma forma que se regulamentava a posse de bens e imóveis.

Em 1957, com algumas alterações introduzidas no Código Civil, vemos surgir um


interesse no bem-estar da criança. Sob a bandeira da “proteção jurídica ao menor, fala-se, nos

30
tratados da época, da necessidade urgente de corrigir a legislação em benefício da grande
legião de crianças desamparadas” (FONSECA, 1995, P. 119). A idade mínima dos pais
adotivos baixou para 30 anos e a diferença de idade para 16 anos. Também nessa época os
juízes de menores começaram a exercer pressões no sentido de que os cartórios somente
lavrassem escrituras mediante autorização judicial.

Com a Lei 4.655 de 1965 sobre a “legitimação adotiva”, vemos, pela primeira vez, a
idéia de um laço irrevogável que confere direitos hereditários (se bem que limitados) à
criança, fazendo cessar qualquer ligação com a família anterior. A lei diz respeito a órfãos, de
pais desconhecidos, ou a “menores abandonados”, até a idade de sete anos. Com o Código de
Menores de 1979, passaram a coexistir duas formas de adoção – plena (a imagem da
legitimação adotiva) e simples (à imagem do Código Civil).

Em 1988, a nova Constituição Federal do Brasil, com o intuito de promover a proteção


integral da criança e do adolescente e de mudar a concepção prevalente vinculada ao tema
“menor”, e dando prioridade à promoção social da criança e do adolescente, revogou as leis
anteriores, instaurando uma só forma de adoção. A nova filosofia, consolidada no Estatuto da
Criança e Adolescente, de 1990, facilitou a adoção – ampliando tanto a categoria dos
adotantes (agora com idade mínima de 21 anos), como dos adotados (crianças e adolescentes
até 18 anos de idade).

Vinte e um anos depois, novas mudanças alteram o processo de adoção. Em se


tratando das mudanças sobre o tema adoção observa-se um ganho jurídico, prático,
operacional e psicossocial a partir da aprovação da Lei 12.010/09 que altera a Lei 8.069, de 13
de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei 8.560, de 29 de dezembro de
1992; revoga dispositivos da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, e da
Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei 5452, de 1o de maio de
1943 a qual altera a Lei 8.069/90 do ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente, dando
outras providências.

De forma simplificada destacamos a seguir as principais mudanças que a Lei


12.010/09 trouxe no âmbito da adoção, com destaque na criação do Cadastro Nacional de
Adoção, o qual reúne os dados das pessoas que querem adotar e das crianças e adolescentes
aptos para a adoção, de modo a impedir a "adoção direta", ou mais conhecidamente como
adoção “intuitus personae” em que o interessado já comparece no Juizado da Infância e
Juventude com a pessoa que quer adotar; também estabelece uma preparação psicológica,

31
através de cursos preparatórios, de modo a esclarecer sobre o significado de uma adoção e
promover a adoção de pessoas que não são normalmente preferidas (mais velhas, com
problemas de saúde, indígenas, negras, pardas e amarelas);

a) Traz o conceito de família extensa (ou ampliada), pelo qual se deve esgotar as
tentativas de a criança ou adolescente ser adotado por parentes próximos com os
quais o mesmo convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade. Para só
depois serem encaminhadas para o cadastro nacional de adoção. Assim, por
exemplo, tios, primos e cunhados têm prioridade na adoção (não podem adotar os
ascendentes e os irmãos do adotando);
b) Estabelece a idade mínima de 18 (dezoito) anos para adotar, independente do
estado civil (casado, solteiro, viúvo etc.). Contudo, em se tratando de adoção
conjunta (por casal) é necessário que ambos sejam casados ou mantenham união
estável;
c) A adoção dependerá de concordância, em audiência, do adotado se este possuir
mais de 12 (doze) anos;
d) Irmãos não mais poderão ser separados, devem ser adotados pela mesma família,
salvo raras exceções;
e) A adoção conjunta por união homoafetiva (entre pessoas do mesmo sexo) é vedada
pela lei. Não obstante, o Poder Judiciário já se decidiu em contrário, em caso de
união homoafetiva estável;
f) A gestante que queira entregar seu filho (nascituro) à adoção terá assistência
psicológica e jurídica do Estado, devendo ser encaminhada à Vara da Infância e
Juventude de sua Comarca;
g) A lei estabelece também como medida protetiva a figura do acolhimento familiar,
a qual a criança ou o adolescente é encaminhado para os cuidados de uma família
acolhedora, que cuidará daquele de forma provisória;
h) A lei ainda determina que crianças e adolescentes que estejam sob a medida
protetiva nos serviços de acolhimento institucional, tenham sua situação reavaliada
de 06 (seis) em 06 (seis) meses, tendo como prazo de permanência máxima no
Serviço 02 (dois) anos, salvo exceções;
i) Em se tratando de adoção internacional (aquela na qual a pessoa ou casal adotante
é residente ou domiciliado fora do Brasil), esta somente ocorrerá se não houver,
em primeiro lugar, alguém da chamada família extensa habilitado para adotar, ou,

32
em segundo, forem esgotadas as possibilidades de colocação em família substituta
brasileira (se adequado, no caso sob análise, a adoção por esta). Por fim, os
brasileiros que vivem no exterior ainda têm preferência aos estrangeiros.

Dentro desse novo contexto legislativo que valoriza o direito à convivência familiar e
comunitária, onde os princípios igualitários e individuais estão instaurados, é que temos o
intuito de trabalhar o tema adoção, visto que, conforme podemos observar ao longo da
história da adoção, a institucionalização de crianças e adolescentes é uma prática comum,
aplicada em sua maioria por motivos de pobreza e abandono, ausente de uma prática de
avaliação e monitoramento da medida protetiva.

Adiante seguem algumas ponderações sobre os procedimentos técnicos utilizados no


processo de adoção, imprescindíveis para efetivação do processo.

1.1 Procedimentos técnicos para adoção

Quem decide adotar uma criança deve dirigir-se à Vara da Infância e da Juventude
mais próxima do seu domicílio para inscrever-se como candidato à adoção. No Distrito
Federal, os interessados à adoção peticionam por meio de advogado particular ou defensoria
pública, pedido de adoção seguido da apresentação dos seguintes documentos, necessários
para abertura do processo: Carteira de identidade do(s) requerente(s) (cópia); Certidão de
casamento ou Declaração de Convivência Marital; comprovantes da situação econômica dos
candidatos à adoção, comprovante de residência, certidão de nascimento dos filhos
biológicos, atestado de antecedentes criminais, declaração de idoneidade moral e atestado de
saúde física e mental.

No Distrito Federal, antes de se tornarem habilitados para adoção os interessados


participam de seis encontros que são obrigatórios e recebem o nome de cursos de pré-adoção.
Ressaltamos que cada comarca define a quantidade de encontros que melhor prover sua
necessidade de preparação aos candidatos. Essa obrigatoriedade da preparação está prevista
na Lei 12.010/09 no art. 50, conforme especificado abaixo:

§ 3o A inscrição de postulantes à adoção será precedida de um período de preparação


psicossocial e jurídica, orientado pela equipe técnica da Justiça da Infância e da
Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da
política municipal de garantia do direito à convivência familiar.

33
§ 4o Sempre que possível e recomendável, a preparação referida no § 3 o deste artigo
incluirá o contato com crianças e adolescentes em acolhimento familiar ou institucional
em condições de serem adotados, a ser realizado sob a orientação, supervisão e
avaliação da equipe técnica da Justiça da Infância e da Juventude, com apoio dos
técnicos responsáveis pelo programa de acolhimento e pela execução da política
municipal de garantia do direito à convivência familiar.
Para realização dessa preparação, a VIJ-DF firmou Termo de Cooperação com as
OSCIP’s: Berço da Cidadania3 e o Grupo de Apoio à Adoção “Projeto Aconchego” 4, e os
Cursos de Psicologia da Universidade Paulista - UNIP e da Universidade Católica de Brasília
– UCB.

Os temas5 trabalhados nos encontros preparatórios são:

a) As Expectativas da Adoção;
b) Ressignificando a adoção;
c) O processo de desenvolvimento da criança e do adolescente;
d) A criança idealizada e a criança real;
e) O papel da Justiça nos processos de adoção;
f) Origem e revelação

3
Berço da Cidadania é uma instituição da sociedade civil, sem fins lucrativos, cuja missão é promover ações de
prevenção, intervenção e acompanhamento para assegurar a convivência familiar e comunitária a crianças e
adolescentes em situação de vulnerabilidade e risco social. Seu objetivo é proporcionar práticas que previnam a
necessidade da medida de Acolhimento Institucional, bem como meios que assegurem cuidados de qualidade nos
serviços de acolhimento de crianças e adolescentes, tendo em vista a otimização do trabalho de reintegração
familiar de modo a tornar a passagem pelo serviço o mais breve possível. Sobre os projetos desenvolvidos pela
instituição acessar o site: http://www.bercodacidadania.org.br. Tem como frente de trabalho quatro linhas de
atuação:
a) Cuidados reparadores nos serviços de acolhimento,
b) Preparação de pais, crianças e profissionais no processo de adoção,
c) Construção de autonomia para adolescentes atendidos nos serviços de acolhimento,
d) Trabalho de reintegração familiar.
4
O Projeto Aconchego é uma entidade civil, sem fins lucrativos, fundada em dezembro de 1997, com atuação
em todo o Distrito Federal. Dentre os principais objetivos do projeto encontram-se:
a) Esclarecer, orientar, apoiar famílias adotivas, pretendentes à adoção e a comunidade;
b) Promover o direito à convivência comunitária de crianças e adolescentes sob medida de acolhimento
institucional;
c) Prevenir o abandono e a marginalização;
d) Buscar uma estrutura que possa direcionar, assistir e promover os esforços Estado-Comunidade, na
tarefa de encontrar famílias para crianças e adolescentes liberados para adoção, guarda e tutela,
inclusive, como órgão voluntário auxiliar da Vara da Infância e Juventude do Distrito Federal.
Atualmente, as principais áreas de atuação do PROJETO ACONCHEGO são:
o Apadrinhamento Afetivo, realizado junto às crianças e aos adolescentes institucionalizados, com as
atividades do Apadrinhamento e do Irmão mais velho; e o Apoio à Adoção, através do Pré adoção, Preparação
para Adoção, Adoção Tardia e Encontro sobre Adoção. São várias atividades que vão desde o encontro de
filhos e pais adotivos com pessoas interessadas no tema até a preparação das crianças nos abrigos, sempre
trabalhando a preparação e acompanhamento emocional de adotantes e adotados, buscando, ainda, incentivar as
chamadas “adoções necessárias” (adoções tardias, de grupos de irmãos, inter-raciais etc.). Sobre os projetos
acessar o site: http://www.projetoaconchego.org.br
5
Informações cedidas por Maria da Penha Oliveira Silva, membro integrante do Projeto Aconchego.
34
Após a conclusão dessa preparação e aprovação pelo juiz, os candidatos passam a ser
considerados habilitados à adoção e entram no cadastro de pretendentes.

Em seguida os candidatos, já habilitados, inscrevem-se para as entrevistas com a


equipe técnica da VIJ, composta por psicólogos e assistentes sociais. Nesse momento,
reforçam por meio do preenchimento de um formulário, as características da criança que
desejam adotar (sexo, idade, cor, condições de saúde etc.) apresentando suas expectativas e
motivações em relação à adoção, momento em que recebem orientações.

Na sequência, os candidatos habilitados, esperam pelo estudo do cadastro psicossocial


de crianças abrigadas e então são convocados para uma nova entrevista, respeitando-se sua
ordem de inscrição6. Uma vez encontrada a criança que melhor se encaixa no perfil
estabelecido pelos candidatos, é feita uma aproximação entre as partes, no sentido de
estabelecer vínculos de afinidade entre um e outro. Ressalta-se que o tempo de espera pela
criança varia conforme o perfil estabelecido pela família habilitada.

No Brasil, o número de interessados em adotar é quase seis vezes maior do que o


número de crianças e adolescentes inscritos no Cadastro Nacional de Adoção – CNA.
Conforme o último levantamento realizado em 2011, pelo Conselho Nacional de Justiça7, o
número de pretendentes chega a 26.694, em contrapartida o número de crianças e
adolescentes cadastrados somam 4.427.

O levantamento traz detalhes acerca do perfil dos cadastrados. Entre os interessados,


10.129 aceitariam adotar apenas crianças brancas. Outros 1.574 adotariam somente crianças
pardas, e 579 aceitariam só crianças negras, enquanto que 8.334 são indiferentes à raça. O
cadastro mostra ainda o desinteresse dos pretendentes em adotar crianças com irmãos. Do
total de interessados, 21.978, o que equivale a 82,37% disseram que não fariam esse tipo de
adoção. Outros 21.376 (80,8%), afirmaram ainda que sequer aceitariam adotar gêmeos.

6
O Cadastro Nacional de Adoção – CNA, é uma ferramenta criada pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ,
com objetivo de otimizar um diálogo maior entre o próprio judiciário, visando diminuir o tempo de espera das
crianças por uma família adotiva. Conforme previsto nos incisos abaixo do art. 50 da Lei 12.010/09:
§ 5o Serão criados e implementados cadastros estaduais e nacional de crianças e adolescentes em condições de
serem adotados e de pessoas ou casais habilitados à adoção.
§ 7o As autoridades estaduais e federais em matéria de adoção terão acesso integral aos cadastros, incumbindo-
lhes a troca de informações e a cooperação mútua, para melhoria do sistema.
§ 8o A autoridade judiciária providenciará, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, a inscrição das crianças e
adolescentes em condições de serem adotados que não tiveram colocação familiar na comarca de origem, e das
pessoas ou casais que tiveram deferida sua habilitação à adoção nos cadastros estadual e nacional referidos no
§ 5o deste artigo, sob pena de responsabilidade.
7
Fonte: http://www.conjur.com.br/2011-abr-14/existem-seis-vezes-adotantes-criancas-adocao-pais
35
Por outro lado, a realidade das crianças e adolescentes cadastrados no CNA é outra, a
maior parte é de grupos de irmãos que somam 3.352 (75,72%). Com relação à idade, o
levantamento explicitou que quanto mais velha a criança, menor as chances de ela ser inserida
em uma nova família. Segundo o levantamento, a predileção dos pretendentes é maior por
bebês, 5.373 disseram que adotariam crianças com até um ano de idade, e 5.474 disseram que
adotariam crianças com até dois anos de idade.

A realidade do Distrito Federal não se diferencia de outros estados brasileiros, no que


tange ao perfil das crianças pretendidas. Conforme mostram os dados da Seção de Adoção da
VIJ do DF, 61,66% dos pretendentes têm preferência por crianças de até dois anos de idade,
em contrapartida, 38,33% são favoráveis a adoções tardias. O número de famílias habilitadas
para adoção cresce desproporcionalmente ao número de crianças cadastradas. Só no ano de
2009, 112 famílias foram habilitadas8, dentro de um universo de 426 famílias já existentes
nesse cadastro. Já o número de crianças e adolescentes cadastrados em 2009, soma 69, de um
total de 161 crianças e adolescentes aguardando adoção no DF.

Essa desproporção remete-nos a explicitar alguns dados sobre o perfil das crianças
pretendidas por esses casais no DF: 55% esperam adotar crianças do sexo feminino, 43,33%
da cor morena clara, contra 2,78% da cor negra. 80% das crianças que foram adotadas em
2008 apresentavam ótimas condições de saúde, contra 1,11% de crianças portadoras de
necessidades especiais.

Dentro desse contexto é imprescindível mencionar que durante o ano de 2009, foram
deferidas 180 adoções, das quais 107 foram intuitus personae9 e 26 adoções foram
intermediadas pela VIJ-DF, ou seja, deferidas a casais habilitados. Das 26 adoções
acompanhadas pela sessão de adoção, ressalta-se um caso de devolução. Vale salientar que do
restante das adoções efetivadas no ano de 2009, que somam um total de 154 processos, o

8
Informações colhidas em 09/09/2010, na Seção de Colocação em Família Substituta – SEFAM da Primeira
Vara da Infância e Juventude do Distrito Federal.
9
Adoção Intuitus Personae , também conhecida como “adoção pronta” e “adoção direta”é aquela onde a
criança é entregue por sua família natural diretamente para os interessados em adotá-la e estes, por sua vez, se
dirigem a uma vara da infância para efetuarem a adoção. Sobre o tema houve alterações significativas a partir da
aprovação da Lei 12.010/09, que acrescenta o art. 50 o §13, o qual dispõe que: “somente poderá ser deferida
adoção em favor de candidato domiciliado no Brasil não cadastrado previamente nos termos desta Lei quando:
I - se tratar de pedido de adoção unilateral; II - for formulada por parente com o qual a criança ou adolescente
mantenha vínculos de afinidade e afetividade; III - oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de
criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação
de laços de afinidade e afetividade (...)”. Assim sendo não há mais possibilidade de ser postulada este tipo de
adoção, por consentimento dos pais, pleiteado por pessoa não cadastrada que exerça a guarda de fato da
criança, tampouco pelo guardião legal que alegue vínculos afetivos com criança menor de três anos, sem
antes comprová-los.
36
acompanhamento sistemático da formação do vínculo não foi efetivado pela SEFAM, devido
à criança não ter sido acolhida por casais habilitados desta Vara. Todavia, cabe salientar que
esses pretendentes passaram por uma avaliação prévia10 dos técnicos de psicologia e
assistentes sociais desta Seção, antes da efetivação do processo de adoção, não sendo esse
acompanhamento sistematizado. Assim sendo, não foi possível dimensionar se posteriormente
houve ou não devolução dessas crianças por essas famílias.

De acordo com o coordenador da seção de adoção, essa realidade já sofreu algumas


mudanças significativas com a lei 12.010/09, uma vez que não mais é possível adoção com
caráter intuitus personae.

Essa é apenas uma expressão da realidade que encontramos em nível de Distrito


Federal, mas que se assemelha a tantas outras em nível de Brasil. A Lei 12.010/09 abre espaço
para uma discussão que necessita estar afinada com os serviços de acolhimento, vara e demais
instituições que trabalham com o tema. Por um lado, nos obriga a refletir sobre práticas mais
consistentes de reintegração à família de origem, por outro aumenta a possibilidade de
inclusão dessas crianças cadastradas em famílias disponíveis à adoção, uma vez que o
cadastro se torna nacional, mas nos desafia ainda na inclusão dos grupos de irmãos nas
famílias habilitadas.

Voltando aos procedimentos para adoção temos que, após habilitados, os pretendentes
passam por uma aproximação com a criança “escolhida”. Esse processo é feito por intermédio
da equipe técnica da VIJ, sendo denominado de Estágio de Convivência, que acompanha os
primeiros encontros e observa a interação ocorrida com vistas à colocação da criança nessa
família. É recomendável aos casais que essa aproximação seja gradativa, respeitando os
momentos da criança em relação à sua separação do serviço de acolhimento, que é muitas
vezes seu único lugar de referência. No entanto, há relatos tanto de técnicos da SEFAM, como
de famílias afetivas, dentro do grupo de Apoio à adoção: Aconchego, que ela também ocorre
de forma abrupta e rápida, sem levar em conta a complexidade desse momento.

Embora a reflexão acerca das razões desses procedimentos não seja objeto deste
estudo, é importante considerar as necessidades subjetivas dos envolvidos na constituição do
vínculo adotivo. Para ilustrarmos a importância disso, far-se-á referência à fala de uma das

10
A avaliação prévia era composta de uma entrevista com a pessoa ou o casal pretendente a adoção. Em alguns
casos antes do parecer final essa avaliação era precedida de visita domiciliar com o objetivo de subsidiar o
relatório final, emitido ao Juiz da VIJ sobre o caso.

37
famílias entrevistadas F[2]: (...) mas ao mesmo tempo ela chorava e me segurava e perto de
mim o tempo todo no meu colo, e depois me segurando enquanto a equipe do Abrigo fazia
todo o processo de despedida, que eu achei bonito, de despedir daquele lugar, daquelas
pessoas, daquilo que tinha sido parte da vida dela (...).

Dando continuidade ao processo de inclusão da criança na família pretendente, inicia-


se o chamado estágio de convivência que não tem tempo determinado. A sentença da adoção
será promulgada após um tempo de convívio, paralelo aos trâmites judiciais. No DF, as
famílias são acompanhadas esporadicamente pela equipe técnica da Vara, que relata ao juiz,
através de relatório, a qualidade dessa relação. Neste estudo observou-se que esse
acompanhamento não é feito de forma sistematizada nem pelos técnicos responsáveis da Vara
que acompanham o processo, nem pelos técnicos do serviço de acolhimento. Urge salientar
que uma das justificativas disso pelos técnicos da seção de adoção é o grande volume de
processos, significativamente desproporcional ao número de funcionários para atender à
demanda.

Entende-se aqui como acompanhamento sistematizado um planejamento minucioso do


estágio de convivência, elaborado pela equipe psicossocial da VIJ em parceria com a equipe
do serviço de acolhimento, o qual considera toda a história de vida da criança anterior e
posterior ao acolhimento. Esse processo auxilia na elaboração do luto da criança em relação à
família biológica e facilita sua integração à família adotiva. Entende-se que tudo isso pode
auxiliar o laudo psicosssocial que representa o alicerce da sentença judicial.

É o juiz a autoridade competente para proferir a sentença que definirá e legalizará o


vínculo de filiação por adoção. Nesse momento, é emitida uma nova certidão de nascimento
para a criança e se apagarão as referências ligadas à sua história anterior, em sua
documentação. Ela passa a ser reconhecida como filha(o) legítima(o) dos novos pais. É a
sentença da adoção que dá a legitimidade para essa nova filiação.

Antes de aprofundarmos os conceitos sobre vinculação adotiva discutiremos algumas


alterações legais que têm norteado reflexões importantes sobre o tema de adoção. Não
aprofundaremos o tema “Acolhimento Institucional”, apenas faremos uma breve reflexão
sobre as mudanças legais que dizem respeito a ele.

1.2 Novos parâmetros legais do acolhimento institucional

38
Enquanto o Acolhimento for necessário, é fundamental ofertar à criança e ao
adolescente um ambiente e cuidados facilitadores do desenvolvimento, de modo a
favorecer, dentre outros aspectos: i. Seu desenvolvimento integral; ii. A superação
de vivências de separação e violência; iii. A apropriação e ressignificação de sua
história de vida; iv. O fortalecimento da cidadania, autonomia e a inserção social.
(CONANDA, 2009, p. 29).

Antes da discussão dos novos parâmetros legais que perpassam pelo tema de adoção
vale ressaltar a mudança de nomenclatura do termo de Abrigo para “Acolhimento
Institucional”, que por sua vez substitui também o termo “orfanato”, sendo fruto de uma
ampla discussão em âmbito nacional do Grupo de Trabalho – GT, composto por
representantes de ONG’s de todo território nacional.

A discussão do tema da adoção vem ganhando grande visibilidade, na última década e


maior ênfase a partir da promulgação da Lei 12.010/09, a qual altera a Lei 8.069/90 – ECA.
Ressalta-se que o marcos que impulsionaram essa mudança foram à reportagem do Correio
Brasiliense, em 2002: “Órfãos de Pais Vivos” de Ana Beatriz Magno e o Projeto de Lei de
Adoção, do deputado João Matos (1.756/2003). Estes motivaram o estudo realizado em 2004
pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA11 (IPEA, 2004), o qual teve certa
continuidade com nova pesquisa realizada pelo MDS em parceria com a FIOCRUZ em 2010.
Ambas as pesquisas trazem uma série de reflexões e destacam a urgência da efetivação das
leis já existentes, no que se refere à proteção integral às crianças e adolescentes privados da
convivência familiar e comunitária.

Paralelo a esse processo, em 2004 foi aprovado pelo CNAS a Política Nacional de
Assistência Social (PNAS), com o objetivo de concretizar direitos assegurados na
Constituição Federal (1988) e na Lei Orgânica de Assistência Social (1993). A PNAS
organiza a matriz de funcionamento do Sistema Único de Assistência Social (SUAS),
inaugura no país um novo paradigma de defesa dos direitos socioassistenciais. Na sequência,
a aprovação da NOB/SUAS estabelece parâmetros para operacionalização do SUAS em todo
o território nacional. Em 2006, foi aprovada a NOB-RH do SUAS que, dentre outros

11
Levantamento realizado pelo IPEA em 2003 e promovido pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos
(SEDH) da Presidência da República, por meio da Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança do
Adolescente (SPDCA) e do Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA). Das
cerca de 670 instituições de abrigo que eram beneficiadas, naquele ano, por recursos da Rede de Serviços de
Ação Continuada (Rede SAC) do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, foram investigados
589 abrigos, ou seja, 88% do total. Essas instituições acolhiam, no momento da realização da Pesquisa, 19.373
crianças e adolescentes. Ver IPEA/CONANDA. O direito à convivência familiar e comunitária: os abrigos
para crianças e adolescentes no Brasil / Enid Rocha Andrade da Silva (coord). Brasília, 2004.

39
aspectos, estabeleceu parâmetros nacionais para a composição das equipes que devem atuar
nos serviços de acolhimento.

Dentre outros resultados a pesquisa realizada pelo IPEA apontou que 50,1% das
crianças e adolescentes foram abrigados por motivos relacionados à pobreza; 24,1% estavam
acolhidas em função da situação de pobreza de suas famílias; 86,7% tinham família, sendo
que 58,2% mantinham vínculos familiares, com contatos regulares; apenas 43,4% tinham
processo na justiça, e somente 10,7% estavam em condição legal de adoção; 20% estavam
institucionalizadas há mais de seis anos.

O objetivo do levantamento realizado pelo IPEA, sob coordenação e solicitação da


SEDH/CONANDA, era construir um perfil atualizado dessas instituições para subsidiar o
processo de reordenamento dos serviços de acolhimento nas capitais e em diversos
municípios brasileiros e, desse modo, promover a adequação das práticas institucionais aos
princípios previstos no ECA. Visava-se identificar as medidas institucionais que segregam,
confinam e dificultam a preservação dos vínculos familiares, a fim de estabelecer estratégias
para sua correção.

No que se refere ao Distrito Federal12, consta um número significativo de 23


instituições13 que acolhem infantes entre 0-18 anos. Porém, 38% dessas instituições
restringem sua oferta de vagas a faixas etárias de até seis anos, o que contraria o princípio da
primazia de crianças e adolescentes receber proteção e socorro em quaisquer circunstancias
(art. 4º, parag. Único do ECA, 1990).

Das Instituições de Acolhimento do Distrito Federal, apenas uma é pública, sendo as


demais filantrópicas. Contudo, ressaltamos que nenhuma atende com serviços específicos, de
forma parcial ou gradual à demanda de crianças e adolescentes em situação e vivência
crônica de rua e uso de drogas. O que nos incita pensar sobre uma reedição do abandono
desse público.

12
Conforme pesquisa realizada pela Comissão Intersetorial criada pelo decreto Governamental 28.075 de
28/06/2007, visando elaboração do Plano Pró Convivência Familiar do Distrito Federal, aprovada pelo Conselho
de Assistência Social do DF e Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente do DF, publicada no DODF
de 27/06/08. Tal Plano tinha por fundamento o Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária
(BRASIL, CONANDA, 2006)
13
Serviços de acolhimento no Distrito Federal: Ampare, Casa Abrigo ABA, CEICON, FALE, Grupo Luz e
Cura, Instituição Dom Orione, Instituição Vicenta Maria, Lar Chico Xavier, Nova Acrópole, Padre Cícero, Lar
São José, Serviço Integrado de Amparo e Orientação – SIAO, Transforme, Vida Positiva, Abrigo – Reencontro
Abrire, Nosso Lar – Sociedade Cristã Maria e Jesus, Aldeias Infantis SOS Brasília, CRIAMAR, Casa Transitória
BSB, Casa de Ismael, Sociedade Casa do Caminho, Nossa Senhora das Graças e Casa da Criança Batuíra.

40
A maior parte dessas instituições não dispõe de recursos físicos, humanos, financeiros
suficientes para execução de projetos psicopedagógicos, o que visivelmente dificulta o
trabalho de reintegração as famílias de origem e o trabalho qualificado de preparação para
adoção daquelas que já se encontram cadastradas para adoção.

Dentre outros dados apresentados no Plano Distrital de Convivência Familiar e


Comunitária temos que apenas cinco (23,8%) serviços de acolhimento trabalham com o
limite de até 20 crianças e adolescentes, sendo que as demais atendem até 60 crianças, o que
contraria as recomendações do MDS e as Orientações técnicas de atendimento singularizado
a pequenos grupos. Três (14,28%) contam simultaneamente com profissionais de pedagogia
psicologia e serviço social, oito (38,09%) com apenas dois profissionais, quatro (19,04%)
não tem nenhum profissional do quadro técnico a não ser voluntários. Quanto aos
cuidadores/educadores, dez serviços de acolhimento trabalham com uma cuidadora para cada
dez crianças e adolescentes, ou menos, enquanto nove serviços não atendem as
recomendações da NOB/RH/SUAS, a qual indica um coordenador para cada 20 crianças e
adolescentes; um educador por turno para até 10 crianças e adolescentes, contando com a
ajuda de um auxiliar, um assistente social e um psicólogo para atendimento de até 20
crianças e adolescentes em, no máximo, dois equipamentos. Importante ressaltar que 66%
desses cuidadores que desempenham as funções diretas com esse público, moram no serviço
de acolhimento. Além disso, ressaltamos que a ausência de alternância entre vida pessoal e
profissional leva ao esgotamento emocional desses profissionais.

A esse respeito, consultar PEREIRA (2004), que indica o fenômeno de burn out a que
essas profissionais são submetidas. Dentre outros dados contemplados no Plano Distrital
ressaltamos que apenas 24% de cuidadores permanecem no cargo por mais de quatro anos,
sendo que a maioria deixa o trabalho por motivos familiares, cansaço ou dificuldades de
adequação. Esse fenômeno tem implicação direta com o processo de reintegração à família
de origem ou à família adotiva. no que diz respeito à construção do vínculo positivo ou
negativo que a criança ou e/ou adolescente desenvolve com os suas figuras de autoridade.
Para aprofundamento sobre a especificidade do vínculo entre educadora/ cuidadora e criança
abrigada, indicamos o trabalho de FRANÇA, intitulado: Mãe social: o mito do amor materno
nas instituições de abrigo.

Visando nortear parâmetros de atendimento para essa realidade e tantas outras


espalhadas pelo Brasil, em 2009 o Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS
juntamente com o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente –
41
CONANDA, através da resolução conjunta n. 1, de 18 de junho de 2009, aprovou as
orientações técnicas que tem como finalidade regulamentar em todo território nacional os
Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes, no âmbito da política de assistência
social.

As mudanças nas orientações e exigências legais para os serviços de acolhimento


institucional revelam a busca da profissionalização de um serviço tradicionalmente
filantrópico, para que possa funcionar com garantidor de direitos fundamentais de crianças e
adolescentes. Esses instrumentos normativos passam a ser referências para o sistema de
Justiça, responsável pela fiscalização desses serviços, bem como para as exigências
cotidianas que faz em decorrência do acompanhamento da situação de acolhimento
institucional de crianças e adolescentes.

A regulamentação ora apresentada era uma ação prevista no Plano Nacional de


Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar
e Comunitária e representa um compromisso partilhado entre o MDS, a SEDH, o
CONANDA e o CNAS, para afirmação no Estado brasileiro do direito de crianças e
adolescentes à convivência familiar e comunitária. Além de ser fruto de amplas discussões
travadas em diferentes fóruns regionais, nacionais e internacionais, Conferências Estaduais e
Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente realizadas principalmente, em 2007 e
encontros do Grupo Nacional de Trabalho Pró-Convivência Familiar e Comunitária – GT
Nacional14.

Os Serviços de Acolhimento para crianças e adolescentes integram os Serviços de


Alta Complexidade do SUAS, sejam eles de natureza público-estatal ou não-estatal, e devem
estar pautados nos pressupostos do ECA, do PNCFC, PNAS, NOR-RH do SUAS e no
Projeto de Diretrizes das Nações Unidas sobre Emprego e Condições Adequadas de
Cuidados Alternativos com Crianças.

Elaborado a partir de um amplo processo de discussão conduzido pelo Comitê dos


Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (ONU), UNICEF e Serviço Social
Internacional, o documento contou com a contribuição de especialistas, governamentais e

14
Iniciado em 2005 por iniciativa do Fundo das Nações Unidas para a Infância e Juventude (UNICEF), com
cooperação técnica da Associação Brasileira Terra dos Homens e apoio da Secretaria Especial dos Direitos
Humanos – SEDH, do Instituto Camargo Corrêa e do Instituto C&A, o GT Nacional Pró-Convivência Familiar e
Comunitária reuniu representantes governamentais (estados e municípios) e não governamentais para a discussão
e proposição de parâmetros nacionais para o atendimento em serviços de acolhimento para crianças e
adolescentes.
42
não governamentais, de diversas nacionalidades. Em agosto de 2006, o documento foi
discutido no Brasil em uma Reunião intergovernamental que reuniu especialistas
representantes de mais de 40 países, o Comitê dos Direitos da Criança da ONU, o Serviço
Social Internacional e o UNICEF. Em junho de 2009, durante a 11ª Sessão do Conselho de
Direitos Humanos da ONU, foi aprovado o Projeto de Resolução sobre as Diretrizes para
Cuidados Alternativos para Criança, que será levado à Assembléia Geral das Nações Unidas.
(CONANDA, 2009, p. 6).

A organização do SUAS como sistema pressupõe a articulação da rede


socioassistencial com as demais políticas públicas e com o Sistema de Garantia de Direitos -
SGD15 e elege a família como foco central de atenção. A previsão de serviços de caráter
preventivo e de fortalecimento de vínculos familiares e comunitários 16, de atendimento
especializado a indivíduos e famílias em situação de ameaça ou violação de direitos 17 e de
serviços de acolhimento para crianças e adolescentes18 tem importância basilar no que diz
respeito à concretização do direito à convivência familiar e comunitária.

As orientações metodológicas do referido documento explicitam a importância de um


estudo diagnóstico para subsidiar a decisão acerca do afastamento da criança ou adolescente
do convívio familiar; da necessidade de elaboração de um Plano de Atendimento
Individual e Familiar no qual constem objetivos, estratégias e ações a serem desenvolvidas
tendo em vista a superação dos motivos que levaram ao afastamento do convívio e o
atendimento das necessidades específicas de cada situação; da implementação de uma
sistemática de acompanhamento da situação familiar a ser iniciada imediatamente após o
acolhimento; de os serviços de acolhimento manterem uma interface com outros serviços da
rede sócio-assistencial e com os demais órgãos do Sistema de Garantia de Direitos da
Infância e da Juventude, por meio de uma articulação intersetorial; da elaboração de um
Projeto Político-Pedagógico que oriente a proposta de funcionamento do serviço como um
todo, tanto no que se refere ao seu funcionamento interno, quanto ao seu relacionamento com
a rede local, as famílias e a comunidade.

15
Sistema de Garantia dos Direitos – SGD (ver glossário)
16
Proteção Social Básica (ver glossário)
17
Proteção Social Especial de Média Complexidade (ver glossário)
18
Proteção Social Especial de Alta Complexidade ( ver glossário)

43
Atualmente, os serviços de acolhimento ainda caminham para as mudanças previstas
na Lei 12.010/09. Normalmente com práticas ainda disciplinadoras, parecem carecer de uma
estrutura capaz de propiciar condições promotoras de um acolhimento adequado. Todavia,
compreende-se que nem todos os serviços oferecem riscos danosos a esse público. Alguns,
mesmo com a ausência de recursos financeiros, têm mostrado resultados positivos, com a
integração de jovens à sociedade, através das Repúblicas. Há de se mencionar que alguns
desses adolescentes chegam ao serviço de acolhimento prestes a completarem 18 anos,
necessitando de alternativas emergenciais que visem sua inserção à sociedade.

Por outro lado, vê-se nas práticas repetitivas de acolhimento a falta de uma maior
reflexão sobre as consequências que uma longa institucionalização pode causar nesses
sujeitos, sobretudo quando há ausência de afeto nas relações dentro dos serviços, há falta de
atendimento individualizado à criança, há carência de recursos financeiros e humanos, e
principalmente quando não há capacitação das pessoas que atuam na proteção social especial
de alta complexidade.

Podemos associar ao sofrimento corporal e psíquico sofrido por essas crianças


sensações de abandono ou privação de alguém de referência. Estes sinais se expressam em
diversas reações, como: um olhar assustado, uma fala não dita, um ato agressivo.
Principalmente este último, que na maioria das vezes acarreta na estigmatização da criança
como não adaptável às regras institucionais, o que resulta frequentemente em transferência de
um serviço de acolhimento para outro ou ainda em encaminhamentos psiquiátricos, com
vistas à medicalização.

Antes mesmo da mudança legal, essa hipótese já era discutida por alguns autores,
conforme sugere o pensamento de Goffman (1987), o qual defendia que a institucionalização
não favorecia o desenvolvimento biopsicossocial da criança, e muito menos fortalecia a rede
social da família. Todavia, há de se considerar que existem serviços de acolhimento que
atendem a essas crianças e adolescentes em suas necessidades biopsicossociais. Considerar os
serviços como desnecessários seria fadar uma opção útil de atendimento para esse público,
que tende a ser população de risco, em virtude, principalmente, da pobreza das famílias das
quais são oriundos; do afastamento da convivência familiar a que são submetidos por terem
sido vítimas de maus-tratos domésticos e por não usufruírem de uma rede social de apoio.

44
É sabido que em determinadas situações faz-se necessário a aplicação da medida
protetiva prevista no ECA, no art. 10119, mas antecede a essa medida o amplo funcionamento
da Proteção Social Básica dessas famílias prevista no SUAS.

Por outro lado, cabe um estudo mais minucioso e acelerado por parte dos serviços de
acolhimento e do Judiciário sobre essas crianças e adolescentes, conforme previsto na Lei
12.010/09, a qual estipula sua permanência de no máximo dois anos, salvo raras exceções.
Esse estudo deve ser feito a partir do que propõe o Plano de Atendimento Individual e
Familiar da Criança, previsto nas orientações técnicas. A celeridade oportuniza a colocação de
crianças desprovidas de vínculos familiares a outras famílias, a partir de sua colocação em
família acolhedora ou adotiva, dando assim a elas, oportunidade de conviverem em uma
família.

No capítulo seguinte faremos uma breve explanação sobre à qual família estamos
falando. Assim segue uma prévia da discussão sobre as mudanças que o conceito de família
vem sofrendo, principalmente com a aprovação do PNCFC/2006 sob a ótica do direito à
convivência familiar e comunitária das crianças e adolescentes que vivem nos serviços de
acolhimento.

19
ECA, art. 101- Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá
determinar, dentre outras, as seguintes medidas: (...) VII – Acolhimento Institucional; VIII – Inclusão em
programas de atendimento familiar; IX – colocação em família substituta.

45
CAPÍTULO 2
APROXIMAÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA

2. Da família idealizada a família possível

[...] mas as coisas tem que mudar, as famílias estão se desfazendo. Houve um
descompasso da vida familiar. A gente foi criada nesse ambiente de família
[...].F[2][D] (JANETE, 2010)

Não é objetivo deste capítulo fazer uma historização do conceito de família, mas sim
tecer uma breve explanação sobre o tema, considerando-se os avanços teóricos a ele
relacionados, inclusive em nível da aplicação das políticas públicas.

A referência feita à família20 na CF/88 no artigo 226 §4º é como “entidade familiar
a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”. Tal conceito ganha
ampliação através da Lei 12.010/09, no art. 25 (...) parágrafo único, no qual “entende-se
por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou
da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente
convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade”.

Essas concepções ampliam o conceito e possibilitam ver a família como todo o grupo
de pessoas com laços de consanguinidade e/ou de aliança e/ou de afinidade, cujos vínculos
circunscrevem obrigações recíprocas, organizadas em torno de relações de geração e de
gênero. A amplitude destas definições derruba qualquer idéia preconcebida de modelo
familiar “normal”. Trata-se, portanto, de saber se a família é capaz de realizar as funções de
proteção e de socialização.

O PNCFC/2006 chama a atenção para a necessidade de desmistificar a idealização de


uma dada estrutura familiar como sendo a “natural”, abrindo-se caminho para o
reconhecimento da diversidade das organizações familiares no contexto histórico, social e
cultural. O mesmo Plano (PNCFC, 2006) chama ainda a atenção para a necessidade de
compreender a complexidade e riqueza dos vínculos familiares e comunitários que podem ser
mobilizados nas diversas frentes de defesa dos direitos das crianças e adolescentes. E enfatiza
a necessidade de uma definição mais ampla de “família”, com base sócio-antropológica. “A

20
Para detalhamento sobre o conceito de família ver KOWALIK, Adam. Noções do Direito Familiar.
Panóptica, Vitória, ano 1, n. 9, jul. – ago., 2007, p. 129-149. Disponível em: <http://www.panoptica.org>.

46
família pode ser pensada como um grupo de pessoas que são unidas por laços de
consangüinidade21, de aliança22 e de afinidade”23(PNCFC/2006, p. 27).

Ressalta, ainda, a necessidade de reconhecer outros tipos de vínculos que pressupõem


obrigações mútuas, mas não de caráter legal e sim de caráter simbólico e afetivo – relações de
vizinhança, apadrinhamento, amizade – que não raramente se revelam mais fortes e
importantes para a sobrevivência cotidiana do que muitas relações de parentesco.

Ao mesmo tempo em que amplia o conceito de família e reconhece os vínculos para


além da consanguinidade, chama a atenção para que, uma vez utilizado qualquer desses
recursos como possibilidade, torna-se necessária a sua regulamentação legal.

A Constituição Federal, no seu artigo 227, determina que sejam assegurados às


crianças e adolescentes os direitos inerentes à cidadania, através de sua rede familiar:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente,


com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (CF/88, art.
227).
É importante considerar que as normas legais mencionadas centralizam a questão no
direito que a criança tem de ser criada e educada pela família e, ao mesmo tempo, refere-se à
necessidade de proteger e assistir essa mesma família no adequado exercício de suas funções.
A CF/88, no artigo 226, afirma que “a família, a base da sociedade, tem especial proteção do
Estado”.

Não obstante, é preciso refletir que os avanços nas leis não garantem mudança nas
ações se estas não forem fortemente embasadas em um compromisso de atender às famílias
nas suas reais necessidades, tornando-às autônomas. O que vemos constantemente são
crianças e adolescentes atendidas nos serviços de acolhimento, expressando uma família que
precisa ser cuidada. Por um lado estão essas famílias que não conseguem acessar serviços
públicos, que quando existentes não atendem às suas reais necessidades. Por outro lado,
vemos essas crianças e adolescentes que necessitam dos serviços de acolhimento. Sendo

21
A definição pelas relações consanguineas de quem é “parente” varia entre as sociedades, podendo ou não
incluir tios, tias, primos de variados graus etc. Isto faz com que a relação de consanguinidade, em vez de
“natural”, tenha sempre de ser interpretada em seu referencial simbólico e cultural. PNCFC, 2006.
22
Vínculos contraídos a partir de contratos, como a união conjugal (PNCFC, 2006).
23
Vínculos “adquiridos” com os parentes do cônjuge a partir das relações de aliança (PNCFC, 2006).

47
reproduzido assim, um ciclo interminável de dependência desse público carente de programas
e serviços ausentes de uma visão emancipatória.

De acordo com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças,
aprovada em 20 de novembro de 1989:

[...] os Estados velarão para que as crianças não sejam separadas de seus pais contra
a vontade desses, exceto quando, de acordo com decisão judicial, as autoridades
competentes determinem, de acordo com a Lei e os procedimentos aplicáveis, que
tal separação é necessária ao interesse superior da criança.
A proteção pressupõe um protetor e um protegido, posto que, necessariamente, o
primeiro exerce um poder, uma autoridade em relação ao protegido, principalmente no que
tange às decisões. Mas como isso se dá na prática, uma vez que a família que deveria agir
como rede de proteção encontra-se desprotegida em seus direitos? A certeza que temos é que
essa mesma família também precisa ser cuidada.

Então, o que fazer quando as condições de proteção à criança e ao adolescente não se


fizeram presentes? Diante da inviabilidade de ser assistida por sua família de origem a criança
poderá ser encaminhada para o serviço de acolhimento familiar, art. 3424 §1º e §2ª da Lei
12.010/09, ou para o serviço de acolhimento institucional, detalhado anteriormente ou,
ainda, em última instância, para adoção (art. 9225, princípio II do ECA, 1990).

Todavia, cabe ressaltar que existem importantes diferenças legais no acolhimento


familiar26 e na colocação em família adotiva. Embora ambos ofereçam a proteção integral em
ambiente familiar e comunitário, na Adoção a transferência dos direitos e deveres parentais é
total e irrevogável: a criança assume a condição de filho; há a substituição dos direitos, das
obrigações e a identidade legal pode ser alterada. No Acolhimento Familiar a transferência
dos deveres e direitos da família de origem para outro adulto ou família é temporária. Não há
substituição, há parceria e colaboração e são preservadas a identidade, os vínculos e a história
da criança, sem que haja qualquer alteração legal na certidão de nascimento.

Devido ao recorte dado ao presente trabalho, não estenderemos a discussão sobre as


propostas do acolhimento familiar, porém ressaltamos que essa possibilidade caracteriza

24
Art. 34 §1º - A inclusão da criança ou adolescente em programas de acolhimento familiar terá preferência a
seu acolhimento institucional, observado, em qualquer caso, o caráter temporário e excepcional da medida, nos
termos desta lei. §2º Na hipótese do §1º deste artigo a pessoa ou casal cadastrado no programa de acolhimento
familiar poderá receber a criança ou adolescente mediante guarda, observado o disposto nos arts. 28 e 33 desta
Lei.
25
Art. 92 princípio II integração em família substituta, quando esgotados os recursos de manutenção na
família natural ou extensa.
26
Sobre o tema Acolhimento Familiar consultar a tese de mestrado de VALENTE (2008).
48
também uma via de proteção a criança e adolescente vítima de abandono. Assim como, a
adoção, o acolhimento familiar também representa uma resposta às necessidades não
satisfeitas pela família biológica, uma resposta que oferece à criança ou adolescente vítima de
abandono uma possibilidade de ter pais e ambiente familiar, indispensáveis para o seu
desenvolvimento. A família adotiva deve cumprir com todas as funções de família, não só as
de subsistência material, mas também permitir espaço para reconstrução dos vínculos de
filiação e colaborar amplamente na internalização do sentimento de auto-estima, chave para o
processo de desenvolvimento de uma personalidade sadia e construtiva.

Insiro aqui, mais uma vez a importância do estudo em tela em seus dois aspectos:
“devolução” e “adoção positiva”, o que possibilitou vislumbrar de forma mais clara a
passagem da parentalidade biológica à parentalidade afetiva, no âmbito da qual configura a
identidade da criança adotada. Antes dessa aproximação com os sujeitos pesquisados faz se
necessário inserir algumas reflexões sobre família numa perspectiva sistêmica.

2.1 Pensando família a partir da estrutura sistêmica

Antes de esboçar os procedimentos metodológicos adotados para a condução desta


pesquisa, descrevo o suporte teórico utilizado para trabalhar a vinculação das famílias
adotantes e as crianças adotadas.

A compreensão das singularidades e especificidades dos sistemas familiares teve como


aporte teórico a abordagem estrutural de Minuchin (1982), que abrange de formas múltiplas o
sistema familiar em seus distintos contextos sociais, culturais, econômicos e temporais.
Referida pluralidade é imprescindível para marcar a construção de uma nova parentalidade
que se institui com a filiação adotiva.

É necessário salientar que nesta dissertação cita-se dois sistemas familiares diferentes:
a família de origem e a família adotiva, sendo que nessa pesquisa foi uma opção estudar a
família adotiva. Todavia, cabe ressaltar que o aprofundado sobre a família de origem da
criança adotiva e a construção do seu genograma não foram possíveis, uma vez que essas
informações só eram viáveis com o estudo aprofundado dos processos que, por sua vez,
correm em segredo de justiça. Porém, entende-se que isso não desqualificou o estudo, uma
vez que trabalhamos aqui o conceito de família de forma mais genérica. Nesse sentido, ao

49
descrevermos o conceito de família estaremos nos reportando tanto à família adotiva como à
de origem.

De acordo com Minuchin (1982), a família é o local que propicia as relações afetivas,
bem como cria recursos necessários para o desenvolvimento e bem estar de seus
componentes. Este espaço de proteção cria um ambiente de educação formal e informal, e é
nesse espaço social que são absorvidos os valores éticos e morais, e onde se aprofundam os
laços de solidariedade, além é claro de se garantir a proteção integral de seus membros.

De acordo com Cerveny (1994), toda família transmite seu modelo, mesmo aquelas
que cuidam muito para não o fazer. Assim, certos modelos podem passar à geração seguinte
de outra forma ou até pular uma geração. Esses modelos definem a construção subjetiva de
padrões de comportamento.

Quando descrevemos as famílias como possuindo uma estrutura, queremos indicar


algo mais que um mapa de quem pertence à família. Estamos nos referindo a padrões de
interação recorrentes e previsíveis. Esses padrões refletem as filiações, tensões e hierarquias
importantes nas sociedades humanas, e têm significados para o comportamento e os
relacionamentos.

Esses padrões denominados como transacionais regulam o comportamento dos seus


integrantes, organizam a hierarquia dentro da família e definem os caminhos que são
utilizados nas suas decisões. Minuchin (1999, p.23) aponta que “os padrões de autoridade são
aspectos particularmente importantes da organização familiar, eles carregam o potencial para
a harmonia e o conflito e estão sujeitos a ser desafiados à medida que os membros da família
crescem e se modificam”.

O autor aponta que quando esses padrões de autoridade são claros e flexíveis eles
contribuem para o crescimento de seus membros. Contudo, quando isso não acontece, a
comunicação se torna confusa e pode propiciar comportamentos inadequados. Isso significa
que quanto mais coeso for o grupo mais fácil a diferenciação progressiva da individualização
de seus membros. Isso acaba por torná-los menos dependentes em seu funcionamento do
sistema familiar original e, instituindo-os com funções diferentes, em um novo sistema. Nesse
sentido defende que, quanto mais flexível e adaptável for a família, mais significativa ela se
torna

Para Minuchin (1982) a maioria desses padrões transacionais são particulares e são
construídos com o tempo, dentro do próprio ambiente familiar. Quando eles são organizados
50
refletem as regras implícitas que definem expectativas e limites no ambiente familiar,
denominados como fronteiras nítidas. A abordagem sistêmica entende que cada pessoa
contribui para a formação de padrões transacionais, mas também é evidente que a
personalidade e o comportamento são moldados pelo que a família espera e permite.

O autor indica que a nitidez das fronteiras dentro de uma família é um parâmetro útil
para avaliação do funcionamento familiar. Para ele algumas famílias giram em torno de si
mesmas, o que as tornam difusas. Outras desenvolvem fronteiras extremamente rígidas. A
comunicação através dos subsistemas se torna difícil e as funções protetoras da família ficam
prejudicadas. Estes dois extremos de funcionamento das fronteiras são chamados de
emaranhamento e desligamento, os quais se referem a um estilo transacional ou à preferência
por um tipo de interação, e não a uma diferença qualitativa entre funcional e disfuncional.

Nesse sentido, as fronteiras assumem o papel de regular as interações entre os


indivíduos, por meio de regras explicitas ou implícitas capazes de garantir a diferenciação
entre suas partes. Minuchin (1982) explica que as fronteiras protegem a autonomia da família
e dos seus subsistemas, demarcam a hierarquia, o exercício de autoridade e poder entre seus
membros, e oferece a justa medida entre proximidade e afastamento. Comenta que, ao mesmo
tempo em que auxilia no processo de diferenciação, a fronteira oferece um sentido de
pertencimento, estimulando apoio e solidariedade, criando limites para expressão de conflitos
e competições.

O autor aponta que para que a família se mantenha viva é necessário que ela mude e se
adapte às circunstâncias históricas. Lembra ainda que ela é um sistema sóciocultural, aberto,
em contínua transformação, que necessita se reestruturar à medida que passa por
determinados estágios de desenvolvimento, para Minuchin (1982, p. 56) “a família recebe e
envia inputs para e do extra familiar, e se adapta às diferentes exigências dos estádios de
desenvolvimento que enfrenta.”

Andolfi (1989, p. 20) contribui com esse pensamento ao considerar que “a família é
um sistema entre sistemas, e que é essencial a exploração das relações interpessoais, e das
normas que regulam a vida dos grupos significativos a que o indivíduo pertence, para uma
compreensão do comportamento dos membros e para a formulação de intervenções eficazes.”

O autor, ainda, defende a família como um organismo complexo e mutável de acordo


com a interação com outros sistemas. Isto significa que as relações interfamiliares são
observadas numa relação dialética com o conjunto das relações sociais. Aponta esse processo
51
dialético como a dinâmica que promove a continuidade e o crescimento da família, ao mesmo
tempo em que assegura a diferenciação de seus membros. A necessidade de diferenciação
entendida como a auto-expressão de cada indivíduo funde-se com a necessidade de coesão e
manutenção da unidade no grupo com o passar do tempo.

Assim, a família está constantemente recebendo influência de outros subsistemas que


permeiam suas relações, que por sua vez estão intrinsecamente ligados a contextos culturais,
sociais, políticos e econômicos. A busca incansável das famílias é nutrir sua capacidade de
auto-sustentação, transmissão de valores morais, éticos e o crescimento pessoal de todos os
membros. Todavia, quando isso não acontece faz-se necessário a interferência do Judiciário,
cujo objetivo principal é a proteção integral da criança. E é dentro desse contexto familiar de
adoção que circunscreveu-se este estudo.

Não foi possível falar das relações familiares sem abordar de forma teórica o conceito
de vínculo, o qual perpassa todo o estudo em tela. Assim sendo, detalhar-se-á adiante algumas
considerações a respeito desse conceito.

2.2 Aproximação teórica com o conceito de vínculo

O significado da palavra vínculo segundo o dicionário da língua portuguesa é tudo


que ata, liga ou aperta (FERREIRA, 1988), tal conceito correlaciona-se com a palavra
vincular cujo significado é: tudo aquilo que liga, une ou prende com vínculo. O ensejo de
trazer seus significados nos reporta a uma reflexão sobre um desejo maior, qual seja, entender
os meandros da vinculação afetiva desenvolvidas durante o processo de adoção.

Falar de vínculo afetivo é falar de um tipo particular de relação com outrem. É uma
dinâmica em contínuo movimento que funciona acionada ou movida por fatores instintivos e
por motivações psicológicas. Podemos definir o vínculo como uma relação particular com o
objeto desejado. Esta relação particular tem como conseqüência uma conduta mais ou menos
fixa com este objeto (PICHON-RIVIÈRE, 1986).

De acordo com esse autor temos dois campos psicológicos no vínculo: um interno e
outro externo. Sabemos que existem objetos externos e objetos internos. É possível
estabelecer um vínculo, uma relação de objeto, com um objeto interno e também com um
objeto externo. Podemos dizer que aquilo que mais nos interessa do ponto de vista

52
psicossocial é o vínculo externo, enquanto que do ponto de vista da psiquiatria e da
psicanálise, aquilo que mais interessa é o vinculo interno, isto é, a forma particular que o eu
tem de se relacionar com a imagem de um objeto colocado dentro do sujeito. Esse vínculo
interno, então, está condicionado a aspetos externos e visíveis do sujeito.

Não existem relações impessoais, uma vez que o vínculo de dois se estabelece sempre
em função de outros vínculos condicionados historicamente no sujeito e que, acumulados
nele, constituem o que denominamos o inconsciente. O inconsciente27, portanto, é constituído
segundo a perspectiva de Pichon-Rivière (1986) por uma série de pautas de conduta
acumuladas em relações com vínculos e papéis que o sujeito desempenha frente a
determinados sujeitos. Para esse autor, pode-se levar em conta a ação do meio sobre o
indivíduo, bem como a ação do indivíduo sobre o meio, e isto em uma contínua espiral
dialética.

Assim sendo, podemos dizer que uma pessoa reage de um modo particular frente a um
acontecimento na medida que esse objeto tem um significado particular para ela. Esse
significado está relacionado com a história particular do sujeito. Não obstante, poderíamos
falar do processo de adoção de outra maneira. Nesse contexto é imprescindível considerar
tanto o desejo particular do adotado como do adotante, a partir de um estudo prévio dos
motivos e condições que incitaram a concretização do ato em si, levando em consideração a
representação particular e individual de cada pretendente, e por fim entender como a história
pessoal de cada um pode interferir na apreensão e compreensão do filho adotivo.

Em se tratando de adoção é imprescindível considerar que as histórias pessoais das


crianças e adolescentes adotáveis são singulares, na medida em que são únicas e cheias de
significados expressivos. No caso das crianças e adolescentes, são carregadas por vivências
dolorosas pelo abandono vivido da família de origem, que precisam ser desvelados com
cuidado, no convívio diário com essa nova família adotiva, por isso a importância em
considerar a gama de relações internas e externas que a criança traz consigo nesse novo
processo de pertencimento. Não passar por esse processo significa por em risco a transposição
do vínculo da família de origem para a família adotiva.

Nesse sentido, compreender a criança que se encontra no processo de adoção como um


todo, interagir com seus processos internos, é de suma importância, visto que a mesma traz

27
Não é propósito desse estudo discutir o conceito de inconsciente, visto que esta é uma questão extremamente
complexa, que poderá ser abordada em outros trabalhos de ordem psicanalíticas.
53
consigo uma história de vida anterior quando é inserida em uma nova rede de
relacionamentos, independente de qualquer idade em que seja incluída em uma nova família.
Para Winnicott (1999, p. 162): “Até mesmo a raiva pode indicar que há esperança e que, no
momento, a criança é uma unidade, capaz de sentir o confronto entre o que é concebido e o
que realmente é encontrado no que chamamos de realidade compartilhada”.

Partindo desta concepção e nos reportando à citação de Clarice Lispector “a vida me


fez de vez em quando pertencer, como se fosse para me dar a medida do que eu perco não
pertencendo. E então eu soube: pertencer é viver.” Entendemos que a história de vida, no
caso da criança adotiva, pode atuar como mediadora no que se refere à sua sensação de
pertencimento e à formação de sua identidade psicossocial.

Corroborando com esse raciocínio, Vicente (2000, p. 47-59) considera que toda
criança ao nascer está inserida em determinado território social e geográfico. Esse território
revela o lugar ao qual esta criança pertence e à qual a comunidade está vinculada.
Principalmente vinculada a uma paternidade/maternidade. Dessa forma, podemos dizer que
toda criança nasce em uma comunidade e que esta, portanto, também definirá sua identidade.
Nesse sentido, pode se entender que cultura e família interagem reciprocamente.

De acordo com Vicente (2000) a história de vida da criança tem início dentro da
história da família, de sua comunidade e de sua nação. Neste sentido, a criança que viveu em
acolhimento institucional e, portanto, foi afastada da convivência familiar e comunitária,
sofreu uma ruptura no processo de construção de sua história de vida, e também uma ruptura
nos vínculos afetivos, pois foi afastada de suas raízes culturais e afetivas. Ao ser adotada a
criança traz lacunas no que se refere às suas raízes e precisará de um tempo para se
reorganizar e assimilar os novos modelos culturais que lhe serão apresentados na família que
a adotou. Nesta perspectiva compreende-se que toda relação de vinculação surge da
convivência e do respeito, e não só da herança genética.

Nesse sentido, entende-se que para a criança adotiva a narrativa de sua história de vida
atua como um elemento importante de mediação. Para aquelas que foram afastadas da
convivência familiar, esta narrativa pode amenizar a sobreposição do coletivo ao individual,
durante o período de institucionalização. E pode, também, facilitar a transição da saída da
instituição para a reintegração no contexto familiar e comunitário. Considerar todos os
vínculos instituídos durante sua infância e adolescência, sejam eles, familiar ou institucional é

54
uma tentativa de resgatar a história individual da criança, processo esse que tende facilitar a
construção dessa nova filiação em adoção.

Para isso entendemos que para toda boa vinculação, seja ela adotiva ou biológica, é
necessária a introdução da criança em uma história familiar, a qual ela necessariamente
precisa sentir-se como parte integrante. Todavia anterior a essa relação de pais e filhos, é
imprescindível que os pais avaliem as expectativas que estão depositando sobre os filhos,
estes apresentam naturalmente limitações, sejam elas históricas ou no seu desenvolvimento
etário. Os filhos não devem ser percebidos como objeto adquirido para tamponar uma falta,
mas como outro ser do qual advirão gratificações e frustrações.

Não cabe nesse estudo esgotar a discussão do conceito de vínculo. Sua complexidade
requer um estudo mais aprofundado que foi proposto aqui, onde se busca evidenciá-lo pela
interpretação dos fragmentos dos discursos dos sujeitos entrevistados.

Assim, nosso objetivo tem em vista compreender o processo de vinculação adotiva


dentro da dinâmica familiar, destacando indicadores que contribuem para construção do
vínculo de pertencimento entre pais e respectivos filhos adotados e indicadores que sejam
desfavoráveis a esse encontro filial. Nesse sentido, para viabilização de uma resposta
concreta, buscamos através da análise dos discursos identificarmos elementos que contribuem
para construção da vinculação adotiva.

Com vistas a dar prosseguimento a proposta deste trabalho, trataremos a seguir dos
caminhos percorridos na pesquisa que nos levaram ao acesso aos sujeitos entrevistados e à
efetivação da relação entre a teoria proposta e a análise dos discursos.

55
CAPÍTULO 3

APRESENTAÇÃO DO MÉTODO

3. Contextualização da metodologia

[...] trata-se de compreender que a subjetividade não é algo que aparece


somente no nível individual, mas que a própria cultura dentro da qual se
constitui o sujeito individual, e da qual também é constituinte,
representa um sistema subjetivo, gerador de subjetividade. Temos que
substituir a visão mecanicista de ver a cultura, sujeito e subjetividade
como fenômenos diferentes que se relacionam, para passar a vê-los
como fenômenos que, sem serem idênticos, se integram como
momentos qualitativos da ecologia humana em uma relação de
recursividade (GONZÁLEZ-REY, 2004, p.78).

O objetivo dessa dissertação foi compreender o processo de vinculação adotiva dentro


da dinâmica familiar, destacando elementos indicadores que contribuíram para construção do
vínculo de filiação e indicadores que foram desfavoráveis ao encontro filial.

A vinculação adotiva, ora trabalhada, envolveu todos que estavam direta ou


indiretamente dentro do processo, subjetivados, cada um em sua medida, pelo seu contexto
histórico e suas singularidades. Nesse estudo, entender a filiação adotiva foi meu maior
desafio, para isso incitei essa questão, através da pesquisa de campo, tanto para quatro
famílias adotantes como para seus respectivos filhos adotados.

O estudo considerou quatro estudos de casos, dois de devolução e dois de adoção


positiva28. Sobretudo é importante mencionar que o Judiciário considera como devolução os
casos de crianças que retornam aos serviços de acolhimento, após passarem pela experiência
de convivência familiar, via estágio de convivência, guarda ou adoção.

O presente estudo considerou devolução dois casos onde houve rompimento do


vínculo com a família adotante, sendo um deles com cinco anos e outro com quinze anos de
convivência com a família adotante, ambas as situações em que a criança reedita a
experiência de abandono e rejeição, vivenciada anteriormente com as famílias biológicas.

28
O termo Adoção Positiva é de autoria minha, utilizado para os casos em que as crianças permaneceram com
suas famílias adotivas, de forma que não foram devolvidas. Nesses casos considero que foi possível construir
positivamente o vínculo de pertencimento entre a família adotante e a criança. Não é minha intenção, sugerir o
conceito de adoção negativa, por não acreditar que haja imparcialidade ou desejo de negação nessa opção de
convivência familiar.

56
Além disso, os dois casos de “adoção positiva” fizeram referência também a convivência
com as famílias adotantes de um período de cinco anos. O recorte para os períodos estudados
foi proposital, à medida que houve disponibilidade das famílias e respectivos filhos adotados
em participarem da pesquisa e possibilidade de localizá-los.

Não foi objeto de estudo aprofundar questões inconscientes que resultaram na adoção
ou na devolução29. Foram abordados aspectos mais abrangentes como: motivações,
participação da família extensa, preparação e orientação, relação da família e da criança com a
justiça e o serviço de acolhimento, relação afetiva da família com a criança e superação das
dificuldades enfrentadas na convivência.

Visando atingir os objetivos propostos, esta pesquisa configurou-se na perspectiva da


metodologia qualitativa de González-Rey (2002) que considera o conhecimento como uma
produção não linear que envolve aspectos passíveis de uma construção interpretativa e
interativa com os sujeitos pesquisados e a significação da singularidade como nível legítimo
da produção do conhecimento.

Isto significa que o método de coleta de dados utilizado foi aberto e reconstruído ao
longo dessa pesquisa, o que possibilitou acolher as necessidades de reformulações. Esta
metodologia levou em consideração minha participação no fenômeno investigado, numa
relação onde o sujeito e o objeto foram modificados no decorrer da experiência. Neste
trabalho investigativo, pude interagir com os sujeitos pesquisados no processo que gerou uma
reflexão interativa sobre o processo de adoção tanto para as famílias adotantes como para as
crianças adotadas.

3.1 Participantes e Local da Pesquisa

O acesso aos sujeitos da pesquisa foi delineado pela minha trajetória pessoal e
profissional. A partir desse conhecimento pré-estabelecido tracei três possibilidades que
viabilizaram o acesso ao objeto de estudo: o grupo de apoio a adoção nomeado como Projeto
Aconchego, a consulta aos processos de adoção na Vara da Infância e Juventude do Distrito
Federal ou ainda como terceira possibilidade: o contato fluído com a rede de serviços de

29
Para saber mais sobre o assunto consultar a tese de mestrado de GHIRARDI, M. L. A. M. A devolução de
crianças e adolescentes adotivos sob a ótica psicanalítica: reedição de histórias de abandono. Dissertação
(Mestrado em Psicologia) - Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.
57
acolhimento, cuja relação de trabalho sempre foi positiva, durante o período que estive como
coordenadora do Lar de São José, de 2005 à 2010.

Solicitei a sugestão de alguns casos de devolução à coordenação do Projeto


Aconchego, porém logo no início vislumbrei duas dificuldades, a primeira era a de acessar as
famílias que passaram pela adoção, porém viveram a situação da devolução, mas que
buscavam a partir de uma nova tentativa encontrar acertos, a segunda era localizar as crianças
que foram devolvidas ao serviço de acolhimento, por essas famílias. Importante ressaltar que
o Projeto não dispõe dessa informação, assim a inviabilidade do cruzamento dos dados me
indicou partir para a segunda opção, qual seja, a consulta aos processos de adoção na VIJ-DF.
Essa segunda possibilidade também foi descartada, devido à tramitação do processo, que
segue em segredo de justiça.

Optei então, pelo contato direto com os serviços de acolhimento, na tentativa de


acessar as crianças devolvidas e as respectivas famílias. Os primeiros contatos foram feitos
com as Aldeias SOS30, a Casa de Ismael31, o Lar de São José32 e o Abrigo Reencontro -

30
Aldeias Infantis SOS funciona na SGAN 914, conjunto F, Asa Norte Brasília/DF. A organização Aldeias
Infantis SOS é uma entidade sem fins lucrativos com origem em Imst, na Austrália, em 1949 com a finalidade de
atender órfãos da segunda guerra mundial. Funciona associada à Kinderdof, uma associação civil de direito
privado com sede na Áustria. As aldeias atuam em 132 países. No Brasil a organização atua em 10 estados. Em
Brasília foi fundada em 1968, possui 12 residências, denominadas como casas lares, podendo atender até 120
crianças e adolescentes de forma integral em seus direitos de moradia, alimentação, saúde e lazer. O atendimento
é destinado a crianças e adolescentes de 0 a 18 anos, que se encontram em situação de vulnerabilidade social,
retiradas de suas famílias biológicas por ordem judicial, encaminhadas pela Vara da Infância e da Juventude do
DF por se encontrarem em situação de risco social. As casas lares são chefiadas por mães sociais (atualmente
denominadas como cuidadoras), contratadas pela Instituição, estas não podem morar no local com seus filhos
biológicos. O limite de atendimento para cada cuidadora é de 10 crianças e adolescentes de ambos os sexos.
31
A Casa de Ismael - Lar da Criança foi fundada em 1968, funciona SGAN Quadra 913 Conjunto G, Asa
Norte Brasília, DF. É uma instituição de Assistência Social sem fins lucrativos. Atende crianças e adolescentes
de 0 a 18 anos e respectivas famílias em situação de risco ou vulnerabilidade social. Oferece serviço de
acolhimento institucional, apoio sócioeducativo em meio aberto, orientação e apoio sóciofamiliar, escola de
educação infantil e profissionalização de adolescentes aprendizes. Atua em três eixos: Assistência Social,
Educação e Saúde. O serviço de acolhimento é mantido por meio de doações da comunidade, de sócios
contribuintes, além de convênios firmados com o governo do Distrito Federal. Sua estrutura organizacional é
composta por assembléia geral, conselho fiscal, presidência, assessoria de comunicação e seis diretorias, entre
elas: Diretoria de assistência e promoção social, Diretoria de infância e juventude, Diretoria de produção e
profissionalização, Diretoria administrativa, Diretoria financeira e Diretoria de recursos materiais.
32
Lar de São José funciona na QNM 32 Módulo B, Área Especial da Ceilândia. É uma Organização Não
Governamental, criada em 1987, sua constituição jurídica data de 1998, é composta por uma diretoria. O serviço
de acolhimento é mantido por doações. Funciona em uma área de 3.750 m², sendo sua área construída 1710 m²,
onde pode-se encontrar um refeitório central, 05 salas de atendimento, um parquinho, duas áreas de lazer e uma
lavanderia comunitária e 5 casas lares que comportam até 12 crianças e adolescentes com faixas etárias variadas
de 0 a 18 anos, sendo a responsável pela casa contratada pela Instituição na função de cuidadora, podendo ser
casada e ter até 2 filhos. Além das 5 casas lares, custeia uma república fora da instituição que atende jovens que
completaram 18 anos e não tem vínculos para reintegração familiar.

58
Abrire33. Nas Aldeias SOS e na Casa de Ismael não foram identificados nenhum caso de
devolução. No Lar de São José e Abrire, consegui abertura para acesso ao objeto de estudo.

No serviço de acolhimento do Lar de São José tive acesso a três famílias e respectivos
filhos que passaram pelo processo, qual seja Família[1][D][Devolução] Joana e Isabel34,
Família[3][AP][Adoção Positiva] Débora, Vilmar e Guilherme, e Família[4][AP][Adoção
Positiva] Lilian, Mônica e Júlia. A segunda devolução foi identificada no Abrigo Reencontro
– Abrire, Família [2][D][Devolução] Janete e Cláudia.

Chamarei aqui de família todos os casos, independentemente da adoção ter se


concretizado ou não.

3.2 Instrumentos

As entrevistas com as famílias e crianças foram semi-estruturadas, gravadas e


transcritas, duraram em média duas horas. O questionário que guiou essas entrevistas
encontra-se no anexo quatro.

O instrumental empregado para acesso às crianças foram os desenhos que


possibilitaram acessar elementos subjetivos e pré-reflexivos dos participantes. O intuito era
evitar uma abordagem invasiva sobre o tema e uma melhor compreensão de elementos que
apresentassem significados, adquiridos através das informações implícitas e explícitas vividas
na relação da criança com a família adotiva. Os comandos dados para elaboração dos
desenhos encontram-se no anexo cinco .

3.3 Procedimentos em campo

O presente estudo foi submetido e aprovado pelo Conselho de Ética em Pesquisa –


CEP da UCB. Foi solicitado a todos os sujeitos que participaram das entrevistas a assinatura

33
Abrigo Reencontro - Abrire funciona na QNF 24, AE, Taguatinga Norte/DF, é o único serviço de
acolhimento público no DF. Atende crianças e adolescentes de 0 a 18 anos. Funciona em sistema de casas lares,
na própria sede ou de forma descentralizada, em quatro casas lares situada no Gama, Recanto das Emas, Guará e
M Norte Taguatinga.
34
Os nomes atribuídos aos sujeitos desta pesquisa são fictícios. Quanto aos estudos dos fragmentos, estes foram
obtidos a partir das entrevistas realizadas que fazem parte do próximo capítulo.
59
do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE. No que se refere à participação das
crianças, o termo foi assinado pelo responsável legal (anexo um, dois e três).

Depois de identificadas as famílias, por meio de autorização formal, foi solicitado aos
serviços de acolhimento consulta aos prontuários referentes ao meu objeto de pesquisa,
objetivando conhecer de forma aprofundada cada situação. Com o prévio conhecimento das
famílias adotivas, a partir dos prontuários, fiz os primeiros contatos telefônicos para
esclarecimento sobre a pesquisa, seus objetivos e agendamento de entrevista.

Todas as famílias contatadas mostraram-se solícitas e disponíveis em participar,


independente se a criança tinha sido adotada de forma legal ou não.

As entrevistas com as Famílias [1][D] e [2][D] aconteceram em locais diferentes das


entrevistas realizadas com as respectivas filhas adotadas, nos períodos da tarde. Os contatos
com a Família [3][AP] aconteceram no mesmo dia e local da entrevista com seu filho adotivo,
também no período da tarde. Na Família [4][AP] realizamos a pesquisa no período da noite,
devido a sua ocupação laboral, além do horário escolar da filha.

A interação com a criança da Família [1][D] foi realizada no serviço de acolhimento


em que se encontrava, ressalta-se que ela não autorizou a gravação da entrevista. Para este
estudo realizei três visitas em dias diferentes, devido sua dispersão pelas atividades que
aconteciam externas ao ambiente da coleta de dados. Com a adolescente da Família [2][D]
realizei uma entrevista em seu local de trabalho, neste caso a adolescente não quis desenhar,
mas autorizou a gravação da entrevista, a qual foi pautou-se nos comandos que estavam nos
desenhos. Com as crianças das Famílias [3][AP] e [4][AP] foram realizadas para cada criança
uma entrevista em suas residências.

Em todos os casos o acesso as crianças se deu em dois momentos. Os primeiros trinta


minutos foram de apresentações e explanação sobre os motivos da pesquisa. Em seguida foi
criado um espaço de diálogo interativo. Depois dessa aproximação foi solicitado à criança que
fizesse cinco desenhos, os comandos foram sugeridos de forma gradativa, à medida que se
dava a interação entre a pesquisadora e os sujeitos da pesquisa.

3.4 Procedimentos de Análise

60
Com base na proposta metodológica apresentada, as entrevistas realizadas com as
famílias adotivas e respectivos filhos foram transcritas, lidas e organizadas em Eixos de
Análise, construídos a partir dos objetivos da pesquisa, visando o levantamento de indicadores
e a construção de Zonas de Sentido.
Entende-se como indicador a identificação do conjunto das falas, produções escritas,
desenhos etc. que apareceram nos fragmentos dos discursos dos participantes. Optou-se por
nomear os discursos como fragmentos por tratar-se da análise de alguns trechos das
entrevistas e não do todo.
Assim, para melhor compreensão da relação de vinculação entre a família adotante e
seu respectivo filho, as zonas de sentido foram analisadas na seguinte ordem:
a) O desejo e sua falta;
b) A relação entre as motivações, o altruísmo e a realidade vivenciados no processo de
adoção;
c) A desvelação da família de origem como condição do vínculo;
d) A criança imaginária e a criança real;
e) A preparação da criança e do requerente para adoção, a partir da viabilização
institucional;
f) O vínculo familiar estendido;
g) A devolução a partir da análise do silêncio dos pais e do sofrimento dos filhos
adotivos.
Ressalta-se que a preocupação com o desenvolvimento da análise foi de ordem
qualitativa. A proposta desta metodologia foi, portanto, legitimar o aspecto processual da
construção do conhecimento, ao invés de defini-lo como uma expressão direta de
instrumentos. Portanto, a construção teórica ocorreu a partir desses indicadores, que foram à
fonte de informação e que alimentaram continuamente o diálogo com a teoria, caracterizando
um processo recíproco e contínuo.
Assim, buscou-se, conforme apresentado no próximo capítulo, aprofundar a análise
dos fragmentos das entrevistas realizadas com as famílias adotantes e seus respectivos filhos,
momento em que foi detalhado o histórico de cada caso estudado. Ressalta-se que as
entrevistas não foram colocadas em sua inteireza durante essa análise, mas sim em
fragmentos mais significativos, devido à extensão do conteúdo, sendo priorizadas as partes
dos discursos que conduziram a análise qualitativa.

61
Vale salientar que somente no capítulo cinco se abordou de forma detalhada as
semelhanças e diferenças desses discursos. Para fins de resguardar a privacidade dos
entrevistados os nomes empregados na descrição e discursos, durante a análise, serão todos
fictícios.

62
CAPÍTULO 4

O FENÔMENO DA ADOÇÃO EM UM CONTÍNUO DESVELAR-SE

4.1 Análises dos fragmentos dos discursos: a adoção a partir das falas das famílias e da
expressividade das crianças adotivas

Este capítulo apresenta a análise de fragmentos dos discursos obtidos pelas entrevistas
com quatro famílias que passaram pelo processo de adoção, bem como a análise dos desenhos
dos seus respectivos filhos adotados. O objetivo foi compreender os indicadores positivos e
negativos que possibilitaram a vinculação adotiva a partir da teoria apresentada nos capítulos
anteriores.

Para melhor visualização dos quatro casos estudados, segue abaixo quadro síntese.

Casos Requerente Legalidade Idade atual Permanência Irmãos que Tempo Situação do Situação atual
para adoção da criança no Serviço de permaneceram com a processo de da criança e
e da Acolhimento com a família família adoção da adolescente
adolescente antes da biológica adotiva
adoção
F1[D] Mulher Não 11 anos Nenhuma 2 5 anos Concluso Devolvida na
solteira habilitada. Passou por três VIJ-DF,
A requerente outras famílias morando no
apadrinhava a de forma não Serviço de
criança legalizada Acolhimento

F2[D] Mulher Não 18 anos Nenhuma 5 15 anos Não Completou 18


separada habilitada Concluído anos. Trabalha
como
atendente e
mora com os
pais biológicos
e 4 irmãos.
F3[AP] Casal Habilitada 10 anos 5 anos 2 5 anos Concluso Permanece
Heterossexual com a família
adotiva

F4[AP] Casal Habilitada 11 anos 7 anos 2 4 anos Concluso Permanece


Homo afetivo uma das com a família
companheiras adotiva

63
4.2 Família [1][D] Joana e Isabel
[...] E ela é uma menina inteligentíssima, inteligentíssima, mas ela tinha tanta
vontade de me fazer sofrer, que era uma coisa impressionante [..][F1][D](JOANA,
2010).

[...] eu não gosto de falar de minha mãe, quando eu fazia alguma coisa errada ela me
colocava pra ficar escrevendo a mesma frase, muitas vezes [...], meu irmão não é o
problema, o problema é minha mãe [...] [F1][D](ISABEL, 2010).

Este fragmento refere-se à adoção legal de Isabel35 por Joana, em 2005, com duração
processual de dez meses, sendo a devolução da criança proferida no início de 2010. Ressalta-
se que antes da concretização dessa adoção, Isabel morou com outras três famílias, as quais
não foram possíveis localizá-las, que a devolveram à mãe biológica. Vale ressaltar que
nenhuma das três detinha guarda ou tutela da criança. Por esse motivo, será analisada nesse
fragmento apenas a devolução referente ao processo legal entre Joana e Isabel.

Salienta-se que essa adoção teve caráter intuitus personae36. Urge mencionar que na
época que foi efetivada a adoção, ainda não era pré-requisito a participação dos pretendentes
em programas de preparação, todavia esta exigência está prevista na Lei 12.010/09.

Joana tem 29 anos, é solteira, mora com sua mãe e seu filho biológico de um ano e três
meses. Isabel é filha de migrantes que vieram do Belém do Pará para Brasília, na expectativa
de uma vida melhor. É a segunda filha de um grupo de dois irmãos, uma menina e um
menino.

Foram realizados dois contatos telefônicos e uma visita à residência de Joana, que se
mostrou solícita para ser voluntária na pesquisa [...] eu me interessei em responder a
entrevista porque, na época que a gente está adotando, a gente não vê nada sobre alguma
pesquisa relacionada à adoção, depois eu procurei no Google, agora, e vi algumas coisas,
mas seria muito importante ter mais, por isso eu resolvi colaborar, porque adoção todo dia
está tendo mais uma. E o que eu percebi é que meu caso não é isolado, não é isolado [...].
Em nenhum momento, ela manifestou constrangimento ou relutância em expressar o que
aconteceu durante o processo.

35
Todos os nomes utilizados nos quatro fragmentos foram substituídos por pseudônimos, visando preservar o
anonimato das famílias entrevistas.
36
Ver nota de rodapé número dez, a qual define adoção intuitus personae.
64
Quanto a entrevista com Isabel, “filha” de Joana, salienta-se que nos dois primeiros
contatos pessoais, realizados no Serviço de Acolhimento, a criança se mostrou arredia e não
autorizou a gravação. Em alguns momentos se dispersou com os movimentos externos ao
ambiente reservado para coleta dos dados. Já na terceira visita a criança se aproximou mais,
mostrou-se concentrada nas perguntas e verbalizou de forma clara sobre a convivência que
teve com a família adotiva. Consideram-se comuns e frequentes todas essas reações, uma vez
que não houve tempo hábil para que Isabel pudesse desenvolver confiança suficiente e se
sentir confortável durante a pesquisa. Todavia é importante observar que todas essas variáveis
puderam ser contornadas com o emprego do recurso da expressividade, pelo qual a criança
demonstrou vivências significativas, através desse instrumento, conforme será descrito mais
adiante. Contudo, antes disso, falar-se-á sobre os motivos que levaram Joana a adotar Isabel.

Quando adotou Isabel, Joana era solteira, não tinha filho biológico, era recém formada,
estava desempregada e morava com a mãe. Apadrinhava Isabel antes do seu nascimento,
devido à carência financeira e estrutural da família [...]. Ela sempre foi minha afilhada, eu a
conhecia antes dela nascer, a busquei no hospital. Como a história da família dela era muito
complicada, eram pessoas muito carentes, sempre a ajudei a distância [...].

Joana relatou que Isabel foi “dada” a uma família aos três meses, passando por outros
três lares diferentes, até completar seis anos de idade, e mencionou que isso se deveu ao
“difícil comportamento apresentado pela criança” [...] como ela era uma criança muito
difícil, as pessoas sempre a devolviam [...]. Depois da última devolução, Joana decidiu-se
pela adoção de Isabel. Essa atitude nos sugeriu uma atitude da mãe altruísta e amedrontada no
que tange a culpabilização deferida pela mãe biológica de Isabel. [...] Quando ela voltou pra
casa da mãe, esta me pediu para que eu ficasse com ela, eu não queria, mas a situação da
família era muito complicada, difícil [...], a mãe ficou me questionando, eu fiquei com medo
de me sentir responsabilizada se acontecesse alguma coisa com ela e acabei pegando a
Isabel, exigi que fosse adoção legal. Para Joana o fato de a família ser “muito carente” e
“complicada”, representava uma ameaça a Isabel e necessitava de sua “ajuda”. Joana se
sentiu obrigada a assumir a criança por conhecer a família e saber da sua situação de
desestrutura.

Ressalta-se que pensar os conflitos familiares tendo como causa a ausência financeira,
não é uma idéia que perpassou só a visão de Joana, mas também permeia o imaginário
coletivo. Entende-se que a pobreza material também pode gerar conflitos, e até desestruturar
as famílias, todavia não é esse o único motivo que as desorganizam. A ausência de políticas
65
públicas para atendimento das demandas específicas dessas famílias nas áreas de saúde,
educação e assistência social, contribui para o desencadeamento de tantos outros problemas
estruturais.

Essa moral social comove e impulsiona muitas famílias a buscarem na adoção uma
forma de ajudar o próximo, principalmente quando se trata de crianças “abandonadas” pelas
famílias e pelo Estado. O mito do amor materno impede essas famílias de examinar com
objetividade e clareza uma realidade social crônica, carente de uma ação pontual do Estado
para atendimento dessa demanda.

Contribui com esse pensamento a tese de mestrado de Ghirardi (2008), quando propõe
que essa ajuda assume um caráter altruísta, o que gera nessas pessoas certa obrigação de
salvar o próximo do seu destino injusto.

O intuito de “ajudar” as crianças amolda-se à origem delas, vistas ambas como


desvalidas. O motivo alegado é baseado em seus sentimentos “altruístas”, que a
impulsionam a “fazer o bem”. O sentimento de altruísmo é sustentado pela fantasia
onipotente de poder salvar crianças de um destino marcado por uma origem
37
degradada (GHIRARDI 2008, P. 47).
Isabel abordou sua origem como uma lembrança dolorida, sua fala foi carregada de
melancolia e tristeza. Ela não soube precisar a idade dos irmãos e mencionou, durante a
conversa, que não se lembrava da fisionomia deles. [...] meu pai estuprou minha irmã, ele
bebia muito, ele está foragido da polícia. Minha mãe tentou dar minha irmã para outra
mulher, e para outra, mas as pessoas não quiseram. Minha mãe nunca tentou dar meu irmão
pra ninguém. Não sei se eles estão com alguém hoje. Não sei quantos anos eles têm.[...].

Isabel retratou com sua fala uma família violenta, a qual Joana nomeou como
“complicada”. Todavia em ambas as falas percebemos a urgência de uma intervenção que
deveria ter sido viabilizada na época em que a criança ainda se encontrava morando com a
família biológica, porém em nenhum momento Joana menciona ter acionado o Conselho
Tutelar ou qualquer outro órgão de garantia dos direitos da criança. O caminho encontrado
para solucionar o sofrimento de Isabel foi sua retirada da família biológica, a partir de sua
adoção.

Por outro lado, em outro momento da entrevista, Joana se reportou a essa mesma
família como agressora, mas possível de ser acessada e assumir novamente as
responsabilidades com Isabel, a qualquer momento. [...] Porque é o seguinte, o pai dela é

37
Grifos da autora GHIRARDI (2008), que refere-se a Eva Giberti (1992b), a qual utiliza-o frequentemente para
referir-se à origem da criança vista pelos pais adotivos como “desqualificada”, desvalorizada.
66
drogado mesmo. Rouba, é alcoólatra, é tudo mais alguma coisa. A mãe dela decidiu dar os
filhos todos pra ficar com essa bênção maravilhosa de homem. E deu as crianças e fugiu
daqui porque estava sendo procurado pela polícia. A última vez que os vi foi o dia que
assinamos o papel no juiz. E olha que ela tem meu telefone, tem meu endereço [...] . Esse
discurso remeteu-nos a hipótese de que Joana, mesmo considerando a família “complicada”,
“violenta” e “usuária de drogas”, também levantou a possibilidade de que esta pudesse
assumir novamente as responsabilidades de pais, o que por um lado a aliviaria do peso da
devolução.

As características negativas do pai biológico de Isabel não foram negadas na fala da


mãe adotiva. Isso nos pareceu uma visível comparação entre a criança e seu genitor. Joana
retratou o comportamento que Isabel assumiu em sua convivência como uma herança
impregnada pela sua origem.

Para ela, a mentira, os roubos e as ameaças de Isabel foram os principais fatores que
culminam em sua devolução. [...] Ela sempre me roubou, roubava aqui em casa e vendia na
escola [...] e esses objetos que ela rouba - jóias, e não consegue vender, ela diz que eu bato
nela e ela está cansada desse martírio. [...] Ela começou ameaçar de se machucar e falar,
agora eu quero ver quem vai duvidar, que você me machuca, então essas coisas começaram a
piorar [...] então ela ameaçou de matar o irmão, disse que a melhor maneira de matar
alguém é com veneno, porque não saía nem sangue [...] quando ela falou isso eu me arrepiei
por inteiro, eu voltei pra casa paralisada. E falei, meu Deus, agora eu tenho que fazer
alguma coisa, eu vou de novo à Vara de Infância. [...] E eu fui assim, muito certa do que eu
precisava lá [...] e aí sugeri que eles abrigassem Isabel.

Por outro lado, observamos a partir da fala da mãe, algumas tentativas de aproximação
com a filha, antes da concretização da devolução. Todavia, o estabelecimento do vínculo de
filiação pareceu não ter se concretizado. Ela mostra a dificuldade que tem de reconhecer
Isabel como membro familiar [...] E eu falava, Isabel, todo dia é dia de mudar, você tem
chance de mudar, mas mudar não é fácil, mudar é difícil, é uma luta contra a gente mesmo,
mas você pode mudar, mas se você quiser minha ajuda eu te ajudo, eu só não posso fazer por
você. [...] Muitas vezes eu tentava, chamava-a para minha cama, pra gente conversar, mas
ela nunca se aproximou.[...]

Mais uma vez, Ghirardi (2008) traz uma importante contribuição com seu trabalho, ao
falar do respeito, da importância e da dificuldade que os pais adotivos têm de assimilar a

67
origem da criança à sua nova realidade vivida com a família adotiva. E ainda nos sinaliza uma
luz para entendermos tanto a criança como a família que passou pelo processo de filiação:

A experiência psíquica dos pais adotivos porta um importante paradoxo relacionado


aos modos como assimilam a questão das origens da criança: necessária de ser
reconhecida, porque faz parte da história da criança e, ao mesmo tempo, um
obstáculo a ser ultrapassado e simbolizado. Para que ocorra o reconhecimento da
criança como alteridade inserida no âmbito do que é familiar, talvez tenhamos que
pensar que, em certa medida, é necessário também poder ‘esquecer’. (GHIRARDI,
2008, p.49).
Há indícios no discurso de Joana da convicção de que a filiação de origem não pode
ser substituída pela filiação adotiva, sem que haja algum tipo de prejuízo ou desqualificação.
E ela demonstra que, por mais que faça pela criança, não conseguirá dela o mesmo afeto que
acredita que ela teria pela mãe biológica.

A relação afetiva entre Joana e Isabel nos pareceu não ter sido consolidada. De um
lado, a mãe relatou que a criança não desenvolveu vínculos, nem se adaptou durante esses
cinco anos de convivência [...] ela nunca se adaptou, eu sempre pensei que era uma fase, que
as coisas iam melhorar, que ela ia se engajar, só que ela nunca criou vínculo nenhum com a
gente. Ela não gosta de abraço, ela não gosta de beijo, ela não gosta de nada, ela não quer
estar perto de ninguém [...]. Por outro lado, em momento diferente da entrevista da mãe,
Isabel argumentou que a mãe era muito rígida com ela [...] eu não gosto de falar de minha
mãe. Quando eu fazia alguma coisa de errado, ela me colocava para escrevendo várias vezes
que eu estava errada [...] todavia a criança representou essa mãe como figura importante nos
desenhos. O discurso da mãe nos incitou a pensar sobre seu desejo pela criança imaginária
“ideal” e não real.

Em outro momento, quando foi solicitado a Isabel desenhar um momento importante e


a(s) pessoa(s) que gostaria que estivessem presentes, ela representou pessoas de sua
convivência com a mãe adotiva, e ainda verbalizou que “gostaria de estar presente com eles e
viajar com eles”. Todavia, ainda que desejasse estar perto dessa família adotiva, a criança
pareceu não ter desenvolvido um vínculo forte com a mesma.

68
Tal hipótese pode ser vista pela ausência de cores, a falta de chão nos pés de toda a
família, suspensa no ar. A presença de alguns membros com sorriso (tio e avó), enquanto o
irmão e a mãe quase não sorriem. Os braços do tio e irmão estão para cima, enquanto os da
avó quase não aparecem, assim como os braços da mãe que apresentam uma desproporção
significativa.

Em outro momento, durante a entrevista com sua mãe adotiva, ao reportarmos aos
contatos que Isabel mantinha com sua família materna, esta verbalizou que a mesma família
nunca aceitou a idéia da adoção. Reafirma, várias vezes, que Isabel nunca foi aceita como
parte integrante do grupo familiar e tenta justificar que isso não lhe importava, pois a decisão
foi sua ao adotar Isabel e não da sua família [...] a minha família nunca aceitou Isabel. Não
queriam que eu adotasse então eles nunca a aceitaram. E a gente quando adota, é a gente
que adota, não é a família, ela não tem nada a ver com isso [...] não consideravam ela da
família como a gente, assim, quando davam um presente, davam uns R$10,00, não ia ser uma
coisa que dariam para os sobrinhos [...] foi uma decisão minha, eu posso decidir para minha
vida, mas eu não posso impor para ninguém ainda afirma [...] ela não tem vinculo nenhum
com a minha mãe [...] Percebemos nessa fala que o vínculo da aceitação nunca existiu por
69
parte da família extensa, portanto Isabel não conseguiu desenvolver com essa família extensa
o vínculo externo.

Em contrapartida, Isabel, no desenho acima, incluiu essa família como significativa no


seu processo de pertencimento. Todavia, por ter vivido o sentimento de não pertença na
família adotiva, reforçou a identificação com as características negativas do pai biológico. Se
sua identidade não era reconhecida e valorizada no contexto da família adotiva, de modo
genuíno e amoroso, ela provavelmente tenha buscado, na figura do pai, o sentimento de
pertença, mesmo que para isso fosse necessária sua identificação com seus comportamentos
marginais. Além disso, o roubo pode ter sido uma forma compensatória de lidar com a falta
de afeto e o sentimento de pertença que sentiu nesse novo contexto familiar, embora o
desejasse muito.

Em consonância com essa hipótese temos o pensamento de Schettini (2009), quando


propõe que a criança que é também adotada pela família extensa se desenvolve melhor,
emocionalmente, sem trazer para sua vida diária motivos insignificantes que podem gerar
grandes conflitos, pois “ela preenche adequadamente as lacunas deixadas pela mudança da
sua parentalidade”. (SCHETTINI, 2009, p. 49).

Nesse processo de construção do vínculo, estabelecer os limites na rotina diária


pareceu ser um desafio que Joana não conseguiu transpor com Isabel, talvez porque a
afetividade entre mãe e filha não tenha se concretizado em sua inteireza. Quando a criança se
deparou com uma figura de autoridade, ela se recusou a aderir às novas regras de convivência.
[...] ela sempre teve muito problema com figura de autoridade, ela nunca aceitou eu falar
nada, ela sempre pagou o preço que fosse para fazer o que ela queria, desde muito pequena
[...] sempre cuidei dela, sempre trazia pra casa, levava pro médico, para o shopping, antes eu
era a dindinha, levava para o park shopping eu era a engraçada. Eu não precisava mandar
fazer a tarefa de casa, não precisava mandar tomar banho, ela chegou a passar um mês sem
lavar a cabeça dentro dessa casa, pra você ver o tamanho da pirraça da menina, e se você
fala, finge que não é com ela.

Entendemos aqui que nem a criança, nem a mãe estavam preparadas para iniciar a
convivência familiar. A mãe por não ter clareza da sua motivação pela adoção e a filha por
não ter elaborado o luto dos abandonos sofridos nos outros acolhimentos familiares.

Talvez por isso ter sido tal difícil para Joana ocupar a posição de autoridade. Era
desconfortante porque lhe demandava mais tempo e lhe exigia uma maior aproximação
70
emocional com Isabel, o contrário do que o apadrinhamento lhe exigiu [...] me falaram que
ela tinha dificuldade com figura de autoridade, que eu tinha escolhido ser a figura de
autoridade dela e que eu tinha que fazer ela obedecer [...] e uma vez a psicóloga falou isso
pra mim, Joana, o ódio da Isabel não é de você, e sim a posição que você ocupa na vida dela.
Podia ser eu, podia ser outra pessoa não é específico, foi o que a psicóloga dela me disse, e
ai fiquei pensando. Mas eu sei que de mim ela não gosta [...].

Para Minuchin (1982) o processo de socialização é inerentemente conflitante,


principalmente na fase da adolescência. À medida que a criança cresce, ela exige maior
comprometimento emocional dos pais. Para esse autor os pais não podem proteger e guiar
sem, ao mesmo tempo, controlar e reprimir. E os filhos não podem crescer e se tornarem
individualizados sem rejeitar e atacar.

Na relação entre Joana e Isabel identificamos a falta de uma acomodação mútua, entre
ambas. A adaptação à filha exigiu da mãe maior flexibilidade nas regras e uma maior
disposição em dar credibilidade e autonomia à criança. Para Minuchin (1982, p. 68) “(...) se
não há mudança familiar, aparecerá uma configuração disfuncional, que será repetida cada
vez que ocorre um conflito”.

Outro fator estressante que prejudicou a aceitação de Isabel na família foi a pouca
importância dada a sua singularidade histórica referente aos abandonos sofridos
anteriormente. Essa hipótese pode ser reforçada a partir de uma leitura de uma fala da mãe
[...] ela nunca sofreu espancamento, ela nunca foi estuprada, ela nunca teve nada. O que ela
teve pode ser as rejeições das famílias e da mãe, eu sei que dói, mas eu não acho que seja só
isso que move Isabel, eu não acho que só isso faz ela sentir raiva de mim [...].

Por outro lado, Isabel expressou pelo desenho seu desejo em estar com a família
adotiva, e o sonho de viajar com a mãe. Este projeto foi idealizado junto à mãe adotiva e
interrompido com o nascimento do irmão, mas para Isabel ele ainda estava vivo, suscetível de
ser realizado, mesmo ela estando ano serviço de acolhimento.

71
O nascimento do filho foi visto por Joana como um intensificador do conflito entre ela
e Isabel, talvez porque a vinculação de filiação ainda não estivesse consolidada em sua
inteireza. [...] Com o nascimento do irmão a coisa piorou muito porque ela é extremamente
agressiva [...]. A angústia da obrigação da adoção, da impotência, da falta de diálogo entre
mãe e filha, e do apoio da família extensa motivaram a devolução de Isabel, o que para a mãe
surgiu como uma possibilidade que interrompia seu sofrimento. [...] Só eu sei o que eu vivo,
eu vivo em um inferno há cinco anos, um inferno literalmente. O pior lugar da minha vida era
essa casa. A minha vida estava uma zona. [...].

Entregar a filha na VIJ-DF foi o caminho que Joana encontrou para aliviar sua
angústia. [...] Então eu não tinha como trabalhar, eu não tinha como fazer nada, a minha vida
estava atada, porque eu não tinha como sair de casa, eu tinha que ficar plantada o dia inteiro
dentro de casa[...].

A mãe sugeriu a culpa do fracasso da adoção à filha. [...] E ela é uma menina
inteligentíssima, inteligentíssima, mas ela tinha tanta vontade de me fazer sofrer, que era uma
coisa impressionante [...] alguma coisa ela tem [...]

72
Em outro momento diferente da entrevista com a mãe, solicitamos a Isabel que fizesse
o desenho do que desejava para o seu futuro. Ela expressou verbalmente e depois pela grafia,
seu desejo de cuidar de crianças “espertas”38.

Mais uma vez observamos que Isabel não coloriu os desenhos, a menina que
representou não tem o braço esquerdo. Apesar de as pessoas estarem próximas, o desenho não
propôs um elo entre os membros, sugerindo-nos refletir sobre a dificuldade do vínculo. E, por
fim, observamos que ela não colocou chão sob os pés. Para Hammer (1991) os sujeitos cujos
desenhos são colocados na parte de baixo da página parecem estar mais firmemente
enraizados, apesar de ocasionalmente deprimidos e com atitudes de derrota.

Quanto mais abaixo o ponto médio do desenho estiver em relação ao ponto médio da
página, maior a probabilidade de que o sujeito se sinta inseguro e inadequado e que
este sentimento esteja produzindo uma depressão no humor, mas também que o
sujeito esteja ligado à realidade ou orientado para o concreto. (HAMMER, 1991,
p.51)
Ao mesmo tempo em que seu desenho representou o desejo de cuidar de crianças,
parece-nos que inconscientemente trouxe à tona seu desejo de ser cuidada. Talvez a criança

38
Grifos da criança.
73
quisesse lembrar aqui da mãe adotiva. Na figura, ela não representou um cuidador homem,
apenas a figura feminina. Outro detalhe interessante é que Isabel desenhou um menino e uma
menina, aqui talvez quisesse trazer a presença do irmão adotivo, que permaneceu com a mãe,
e a vontade que ainda mantinha de ser cuidada pela mãe adotiva junto ao irmão.

Não podíamos deixar de nos reportar ao primeiro desenho solicitado à criança, no qual
se pediu à Isabel que representasse sua imagem e ela desenhou uma menina no centro da
folha. Percebemos aqui braços rígidos, um dos pés sobre o chão, o outro no ar, talvez
retratando a insegurança quanto ao seu futuro. Todavia, é o único desenho que coloriu.

No entanto, o que nos interessou foi a cor utilizada pela criança no desenho.
Observamos que Isabel coloriu de rosa o coração, essa cor pode representar o afeto e, ao
mesmo tempo, ferida e dor. Ela expressou, pela grafia, várias ramificações saindo do coração,
isso também nos sugeriu o sentimento de ressentimento.

Ao contrário do que observamos nas falas de Joana, Isabel demonstrou pela


expressividade do desenho dispor de afetividade, que pelas cores utilizadas e a localização
dos pontos, nos propõe hipotetizar que a criança ainda está buscando segurança na relação
74
filial com toda a família, o sentimento de sofrimento, aparece pelo detalhe da cor do coração.
Além disso, o desenho dá indício de que a criança está olhando para o futuro, ainda tem um
coração com vontade de se enraizar e um sol que sugere confiança na vida. A criança do
desenho está sorrindo e olhando para frente, o que nos sugere hipotetizar que tem perspectivas
boas de futuro, mesmo que tenha presente em sua vida uma história de dor.

Todavia, antecipar o fracasso, nesse processo de adoção, seria incoerente, pois seria
culpabilizar exclusivamente mãe e filha, pela devolução. Para Schettini (2009, p. 40) “quando
o outro se diz impotente ele também está dizendo que é impotente para mostrar o que pode e
ninguém vê”. Tanto a mãe pareceu buscar um caminho: [...] O que eu busco agora que ela
está no abrigo é primeiro tratamento, pra eu saber o que ela tem [...] tudo é muito lento, tudo
muito difícil [...] quanto a filha, quando nos indicou com seus desenhos um pedido de ajuda.

Isso nos fez refletir sobre a necessidade de direcionar algumas ações a criança, como:
acolhimento de sua dor, de suas incertezas quanto ao futuro, acolhimento de suas repetidas
histórias de devolução. Talvez essa devolução possa ser um desafio e uma proposta à
ressignificação tanto da mãe quanto da filha, uma proposta a um novo nascimento, onde Joana
possa encontrar um espaço no serviço de acolhimento, ou em uma terapia com a filha, para
refletir sobre os indicadores que levaram à devolução.

75
4.3 Família [2][D] Janete e Cláudia

[...] você quer vir? Quer ter uma mãe? Quer ter uma casa? Quer comida? Quer ir
trabalhar? Quer vir estudar? Então eu posso oferecer isso pra ela, ela não pode me
oferecer nada, ela é uma pobre coitada [...]F[2][D] (JANETE, 2010).

[...] O que eu queria é que tudo na minha vida pudesse dar certo, eu pudesse ainda
ter essa família, essa família que me adotou. O que sonho pro meu futuro é ter minha
casa, meu carro, meu marido meus filhos, penso fazer uma faculdade, me formar. É
o que eu sempre quis e ainda quero. [...] mas coisa da vida assim sabe me impediram
de que eu pudesse fazer isso, quando eu brigava com ela eu não estudava, fiquei
alguns anos, sem estudar. [...]F[2][D] (CLAÚDIA, 2010).

A análise destes fragmentos expressivos no discurso refere-se à devolução de Cláudia,


ocorrida no início de 2010, cuja Guarda Provisória data de 1993. Ressaltamos que durante
esse período o processo de adoção não foi concluído. Nessa família foram identificadas três
outras devoluções, que não serão analisadas aqui, por não terem sido impetradas na Vara da
Infância. Essas devoluções dizem respeito a dois filhos adotivos de Janete, um de 21 e o outro
de 22 anos os quais se encontram morando em um Abrigo para Deficientes na Ceilândia
Norte. O terceiro, com 17 anos, também reside na Ceilândia, porém em outro local, e suas
despesas são, ainda hoje, custeadas pela mãe adotiva.

Janete, mãe adotiva, tem 71 anos, é separada há 15 anos, é mãe biológica de dois
filhos do sexo masculino, hoje com 40 e 42 anos respectivamente, e mãe adotiva legalmente
de 17 outras crianças. Residem em sua companhia dois de seus filhos adotivos de 17 anos,
sendo um deles irmão biológico de Claudia. Os outros dois moram em um Abrigo para
pessoas com necessidades especiais, outro filho de 17 anos, mora em residência custeada por
Janete, e os outros onze são independentes.

Cláudia tem 18 anos, é a mais velha de seis irmãos biológicos, sendo: duas irmãs, 14 e
três anos e três irmãos: 08, 13 e 17 anos, sendo que o último mora com Janete. Atualmente a
adolescente reside com os pais biológicos e trabalha como atendente em uma rede de fast
food.

Janete foi contatada duas vezes ao telefone para agendamento de entrevista. Para
realização da pesquisa, realizamos uma visita em sua residência. Nessa, ela mostrou-se
bastante solícita ao nos receber, respondeu com presteza a todas as questões referentes à
adoção.

76
Em outro momento foram realizados contatos telefônicos com Cláudia e agendamento
para entrevista em seu local de trabalho. No início esta se mostrou inibida, mas à medida que
conversávamos interagiu de modo mais espontâneo, ela não quis desenhar. Cabe salientar que
se optou por nomear os discursos como fragmentos, por tratar-se da análise de alguns trechos
das entrevistas e não do todo. Como foi opção da adolescente não desenhar, a obtenção de
informações foi guiada pelas perguntas que estavam no instrumental dos desenhos, as quais
foram adaptadas, conforme a necessidade de obtenção de informação.

A adoção de Cláudia pareceu ser amparada por um desejo altruísta da mãe adotiva,
não singular, misturado a outras 17 adoções que efetivou [...] as coisas eram mais fáceis.
Minhas amigas faziam as fichas e aí pegávamos pra adotar. Na época tinha muitos bebês no
antigo CRT, hoje Abrire, eu acho que consegui umas 50 crianças para minhas amigas
adotarem, fazíamos primeiro colocação familiar e depois pedíamos adoção [...]. Em
dezembro de 1993, Janete mencionou ter acolhido para passar o natal em sua companhia seis
crianças, incluindo Cláudia e seu irmão, hoje com 17 anos, o qual ainda encontra-se em sua
companhia. [...] Então, nesse dia eu tirei seis pra passar o natal comigo. Era muito
conhecida, tinha recebido vários títulos, foi fácil pra mim. E aí peguei os seis e não devolvi
mais [...]. Em vários momentos da conversa, Janete pareceu expressar um sentimento de
salvar o “outro” da “condenação” ao abandono, permeado talvez pelo desejo inconsciente de
superação dos seus limites e talvez, por reação a um abandono afetivo sofrido por seus pais,
mas não foi nossa intenção nessa dissertação trabalhar esses desejos inconscientes.

Dividir as atenções era complicado, as idades eram próximas e Janete admitiu sua
limitação entre ter que dividir-se entre seu trabalho e o tempo de estar com os filhos. [...]eu
vou ser bem sincera, eu pegava mais no colo o irmão dela e o outro pequeno, porque eles
tinham um mês e meio e o outro de dois meses de vida. Eu que ensinei a andar, falar. [...] Eu
trabalhava o dia inteiro e tinha quatro empregadas [...] fui mulher de ganhar muito dinheiro,
criei vinte filhos sozinha [...]. Joana afirma que todos os filhos adotivos foram criados
igualmente [...] Andava bonitinha, sempre estudou em escolas boas, Kombi buscava e trazia
[...] então eles sempre tiveram do bom e do melhor, ela foi criada como normalmente todos
eles. Eu acho que com muito amor, muito carinho, não fiz muito a vontade dela [...]. Todavia,
em outro momento durante a entrevista com Cláudia esta verbalizou que havia distinção
quanto a sua vivência com a mãe adotiva [...] as coisas que acontecia dentro da casa de
errado, ela já ficava nervosa, já brigava comigo, eu não aceitava [...].

77
Evidenciamos nesse discurso o conceito da “filha idealizada”, o qual aprofundaremos
com mais clareza na zona de sentido do capítulo cinco, que Janete buscou encontrar em
Cláudia[...] eu quero que ela venha, quero enfeitar, pintar o cabelo dela, comprar jóias,
comprar sapato, comprar roupas, e ela não quer nada disso, um dia vem, dorme comigo na
minha cama, no outro dia quando vou procurar, desculpa eu falar (Janete chora), mas a filha
da puta, sumiu e se eu falar qualquer coisa [...]. Janete vê na filha uma profunda ingratidão.
[...] Aí eles me chamaram e eu falei que bati nela mesmo, porque ela tinha me mordido, tem a
marca até hoje aqui no meu braço. Aí eu pensei, estou muito velha pra apanhar de filhos.

Nesses 15 anos de convivência, Janete não efetivou o processo de adoção de Cláudia,


mencionou ter como documento legal a guarda definitiva. [...] Não tinha registrado os dois,
nem Cláudia nem seu irmão, porque o pai me extorquia muito dinheiro [...] foi me sugerido
pelo juizado que eu não fizesse a adoção plena, até que eles crescessem e manifestassem se
queriam ficar comigo, mas eu já tinha pedido a guarda definitiva.

Essa situação de indefinição no processo legal de Cláudia pode ter sido o fator que
desencadeou sentimentos de insegurança na adolescente. Percebemos na fala de Cláudia que
sua insegurança motivou sua rebeldia: [...] quando eu brigava com ela eu não estudava, fiquei
alguns anos, sem estudar [...]. Porém esse sentimento parece não ter anulado seus planos
futuros [...]. O tempo que eu estava com ela, sempre na minha cabeça ficava esses
pensamentos, terminar meus estudos, fazer uma faculdade.

Por um lado, a mãe adotiva pareceu não dar importância na efetivação do processo
legal, o qual se estendeu durante toda a convivência de ambas. O conflito e a insegurança do
vínculo nessa convivência se expressa na agressão física da mãe adotiva a filha. Por outro
lado, a adolescente demonstrou ter dificuldade em verbalizar seu sofrimento quanto sua
insegurança na família adotiva. A forma encontrada para representar suas incertezas foi
através da rebeldia que se intensificou na adolescência.

Os conflitos entre mãe e filha tiveram mais peso na adolescência de Cláudia. Para
Janete, o que realmente culminou na devolução da filha foi o uso de drogas. [...] quando eu
sei que usou droga eu fico doida, aí eu pego um cabo de vassouras, aí eu bato, eu bato
mesmo [...] quem usa drogas é muito difícil, ela usa crack, e a gente que nunca teve isso na
vida da gente, não entende [...]. Ao mesmo tempo contradiz seu argumento ao revelar que
seus filhos biológicos foram usuários de drogas [...] meus dois filhos biológicos usaram muita
droga, porque eu dei de tudo, dei carrão, vivia na sociedade com filho de ministro, fazendo

78
pega por ali no aeroporto [...], Meus dois verdadeiros39 de vez em quando ainda fumam, um
tem 40 anos o outro 42.

Ao perguntarmos a Cláudia sobre o uso de drogas durante a convivência com a mãe


adotiva, ela nega e ainda afirma ter se envolvido com drogas após ter sido encaminhada para o
serviço de acolhimento, onde se sentiu ameaçada e desprotegida. [...] Desde o primeiro dia
que fui encaminhada para o Abrigo Reencontro - Abrire, foi ruim, fiquei meio constrangida
com tudo o que estava acontecendo, fiquei assustada no dia que cheguei lá [...] eu fui pra o
abrigo eu fiquei revoltada da vida, fiquei tão revoltada que mexi com umas coisas, drogas,
que foi difícil eu ter saído, foi muito difícil [...]. Tais falas sugeriram a nós a hipótese de que a
droga pode não ter sido o principal motivo que culminou na devolução. Traremos no decorrer
desse fragmento outros indicativos que podem ter interferido nessa devolução.

A fala anterior da mãe, sobre os filhos “meus dois verdadeiros”, levou-nos a refletir
sobre a distinção que fazia entre os filhos biológicos e filhos adotivos, e como isso
influenciava na convivência com Claudia.

Schettini (2009) nos aponta que enquanto ocorre a separação entre os filhos biológicos
e os filhos adotivos sempre haverá problemas na efetivação da filiação:

Se persistir em nossa consciência, ou mesmo reprimido no inconsciente o


sentimento de que o filho adotado é “como se fosse filho”, ainda estaremos longe da
verdadeira filiação. Não existe a condição de mais ou menos filho. A filiação só
existe na sua inteireza (SCHETTINI, 2009, 28).
Corroborando com essa idéia, Hamad (2010, p.60) sugere-nos que “enquanto os pais
afirmarem que “é porque é uma criança adotiva”, a adoção permanece problemática”.

Para Cláudia, a convivência com Janete sempre foi permeada pelo “fantasma” da sua
aceitação, cercada de histórias pessoais mal resolvidas da mãe: [...] ela sempre foi uma boa
pessoa, uma boa mãe, mas era muito difícil dela me compreender e eu compreender ela. Era
difícil porque ela tinha o jeito dela [...] o que ela passou, não sei se foi o que ela passou com
os pais dela, pra ela ser daquele jeito que ela sempre foi [...]. Essa hipótese indicava a
influência que a história pessoal de Janete, permeada pelo “abandono afetivo” de seus pais
biológicos, tinha na convivência com a filha.

Tal hipótese é reafirmada pela teoria de Levinzon (2004, p.48), quando argumenta que
“[...] o desejo e a necessidade de acolher um “órfão” necessitado é a forma particular que

39
Grifos meus
79
algumas pessoas encontram em reescrever sua história pessoal de muita carência e sentimento
de abandono”.

Corrobora com essa hipótese a fala de Janete no que tange a rigidez projetada na
criação dos seus filhos: [...] na minha época eu tinha que tirar 100 em todas as matérias,
senão o pai pegava uma cinta e me enchia de porrada, e nunca fiquei reprovada, sempre fui a
primeira aluna, eu e todos os meus irmãos, e a gente era muito pobre, puxava água de poço,
cozinhava em fogão de lenha, eu tinha que passar o terno branco do meu pai, e era de linho,
tinha que engomar, eu bordava divinamente bem, eu costurava e estudava, a gente não
respondia pó meu pai, era sempre “sim Senhor, sim Senhora”, mãe, dá licença. Nunca abri
uma gaveta de mãe, e eu tinha psicose que se tivesse um pingo de água na pia da cozinha,
enquanto eu não me enxugava não ia dormir, e tudo tinha que ter cheirinho [...].

A rigidez apareceu na fala de Cláudia como ameaça a uma convivência saudável [...]
quando a gente vai entrando em uma fase é mais complicado, porque ela tem a cabeça dela,
os pensamentos dela e eu tenho os meus e ficava difícil compreender ela, de tudo que ela
falava, de tudo que ela fazia, do jeito que ela era rígida [...].

Tal hipótese nos aponta para reflexão sobre o conceito de famílias rígidas discutido na
teoria sistêmica, onde cada indivíduo é visto como um subsistema. A tendência dessas
famílias rígidas é compartilhar muito pouco e, portanto, ter pouco em comum, ter um
exagerado sentimento de independência, uma ausência de sentimentos de lealdade e de
pertença, não procurar ajuda quando necessário, salientar que o que afeta um membro não
está registrado por outros e ter baixo nível de ajuda e apoio mútuo. São famílias que são
difíceis de alterar, em qualquer momento, e de ter uma clareza de papéis, havendo também
uma má comunicação. Essas características podem ser observadas na convivência que Cláudia
descreve com Janete.

Cláudia mencionou em sua fala se sentir como “bode expiatório” 40, a qual a todo o
momento era responsabilizada por todos os problemas que aconteciam na casa. A falta de
confiança na adolescente também era um indicativo de um não pertencimento àquela família,
pois pertencimento envolve aceitação. Ela tem clareza de que voltar a morar com Janete não é
a solução para resolver os problemas; [...] Ela complicava muito as coisas. Ela sempre botava
coisa além do que acontecia, ela botava na cabeça que era daquele jeito, dizia: Porque você
fez isso, porque você fez aquilo, sendo que eu não tinha feito. Ai ela ficava na cabeça dela

40
Grifos meus.
80
que eu tinha feito, que tinha sido eu, a culpada sempre era eu. [...] se eu tivesse que mudar
alguma coisa, voltar atrás seria difícil, porque meus pensamentos já são outros, os dela
também, e as coisas mudam, muitas vezes ela já pediu pra mim voltar, pra ficar com ela que
ela ia tentar me compreender, mas nunca deu certo [...].

Durante a entrevista, na maior parte do tempo, Cláudia se mostrou decidida de não


querer retornar à convivência com a mãe: [...] aí eu tomei uma decisão que também não ia
mais morar com ela. Todas as vezes ela ia lá me visitar, e me chamava pra passar os finais
de semana, e tipo eu ficava naquela de não ir mesmo, porque eu sabia como ia ser meu
relacionamento com ela na casa, e ela ia começar com as criticações dela, e não ia dar certo.

Em outros momentos, demonstrou ambivalência em sua decisão, que para nós refletiu
um desejo em resgatar essa família, demonstrou ter sentimentos de saudade e afeto pelo que
viveu: [...] o que eu queria é que tudo na minha vida pudesse dar certo, eu pudesse ainda ter
essa família, essa família que me adotou [...] às vezes bate aquela saudade (chora), mas a
saudade é por conta da convivência que vivi com ela e com meus irmãos.

Ao perguntarmos sobre quem seriam as pessoas mais importantes que gostaria que
estivessem presentes nas suas conquistas pessoais, Cláudia reportou-se aos seus irmãos
biológicos como sendo pessoas significativas em sua vida: [...] só meu irmão e meus outros
cinco irmãos que moram com meu pai [...]. Reforçou a importância dada ao vínculo
desenvolvido com o irmão biológico que continua morando com Janete: [...] ele é meu irmão
de sangue. Não posso perder meu vínculo com ele [...]. Fica explicito em sua fala que o que
lhe impedia em continuar os contatos com esse irmão era a elaboração da dor da rejeição que
ainda estava muito presente: [...] esse trabalho meu complicou tudo pra ir lá, mas ele não me
impede não, é questão de tempo pra mim, eu estava dando um tempo, mas eu vou tentar ir lá,
eu vou lá visitar eles.

Todavia, quando se viu longe dessa família, Cláudia propôs uma mudança real e
significativa em sua vida: [...] O que sonho pro meu futuro é ter minha casa, meu carro, meu
marido, meus filhos, penso fazer uma faculdade, me formar. É o que eu sempre quis e ainda
quero. Seu desejo pareceu somar-se à necessidade de mostrar que era capaz de superar as
dificuldades que passou: [...] vou seguindo minha vida [...] mas a gente tem que está aí, firme
e forte, agradecendo a Deus.

Em outro momento, durante a entrevista com a mãe, esta se mostrou comovida,


quando mencionou sobre a vontade em acolher novamente a filha. A mãe falou muito do
81
perdão, remetendo-nos à hipótese de que este ato assumiria o poder de subverter o outro, qual
seja, a devolução [...] eu estou disposta, porque eu sou muito católica, eu sou muito de pedir
perdão, Deus fala mais alto, todo dia na hora que eu estou louvando a Deus (Janete chora),
aí Deus diz perdoa [...].

O sentimento de perdão traduzia seu desejo de ser reconhecida como uma pessoa que
foi importante para “salvar” Cláudia do abandono e da rejeição sofrida anteriormente, [...]
você quer vir? Quer ter uma mãe? Quer ter uma casa? Quer comida? Quer ir trabalhar?
Quer vir estudar? Então eu posso oferecer isso pra ela, ela não pode me oferecer nada, ela é
uma pobre coitada [...] eu não preciso dela pra nada.

Esse distanciamento que Janete trouxe com sua afirmação em ter tudo e não precisar
da filha para nada evidencia um sentimento de dor manifestada pela distância afetiva durante
e após a convivência com Cláudia. A falta de vinculação e afeto nessa relação foi expressa em
alguns momentos pela agressão física e verbal da mãe adotiva à filha. Para Schettini (2009,
p.95) essa dor “é acolhimento que, muitas vezes, se transforma em recolhimento, quando não,
em algo mais angustiante: encolhimento”.

Veremos na análise dos dois fragmentos a seguir um novo direcionamento da


vinculação afetiva entre os pais e seus respectivos filhos adotivos, onde as famílias
conseguiram superar os desafios e emblemas que o contexto lhes impôs.

82
4.4 Família [3] [AP] Débora, Vilmar e Guilherme

[...] vínculo não se cria no momento que acolhemos, esse momento é o início, até
porque entendo que esse momento tem que ter, porque as pessoas têm que ter
responsabilidades pra assumir uma criança, mas o vínculo é uma coisa que se cria ao
longo da vida, ao longo dos anos. (...) É igual quando você casa, são duas pessoas
diferentes que vivem na mesma casa, que por mais que namorem por muito tempo,
quando casam e vivem no mesmo lugar, vão ver as manias do outro, tem que se
adaptar F[3][AP] (DÉBORA, 2010).

Este fragmento refere-se à adoção legal de Guilherme pelo casal Débora e Vilmar,
ocorrida no início de 2005, com duração processual de um ano.

Débora e Vilmar são casados há mais de 20 anos, são pais biológicos de Leila de 16
anos, Gabriel que é falecido, e pais adotivos de Guilherme. Este tem dez anos, foi adotado
com cinco anos. É filho biológico de pais separados, irmão biológico de Júlia, onze anos,
também adotada por outra família, a adoção de Júlia será analisada no próximo fragmento.
Salientamos que não foi possível obter informações complementares sobre os pais biológicos
de Guilherme.

Foram realizados dois contatos telefônicos para entrevista e uma visita à residência.
Durante todos os contatos o casal mostrou-se receptivo e acessível para falar sobre a adoção.
A conversa com Guilherme aconteceu em sua residência em momentos diferentes que a dos
pais, porém no mesmo dia. Guilherme brincou e foi muito espontâneo, não se mostrou inibido
em gravar a conversa. Sua irmã não foi entrevistada, devido ao enfoque dado ao objeto de
estudo. Há de se considerar que o material colhido foi suficiente para a análise prevista, qual
seja o processo de vinculação da criança com seus pais adotivos.

A adoção surgiu de um desejo materno e paterno que foi pensado e discutido entre o
casal antes do acolhimento da criança. De acordo com Vilmar, pai adotivo: [...] desde o
começo compartilhávamos essa vontade [...] nossa idéia sempre foi ter três filhos, dois
biológicos e um adotivo [...] como papai do céu não quis providenciar outro neném
biológico, partimos pra adoção.

Observamos também que este desejo foi motivado pelo sentimento de altruísmo,
principalmente do pai, que morou em uma Instituição de Acolhimento por 12 anos: [...] eu
sempre tive essa idéia desde pequeno, porque eu vivi a realidade do Guilherme, nosso filho,
fui morar com minha mãe a partir dos 12 anos, sempre morei em orfanato.

83
Débora e Vilmar cultivaram a idéia de ter dois filhos biológicos e um adotivo, durante
os anos de convivência conjugal. Seu primeiro filho era especial, faleceu com 13 anos, no 6º
mês em que Guilherme já se encontrava com a família. O desejo inicial do casal era por uma
adoção de um bebê, explicam que a mudança do perfil foi impulsionada pela demora na fila
de espera na Vara: [...] a gente começou o perfil de um bebezinho, depois fomos subindo a
faixa etária pra cinco anos, por conta da demora. O casal demonstrou sentimentos de
ansiedade quanto a espera pelo filho: [...] nosso processo foi bem rápido [...] foram nove
meses de espera, uma gestação [...], mas em nenhum momento reportaram a isso como
prejudicial na vinculação com Guilherme.

Durante a entrevista, os pais manifestaram muita tristeza de não terem conhecido


Guilherme quando bebê, na busca de poupá-lo de vivências inadequadas. Percebemos aqui
um desejo imenso da família em reverter à situação que a criança vivenciou na Instituição.
Essa fantasia é vivenciada por muitos casais e pessoas que passam pelo processo de adoção..
Para Vilmar: [...] a única coisa de errado é ele não ter nascido da barriga, e não ter cuidado
dele desde neném, é como se tivéssemos abandonado e tivéssemos ido buscar depois. Por
outro lado, a mãe argumentou que ter conhecido Guilherme antes o teria poupado de
sofrimento [...] é uma culpa que não existe, mas eu penso porque tudo não poderia ter sido
diferente. Eu queria tanto ter conhecido ele menor, ter poupado ele de sofrimento ruim que
ele deve ter sofrido.

Durante os seis primeiros meses, Débora e Vilmar relataram que a adaptação foi
tranqüila. Para eles as dificuldades começaram com o falecimento do filho mais velho. A mãe
argumentou que foi muita mudança para pouco tempo de assimilação [...] na época que
tivemos a crise foi seis meses depois que Guilherme estava aqui. De pensar em devolver
mesmo, de chegar ao ponto de ir à Vara da Infância e pedir a devolução dele. Para ela a
maior dificuldade foi perder o filho e adaptar-se se ao estranho, [...] seis meses a gente ainda
estava na adaptação, estávamos aprendendo ainda [...] Então teve isso, além de ter que me
adaptar com o Guilherme, tive que me adaptar com a falta de Gabriel. Percebemos com a
fala da mãe, uma fantasia e medo em se apegar à Guilherme com receio em trair o primeiro
filho que faleceu.

Dois momentos difíceis: a chegada do “estranho” e a perda de um filho muito querido:


[...] eu já tinha um histórico de depressão, com a morte dele eu fiquei mais deprimida, muito,
só queria dormir, não queria levantar, fiquei muito ruim mesmo [...] Guilherme não dava
espaço, ele queria atenção a qualquer custo, ele não me deixava sossegada, não me deixava
84
dormir [...] o Guilherme me tirou muito esse meu momento, na época eu pensava isso. Para o
pai essa transição foi muito difícil também [...] o que aconteceu é que foi uma coincidência
muito infeliz, ocorreu tudo muito próximo, porque seis meses parece muita coisa, mas não é,
pra quem viveu cinco anos em um abrigo, pra gente que nunca vivenciou isso, seis meses a
gente ainda estava na adaptação, estávamos aprendendo ainda.

Na época o casal procurou o setor de adoção na Vara da Infância no intuito de


devolver Guilherme, receberam uma orientação para esperarem por um tempo até que a dor
da perda se dissipasse. Foram então encaminhados para atendimento no Programa do COMPP
(Centro de Orientação Médico Psicopedagógico), filiado ao Órgão da Secretaria de Estado de
Saúde do Distrito Federal, que presta atendimento multi e interdisciplinar em Saúde Mental às
crianças e adolescentes do DF e Entorno.

A família mencionou ter participado de três atendimentos, argumentaram que o


Programa não respondia às suas expectativas. Participaram também de algumas reuniões do
Projeto Aconchego, porém não deram continuidade, disseram que o espaço para terapia era
interessante, todavia argumentaram que o tempo da escuta era insuficiente. Durante esse
período de luto, a família buscou ajuda na Igreja e na família extensa, se reorganizou e
gradativamente Guilherme foi conquistando seu espaço no núcleo familiar.

Mesmo assim, observamos que a elaboração do luto pelo filho falecido ainda está
sendo processada por toda a família. Os desenhos que Guilherme representou trouxeram uma
constante presença do irmão. Isso nos indicou a importância que Gabriel teve para Guilherme,
tanto que quando perguntamos a ele o que desejava para o seu presente ele desenhou seu
irmão na figura de um anjo.

85
.

Hipotetizamos, a partir dessa representação, a busca de um protetor na figura do


irmão. Talvez, para Guilherme, o irmão representasse uma proteção. Mas, de que ou quem
Guilherme quer ser protegido? Trabalhamos essa questão na terceira figura. Observamos
também a desproporção do tamanho da cabeça ao corpo, e nos perguntamos o que essa
desproporção significaria? Talvez o vazio do contato que não poderia mais ter com esse
irmão. Porém, na maioria dos desenhos, Guilherme construiu a figura humana
desproporcional ao corpo, isso nos indicou que não é só a falta do irmão que representou o
vazio, existiram outros indicadores que trabalharemos mais adiante.

Por outro lado, a centralidade do desenho e o colorido nos chamaram a atenção,


remetendo-nos às proposições de Van Kolch (1984, apud, SOUZA, 2007, p.75), o qual tece a
teoria de que o desenho bem centralizado também confirma o ajustamento ao ambiente,
aceitando e submetendo-se a ele.

Essa proposição teórica pode ser confirmada pela fala do pai, quando diz que: [...] a
adaptação foi muito por ele, essa perda nossa foi uma perda irreparável, você pode brigar
com o Guilherme, danar com ele, que daqui a dois segundos ele já está com uma carinha
boa, abraçando e beijando. Ele é muito alegre, ele encheu a casa, se fosse diferente não
86
seríamos a família que somos hoje. Guilherme pareceu estar bem integrado à família adotiva,
mas demonstrou pelo desenho a necessidade da busca pela sua origem, que será tratada mais
adiante.

A família adotiva é retratada por Guilherme como sendo muito importante. Essa
afirmação pode ser vista no desenho abaixo. Solicitamos a criança que representasse onde
mora e que incluísse as pessoas que gosta. Então ele representou sua família adotiva.

Observamos que a casa representada tem chão, mas a família encontra-se suspensa no
ar. Guilherme nomeou todos os membros, o terceiro componente familiar ele diz ser um
amiguinho da escola, mas observamos que as características representadas são de uma criança
com traços de morte.

Talvez inconscientemente, Guilherme ilustre com o desenho a sua ligação com o


irmão falecido, expressando o seu desejo que ele estivesse ainda presente nessa família. Nesse

87
desenho, Guilherme fez a seguinte pergunta: Como se escreve mãe? Eu nunca consegui
escrever a palavra mãe. Durante a entrevista com os pais, Débora mencionou que o filho tem
perguntado timidamente sobre sua genitora [...] Esses dias fui falar da mãe dele, porque hoje
é que ele está tocando nesses assuntos, e ele disse, “mas a minha mãe me abandonou, não me
amou”, mas primeiro ele conversou com o pai e depois comigo que a mãe tinha abandonado
ele.

Observamos, a partir da leitura sobre o tema, Schettini (2009) e Levinzon (2004), que
essa pergunta é comum aos filhos adotivos, sendo que a forma e o tempo que ela será feita
dependerão de como o vínculo com a família adotiva está sendo processado.

Para Hamad (2010, p.51-52), a figura da mãe é muito mais marcante para a criança do
que a figura do pai, para ele “só a mãe genitora abandona”. E ainda acrescenta que “a “mãe da
realidade” é a única mãe, à medida que ela destitui a “mãe todo poderosa” da primeira
infância. A mãe da realidade só é mãe pelo próprio fato de sua inscrição naquilo que impõe
limites”.

Observamos que, quando a mãe verbalizou para o filho que [...] amar também é abrir
mão [...] ela trouxe à tona, involuntariamente, o sentimento de rejeição e abandono. Para
Levinzon (2004, p.71) “a história contada pelos pais adotivos e suas referências aos pais
biológicos contribuem para a formação da auto-estima da criança e para o sentimento de ter
sido ou não desejada”.

Assim, quando Débora enfatizou para o filho que a mãe biológica de Guilherme
preferiu deixá-lo no abrigo a continuar com ele, ela instaurou para criança o movimento amor
versus rejeição [...] sua mãe te amou tanto que te deixou lá, porque se você tivesse com ela
hoje com a situação de vida que ela tinha, você estaria até no crime, usando drogas, como a
gente vê esses meninos de rua por aí, não é porque eles querem essa vida pra eles, é porque
eles não tem uma estrutura de família. Então ela percebeu que não ia dá conta de você e
preferiu te deixar lá, do que você depois se envolver no mundo do crime. Então amar também
é isso, acho que você não pode ter raiva da sua mãe por isso [...] é o que eu falo pra ele, é de
hoje em diante, daqui pra frente, não tem como voltar atrás.

Todavia, para a criança, esse argumento pareceu ter incitado ambiguidade em sua
compreensão sobre o que significa o amor e o abandono da genitora. Quando a mãe diz:
“amar também é isso”. Esse “isso” pode ser entendido como “amar também é “rejeitar,
abandonar”.
88
Débora pareceu querer poupar o filho sobre sua verdade, todavia essa ação pareceu
limitar os sentimentos da criança quanto aos seus acessos de raiva, medo e dúvida em relação
à sua genitora. Quando Guilherme diz [...] minha mãe morreu, minha mãe é você. Talvez
esteja querendo perguntar: O que é amor? Quem é minha mãe? A quem devo lealdade? Para
Levinzon (2004, p.72) pais ambivalentes “estimulam vivências de abandono e rejeição que
somam à vivência original com a mãe biológica”.

Por outro lado, se nos reportarmos ao desenho anterior, veremos que Guilherme não
retratou a morte como responsável pela quebra de um vínculo, pelo contrário, ele trouxe com
a representação do irmão falecido a presença da manutenção desse vínculo. Quando falou
“minha mãe morreu” talvez seja a maneira que tenha encontrado de trazê-la para o seu
presente. Hipoteticamente entendemos que, para Guilherme, ainda é muito confuso entender
os motivos do abandono sofrido pela sua genitora. Conhecer sua história pregressa, talvez seja
imprescindível para ultrapassar sua dificuldade de escrita, conforme veremos em sua
expressão gráfica e verbal, mais adiante, e talvez vislumbrar novos horizontes com essa nova
família que está construindo.

Levinzon (2004) trata o assunto como sendo inerente a construção da identidade do


filho adotivo. Para ela o aspecto de fato preocupante no adotivo é a impossibilidade de se
questionar quanto a seu lugar no mundo, e de considerar as particularidades de sua história. A
negação de si mesmo não permite o estabelecimento de um sentimento de identidade
consistente. O adotado, assim como qualquer outra pessoa, quando fecha os olhos para suas
principais angústias e dúvidas, não tem a possibilidade de desenvolver um sentido pessoal de
“existência”.

Contribui com esse pensamento a teoria de Neuburger (1999), quando nos incitou
pensar sobre a importância que essa memória familiar tem para o desenvolvimento psíquico
de Guilherme.

(...) a memória familiar é, pois, aquilo que permite a transmissão do mito familiar,
seja aquilo que há de mais “intimo”, ou melhor, aquilo que cria o íntimo de uma
família, que assegura uma identidade familiar, do “igual”, que permite a uma pessoa
se ajustar em sua própria identidade, seja identificando-se seja opondo-se.
(NEUBURGER (1999, p. 46-47).
Para ele, as famílias que apagaram seus aspectos considerados anormais ou suas
particularidades, produzem uma patologia da transmissão que dificulta a construção de uma
família para a geração seguinte.

Schettini (2009) reforça essa idéia quando menciona que:


89
A dor da inconsistência do passado familiar poderá se refletir em tristeza pela
mutilação de parte da sua “biografia genética”, como poderá ser um estímulo para
fortalecer as ligações com os que lhe sucedem, formando a linhagem conhecida
(SCHETTINI, 2009, p. 98)
Ainda, de acordo com essas teorias, podemos contemplar no desenho seguinte a
insegurança da criança quanto a busca por essa origem. Solicitamos a Guilherme que
desenhasse o que desejava para o seu futuro.

A criança então representou um castelo e verbalizou que desejava morar em “um


castelo com uma ponte que vai até a rua, até uma cidade, e depois vai à lua. Na lua tem
alienígenas. O castelo é só de Guilherme”.

Então nos perguntamos durante a interpretação quem seriam os alienígenas? Claro que
devemos pensar como algo fantasioso, porém com uma mensagem nas entrelinhas. Os
alienígenas seriam a família biológica que Guilherme não tem contato e que gostaria de ter?
Por isso um castelo que tenha um caminho definido “que leve a rua, uma cidade e a lua”. Só

90
na Lua ele poderia obter esse contato com essa família? Talvez por isso apenas Guilherme
possa fazer contato com os alienígenas.

Talvez a desproporção da cabeça ao corpo também represente esse vazio, o vazio do


contato, da falta de informação que não tem sobre os irmãos, e do pouco contato que
estabeleceu com sua irmã biológica. Essa hipótese pode também ser observada no desenho em
que Guilherme representou sua auto-imagem, (ver anexo seis). A fantasia do castelo talvez
seja o caminho encontrado para representar sua necessidade pela busca de sua origem, ou
ainda um lugar que representa uma fortaleza e lhe transmita proteção. Todavia, pareceu-nos
que Guilherme ainda não se vê imponderado nessa família adotiva, para desenvolver esse
diálogo com seus pais. O Anjo que Guilherme trouxe no primeiro desenho, o qual citamos,
que poderia representar seu protetor, e talvez hipoteticamente represente aquele que
Guilherme necessite que o guie no caminho de suas incertezas.

Débora verbalizou que o filho tem sua história pregressa elaborada, quando
mencionou que ele [...] substituiu bem a figura da irmã biológica, hoje quase não fala mais
nela. O vínculo com a irmã aqui em casa é muito maior. E ainda quando relatou que o filho
desconhece o movimento que os pais fizeram para sua devolução, e das dúvidas que tiveram
após o falecimento de Gabriel: [...] Deus é tal bom que não fez ele perceber as coisas dessa
forma, ele não sabe de tudo isso que passamos.

A família está cercada de segredos. Primeiro o segredo de não informar à criança sobre
sua origem, por receio, por falta de informações e até por falta de orientação profissional de
como ele reagiria diante de sua verdade: [...] eu me senti insegura, por exemplo, em relação à
irmã que ele tem, de estreitar algum laço, e de o juiz achar melhor ele ficar com a mãe da
menina. [...] Ele tem mais dois irmãos, ainda não falamos deles pra ele, porque não sei se é o
momento de dizer, ainda não disse nada, porque o sofrimento vai ser triplicado, também não
temos o endereço deles, não sabemos onde localizá-los.

Depois, o segredo da depressão que a mãe desenvolveu com a morte do filho


biológico, o qual levou os pais a buscarem na devolução de Guilherme o espaço e o tempo
para vivenciarem o luto pela perda do filho Gabriel. Entendemos que todos esses fatos são
muito significativos, criam um campo desconhecido para a criança e um campo da
informação factual, mas do ponto de vista dos afetos que circularam é algo que não foi
nomeado. Guilherme ainda não consegue escrever o nome mãe, não consegue nomear essa
mãe que teve acesso pelo biológico, porque a mãe adotiva não permite, e também não teve

91
acesso à mãe adotiva quando o irmão morreu, momento que mais precisou para sua
adaptação. Todo esse silêncio está explicito nos desenhos representados pela criança e pode
representar uma das possibilidades de nossa hipotetização.

Levinzon (2004) coaduna com nossa hipótese a partir de sua teoria de que os pais que
trazem sentimentos de culpa ou de medo adicionam às crianças uma carga maior de rejeição e
abandono, influindo diretamente em temores de insegurança e efetivação do amor parental,
“nestes casos, é como remexer com um instrumento afiado em uma velha ferida, mal
cicatrizada” (LEVINZON, 2004, p.73). Isso pode ser observado no segundo desenho, em que
Guilherme representou a família suspensa no ar. Para Hammer (1991, p.51) “adultos que são
representados na parte superior frequentemente são aqueles que se sentem inseguros em
relação a si mesmos (“ flutuando no ar”)41 .

No entanto, vemos a família como integrada no propósito da construção dos laços


afetivos. A criança também dá indícios de estar vinculando bem a essa nova família. Para o
pai, Guilherme: [...] é um filho, integrado na família, até as brigas com a irmã é de um
menino de 10 anos, as brigas são de irmãos mesmo. E para Débora [...] Ele é meu filho, com
tudo que um filho tem de bom e de ruim. Quando falo de filho eu penso sendo um pedaço de
mim. E ele nasceu do meu coração [...] e faço por ele tudo o que a gente faz por um filho, de
dar a vida, de morrer de dar um braço, uma perna, ele é amado, amado, eu vejo ele como um
presente de Deus.

A família demonstrou ter claro que a construção do vínculo não está totalmente
estabelecida, ele ainda está se construindo. Podemos ver isso na fala de Débora quando diz
que: [...] o vínculo é uma coisa que se cria ao longo da vida, ao longo dos anos [...].
Vislumbramos, com isso, que esta família também está aberta a novas orientações para
superação de seus desafios: [...] acho que há falta de preparo pra gente lidar com algumas
situações.

Este é, portanto, um dos resultados importantes dessa pesquisa, mostrar que mesmo
aquelas famílias que encontram com seus processos legais concluídos necessitam de apoio
profissional para lidarem com algumas questões que surgem com a convivência diária com o
filho adotivo.

41
Grifos do autor
92
4.5 Família [4][AP] Lilian, Mônica e Júlia

Vínculo pra mim se constrói, não é um processo que você nasceu com
ele. É um ser humano, é alguém desconhecido que está entrando em
sua vida, por mais que você deseje, e desejo a gente sabe que uma
hora pode estar aqui e outra hora ali. O exercício do cuidado é que vai
fazer a diferença de alguém querer ou não querer a adoção”. F[4][AP]
(LILIAN, 2010).

Este fragmento de discurso refere-se à adoção legal de Julia, deferida a Lilian, ocorrida
no final de 2005, com duração processual de quatro anos.

Lilian vive sob regime de concubinato42 com Mônica, que tem uma filha biológica de
15 anos. Júlia é filha biológica de pais separados. Foi assistida pelo serviço de acolhimento
por cinco anos, é irmã biológica de Guilherme, cuja narrativa foi analisada anteriormente e
também irmã biológica de dois meninos, cujas idades e paradeiro não foram possível acessar.

Foram realizados dois contatos telefônicos com Lilian, antes da entrevista, a qual se
mostrou receptiva para responder as questões referentes à adoção. Para efetivação da pesquisa
foram realizadas duas visitas à residência da família. No primeiro momento conversamos com
Lilian e Mônica, que responderam com muita presteza à todas as questões solicitadas e
retornamos em outro momento para conversarmos com Júlia e Juliana, sua irmã. Ambas não
mostraram relutância em responder a nenhuma pergunta e estavam bem desinibidas para
fazerem os desenhos solicitados. Foram utilizados nesses fragmentos apenas os desenhos de
Júlia, foco dessa pesquisa. O material complementar obtido com a pesquisa poderá ser
utilizado para estudos posteriores.

Legalmente, a adoção envolveu Lilian e Júlia [...] foi um processo que na minha
gestação era meu, ela me apoiou, mas era o meu processo [...] foi o meu movimento de
adoção, não foi nosso, enquanto casal, nem mesmo de documento, senti sempre o apoio dela,
mas era a minha maternidade.

42
Concubinato: modernamente, é um termo jurídico que especifica uma união não formalizada pelo casamento
civil. No dia 05/05/2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a favor da união estável entre casais
homossexuais. A decisão foi unânime. Os ministros e ministras da corte fundamentaram seus discursos nos
preceitos fundamentais da Constituição, principalmente igualdade, dignidade da pessoa humana e proteção à
segurança jurídica.

93
A adoção de Júlia surgiu de um desejo de maternidade aceito pela companheira: [...]
às vezes, quando eu imaginava ser mãe, eu imaginava ser mãe de uma criança adotada.
Mesmo antes quando eu tinha uma relação heterossexual, eu imaginava ser mãe de uma
criança adotada e sempre imaginava ser mãe de uma criança maior. A adoção tardia era
meu desejo materno. [...] Eu cheguei em casa participei a Mônica desse meu projeto e ela me
apoiou [...]. Foi meu projeto de maternagem, e eu senti isso como tendo o apoio dela.

Durante a entrevista, Mônica verbalizou que também idealizava adotar uma criança,
esse desejo sempre foi compartilhado com sua filha. O que confirma a hipótese acima, de que
quanto mais trabalhadas e compartilhadas as motivações pela adoção, mais aumentam as
chances de sua aceitação: [...] mesmo quando a Juliana era pequena, conversava com ela que
íamos adotar uma criança, mas eu tinha muito claro na minha cabeça que pra acolher outra
criança eu tinha que ter estrutura para isso, até porque cuidar de uma criança na condição
de estar só era muito difícil [...] Quando a Lilian manifestou esse desejo, óbvio, justamente
por já guardar isso em mim não vi nenhum problema, e Juliana muito menos, ela já era
alimentada desse desejo.

Para Lilian a adaptação com Júlia foi fácil, seu desejo em desenvolver a maternagem
já vinha sendo elaborado antes da chegada da filha: [...] não senti dificuldade de adaptar, não
tive adaptação, não rolou estágio de convivência, aproximação, eu já amava a Júlia como
minha filha, eu nunca deixo de falar.

Até os três anos de idade, Júlia esteve sob os cuidados do pai e da tia paterna,
introjetar a figura de mãe “cuidadora” foi a maior dificuldade enfrentada no início da
convivência com Lilian [...] foi difícil pra ela lidar com a mãe cuidadora, e cuidar significa
orientar. A cumplicidade com a irmã adotiva ajudou na adaptação à família: [...] hoje vejo
que tem o tempo certo pra começar a orientar e ela compartilhou muito isso com a irmã, de
que estava muito angustiada, e que foi muita novidade pra ela, muita coisa nova ao mesmo
tempo, era muita coisa pra ela lidar. Esse processo de treinamento, do novo dentro de uma
casa.

Tal adaptação se deu muito em função da vinculação que as irmãs desenvolveram


desde o início da convivência. Percebemos isso quando Mônica mencionou esse vínculo
como saudável [...] a junção dessas duas é uma coisa fantástica, porque elas se tratam muito
como irmãs, elas têm um carinho muito grande entre elas, elas brigam pra caramba, mas

94
nada de agressão física. [...] Então uma pra outra são pessoas sagradas, individualmente
elas têm uma cumplicidade e ao mesmo tempo estão se dedurando, são muito irmãs.

A figura da “mãe cuidadora” amedrontava e gerava a fantasia de devolução em Júlia


[...] acho que por conta de tudo que ela já viveu enquanto estava no Abrigo, e ver situações
de crianças sendo devolvidas, processos não concretizados, esperanças frustradas, eu acho
que ela veio com essas preocupações, mas eu não me dava conta que ela vinha com essas
preocupações. [...] ninguém vive 5 ou 6 anos dentro de um Abrigo impunemente. E ela viveu
uma realidade muito dolorosa dentro desse Abrigo.

Esse relato nos impulsiona a pensar que, mesmo quando uma relação parece saudável,
é necessário refletir sobre a complexidade de um fenômeno que não se esgota, mas que
sempre se apresenta como um contínuo desvelar-se. Para Júlia o medo da rejeição a
paralisava, levava-a a aceitar o que não gostava. Isso fazia com que a criança se anulasse: [...]
eu lembro que eu só me dei conta foi quase um ano depois, que eu observei que ela não
gostava de algumas verduras, mas eu disse: Júlia você sempre comia. E ela dizia: mas eu
tinha medo que você me devolvesse. E ela dizia que comia tudo, era o discurso dela, “eu
adoro verduras” [...] hoje em dia eu já vejo ela negando tudo, mas quando ela verbalizou
isso é que eu me dei conta desses possíveis fantasmas que poderia estar na cabecinha dela,
eu não percebia que ela tinha esses medos, porque sempre fomos muito vinculadas, ela
sempre me chamou de mãe, desde a primeira visita que eu fiz no Abrigo.

Esses medos são explicados por Schettini (2009) como um sofrimento vivido tanto
pelos pais como pelos filhos adotivos, as possibilidades de transpor essa dor estão ligadas
com a capacidade que os pais devem desenvolver durante a convivência diária, a partir da
apreensão do filho em sua inteireza e sua singularidade.

Nesse percurso de definir os papéis de cada membro da família, Lilian e Mônica se


separara por algum tempo, mas retomara a convivência depois. Não explicitaremos aqui os
motivos da separação, por entendermos que estes motivos não estavam intrinsecamente
ligados à adaptação de Júlia. Essa separação provavelmente tenha reportado lembranças
dolorosas de perdas anteriores à Júlia, mas também trouxe uma aproximação entre mãe e
filha. Durante a entrevista com as irmãs não levantamos a separação como questão, elas
também não mencionaram o período de rompimento das mães.

Para Lilian nem a adaptação inicial, nem a separação entre ela e sua companheira
ameaçaram a vinculação com Júlia, o que ameaçou essa vinculação materna foi a má
95
condução do processo legal de adoção: [...] eu já tinha idéia das possíveis dificuldades da
Júlia em relação a esse processo inicial e na minha cabeça eu tinha condições de dar conta
disso [...]. Eu me senti muito estruturada pra ser mãe da Júlia [...] tive um suporte
psicoterápico anterior que me ajudou muito a dar conta dos meus limites [...] eu não dei
conta disso, desse contexto todo, não foi em relação a Júlia e não foi por conta desse
processo todo que gerou nossa separação foi por conta da justiça que realmente me
bloqueou, isso realmente me desestabilizou.

Lilian se emocionou em muitos momentos da entrevista, principalmente quando


relatou sua indignação quanto ao andamento do processo [...] Era a justiça querendo tirar
minha filha, eu não sei explicar isso, é uma situação de abandono, vazio muito grande [...]
Eu falo que eu não tive um processo de adoção, eu tive que fazer um processo de defesa do
direito da minha filha ao convívio familiar que ela queria, que ela já tinha condições de
escolher. E foi isso, foram 4 anos de defesa desse processo, foi muito difícil. Encerrou o ano
passado (2009).

Não trabalharemos aqui essa narrativa, essa dificuldade com a justiça será trabalhada
no capítulo seguinte, por se tratar de um ponto comum aos outros três fragmentos anteriores.

Júlia adaptou-se bem à nova concepção de família. Quando solicitamos a ela que
desenhasse o lugar onde morava e as pessoas que gostava, ela nomeou voluntariamente essas
pessoas como “minha família”. Em alguns momentos da entrevista com a mãe, esta
verbalizou que ser lembrado, para Júlia, é muito importante: [...] o fato de ser lembrado pra
ela é muito importante. Talvez a forma que tenha encontrado para ser reconhecida enquanto
membro integrante da família adotiva tenha sido reconhecer todos como integrantes. Todavia,
há de se observar que Júlia não traz nesse desenho a figura do irmão Guilherme, adotado pela
F[3][AP], portanto, já internalizado como integrante de outro sistema familiar.

96
A criança inclui pessoas que moram e não moram na residência. Para algumas delas,
ela pede para escrever o nome atrás do desenho. Observamos que a casa não tem chão e todas
as pessoas estão espalhadas, parece-nos que as pessoas estão soltas. Com isso hipotetizamos a
busca de internalização dessa nova concepção de família a qual Júlia se inseriu e o desejo que
tinha em dar consistência a ela.

A família extensa teve papel importante tanto no processo inicial de adaptação como
na vivência do dia a dia de Júlia, talvez por isso ela tente trazer a presença de todos no lugar
representado como sua moradia [...] Não foi só comigo que ela teve uma família, ela teve essa
segurança com essa família aqui dessa casa, com a minha família do Rio, que de cara
recebeu ela como membro da nossa família, pessoas como avó, com a família da Mônica que
também a acolheu.

A expressão pelos desenhos retoma em Júlia sentimentos de volta às origens. Durante


a entrevista com a mãe, em outro momento, ela deu indicativos do respeito que tem quanto às
vontades manifestadas pela filha sobre sua família de origem [...] ela mencionou esses três
irmãos e que tinha convivido durante muito tempo com o irmão Guilherme, e que ela queria
muito ter contato com esse irmão. Acho que era direito dela, eu encarei isso como um direito

97
[...] acho que no dia em que eu recebi a guarda da Júlia eu já manifestei na vara da infância
meu desejo para que ela pudesse ter contato com o irmão Guilherme. A mãe mencionou
também que Júlia mantém contatos esporádicos com seu irmão, Guilherme, já em relação aos
outros dois disse ter buscado informações na VIJ, mas não ter localizado o endereço. [...] E
ela sempre falando dos outros irmãos. E eu sempre falando pra ela, vou tentar, vou tentar e
tentei dos outros irmãos também, mas nunca obtive respostas da Vara.

Podemos observar que a busca por informações sobre a família biológica está latente
na criança. Solicitamos Júlia que desenhasse o que desejava para o seu presente, ela
representou seu desejo em reencontrar a mãe e os irmãos biológicos.

Nos corações Júlia trouxe os dois irmãos, disse desconhecer as fisionomias deles, ela
disse ter poucas lembranças da infância que passou com eles, pois quando foi para o serviço
de acolhimento tinha três anos, porém lembrou com clareza dos nomes que inclusive, coloca
nos corações. Observamos também que é o único desenho que colore, utilizando-se da cor
vermelha, que pode traduzir afeto e amor.

98
Júlia centralizou seu desenho na folha, que para Hammer (1991) quer dizer “segurança
elevada”. Ao verbalizar à Lilian que quer informações e insistir em manter contatos com o
irmão com quem conviveu, Júlia demonstrou ter segurança na relação estabelecida com a
mãe. No que se refere ainda à localização do desenho na página, Hammer (1991, p.51) aponta
que “[...] quanto mais acima o ponto médio do conceito desenhado estiver do ponto médio da
página maior será a implicação de que o sujeito sinta que está se esforçando, de que seu alvo é
relativamente inatingível e que ele tenda a manter-se distante e relativamente inacessível”. O
acesso à informações sobre os outros irmãos é desejo manifesto, porém ainda indisponível
para Júlia.

Há indicativos na relação afetiva entre mãe e filha, verbalizada por Lilian e nos
desenhos representados por Júlia, de que as várias tentativas em resgatar a família biológica
não anularam a segurança que a criança desenvolveu com a família adotiva, a qual tem
construído uma relação de afeto. Isso é perceptível na fala da mãe: [...] Ela tem qualidades
que eu não tenho, ela tem defeitos que eu não tenho. E nós somos diferentes mesmo, e eu
tenho que respeitar isso. Isso pra mim tem que ser um processo de muito respeito porque eu
não adotei também uma criança pequena, um processo que não seja só a vontade da mãe que
prevalece, até porque eu também tenho vontade.

Essa confiança entre mãe e filha caracteriza um vínculo forte desenvolvido nessa
relação afetiva, pautada no respeito, na aceitação e no diálogo

Observamos isso em outro momento quando solicitamos que a criança desenhasse um


momento especial e as pessoas que estavam presentes nesse momento. Neste desenho Júlia
trouxe a figura da mãe adotiva como marcante, inclusive demonstrando muita proximidade
entre elas.

99
Para Schettini (2009), o retorno à família biológica é natural, comum na fase de auto-
afirmação da adolescência. Para ele “[...] a busca do encontro com sua história pregressa não
representa para eles o desejo de trocar de parentalidade. Trata-se de duas circunstâncias
típicas da adolescência” (SCHETTINI, 2009, p.44,45).

A primeira circunstância ele caracterizou como sendo a ampliação das características


intelectuais que cada indivíduo internaliza, as quais os levam a interessar-se pela pesquisa,
pela busca do novo ou do antigo que lhe é desconhecido. A segunda situação que estimula o
adolescente a mergulhar em sua biografia são as transformações corporais rápidas e marcantes
que ocorrem nessa fase. Situações ao mesmo tempo prazerosas e angustiantes porque, se
corporalmente começa-se a se parecer mais com os adultos, sob outro aspecto tem-se de
enfrentar a perda da configuração do corpo de criança. Esse processo de mudança corporal
remete os adolescentes as suas origens, isto é: em que ele seria fisicamente semelhante aos
seus pais de origem?

O autor afirma ainda que, passado o auge desses conflitos, certamente estará
consolidada mais uma etapa (talvez a última) da escolha bilateral. Quem foi escolhido, agora
se sentirá também tendo escolhido.
100
Coaduna com esse pensamento Lévy-Soussan (2010), quando nos trás para refletir
sobre a importância que devemos dar a singularidade de cada indivíduo, considerando-o em
sua inteireza “a verdade da filiação em um sujeito é singular”. Para ele a singularidade
começa para algumas crianças por uma história de abandono. E as crianças só nascem dos
desejos que os adultos têm.

Tal teoria tece uma aproximação com a expressão do desenho de Júlia, que ao ser
solicitada para representar o que quer para o seu futuro ela corrobora com essa discussão.

Júlia verbalizou que o desenho representava “Júlia e todos os seus filhos”. Querer
cuidar de tantas crianças nos remeteu a hipótese da “cuidadora que não foi cuidada”. Para
Schettini (2009, p.57) “o desejo baseia-se naquilo que nos falta”. É muito difícil, por mais que
a criança tenha desenvolvido o vínculo de pertencimento com a família adotiva entender as
questões que levaram sua mãe “geradora” a abandonar. Júlia sempre carregará consigo,
através da marca que trás em si, o umbigo, a presença da genitora. Compreender o lugar que
irá ocupar no mundo e elaborar sua história pregressa talvez seja o mais difícil para ela,
porque lhe requer a habilidade de lidar com as dores mais íntimas da rejeição.

101
A hipótese que temos com a representação do desenho acima é a de que talvez Júlia
busque nessa sua idealização responder suas questões sobre seu abandono, à medida que
instaure nos outros o cuidado.

Todavia, faz-se necessário trabalhar essa questão com a adolescente para que a mesma
não venha a repetir o que aconteceu com Janete F[2][D], a qual adotou dezessete crianças.
Talvez isso hoje fosse quase impossível, pelo que trata a lei 12.010/09, a qual exclui a
possibilidade da adoção intuitus personae. Ainda assim, entendemos ser necessária uma
orientação profissional, para que a criança possa elaborar melhor a questão do “abandono” .

102
CAPÍTULO 5

RETOMANDO AS ZONAS DE SENTIDO

5.1 Indicadores favoráveis e indicadores desfavoráveis no processo de adoção

Visando compreender o processo de vinculação adotiva dentro da dinâmica familiar,


identificamos alguns indicadores, que denominamos aqui como zonas de sentido, comuns aos
participantes dessa pesquisa, que tiveram grande relevância no processo de adoção. É
imprescindível mencionar que, devido à complexidade e diversidade de cada caso estudado,
fez-se necessário distribuir as zonas de sentido por família pesquisada, o que possibilitou a
identificação das semelhanças e diferenças presentes nos discursos dos sujeitos dessa
pesquisa.

Desse modo, analisamos os conteúdos das entrevistas conforme conceitua González-


Rey (2002), classificando-os em zonas de sentido. Para o autor, o pesquisador
progressivamente vai construindo os elementos que consideram relevantes. Ele ainda refere-se
às zonas de sentido como: “espaços de inteligibilidade que se produzem na pesquisa científica
e não esgotam a questão que significam, senão que, pelo contrário, abrem a possibilidade de
seguir aprofundando um campo de construção teórica” (GONZÁLEZ-REY, 2002, p.60).

Nesse sentido, identificamos os principais indicadores que favoreceram o encontro


filial: a compreensão das motivações para adoção: a relação entre as motivações dos
adotantes, o altruísmo e a realidade vivenciada no processo de adoção; a desvelação da
família de origem como condição do vínculo; a criança imaginária e a criança real; a
preparação da criança e do requerente para adoção, a partir da viabilização institucional; o
vínculo familiar estendido e a devolução a partir da análise do silêncio dos pais e do
sofrimento dos filhos adotivos.

A seguir, tecemos algumas considerações referentes a essas zonas de sentido,


consideradas imprescindíveis para o encontro filial.

5. 2 O desejo e sua falta

103
Para discussão dessa zona de sentido retomo a pergunta que perpassou o processo de
identificação dos vínculos de filiação: o que levou as famílias pesquisadas a adotarem uma
criança? Esta questão foi imprescindível e, apesar de não ter sido a pergunta central desse
estudo ela guiou a resposta do objetivo desse trabalho, que era “compreender o processo de
vinculação adotiva dentro da dinâmica familiar, no ensejo de destacar indicadores que
contribuíram para construção do vínculo de filiação e indicadores que desfavoreceram essa
construção”. Entende-se que sem o aprofundamento dessa reflexão os resultados dessa
pesquisa ficariam comprometidos.

Alguns relatos sobre as motivações foram identificados como mais comuns na fala
das famílias entrevistadas. Dentre eles citam-se: a esterilidade de um ou ambos os pais, o
desejo de ter filhos quando já se passou da idade em que isto é possível biologicamente, a
idéia de que “há muitas crianças necessitadas, e que se estará ajudando-as e fazendo um bem à
sociedade”, o contato com uma criança que desperta o desejo da maternidade ou paternidade,
o parentesco com os pais biológicos que não possuem condições de cuidar da criança,
mulheres que anseiam por ser mães, mas não possuem um parceiro amoroso,

Vimos que nas F[1][D] e F[2][D] o projeto de adoção surgiu do desejo de “ajuda ao
próximo”, o que para nós apareceu como forte indicativo para devolução das crianças, porém
não único. Veremos na análise de outras zonas de sentido que existiram outros indicadores
que também contribuíram para essas devoluções. Já na F[3][AP], além do desejo de ajuda ao
próximo, o desejo de exercer a paternidade e a maternidade também estava presente na busca
pelo filho adotivo. Encontramos na F[4][AP] um desejo materno mais elaborado.

Todavia, a experiência e a literatura: Levinzon (2004), Hamad (2010) tem mostrado


que apenas o desejo de ajudar uma criança, não deve ser tomado como razão suficiente para
adoção. O vínculo parental não pode ser estabelecido em função de “desejos altruístas” ou no
desejo de “salvação” da criança. As experiências de adoções que dão certo, nos apontam que
é necessário que os requerente em adoção tenham claro que desejam um filho, e que não
estão apenas fazendo o bem, pois a filiação inclui vivências e emoções das mais diversas, por
longos períodos de tempo, às vezes pela vida inteira, e as famílias estão sempre diante de
desafios e da busca de integração. Corroborando com essa idéia, Diniz (1993) nos aponta que:

[...] se os pais são vistos como “benfeitores” aos quais se deve gratidão, o filho fica
impedido de viver e exprimir a sua agressividade, rivalidade e competição. Pais
excessivamente idealizados tornam demasiadamente culpabilizada a agressividade
do filho, com todos os efeitos nocivos que isso provocará no seu psiquismo. (DINIZ,
1993 citado em LEVINZON, 2004, p. 18).

104
Foi pensando nesses indicadores presentes nos fragmentos estudados que enviesaram o
encontro ou promoveram o desencontro com o filho adotivo que se construiu esse capítulo.
Assim, apresenta-se a seguir a análise das demais zonas de sentido que se destacaram nas
entrevistas com as famílias.

5.3 A relação entre as motivações, o altruísmo e a realidade vivenciados no processo de


adoção.

Em todas as famílias pesquisadas, tanto para os pais como para os filhos adotivos,
encontramos ambiguidade no processo de filiação. É sabido que essa ambivalência nos
sentimentos experimentados na relação afetiva, seja ela adotiva ou não, é esperada. Todavia,
observou-se que essa ambigüidade tornou-se “problemática” quando sua forte intensidade
passou a ser um modo de funcionamento, o que gerou intensificação de conflitos que
comprometeram a qualidade do vínculo e trouxe maiores dificuldades para a criança,
principalmente ao se ver incluída no imaginário parental como filha.

Essas ambiguidades apresentaram-se mais aguçadamente na primeira fase de


adaptação, que se refere aos dois primeiros anos de convivência, exceto nas F[1][D] e
F[2][D], que se estenderam durante toda a convivência familiar. Nestes dois casos
ponderamos que essas duas famílias não conseguiram transpor as dificuldades de adaptação.
Veremos mais adiante que além das ambiguidades outros fatores influenciaram na devolução
dessas duas crianças.

Vejamos como se apresentaram as ambiguidades nos processos de filiação e como isso


influenciou na relação afetiva das quatro famílias pesquisadas com seus respectivos filhos.

A F[1][D] apresentou ambiguidade pelo desejo de ajudar a criança a ter uma família
e o ter uma filha. A adoção nasceu muito mais da vontade da ajuda, com o intuito de salvar a
criança de sua má sorte de conviver em uma família violenta, agressiva e usuária de droga, do
que de uma necessidade ou desejo materno. Essa adoção também foi incitada pela mãe
biológica como uma obrigação. Observou-se que a mãe adotiva deu pouca importância à
história de sofrimento da filha, considerou que as perdas, as rejeições e os abandonos sofridos
por esta não foram motivos suficientes que justificassem seu desamor ou sua falta de afeto.
Essa vivência de sofrimento ganhou uma dimensão maior a medida que a criança começou a

105
apresentar situações de rebeldia a partir de atos ilícitos como: roubos, mentiras e fugas. O
principal argumento apresentado pela mãe adotiva foi o de que a filha nunca desenvolveu o
vínculo com a família adotiva, o que é contrariado pela expressão gráfica da criança, que em
vários momentos demonstrou ter afeto por essa família. Todavia, com um vínculo que
pareceu-nos não ter se concretizado em sua inteireza.

Não muito distante dessa realidade vimos que na F[2][D] essa ambiguidade também
esteve presente. A força motriz que moveu Janete a adotar não só Cláudia, mas outras
dezessete crianças perpassou o desejo da ajuda ao próximo. A mãe argumentou que não
efetivou o processo de adoção devido ao pai biológico de Cláudia, que lhe extorquia muito
dinheiro. Todavia, a requerente se contradisse quando decidiu-se pela devolução de apenas
um dos filhos, ficando com o outro, o qual é irmão de Cláudia. A devolução inseriu-se no
contexto de conflitos que repercutiram em agressões físicas e verbais entre ambas. Outro
argumento utilizado por Janete para devolução deveu-se à sua suspeita de a filha fazer uso de
drogas, o que é negado por Cláudia. Esta mencionou que sua convivência com a mãe sempre
foi conturbada, permeada de suspeitas infundadas e acusações, inclusive verbalizou que foi
considerada pela mãe como “bode expiatório”, responsável por tudo de errado que acontecia
na casa.

Uma possível hipótese que identificamos para justificar sua “rebeldia”, além da
transição da fase da infância para a adolescência, foi a insegurança que Cláudia desenvolveu
com a demora da finalização do processo de adoção. Outra hipótese seria o fato da dificuldade
de Janete lidar com a possibilidade de a filha estar fazendo uso de droga. A mãe vivenciou
essas dificuldades em sua história de vida, com a dependência do pai biológico, com o ex-
marido e os filhos biológicos que são ainda usuários de drogas. A drogadição da filha
apresentou-se nesse estudo, pelo que foi constatado na fala de Cláudia, como uma
conseqüência e não como uma causa do conflito.

Observamos também que o diálogo nessa relação familiar era pouco presente, o que
intensificou os conflitos entre mãe e filha, principalmente com a fase da adolescência.

Após ser entregue à VIJ, Cláudia rompeu o vínculo com essa família adotiva. Durante
a entrevista mencionou ter passado por um doloroso processo de rejeição, em virtude da
devolução e do rompimento do convívio com o irmão. Há de se ainda mencionar que tanto
mãe quanto filha demonstraram muita ambiguidade sobre as possibilidades de reaverem o
vínculo de filiação. Por um lado, Cláudia expressou saudades da família adotiva, todavia

106
também verbalizou que não tem intenção de morar novamente com Janete. Por outro lado, sua
mãe adotiva falou do perdão e da vontade que tinha de reencontrar a filha e do desejo de
continuar cuidando dela.

Essa necessidade de ambas buscarem o contato remeteu-nos à reflexão sobre


elementos de uma vinculação positiva, construída durante os quinze anos de convivência. A
figura materna apresentou-se aqui como necessária para continuidade do vínculo afetivo.
Pichon-Rivière (1986) descreve esse processo como uma espiral em constante movimento,
movido por fatores instintivos e motivações psicológicas, que produzem no indivíduo uma
pauta de conduta, capaz de incluir o vínculo interno e externo. Ou seja, Cláudia buscou a
partir de sua reestruturação social, no trabalho, nos estudos e na vinculação com outras figuras
de referência, como a psicóloga e a assistente social do serviço de acolhimento superar a
rejeição da mãe adotiva.

Talvez esse tenha sido o caminho encontrado para provar a essa mãe que conseguiu
apreender o lhe foi ensinado durante sua convivência e superar, pelo menos em parte, sua
rejeição. Cláudia rompeu em parte o ciclo de dependência afetiva, com essa mãe e rompeu
totalmente o ciclo de dependência econômica. Por outro lado Janete pareceu ser impulsionada
pela necessidade de perdoar a filha, esse perdão advém de sua crença religiosa, que é notória
em sua fala, mas também do seu desejo de ter a filha de volta em sua casa.

Na análise da F[3][AP], a adoção de Guilherme é incitada pelo desejo materno e


paterno de ter um filho. Dois motivos foram identificados para essa adoção: um sendo a
dificuldade de engravidar da mãe, todavia, não falaremos aqui de infertilidade, vez que a
família teve dois filhos biológicos, e outro motivo se deveu à necessidade da compensação da
frustração do pai adotivo por ter vivido sem sua mãe biológica, em um “orfanato”, durante
seus primeiros doze anos de vida.

Os pais projetam-se como responsáveis diretos pela felicidade do filho adotivo. No


caso do pai, entendemos como sendo uma forma encontrada para justificar sua supressão de
rejeição sofrida na infância, em virtude do seu abrigamento. A ambiguidade entre “ajudar uma
criança a ter uma vida digna” e realizar o “sonho” de serem pais por adoção perpassou
principalmente a primeira fase de adaptação com Guilherme, que foi marcada pela perda de
um dos filhos biológico e a adaptação com o “estranho”.

Não indiferente a isso, Guilherme absorveu a angústia da perda sofrida pelos pais e o
desejo de inserir-se como parte integrante nessa família. Aqui, identificou-se a ambiguidade
107
entre o desejo de demonstrar afeto e a necessidade de vivenciar o luto da perda do filho. A
inscrição de Guilherme nessa família deveu-se ao excesso de afeto voluntário direcionado aos
pais, pela cumplicidade matrimonial entre os pais e o apoio emocional buscado na religião.

Por último, não menos importante, observou-se que na F[4][AP] o desejo pela
maternidade foi notório na fala da mãe. O vínculo afetivo que perpassou essa relação filial foi
considerado forte, apesar de ainda não ter sido concretizado em sua inteireza. Todavia, a mãe,
na busca de preencher o vazio deixado pela família de origem da criança, buscou
incessantemente alimentá-la com informações referentes à sua origem. A filha, pela
expressividade do desenho, demonstrou angústia. A busca constante em responder sempre à
necessidade da filha pela busca de sua origem, sem ponderar o que lhe era possível, pareceu
angustiá-la.

Enquanto a expressividade dos desenhos possibilitou aferir hipóteses sobre a inscrição


dessas crianças em suas famílias adotivas, a fala das famílias viabilizou identificar os desafios
inerentes ao processo da construção da filiação. Veremos, a seguir, como isso influenciou no
processo de vinculação nos casos estudados.

5.4 A desvelação da família de origem como condição do vínculo

Contar a criança sobre a adoção constitui-se um dos temas mais sensíveis e


pertubadores para muitos pais adotivos. Quando falar? O que falar? Até onde ir? São
perguntas que angustiam muitos pais adotivos. A revelação sobre a família de origem da
criança implica em ter contato com as próprias motivações para a adoção e a incerteza do
desconhecido, como: a verdade sobre a história da criança adotiva, a existência de pais
biológicos de quem eles descendem, a experiência de rejeição e abandono da criança dividir é
muito importante assumir a própria infertilidade quando é o caso. Além do temor de perder a
criança ou dividir seu afeto com a outra família. Tudo isso se entrelaça com a solidez com que
este vínculo está sendo construído.

Todavia, quando os pais estão seguros quanto ao processo de adoção, a origem da


criança é encarada de forma natural, embora muitas vezes com muita tensão. O temor
exacerbado pode estar relacionado à projeção no filho de sua não aceitação inconsciente da
sua própria condição de pais adotivos.

108
Alguns autores como Levinzon (2004) e Schettini (2009) ressaltam a importância do
momento da revelação, que comparam a situações como um casamento ou um ritual de
passagem, e que podem servir para unir a família. Outros enfatizam que é uma experiência
que sempre deixa um “gosto amargo”.

Hamad (2010) sugere que se prepare um álbum com fotografias que representem uma
espécie de pequena reportagem com os pais adotivos: as fotos da maternidade ou do serviço
de acolhimento, onde estava a criança e do encontro com os pais adotivos. Para ele, a criança
deve poder manipular esse álbum tatilmente, quase como um brinquedo, que representa a
materialização do que se chamará: “nosso encontro contigo”.

Todavia, o importante não é o que se utilizará para contar essa história, mas o carinho
e a ternura com que será contada. Deve ficar claro que não é uma história na qual um herói
realiza feitos incríveis, e nem um mártir que sofre terríveis injustiças. É simplesmente a
história de pessoas que buscam uma às outras, procurando experienciar o sentimento tão
importante de estar inserido em uma família.

Nesse sentido há de se compreender, antes de tudo, a diferença entre “abandono e


rejeição”, para aquelas crianças que foram adotadas. Schettini (2009) tratou o tema abandono
como relacionado à privação de nutrientes que são indispensáveis à vida dessas crianças.

É notório ter claro que todo processo de adoção baseia-se de alguma forma em uma
experiência de perda ou rejeição. Há uma ruptura na experiência biológica da criança, que é
inegável, e que deixa marcas que influenciam sua auto-imagem e sua capacidade de se
vincular a outrem. A perda é acompanhada de um processo de luto relativo aos seus genitores,
que precisa ser elaborado antes de sua inserção em outra família.

Para Hamad (2010), esse processo de luto consiste:

[...] na descoberta de relance que não existe história boa ou má, mas uma história
singular. E toda história só e singular à medida que se chega a torná-la suportável.
Ela se mostra suportável a partir do momento em que o equívoco, como nos ditos
espirituosos, vem desfazer o domínio dos significantes que se congelam em uma
significação que nos causa vergonha, como por exemplo: “eu sou uma criança
adotada” (HAMAD 2010, p. 54).

Nesse contexto há de se fazer um paralelo com as famílias pesquisadas as quais


demonstraram dificuldades em lidar com essas histórias das famílias de origens dos seus
filhos adotivos. Nas F[1][D] e F[2][D] as famílias biológicas foram caracterizadas como
“complicada”e “usurpadora”, respectivamente. Já na F[3][AP]percebeu-se a dificuldade dos

109
pais adotivos em fornecerem informações ao filho, mesmo considerando a família biológica
do filho sensata ao “abandonar e rejeitá-lo”. Percebemos que a F[4] [AP] a todo momento
manteve a filha consciente sobre sua origem. Veremos a seguir uma breve apreciação sobre
cada família.

Para a F[1][D], a origem biológica de Isabel não é mantida como segredo. Ao


contrário, a criança demonstrou ter claro os motivos que levaram à sua adoção, esta
verbalizou sua dor em relação à sua origem, falou sobre as características agressoras,
violentas e omissas da família biológica. Todavia, a falta de elaboração desse “abandono e
rejeição” produziu em Isabel a dificuldade de relacionamento e aceitação da figura de
autoridade da mãe adotiva, que transferiu para a filha adotiva algumas características
apresentadas pelo genitor da criança, como furtos e violência física. A adotante pareceu
buscar nessa adoção prevenir a filha adotiva de uma violência, assim não se sentiria culpada.

Ressalta-se aqui que Joana passou por uma história familiar dolorosa, com a separação
dos seus pais e o falecimento de um irmão. Outro ponto importante de mencionar é que essa
mãe adotiva dependia financeiramente dos pais biológicos. Isabel apareceu em sua vida como
uma “luz no fim do túnel”, que a ajudaria transpor essas barreiras afetivas. No entanto, suas
dificuldades “internas” de elaboração da carência afetiva, parecem ter influenciado
diretamente nesse processo de vinculação com a filha. Em contrapartida a criança
demonstrou, a partir dos desenhos, ter afeto por essa família adotiva, porém com vínculos
fragilizados.

Já no caso da F[2][D], a adolescente em momento algum de sua entrevista menciona


ter tido acesso anterior a sua família biológica, apesar de a mãe adotiva ter mencionado que o
pai biológico de Cláudia a extorquia. O contato direto com essa família biológica aconteceu
depois que a adolescente foi acolhida no Abrigo Reencontro - ABRIRE. Após completar
dezoito anos, não tendo para onde ir, a adolescente foi morar com os pais e os outros cinco
irmãos biológicos. Nesse caso, a família biológica apareceu como última opção. Por quê?
Talvez por falta de programas sociais que atendam em especial a esse público adolescente,
que após completar dezoito anos nos serviços de acolhimento não tem para onde ir. Retornar à
família de origem com a qual não mantinha contato desde a infância significou, na fala da
adolescente uma “falta de perspectiva”. Outro aspecto a se considerar foi a quebra do vínculo
que a adolescente sofreu com a separação do irmão biológico que continuou morando com a
mãe adotiva. Esse vínculo parece ser o que impulsiona Cláudia buscar uma aproximação com
a família adotiva.
110
Por outro lado na F[3][AP] a família biológica não é acessada, a não ser na figura da
irmã que também foi adotada com a qual Guilherme mantém contatos esporádicos. Os pais
adotivos verbalizaram desconhecer o paradeiro dessa família, mas mencionaram que não
buscaram essas informações nos arquivos da VIJ. Guilherme traz esse vazio na expressão dos
seus desenhos, mesmo se sentido acolhido na família adotiva. A criança manifestou sua
angústia, ainda que de forma tímida, através do questionamento aos pais adotivos sobre o
abandono sofrido pela mãe biológica. Schettini (2009) aponta que o desejo pela busca
inconstante da origem do filho adotivo deve ser respeitado, mesmo que seus responsáveis não
encontrem respostas para suas várias perguntas:

[...] há reivindicações que esbarram em impossibilidades de natureza histórica como,


por exemplo, a pesquisa de elementos que revelem aspectos significativos de sua
origem. Pedagogicamente é fundamental assumirmos uma atitude de disponibilidade
na busca, independente da possibilidade de qualquer sucesso. É importante entender
a emergência do desejo, mesmo que não enxerguemos os caminhos para chegar até
ele. (SCHETTINI, 2009, p. 105)

Observou-se que no caso de sua irmã F[4][AP], esta foi muito exposta às informações
sobre a família biológica, tanto que nos desenhos demonstrou ansiedade em ter contato com a
mãe e os outros dois irmãos biológicos. Percebeu-se pela fala da mãe um movimento contínuo
na busca de informações sobre o paradeiro da família biológica. Houve um cuidado por parte
dessa mãe em tentar resgatar todas as informações pertinentes à origem da filha. Todavia,
Schettini (2009) nos alerta sobre o cuidado que deve ser dado sobre a exposição demasiada da
verdade ao filho adotivo. Para o autor, a pedagogia da adoção nos indica que é necessário
apresentar ao adotivo o que se considera indispensável, deve-se cuidar para não impor o que
ele ainda não deseja encontrar.

Observou-se também que essa mãe se envolveu mais que a F [3] [AP] na tentativa de
colocar os irmãos adotivos em contato, houve um respeito à convivência de ambos. Ao
contrário do que aconteceu com a F[3][AP], que pareceu-nos não ter segurança sobre essa
aproximação entre os irmãos. Todavia, o principal motivo levantado por essa família para não
investir na convivência dos irmãos foi a falta de orientação profissional para lidar com a
questão da homossexualidade da mãe adotiva de Guilherme.

Esse paradoxo da filiação entre saber a verdade e mantê-la desconhecida é inerente a


qualquer filho adotivo. O filho adotivo nunca deixará de buscar sua “verdade”, que para
Lévy-Soussan (2010) significa:

111
[...] a busca de um sujeito que não se situa num corpo, nem numa verdade biológica,
nem nos genes, e sim no seu psiquismo, é uma constante. Ali são vividos estados de
sofrimento, de dúvida, de questionamento para o sujeito que se interroga sobre os
vínculos que o unem a seus próprios pais. A verdade da filiação em um sujeito é
singular. Ela se fala e se diz em relação à vivência daquele que se conta. A filiação
se constrói nessa auto-narração que busca ligar o sujeito a sua família. (LÉVY-
SOUSSAN, 2010, p. 88, citado em TRINDADE-SALAVERT, I (Org.).

Dentro desse contexto, observamos que nas F[1][D], F[2][D] e F[3][AP] a falta de
diálogo e de disposição afetiva dos adultos em se aproximarem das crianças intensificaram os
conflito. Isso representou elementos significativos na transposição dos vínculos de filiação.
Por outro lado, na F[4][AP] o diálogo e o acolhimento das dúvidas da criança proporcionaram
uma maior vinculação afetiva à família adotiva.

5.5 A criança imaginária e a criança real

Conforme indicado no início desse capítulo, as motivações que levam à adoção são
inúmeras. Todavia, o desejo de se ter um filho só surge da criança imaginária criada pelos
pais adotivos. Para Levinzon (2004) esse desejo surge quando a criança imaginada está a
frente da empreitada familiar.

[...] pode ser o órfão a ser procurado, porque a pessoa desde pequena disse que iria
“ajudar um órfão”, ou ainda a menininha sonhada, com quem se poderá reviver e
tentar reconstruir detalhes de uma infância passada, ou então o herdeiro, que
prolongará o nome da família. Aos poucos, essa criança que habita o imaginário dos
pais passa a ter um rosto, uma identidade. A criança imaginária não corresponderá à
criança real. (LEVINZON, 2004, p.43).

Para a autora, a evolução desse processo de adoção é acompanhada por uma


acomodação progressiva ao que a realidade oferece, com suas perdas e ganhos em relação ao
que havia sido sonhado anteriormente.

A chegada de um filho é carregada de expectativas, principalmente nos primeiros dois


anos de adaptação, conforme sustenta Schettini (2009), momento em que esses pais mais
investem emocionalmente e fisicamente na concretização do desejo pelo filho que, por sua
vez, em alguns momentos da convivência podem não corresponder a essas expectativas.
Vimos isso muito presente na fala da F[4][AP], quando a filha se vê sem espaço para
verbalizar o que gosta de comer.

112
Muitas pessoas levam para casa uma criança exausta, assustada, desorientada e doente.
Isso não combina com a pintura perfeita que imaginaram. No entanto, pais adotivos podem
apresentar uma dificuldade maior em expressar seus desapontamentos como: “eu gostaria que
tivesse sido um menino” ou “eu estava imaginando um bebê calmo” ou “eu não posso
acreditar que a cor de seu cabelo não é igual ao meu”. Eles podem sentir que só lhes cabe a
expressão da gratidão pelo que receberam e que os sentimentos de frustração normais
estragariam um cenário frágil e vulnerável.

Levinzon (2004) defende que quanto mais os pais estiverem conscientes de que podem
haver diferenças na criança que esperam, e que a adoção apresenta desafios que lhe são
inerentes, mais estarão preparados para conviver com a criança de acordo com a sua
especificidade. Defende ainda que os sentimentos e expectativas dos pais têm influência
determinante na formação da personalidade dessas crianças.

A autora incita a idéia sobre a fantasia do roubo da criança imaginada pelos seus pais
adotivos, onde eles sentem como se tivessem “surrupiado” a criança e a qualquer momento
pudesse surgir alguém que reclamasse a posse dessas crianças. Para ela essas fantasias podem
estar relacionadas a:

Conflitos edípicos não resolvidos, ligados aos desejos inconscientes e infantis de


“roubar os bebês da mamãe e do papai”. A sensação de uma parentalidade “ilícita”
nestes casos permanece como um pano de fundo inconsciente que influencia todas
as relações familiares. Os pais podem adotar comportamentos extremamente
cuidadosos e desafiados, ou desenvolver um medo extremo de perder a criança.
(LEVINZON, 2004, p.46).
Ela também propõe pensarmos sobre a fantasia do “romance familiar”, a qual ocorre
tanto para os filhos biológicos como para os filhos adotivos. Para as crianças que são criadas
pelos seus pais biológicos, essas fantasias podem ser consideradas uma brincadeira, um jogo
prazeroso de imaginação. Já para a criança adotiva o romance familiar se entrelaça com uma
realidade vivida. Nesse último caso a criança, de fato, possui dois casais de pais, um biológico
e outro adotivo. Desenvolver este tipo de fantasia implica lidar com o fato de ter tido pais que
a geraram, mas que também a deixaram. Os sentimentos de luto, rejeição, dor e
incompreensão podem vir a tona, assim como o medo de que os pais adotivos se ofendam de
tal maneira que os confrontem com um novo abandono.

Por outro lado, a criança adotiva também pode fantasiar que ter continuado com seus
pais a teria feito mais feliz. Para Levinzon (2004), esse tido de fantasia apresenta-se como
dolorosa aos pais adotivos, principalmente quando seus sentimentos de vinculação parental e
suas angústias com relação ao processo de adoção não estão bem elaborados.
113
O grande desafio que se apresenta nestes casos é não confundir uma dimensão
fantasiosa por parte da criança com a realidade. Por isto, é importante que tenham
uma boa noção sobre o desenvolvimento infantil e do que é normalmente esperado
em uma criança. Em função dessas dificuldades dos pais, o filho adotivo pode se ver
privado da possibilidade de construir e expressar fantasias defensivas do tipo do
“romance familiar”. Nesses casos, a relação com a realidade torna a fantasia um
elemento demasiadamente agressivo e ameaçador.
(LEVINZON, 2004, p. 67).
Essa teoria coaduna com a fala das famílias pesquisadas, conforme podemos visualizar
a seguir.

Na F[1][D] os conflitos apareceram nos primeiros anos de convivência. No momento


em que Joana saiu da figura de madrinha e inseriu-se na posição de mãe. A fantasia de que
receberia uma criança “boazinha” esteve presente na fala dessa mãe. Talvez ela não tenha
dado a real importância à história de sofrimento vivida pela “filha” no que tange aos vários
“abandonos” sofridos por esta, na família biológica e, ainda, principalmente, talvez não tenha
havido amor suficiente nessa relação filial. Como dar limite se não houve amor na construção
do vínculo? Hipoteticamente pode-se dizer que a não elaboração por parte da mãe da
maternidade com a filha foi um indicativo que contribuiu para o desgaste na construção da
relação filial. A forma encontrada pela criança de manifestar suas angústias foi ameaçando
seu irmão. O ciúme que Isabel demonstrou ter com a chegada do irmão não pareceu ter
características patológicas, mas na verdade ser de ordem natural, considerando a idade de
transição entre a infância e a adolescência vivida por Isabel e a fragilidade do vínculo de
filiação entre ela e sua mãe adotiva. Para Levinzon (2004):

[...] no contexto da adoção vivências dramáticas de privação, sentimentos de


abandono, falta de continência psíquica, rejeição inconsciente dos pais adotivos,
situações de separação repetidas contribuem para o estabelecimento de um estado
interno de desvalia e desequilíbrio (LEVINZON, 2004, p. 100).
Não muito distante dessa realidade observou-se que na F[2][D] a idealização de
encontrar em Cláudia a filha desejada perpassou o imaginário de Janete não só nos primeiros
anos de convivência, mas durante todos os quinze anos em que estiveram juntas, inclusive
após a devolução. Os conflitos se intensificaram na adolescência da filha, momento em que
esta refutou a rigidez imposta pela mãe adotiva. Janete reproduziu com os filhos a rigidez
recebida em sua criação. Nesse contexto familiar a negociação, principalmente na fase da
adolescência de Cláudia, pareceu inexistente. Além dessa rigidez, outro fator que contribuiu
para intensificação dos conflitos foi a falta de uma comunicação nítida entre mãe e a filha. A
mãe de forma mais acusativa recriminou a filha por não querer receber seu carinho e por não
aceitar suas ordens, por outro lado a filha dispensou críticas à mãe pela sua incompreensão,
aspereza e agressões físicas ocorridas durante sua convivência.
114
Essa “disfunção” na F[2][D] pode ser explicada pela teoria sistêmica como um
momento que requer adaptação. Minuchin (1982) considera que nessa fase a relação entre o
filho e os pais é perturbada, principalmente em si tratando da relação mãe-filha. Segundo esse
autor a mãe pode resistir a qualquer mudança em sua relação com o adolescente, inclusive
pode atacar sua autonomia, a qual é intrínseca ao desenvolvimento. O autor coloca ainda que,
quando não há mudança na estrutura familiar, a tendência é surgirem configurações
disfuncionais, que se repetirão a cada vez que se apresentar um novo conflito.

Assim, a filha passou da expectativa idealizada, para a “desadaptada” e “desajustada”,


o que levou à sua devolução. É importante lembramos aqui que os dois filhos biológicos nessa
família passaram também por essa fase de “desorganização”, inclusive fazendo uso de drogas,
no entanto, não foram “devolvidos” ou separados da família. O que nos instiga a pensar que
no caso da filha adotiva, a construção do vínculo de filiação desde o início foi frágil.

Já na F[3][AP] o fator estressante para adaptação do novo membro à família foi sua
incensante solicitação de carinho e atenção, normal à fase de desenvolvimento infantil. Os
pais idealizaram um filho que não requeresse muito sua atenção e seu afeto. O anseio de
contato com a família biológica também pareceu algo que incomodou a família adotiva. A
família também verbalizou a idealização de um filho recém-nascido que pudesse ser moldado
a seus costumes, todavia a mudança de perfil surgiu como um atrativo para agilização do
processo. Todas essas variáveis suscitaram a reflexão sobre a necessidade de uma preparação
adequada à família antes e durante o processo de adoção. Isso será tratado no item seguinte.

Na F[4][AP] observou-se que o desejo pela adoção da mãe adotiva foi trabalhado
antes e durante o processo de filiação e compartilhado a todo o momento com a companheira
e toda a família extensa. As diferenças físicas e a idade da criança não se constituíram em
dificuldades encontradas no processo de filiação. Apesar de a criança não ter sido preparada
para inclusão em uma família adotiva, ela encontrou espaço nessa família para expressar seus
anseios e medos, o que contribuiu significativamente para sua vinculação afetiva.

5.6 A preparação da(s) criança(s) e do(s) requerente(s) para adoção, a partir da


viabilização institucional

115
No que consiste uma boa preparação para a criança que está cadastrada para adoção e
para as pessoas que pretendem adotar? Essa indagação perpassou todos os discursos das
famílias entrevistadas e a análise dos desenhos dos respectivos filhos adotivos. De forma que
exigiu-nos uma reflexão mais aprofundada sobre o assunto. Salienta-se que não foi
intenção chegar a uma receita básica sobre como preparar crianças e pais para o verdadeiro
encontro de filiação. O objetivo maior foi mostrar os indicadores que viabilizaram o encontro
filial, apresentados pelos próprios sujeitos entrevistados, no que se refere à preparação para
adoção.

Para isso, foi notório considerar que o sucesso da adoção também esteve inscrito na
efetiva elaboração do luto da criança em relação à sua família biológica. Insistimos na tese de
que uma criança não pode ir para adoção sem antes saber o que está acontecendo com ela,
sem antes ter claro que sua família de origem não é mais sua família legal, mas que essa
mesma família pode permanecer dentro dela afetivamente.

Por outro lado, entendemos que a família também precisa compreender um pouco
mais sobre a criança, precisa saber um pouco mais sobre a história de vida que ela traz, saber
o que ela vai precisar, que tipo de acolhimento será necessário oferecer, quais são os desejos e
os sonhos dessa criança. É imprescindível que tanto a criança como a família se conheçam
minimamente antes do encontro concreto.

A Lei 12.010/09 trouxe um avanço em termos de reflexão sobre adoção, pois passou a
exigir que os candidatos a pais por adoção passem pelo processo de preparação. Todavia, a lei
coloca isso antes do estudo psicossocial. Isso ainda continua sendo um entrave, pois o espaço
de tempo entre esse preparo, o estudo e o acolhimento de uma criança na família adotiva é
muito extenso, salvo raras exceções. Isso continua interferindo no distanciamento do que é
trabalhado nos programas de preparação para adoção e no que a família vive em seu encontro
real com a criança adotada. Talvez um acompanhamento mais sistematizado no estágio de
convivência possibilitasse a essas famílias lidar com seus anseios e medos quando a criança
imaginada se torna real. Entendemos aqui que o processo ideal de adoção necessita de dois
momentos, o que antecede o psicossocial, e o que antecede à ida da criança para essa família.

Esta questão é bastante complexa, coordenar as necessidades dos pais e das crianças
representa um constante desafio para os profissionais que lidam com o tema, pois requer tanto
do Judiciário como do Executivo, uma sensibilização sobre a causa. Além disso, requer ações
pontuais, como: contratação de mais profissionais preparados sobre o tema para efetivação

116
dos programas de adoção: aumento no quadro funcional do Judiciário para realização dos
estudos psicossociais; contratação de profissionais preparados nos serviços de acolhimento,
visando uma preparação da saída da criança mais grupos terapêuticos com espaços para
discussões das demandas reais que a criança apresenta após o acolhimento na família adotiva,
e sobretudo, ações processuais que ultrapassem os entraves burocráticos.

Sobre o último ponto indicado acima, Winnicott (1999) afirma que a demora pode ser
séria e destruir um bom trabalho, de modo que quando os pais recebem a criança, muita coisa
já aconteceu na vida dela. A demora e os adiamentos, quando os pais já estão prontos, podem
fazer com que estes percam a disposição especial no momento certo para os cuidados com a
criança. Lenvizon (2004) corrobora com essa idéia quando afirma que:

[...] é comum os pais receberem um bebê que teve cuidados inadequados antes de
ser adotado, e como resultado pode-se dizer que eles não apenas receberam um bebê,
mas também um “problema psicologicamente complexo”. O grau de perturbação
ambiental que a criança sofreu antes da adoção influencia sobremaneira o seu
desenvolvimento emocional e possibilita uma estimativa quanto à futura necessidade
de um acompanhamento profissional (LEVINZON, 2004, p.22).
A autora complementa que quando a criança passou por privações ambientais
importantes e sua história inicial não foi suficientemente boa em relação à estabilidade
ambiental é necessário que os requerentes tenham clareza sobre a demanda afetiva que essa
criança demandará deles. Nesse sentido é imprescindível que os pais sejam alertados, pois o
cuidado com essa criança, a qual exigirá deles mais do que um simples cuidado básico, a
persistência do afeto é que determinará a qualidade do vínculo de filiação.

A partir desse contexto propomos uma reflexão sobre aquilo que as famílias e
respectivos filhos adotivos disseram sobre a preparação durante o processo de adoção.

Observou-se que todas as crianças, participantes desse estudo não foram preparadas
para adoção. Todavia, ressaltamos que a criança da F[1][D] e a da F[4][AP] receberam
atendimento terapêutico particular depois da efetivação do processo de adoção. Todas as
crianças, inclusive aquelas que se encontraram integradas afetivamente à família adotiva, não
conseguiram transpor o vínculo da família biológica para família adotiva em sua inteireza.
Para aquelas que continuaram com suas famílias adotivas, vemos que essa transposição está
se dando gradativamente no ritmo pessoal de cada filho adotivo.

Para Schettini (2009) a transposição do vínculo afetivo é a tarefa mais delicada vivida
pela criança, porque implica que ela saiba com clareza sobre sua família biológica e os
motivos que levaram à sua adoção.

117
É preciso levar em conta o risco que a criança vive ao se perceber cada vez mais
distante da sua origem (pais biológicos) Tal situação poderá produzir o rompimento
sem que ainda o novo vínculo afetivo com a família substituta esteja consolidado. O
arrojo do trapezista que se lança para agarrar-se às mãos do seu parceiro ilustra bem
o sentimento de ameaça contido na transposição afetiva que consiste no espaço, por
menor que seja, entre soltar-se do seu trapézio e sentir-se seguro nas mãos do
companheiro (SCHETTINI, 2009, p.58).
Nesse sentido é que se faz imprescindível a preparação da criança e da família, pois
ambas as partes se encontram envolvidas emocionalmente em demasiado para ponderar sobre
os desafios inerentes ao processo da filiação adotiva. A falta de preparo pode se transformar
em uma armadilha nos momentos de conflito e desestabilizar o que já foi construído ao longo
do convívio familiar e levar ao fracasso da adoção.

As famílias entrevistadas foram claras ao verbalizarem sobre a ausência da preparação


em seus processos e as dificuldades ocorridas em função disso na convivência com o filho
adotivo. Veremos como se processou essas dificuldades a seguir.

No que tange à F[1][D], esta se queixou em ter recebido orientação ineficiente do


Conselho Tutelar, Escola, Rede de Saúde e VIJ. A questão central é: que tipo de orientação
essa mãe procurou nessas redes sociais? Ela procurava ajuda ou argumentos para não ficar
com a filha? Vimos a partir da fala da mãe adotiva que no Conselho Tutelar, buscou registrar
as desavenças com a filha, em uma tentativa frustrada em repreendê-la dos seus atos
“inadequados”. Na escola procurou nos professores e colegas da filha, comprovar suas
invenções fantasiosas, com isso buscava aliados, que comprovassem que a filha não era
“normal”. Na saúde buscou acompanhamento psiquiátrico, uma vez que já tinha internalizado
que a criança apresentava algum transtorno mental. E no Judiciário buscou encaminhamentos
para saúde, especificamente tratamento psiquiátrico e psicoterápico. Argumentou não ter
encontrado nenhuma ajuda, por isso a devolução.

Vimos que a F[1][D] teve dificuldade em expressar em todas as instâncias que


procurou ajuda sua real necessidade em lidar com a filha. Todos os encaminhamentos e
orientações recebidos soaram para a mãe como equivocados. Essa certeza que a mesma traz
para expressar a falta de apoio afirma nossa hipótese de que essa vinculação entre mãe e filha
foi construída em uma base frágil e ausente de afeto, permeada pela falta de diálogo,
principalmente.

Por outro lado, a F[2][D] disse ter recebido orientações do Judiciário para devolver a
filha devido os “problemas” causados por ela. Porém, disse ter buscado nessa devolução uma
alternativa para que a filha fosse encaminhada para uma clínica de desintoxicação. Todavia, a

118
mãe não disse ter procurado ajuda na saúde, antes da devolução. Outra contradição da fala
dessa mãe é que ela mantém financeiramente um filho adotivo dependente químico fora de
sua residência, que inclusive tem dezessete anos. Por que pedir o acolhimento institucional de
um e do outro não? Incitamos mais uma vez a não concretização da filiação adotiva nessa
relação entre mãe e filha, que inclusive não foi mesmo efetivada judicialmente.

Em contrapartida, faltou a essa filha orientação sobre seus direitos. Ela foi
encaminhada para o serviço de acolhimento e depois passou por uma clínica de
desintoxicação. Após completar dezoito anos, foi encaminhada para o mercado de trabalho e
não recebeu nenhuma orientação da Justiça ou outro serviço de defesa da criança e do
adolescente sobre seus direitos adquiridos após conviver quinze anos com a família adotiva.
Entende-se que mesmo que o processo legal não tenha sido concluído, a mesma poderia ter
recebido apoio financeiro da família adotiva, após devolução, já que o apoio afetivo não foi
possível.

Já a F[3][AP] mencionou ter recebido uma orientação positiva do Setor de Adoção da


VIJ no momento em que os procurou para devolver o filho. A família se mostrou muito
agradecida pela orientação, porém mencionou que deveria ter mais atendimentos para os pais,
antes, durante e após o processo de adoção. Mencionaram não saber lidar com a questão da
homossexualidade da família de Júlia, por exemplo.

Por fim, a F[4][AP] pareceu bastante estruturada para adoção, devido o vínculo
externo desenvolvido em seu processo psicoterápico. Disse não ter recebido orientação da
VIJ, recriminou a burocracia e a discriminação sofrida devido sua opção sexual.

Outra característica importante fez referência à preparação em relação à família


extensa. Tanto na F[1][D] como na F[2][D], as famílias extensas não foram consultadas nem
informadas sobre o desejo da adoção. Enquanto que nas F[3][AP] e F[4][AP] as famílias
extensas deram suporte afetivo antes, durante e após o encerramento do processo de adoção.

Importante ressaltar que as F[1][D] e F[2][D] não estavam habilitadas na VIJ, tendo
assim esta adoção caráter intuitus personae, enquanto que as F[3][AP]e F[4][AP], passaram
por todos os trâmites legais da adoção.

Todas as adoções citadas acima aconteceram antes da aprovação da Lei 12.010/09, o


que viabilizou a adoção intuitus personae nos dois primeiros casos. Os vínculos externos com
a equipe psicossocial da VIJ para as famílias: F[1][D] e F[2][D] e F[4][AP] foram negativos e
para a F[3][AP] perpassou entre o positivo e o negativo, uma vez que esses operadores do
119
direito orientaram sobre a permanência da criança com a família, durante a primeira fase de
adaptação, momento em que esta passou por uma perda dolorosa e teve dificuldades com a
chegada da criança, porém a mesma Vara não ensejou esforços suficientes na orientação a
essa família sobre a vinculação e manutenção do vínculo dos irmãos adotados em separado,
deixando a cargo das famílias F[3][AP] e F[4][AP] decidirem sobre a manutenção desses
contatos. Faltou segurança à F[3][AP], a qual inclusive fantasiou a possibilidade de perder
afetivamente o filho para F[4][AP], algo que merecia atenção da equipe psicossocial da
Justiça.

As F[1][D] e F[2][D] buscaram no serviço de acolhimento uma alternativa para se


livrar do “problema” que as filhas causavam. Por outro lado, as F[3][AP] e F[4][AP] viram o
serviço de acolhimento incapazes de proporcionar afeto e sustentar cuidados essenciais para o
bom desenvolvimento dos filhos.

5.7 Vínculo familiar estendido

É notório salientar a importância que a família extensa tem no processo de adaptação


de um filho adotivo. A filiação adotiva não se restringe aos pais, mas se estende aos avós,
primos, tios e amigos. Uma criança é adotada por duas famílias, às vezes até mais, quando
isso inclui os amigos. Os avós, tios, primos e amigos da família adotante, têm um papel
fundamental no processo evolutivo de introjeção dos hábitos, costumes, tradições e na
transposição dos vínculos de filiação da criança a sua nova família, principalmente em se
tratando de adoções tardias.

Schettini (2009) orienta-nos que quanto mais amplo for o reconhecimento da interação
da criança adotada na família, mais segura ela se sentirá em face do sentimento de abandono,
que traz dentro de si.

Nesse sentido, entendemos que a não aceitação da criança está relacionada a uma série
de fatores, dentre eles destacamos os que mais apareceram nas famílias pesquisadas: a
interrupção da linhagem, a história pregressa da criança como fator determinante de seu
caráter e, por último, não menos importante, a ameaça do desconhecido e a aceitação das
diferenças.

120
Outras pesquisas que já foram realizadas com pais adotivos de várias partes do Brasil,
como é o caso da de Ebrahin (1999, citado em SCHETTINI, 2006, p.173), que entrevistou 81
pais adotivos e a de Weber (2001, citado em SCHETTINI, 2006, p. 173) com 240
participantes, constataram que o apoio dos familiares e dos amigos foi considerado um fator
decisivo para o sucesso da adoção. Nesse sentido é que reafirmamos mais uma vez que um
dos fatores que favorece o sucesso da adoção é o apoio recebido por sua rede social primária.

Culturalmente, os “laços de sangue” têm um grande valor. O desejo de se ver no outro,


através da genética, pode estar relacionado ao sentimento de permanecer vivo, mesmo após a
morte. De certa forma o filho adotivo, vem frustrar essa expectativa, embora posteriormente,
salvo raras exceções, descobre-se que as marcas genéticas não se sobrepõem às afetivas.
Todavia, enquanto permanecer esse desconforto, o filho adotivo não se sentirá incluído na
nova família.

A experiência tem mostrado que a convivência com o filho adotivo acaba por
contagiar a família extensa, as próprias crianças se encarregam de minar a resistência a sua
aceitação. Hamad (2010) argumenta que quando isso não acontece é necessário que os pais
adotivos assumam a defesa do filho adotivo, limitando seu contato com a família extensa, no
intuito de evitar constrangimentos e discriminação.

Dentro desse contexto observou-se que uma das dificuldades encontrada pela mãe
adotiva da F[1][D] foi a falta de clareza em aceitar a importância da família extensa,
principalmente a falta do envolvimento da avó materna adotiva que residia na mesma casa.
Nesse caso, a família extensa também não foi informada previamente do desejo pela adoção,
mesmo porque esse talvez não tenha existido realmente. A recusa pela adoção persistiu
durante os cinco anos de convivência e a mãe adotiva nunca reagiu as discriminações e
preconceitos dispensados por essa família extensa à filha.

Uma hipótese identificada neste caso foi a fragilidade com que foram construídos os
vínculos de filiação nessa família. Observou-se que a relação afetiva entre mãe e filha adotiva
praticamente não existiu. A avó materna adotiva, por sua vez, tinha grande dificuldade em
interagir de forma afetiva com sua filha e a neta adotiva, devido à perda sofrida do filho
biológico. O luto dessa perda parece não ter sido elaborado por essa família. Nos desenhos
que a criança elaborou, o afeto apareceu de forma fragmentada, foi possível visualizar essa
hipótese na observação das pessoas que estavam distantes umas das outras, e sem partes do
corpo como, por exemplo, um dos braços, no desenho cinco.

121
Não muito distante dessa realidade observou-se que na F[2][D] a família extensa,
incluindo os outros filhos adotivos, não foram consultados sobre a adoção. Na fala da
adolescente essa mesma família a aceitou. Todavia, devido à rigidez da mãe adotiva, a família
extensa não interferiu em sua devolução. Corrobora com essa hipótese a teoria de Minuchin
(1982) quando o autor defende que famílias muito rígidas buscam a todo preço manter um
status quo inatingível, pois vivem com muita dificuldade os períodos que exigem mudança e
maturação. Para ele “[...] às famílias organizadas rigidamente muitas vezes se apresentam
como não precisando ou não querendo qualquer mudança na família. Os padrões transacionais
preferidos são mantidos inflexivelmente”. (MINUCHIN, 1982, p. 219).

Essa dinâmica estava perceptível na fala da mãe adotiva de F[2][D]. Por outro lado,
observou-se que o vínculo interno e externo desenvolvido pela adolescente com essa família
foi um dos fatores que a ajudaram a superar as dificuldades da devolução.

Já nas F[3][AP] e F[4][AP], identificamos um apoio positivo das famílias extensas,


principalmente no segundo caso, em que a família da mãe adotiva e de sua companheira
adotaram de forma plena a criança. Essa afirmação foi comprovada pelo segundo desenho da
criança, a qual representou graficamente toda a família, inclusive aqueles que não moravam
em sua residência. Nesse caso, a criança demonstrou estar integrada a nova concepção de
família homoafetiva. Nessas duas famílias havia diálogo entre os requerentes e os membros
internos e externos da família e eles puderam participar ativamente do desejo pela adoção.

5.8 A devolução: o silêncio dos pais versus o sofrimento dos filhos

Entendemos aqui como silêncio o mais íntimo e doloroso dos sentimentos vivenciado
pelas famílias pesquisadas, e tantas outras que vivenciam o desencontro no processo de
adoção. Talvez a maior dor dessas famílias esteja no “fracasso” em não conseguirem transpor
as barreiras dos seus anseios pessoais.

Quando uma adoção não dá certo é necessário pensar nos motivos que levaram essas
famílias ou respectivos filhos a não processarem o verdadeiro encontro. Poderemos então
visualizar não apenas uma resposta, mas várias. Em geral, a primeira coisa que pensamos é
quem foi o culpado da devolução e não quais os motivos que suscitaram esse desencontro.

Na F[1][D] observamos que o silêncio da mãe se caracterizou em forma de alívio a


partir da devolução da filha e das acusações à rede de apoio, enquanto que para a criança esse
122
silêncio caracterizou-se em forma de sofrimento visto na expressividade dos seus desenhos.
Todavia, a criança demonstrou manter vivos alguns planos feitos com a mãe adotiva. O que
representou uma possibilidade de uma aproximação com essa.

No caso da F[2][D] observamos que a mãe, em uma tentativa de justificar seu ato de
devolução, culpa a filha pelo fracasso da adoção. Na teoria do vínculo de Picnhon-Rivière
(1986) esse tipo de vínculo é denominado como paranóico, o qual se caracteriza por
reclamações e desconfiança constante do outro. Todavia, a filha não se viu nem no papel de
vítima, nem no papel de acusadora da mãe adotiva. Pelo contrário, sua narrativa caminhou
para a tese de que o encontro filial não foi possível porque ela tinha um pensamento diferente
do de sua mãe. No entanto, verbalizou um profundo sofrimento por não mais conviver com
seu irmão biológico que continuou morando com a mãe adotiva.

Nesse caso, observamos a partir da teoria do vínculo de Pichon-Rivière (1986) que


Cláudia encontrou suporte para superação da “rejeição” da mãe adotiva em dois tipos de
vínculo: interno e externo, desenvolvidos durante sua convivência com a família adotiva e
após sua devolução para o serviço de acolhimento. Para clarear essa afirmação, nos
reportamos a teoria do vínculo de Pichon-Rivière (1986), a qual trabalha o conceito de
vínculo interno como aquele que é condicionado pelos aspectos externos e visíveis da conduta
do sujeito. Para ele o processo de aprendizagem da realidade externa é determinado pelos
aspectos ou características obtidas da aprendizagem prévia da realidade interna, a qual se dá
entre o sujeito e seus objetos internos.

Hipotetizamos, então, que a vinculação afetiva com a mãe adotiva, com o irmão
biológico e com as pessoas de referência no serviço de acolhimento, mesmo imbuídas de
conflitos, foram fundamentais para o crescimento pessoal de Cláudia e o enfrentamento da
devolução.

Buscamos novamente em Schettini (2009) uma forma de entendermos a singularidade


do processo de adoção. Para ele as armadilhas do amor estão no fato de querermos aprisionar
as pessoas. “[...] há quem aprisione o filho para forjá-lo segundo seus desejos pessoais”.
(SCHETTINI, 2009, p. 78). Todavia, observamos na F[3][AP] e na F[4][AP] que as crianças
foram amadas, independente das diferenças e dificuldades que apresentaram durante a
convivência diária com a família adotiva.

Então, é possível considerar que nos dois casos F[3][AP] e F[4][AP] um dos
indicadores que evitou a devolução pode estar fundamentado no olhar cuidadoso,
123
desenvolvido pelos pais, em relação aos medos que os filhos demonstraram na relação de
filiação. O estabelecimento da relação afetiva e o apego seguro aos pais adotivos tornaram-se
um alento para o filho adotado, preenchendo assim as lacunas deixadas pelas perdas do
vínculo inicial de suas origens.

Vimos que algumas vezes as incertezas dos pais adotivos se confundiram com a dos
filhos. Algumas vezes essas dores atingiram mais a uns que a outros, principalmente pelo
sentimento de impotência presente, também nas falas das F[3][AP] e F[4][AP]. Todavia, pelo
afeto e diálogo foi possível superar esses desafios.

Assim, pensar o quanto as experiências humanas particulares são cumulativas e


enriquecem a convivência de uns com os outros, dá-nos a oportunidade de refletir o que o
Pequeno Príncipe nos ensinou: “só se vê bem com o coração, pois o essencial é inacessível
aos olhos” (SANT-EXUPÈRY, 2000, pg. 30). Tal pensamento norteia em relação à
importância que devemos dar ao não dito pelas famílias adotivas e seus respectivos filhos.

124
CAPÍTULO 6

CONSIDERAÇÕES FINAIS

6. Encontros e desencontros nos processos de adoção

A compreensão da vinculação afetiva na adoção teve como aporte teórico a teoria


familiar sistêmica e a teoria do vínculo de Pichon-Rivière (1986). Essas duas teorias
viabilizaram entender o processo de adoção pela análise dos vínculos internos e externos
desenvolvidos no processo de filiação. Além disso, as análises dos discursos e da
expressividade das crianças contaram com a leitura prévia de algumas bibliografias que
circunscrevem o tema da adoção.

A partir do entendimento teórico foi possível o aprofundamento das zonas de sentido


comuns a todos os sujeitos entrevistados, que se desenvolveram na seguinte ordem: o desejo e
sua falta; a relação entre as motivações, o altruísmo e a realidade vivenciadas no processo de
adoção; a desvelação da família de origem como condição do vínculo; a criança imaginária e
a criança real; a preparação da criança e do requerente para adoção, a partir da viabilização
institucional; o vínculo familiar estendido e por fim a devolução a partir da análise do silêncio
dos pais e do sofrimento dos filhos adotivos.

Nesse sentido, identificamos como indicadores favoráveis à adoção: a elaboração das


motivações dos requerentes, a partir do apoio institucional contínuo e do apoio de toda a rede
relacional da família adotante. Concluímos que, quanto mais claro estavam para os
requerentes os desafios da adoção, mais elaborado e aceito foi para eles trabalharem suas
limitações. Todavia, identificamos, uma preparação mais elaborada apenas na F[4][AP], que
inclusive não partiu do acompanhamento do Judiciário, nem dos serviços de acolhimento e
sim da contratação de serviços particulares por essa família adotante.

Há de se considerar que tanto pais quanto filhos adotivos devam ter à sua disposição
serviços públicos que disponham de uma equipe preparada, capaz de auxiliá-los nas
dificuldades encontradas durante o encontro real com a criança, e não só, durante a tramitação
legal do processo de adoção. Não descaracterizamos aqui a importância dos grupos de apoio à
adoção pelo contrário, são eles os responsáveis, na realidade do Distrito Federal, pelo sucesso
e concretização de muitas adoções.

125
Os resultados dessa pesquisa nos mostraram que o vínculo de filiação perpassou o
vínculo que foi construído com a rede relacional dos requerentes. Assim, o apoio familiar e
dos amigos se tornou fundamental para superação dos conflitos de ordem emocional. No
entanto, vimos também que tal interação aconteceu gradativamente, à medida que esses
membros processaram o encontro real com a criança. No entanto, para as famílias que
“rejeitaram” a criança adotiva não houve essa interação

Se por um lado observamos que foi necessária uma boa elaboração das motivações por
parte dos pais adotivos e uma aceitação por parte da família extensa, por outro identificamos
que a adoção se tornou um árduo caminho tanto para os requerentes como para o filho
adotivo, quando este último não passou pela elaboração do luto de sua família de origem.

A expressividade pelo desenho das crianças adotivas nesse estudo nos indicou que a
transposição do vínculo de filiação estava diretamente ligada à revelação sobre sua origem e à
disponibilidade afetiva da família adotante em acolher as dúvidas e incertezas dessas crianças.
Observamos que esse processo se tornou menos doloroso quando os requerentes
compreenderam suas limitações e as singularidades da história de vida da criança.

Independente das crianças terem ou não permanecido com suas famílias adotantes, em
todos os casos estudados aqui, a transposição do vínculo de filiação não se deu em sua
inteireza, percebemos que esse processo ainda está sendo construído na convivência dessas
famílias. Essa questão é complexa e requer um olhar mais atento dos profissionais que lidam
com o tema de adoção, pois há crianças que conseguem elaborar essa transposição de forma
tranquila, enquanto outras permanecem boa parte de sua convivência, se não toda, tentando
efetivar o verdadeiro encontro com seus pais adotivos.

Observamos também que a necessidade de ajudar o próximo foi um desejo


manifestado pelas famílias F[1][D], F[2][D] e F3][AP], inclusive também visto nas crianças
da F[1][D] e F[4][AP], que se projetaram como futuras cuidadoras. Essa assertiva nos fez
refletir sobre como a presença de eventos especialmente problemáticos no âmbito familiar,
principalmente na infância, podem interferir nas ações futuras dessas pessoas.

Para exemplificar essa hipótese, nos reportamos aqui a outro estudo que não faz
referência específica à adoção, mas que aponta para a assertiva de que algumas pessoas são
influenciadas na vida adulta pelas vivências que tiveram em sua. De acordo com este estudo
(MILLER, 1986 citado em MAGALHÃES, 2001) crianças que foram usadas em sua infância
para atenderem desejos narcísicos de seus pais ou cuidadores, aprenderam a ignorar na vida
126
adulta suas próprias necessidades e adquiriram uma responsabilidade emocional intensa e uma
percepção aguçada das necessidades alheias, esse papel provavelmente foi assumido na
infância dessas crianças como uma necessidade para manter a homeostase dessas famílias.

Embora isso não caracterize uma predestinação destas crianças tornarem-se


prisioneiras da infância que tiveram, existe nelas provavelmente uma predisposição para
exercerem uma função de cuidadoras.

Segundo Holland (1997, citado em MAGALHÃES, 2001, v.21, p. 3), “o indivíduo


social, seleciona metas, interesses e tarefas nos quais pode usar sua habilidade para treinar ou
modificar o comportamento de outra pessoa”. Para o autor esses indivíduos estão
constantemente interessados no bem-estar de pessoas dependentes, pois é nessas atividades
que o indivíduo é recompensado recebendo amor, reconhecimento e status no âmbito pessoal
e profissional. O autor ainda nos indica que “em relação aos antecedentes familiares dessas
pessoas, os pais parecem dar alto valor ao autocontrole e baixo valor à curiosidade. Suas
necessidades de relacionamento cordiais são conscientes, mas suas necessidades de
dependência, admiração, poder e prestígio são geralmente inconscientes”. (op. cit.).

Nesse sentido, os resultados do estudo sobre a “compreensão do processo de


vinculação adotiva dentro da dinâmica familiar” nos apontam para a necessidade de um
estudo detalhado sobre a origem e as vivências familiares dos requerentes à adoção e, ainda,
nos indica como um estudo desse porte seria significativo para o entendimento sobre as
motivações que levaram essas famílias a buscarem na adoção uma realização pessoal.
Reafirmamos aqui que não existem motivações ruins, existem motivações que precisam ser
melhor trabalhadas, durante o período de convivência, pois o desvelar-se de um desejo se dá
de forma gradual e contínua, muitas vezes já na convivência com o outro.

Espera-se que, no âmbito do Judiciário, o estudo dos fenômenos que levaram à


“devolução” da criança adotiva auxilie psicólogos e assistentes sociais a pensarem em
estratégias anteriores à separação da criança de sua família adotiva. No caso da devolução ser
necessária, exemplo das F[1][D] e F[2][D], importante refletir a real necessidade de um apoio
profissional especializado após encaminhamento dessas crianças para o serviço de
acolhimento, que amenize o contato doloroso da repetição de suas histórias de abandono.

Por outro lado, no âmbito do serviço de acolhimento, espera-se que os responsáveis


técnicos pelas crianças estejam atentos aos sentimentos e desejos que perpassam o imaginário
dessas crianças, preparando-as para uma nova vinculação adotiva.
127
Tanto no Judiciário como no Serviço de Acolhimento entendemos que os técnicos
responsáveis pelo acompanhamento do processo ocupam um lugar privilegiado para discussão
da temática. Sobretudo quando provocam os requerentes a uma reflexão aprofundada sobre
seu desejo de adotar, desmistificando assim os preconceitos, mitos, laços de sangue, pois há
de se primar que as famílias precisam trabalhar muito suas motivações para não transferirem
para seus futuros filhos ansiedades e frustrações pessoais. Entendermos que não existem
motivações erradas, toda motivação deve ser refletida, mesmo motivações que não sejam
relativamente corretas. Assim a adoção assume a função de inserir tanto ao adotado como ao
adotante a marca do apego afetivo incondicional.

Em síntese, concluímos que a adoção oferece às crianças um lar e uma família estável,
e aos pais a oportunidade de realizar o seu papel parental. No entanto, quando examinamos o
universo da adoção, não podemos deixar de considerar que ela envolve dores e desafios, e que
em sua origem comumente encontramos histórias de muito sofrimento, que podem ser melhor
enfrentadas se tanto os requerentes quanto as crianças que estão para adoção forem mais bem
preparados para essa empreitada.

E por último, talvez o mais importante a ser observado naqueles que participaram do
processo de adoção, cada um à sua medida, foi é a ressignificação pessoal que os sujeitos da
pesquisa nos apresentaram. De alguma forma essas famílias e seus respectivos filhos se
transformaram, alguns mais pela dor, outros pela alegria do verdadeiro encontro.

Observamos que na F[1][D] e na F[2][D] faltou viver o que Clarice Lispector teceu em
sua poesia: “Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu
mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento”.

A tese que insiste em se confirmar é a de que: nascemos indivíduos e à medida que


crescemos nos tornamos pessoas na convivência com outras pessoas. Assim, a forma e os
caminhos que essas pessoas escolheram para conviver uns com os outros é que determinou se
a adoção possibilitou o verdadeiro encontro parental.

Talvez essa seja a grande descoberta que viabiliza o verdadeiro encontro na adoção:
fazer com que os envolvidos no processo (famílias, crianças adotáveis e profissionais),
reflitam continuamente sobre os desafios inerentes ao processo de adoção e às possibilidades
em relação à transposição desses desafios, antes que o conflito ganhe a dimensão da
devolução.

128
GLOSÁRIO

Sistema de Garantia dos Direitos

É o conjunto de órgãos, entidades, autoridades, programas e serviços de atendimento a


crianças, adolescentes e suas respectivas famílias, que devem atuar de forma articulada e
integrada, na busca de sua proteção integral, nos moldes do previsto pelo ECA e pela
Constituição Federal. Estes por sua vez ao enumerar direitos, estabelecer princípios e
diretrizes da política de atendimento, definir competências e atribuições instalaram um
sistema de “proteção geral de direitos” de crianças e adolescentes cujo intuito é a efetiva
implementação da Doutrina da Proteção Integral. Esse sistema convencionou-se chamar de
Sistema de Garantia de Direitos. Nele incluem-se princípios e normas que regem a política de
atenção a crianças e adolescentes cujas ações são promovidas pelo Poder Público (em suas
esferas: União, estados, Distrito Federal e municípios – e Poderes – Executivo, Legislativo e
Judiciário) e pela sociedade civil, sob três eixos: Promoção, Defesa e Controle Social.

Proteção Social

Entende-se por proteção social as formas institucionalizadas que as sociedades


constituem para proteger parte ou o conjunto de seus membros. Tais sistemas decorrem da
ocorrência de certas vicissitudes da vida natural ou social, tais como a velhice, a doença, o
infortúnio, as privações. Neste conceito, incluem-se também tanto as formas seletivas de
distribuição e redistribuição de bens materiais (como a comida e o dinheiro) quanto os bens
culturais (como os saberes), que permitirão a sobrevivência e a integração, sob várias formas,
na vida social. Ainda, os princípios reguladores e as normas que, com o intuito de proteção,
fazem parte da vida das coletividades (DiGiovani, citado em PNAS, 2004).

Tomando por base esse conceito, assume-se que a proteção social se expressa a partir
de um sistema de medidas pelas quais a sociedade se organiza para que seus membros tenham
apoio para superar suas vicissitudes. Neste conceito incluem-se principalmente aquelas
medidas que são voltadas à superação de vulnerabilidades sociais decorrentes de pobreza e de
privação.

129
No que se refere à proteção social de crianças e de adolescentes, no Brasil, as medidas
diretamente protetivas estão expressas nos artigos 101 e 129 da Lei nº 8.069/90 – Estatuto da
Criança e do Adolescente-ECA. São, também, parte dessa proteção as determinações
expressas pelo ECA sobre a preservação dos vínculos familiares originais, recomendando
evitar, sempre que possível e no melhor interesse da criança, rupturas que possam
comprometer o seu desenvolvimento. O Plano Nacional de Assistência Social – PNAS
(2004:19-20) elenca as seguintes garantias como de responsabilidade expressa do Estado e da
Sociedade em relação à proteção social:

- de sobrevivência, através de benefícios continuados que assegurem proteção básica às


pessoas e famílias em situação de forte fragilidade;

- de convívio, através de intervenções, cuidados e serviços que restabeleçam vínculos


pessoais, familiares e de vizinhança;

- de acolhida, expressa em ações e cuidados destinados à proteção dessas pessoas e famílias,


restaurando sua autonomia, capacidade de convivência e de protagonismo.

O PNAS aponta, ainda, duas modalidades de proteção social:

1) A Proteção Social Básica, destinada à população que vive em situação de


vulnerabilidade social decorrente de pobreza e de privação. Esta modalidade de
proteção objetiva prevenir situações de risco através do desenvolvimento de
potencialidades e do fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. Ela é
operada a partir de serviços, programas e projetos locais de acolhimento, convivência
e socialização de famílias e de indivíduos, conforme a situação de vulnerabilidade
apresentada. Essa Proteção prevê o desenvolvimento de serviços, programas e projetos
locais de acolhimento, convivência e socialização de famílias e de indivíduos,
conforme identificação da situação de vulnerabilidade apresentada. Esses serviços e
programas deverão incluir as pessoas com deficiência e ser organizados em rede, de
modo a inseri-las nas diversas ações ofertadas. Os benefícios previstos dentro da
Proteção Social Básica são:
a) Os Benefícios Eventuais: estão previstos no art. 22 da Lei nº 8.742, de 7 de
dezembro de 1993, a Lei Orgânica de Assistência Social (Loas). Juntamente com
os serviços socioassistencias, eles integram organicamente as garantias do SUAS
com fundamentação nos princípios de cidadania e dos direitos sociais.

130
b) Os Benefícios de Prestação Continuada (BPC): configuram-se como elementos
potencializadores da proteção ofertada pelos serviços de natureza básica ou
especial, contribuindo dessa forma com o fortalecimento das potencialidade de
indivíduos e familiares.
c) O Protocolo de Gestão Integrada de Serviços, Benefícios e Transferências de
Renda no âmbito do SUAS: trata dessa articulação entre a prestação dos
Benefícios Eventuais e os serviços socioassistenciais. Compõem a Proteção Social
Básica, dada a natureza de sua realização.
A Proteção Social Básica atua por intermédio de diferentes unidades. Dentre elas,
destacam-se os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) que são uma unidade
pública estatal descentralizada da Política Nacional de Assistência Social (PNAS).
O CRAS atua como a principal porta de entrada do Sistema Único de Assistência
Social (SUAS), dada sua capilaridade nos territórios e é responsável pela organização e
oferta de serviços da Proteção Social Básica nas áreas de vulnerabilidade e risco social e a
rede de serviços socioeducativos direcionados para grupos específicos, dentre eles os
Centros de Convivência para crianças, jovens e idosos. Dividem-se em três principais eixos
de atuação: o Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF); os Serviços de
Convivência e Fortalecimento de Vínculos, que são quatro, organizados por faixa etária
(crianças, adolescentes, jovens e idosos), e o Serviço de Proteção Social Básica no
Domicílio para Pessoas com Deficiência e Idosas.

2) A Proteção Social Especial, é uma modalidade de atendimento assistencial destinada a


famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social. As intervenções
nesta modalidade de proteção prevêem estratégias que visem à reestruturação do grupo
familiar, a elaboração de novas referências morais e afetivas, a auto-organização e a conquista
da autonomia. O Centro de Referência Especializada em Assistência Social (CREAS) é a
unidade pública estatal que oferta serviços da proteção especial, especializados e continuados,
gratuitamente a famílias e indivíduos em situação de ameaça ou violação de direitos. Além da
oferta de atenção especializada, o CREAS tem o papel de coordenar e fortalecer a articulação
dos serviços com a rede de assistência social e as demais políticas públicas. Prioriza a
reestruturação dos serviços de abrigamento e de novas modalidades de atendimento para
aqueles que não contem com a proteção e o cuidado de suas famílias. A atenção à proteção
social especial se organiza a partir de níveis de complexidade:

131
- proteção social especial de média complexidade, que difere da proteção básica por se
tratar de um atendimento dirigido às situações de violação de direitos. Essa proteção é
destinada às famílias e indivíduos que, mesmo tendo tido seus direitos violados, não tiveram
seus vínculos familiar e comunitário rompidos. Há cinco serviços de média complexidade,
divididos por público, sendo eles: atendimento a adolescentes em cumprimento de medida
socioeducativa que visa desenvolver atividades que possibilitem uma nova perspectiva de
vida futura. Já no caso de indivíduos que enfrentaram afastamento do convívio familiar
devido à aplicação de alguma medida judicial, é oferecido o Serviço de Proteção e
Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI). Pessoas com deficiência,
idosas e suas famílias também encontram acompanhamento específico. Nessa situação, os
indivíduos são acompanhados para prevenir o preconceito e a exclusão. Para pessoas em
situação de rua, as atividades desenvolvem as relações sociais para a construção de novos
projetos de vida.

Os profissionais do CREAS ainda trabalham com um quinto e último serviço, o de


abordagem social. Nesse caso, o objetivo é fornecer amparo e acompanhamento assistencial a
pessoas que utilizam as ruas como forma de moradia e/ou sobrevivência ou que são vítimas de
exploração sexual ou trabalho infantil. Enquanto alguns serviços devem ser ofertados
obrigatoriamente no CREAS, outros podem ser apenas a ele referenciados.

- a proteção social especial de alta complexidade, destinada às famílias e indivíduos que se


encontrem sem referência e/ou em situação de ameaça, necessitando ser retirados de seu
núcleo familiar e/ou comunitário. De acordo com a Resolução nº 109, de 11 de novembro de
2009, que dispõe sobre a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais, quatro
serviços compõem a PSE de Alta Complexidade: Serviço de Acolhimento Institucional (que
poderá ser desenvolvido nas modalidades de abrigo institucional, casa-lar, casa de passagem
ou residência inclusiva); Serviço de Acolhimento em República; Serviço de Acolhimento em
Família Acolhedora; e Serviço de Proteção em situações de Calamidade Pública e de
Emergência.

132
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137
ANEXOS 1
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
MODELO DE TCLE PARA O RESPONSÁVEL LEGAL DA CRIANÇA E/OU
ADOLESCENTE ADOTADO

Eu,______________________________________________________________,
concedo a permissão para que meu filho(a)
___________________________________participe da pesquisa intitulada
“RESSIGNIFICANDO O PROCESSO DE ADOÇÃO: ENCONTROS E
DESENCONTROS”, a qual faz parte do mestrado em psicologia realizado pela Universidade
Católica de Brasília.
Estou ciente que, de maneira geral, a pesquisa tem como objetivo analisar a relação
dos vínculos afetivos desenvolvidos no processo de adoção entre a família que adota e a
criança e o adolescente que é adotado. Estou ciente também que a coleta de dados será feita
por meio de gravação de entrevista estruturada.

 Participação no estudo: estou ciente de que o procedimento de pesquisa irá


coletar dados do/da(s) meu(s) filho(a)(s) sob a forma de entrevistas e desenho com
a gravação de áudio. O nome de meu / minha (s) filho (s) não será (ao)
mencionado (s) em nenhum documento derivado de seu estudo e será substituído
por um pseudônimo. Estou ciente que os resultados deste estudo servirão para
apresentação de trabalhos que poderão ser publicados em revista científica
especializada e usados para apresentações em conferências profissionais e
acadêmicas e que os mesmos contribuirão para a ampliação e aprofundamento do
debate educacional, envolvendo escolas, pais , governo e sociedade.
 Não participação do estudo: Estou ciente de que tenho o direito de fazer qualquer
questionamento ou expressar qualquer comentário referente à participação de meu/
minha filho (a) (s) neste estudo. Também estou ciente de que eu tenho o direito de
vetar a participação do/da (s) mesmo (a) (s) a qualquer momento e que nenhuma
pergunta me será feita e meu/ minha (s) filho (a) (s) não sofrerá (ao) nenhum
inconveniente por isso.

Declaro, que após ser esclarecido pelo pesquisador a respeito da pesquisa, consinto
voluntariamente a participação do(a)(s) meu/minha (s) filho (a)(s) nesta pesquisa.

Brasília, ............/............/............
________________________________________________________
Assinatura
________________________________________________________
Nome impresso

Contatos:
Patrícia Jakeliny F. de Souza Moraes jakeliny@hotmail.com
Prof.: Vicente de Paula Faleiros faleiros@ucb.br
Prof.: Marta Helena de Freitas mhelena@ucb.br

138
ANEXO 2
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
MODELO DE TCLE PARA O RESPONSÁVEL LEGAL DA CRIANÇA E/OU
ADOLESCENTE DO SERVIÇO DE ACOLHIMENTO

Eu,____________________________________________________________, na
função de guardiã da Instituição de Acolhimento:
_______________________________________________, concedo a permissão para que a
criança e ou adolescente: _________________________________________, que se encontra
sob medida protetiva, instituída pelo art. 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA,
participe da pesquisa “RESSIGNIFICANDO O PROCESSO DE ADOÇÃO: ENCONTROS
E DESENCONTROS”, a qual faz parte do mestrado em psicologia realizado pela
Universidade Católica de Brasília.
Estou ciente que, de maneira geral, a pesquisa tem como objetivo analisar a relação
dos vínculos afetivos desenvolvidos no processo de adoção entre a família que adota e a C/A
que é adotado. Estou ciente também que a coleta de dados será feita por meio de gravação de
entrevista semi-estruturada.
O nome do entrevistado não será mencionado em nenhum documento derivado deste
estudo e será substituído por um pseudônimo. Seus dados serão mantidos em sigilo, apenas
pesquisadores poderão ter acesso ao material integral da entrevista, com fins de verificar as
informações utilizadas na pesquisa.
Ao final da pesquisa, segundo seu interesse, você poderá receber os resultados, que
também serão posteriormente divulgados nos meios científicos, seminários e conferências,
com o objetivo de contribuir para o aprimoramento do conhecimento científico e o
aperfeiçoamento das intervenções realizadas por operadores psicossociais e jurídicos que
trabalham na defesa dos direitos das crianças e adolescentes em processo de adoção.
A participação da C/A é livre. Você tem o direito de fazer qualquer questionamento ou
expressar qualquer comentário referente às instigações deste estudo, podendo desistir de
participar do mesmo, a qualquer momento e não sofrer nenhum inconveniente com isso.
Caso esteja de acordo em participar da presente pesquisa e não possua mais dúvidas
sobre seus objetivos e condições, assine abaixo.
Declaro, que após ser esclarecido pelo pesquisador a respeito da pesquisa, consinto
voluntariamente em participar desta pesquisa.

Brasília, ............/............/............
________________________________________________________
Assinatura
________________________________________________________
Nome impresso

Contatos:
Patrícia Jakeliny F. de Souza Moraes jakeliny@hotmail.com
Prof.: Vicente de Paula Faleiros faleiros@ucb.br
Prof.: Marta Helena de Freitas mhelena@ucb.br

139
ANEXO 3
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
MODELO DE TCLE ÀS FAMÍLIAS ADOTANTES

Você está sendo convidado a participar de uma pesquisa de Mestrado que realizo junto à
Universidade Católica de Brasília sob orientação do Professor Doutor Vicente de Paula Faleiros e a
Professora Doutora Marta Helena de Freitas. A pesquisa instituída como: “RESSIGNIFICANDO O
PROCESSO DE ADOÇAO: ENCONTROS E DESENCONTROS” têm como objetivo, analisar os
vínculos afetivos desenvolvidos no processo de adoção na relação C/A/ família/ instituição de
acolhimento e judiciário.
Sua participação é livre e consiste em responder questões referentes à adoção, em forma de
entrevista estruturada, gravada em áudio. Seu nome não será mencionado em nenhum documento
derivado deste estudo e será substituído por um pseudônimo. Seus dados serão mantidos em sigilo,
apenas pesquisadores poderão ter acesso ao material integral da entrevista, com fins de verificar as
informações utilizadas na pesquisa.
Ao final da pesquisa, segundo seu interesse, você poderá receber os resultados, que também
serão posteriormente divulgados nos meios científicos, seminários e conferências, com o objetivo de
contribuir para o aprimoramento do conhecimento científico e o aperfeiçoamento das intervenções
realizadas por operadores psicossociais e jurídicos que trabalham na defesa dos direitos das crianças e
adolescentes em processo de adoção.
A sua participação é livre. Você tem o direito de fazer qualquer questionamento ou expressar
qualquer comentário referente às instigações deste estudo, podendo desistir de participar do mesmo, a
qualquer momento e não sofrer nenhum inconveniente com isso. Caso esteja de acordo em participar
da presente pesquisa e não possua mais dúvidas sobre seus objetivos e condições, assine abaixo.

Declaro que após ser esclarecido pelo pesquisador a respeito da pesquisa, consinto
voluntariamente em participar desta pesquisa.

Brasília ............/............/............
________________________________________________________
Assinatura
________________________________________________________
Nome impresso

Contatos:
Patrícia Jakeliny F. de Souza Moraes jakeliny@hotmail.com
Prof.: Vicente de Paula Faleiros faleiros@ucb.br
Prof.: Marta Helena de Freitas mhelena@ucb.br

140
ANEXO 4
ROTEIRO DAS ENTREVISTAS ÀS FAMÍLIAS ADOTIVAS

1) Perfil da família (número de pessoas residentes na casa, idade, renda, relação conjugal,
relação filial);
2) Participação da família natural ou amigos, antes e durante o processo de adoção (apoio,
recusa, preconceito);
3) Histórico da adoção: motivos, contexto (perda, infertilidade, afinidade, ajuda ao próximo,
etc), adoção acordada entre o casal;
4) Preparação do casal ou da pessoa para adoção (cursos preparatórios, terapia individual, de
casal);
5) Relação com a criança como: (afeto, vínculo, a relação com o outro, com a família
natural, cultura/meio social);
6) Como se dá a relação com as peculiaridades que a C/A adotado apresenta? (Suas
dificuldades na escola - notas ou nos relacionamento, dificuldade em mostrar afeto,
dificuldades de relacionamento com o filho biológico – caso tenha filho biológico)
7) Relação com a Justiça e o Abrigo (teve dificuldades de diálogo aberto sobre sentimentos
e/ou relação afetiva com a C/A adotado)
8) A volta da criança- saída FLUXO/REFLUXO: Entrada/desvinculação/
relação/vínculos/saída43
9) Situação atual do processo de adoção (ainda em andamento, já encerrou); (criança
devolvida definitiva ou indefinitivamente, há perspectiva de nova adoção). Como isso
influência no vínculo com a C/A adotado?

43
Pergunta se aplica apenas nos casos de devolução da criança à Instituição de Acolhimento.
141
ANEXO 5
ROTEIRO PARA APLICAÇÃO DO DESENHO ÀS CRIANÇAS E ADOLESCENTES
QUE PASSARAM PELO PROCESSO DE ADOÇÃO

1) Fale um pouco sobre você. O que gosta? Como você se sente nesse lugar.
2) Faça um desenho que represente você. (fale sobre seu desenho)
3) Faça um desenho de onde você mora, e inclua as pessoas que você gosta. (fale sobre
seu desenho)
4) Desenhe o que você deseja hoje para você. (fale sobre seu desenho)
5) Desenhe o que você deseja para o seu futuro. (fale sobre seu desenho)
6) Desenhe as pessoas que você gostaria que estivessem presentes nos momentos mais
importantes de sua vida. (fale sobre o desenho).

142
ANEXO 6
AUTO-IMAGEM DE GUILHERME

143

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