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Lélia Gonzalez

o feminismo negro no palco da história

Lélia Gonzalez
o feminismo negro no palco da história

Lélia Gonzalez
o feminismo negro no palco da história

Lélia Gonzalez
Paulo Corrêa Barbosa

o feminismo negro no palco da história

REDE DE
DESENVOLVIMENTO
HUMANO
Apresentação
FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL REDE DE DESENVOLVIMENTO PRODUÇÃO ALMANAQUE
HUMANO - REDEH
Diretoria executva Coordenação Geral
Coordenadora Geral Schuma Schumaher
Presidente Thais Rodrigues Corral
José Caetano de Andrade Minchillo Coordenação de Produção
Coordenadora Executiva Elizabete Braga
Diretoria Executiva de Desenvolvimento Social Schuma Schumaher
Diretor Executivo Supervisão de Produção Com o Projeto Memória Lélia Gonzalez, a Fundação Banco do Brasil, a Brasilcap
Marcos Melo Frade Conselho Consultivo Ruy Godinho
Alessandro Botsaris, Eduardo
e a Rede de Desenvolvimento Humano (REDEH) fazem justa homenagem a essa
Diretoria Executiva de Gestão de Pessoas, José Viola, Beth Vargas, Helena Texto importante intelectual e personagem da recente história do País.
Controladoria e Logística Teodoro, Lucia Xavier, Maristela Paulo Corrêa Barbosa
Diretor Executivo Bezerra Bernardo, Moema Autora de livros e diversos artigos, Lélia Gonzalez foi uma das fundadoras do
Vagner Lacerda Ribeiro Wiezzer Equipe de Pesquisa
Antonia Ceva Movimento Negro Unificado (MNU). No que diz respeito ao racismo e ao sexis-
Gerentes ABRAVIDEO - PRODUTORA Melina Marques
CULTURAL Rosana Silva Chagas mo, seu pensamento contribuiu para a formação de uma consciência crítica em
Secretaria Executiva - Secex Schuma Schumaher relação aos preconceitos que mantém mulheres negras em desvantagem na
Alfredo Leopoldo Albano Junior Presidente
Elizabete Braga Pesquisa Iconográfica sociedade. Lélia Gonzalez, nasceu em 1935 em Belo Horizonte(MG) , historia-
Gerência de Pessoas e Infraestrutura - Gepin Antonia Ceva
André Grangeiro Botelho Diretora Financeira Elizabete Braga dora, antropóloga e filósofa, morreu em 1994, no Rio de Janeiro (RJ).
Andréa Medina Paulo Corrêa Barbosa
Gerência de Análise de Projetos - Gepro Schuma Schumaher Criado em 1997 pela Fundação Banco do Brasil, o Projeto Memória tem a mis-
Cláudia Márcia Pereira Secretário
Gilberto Medina Consultor para Projeto Cultural
são de resgatar, difundir e preservar a memória cultural do País por meio de
Gerência de Comunicação - Gecom Stanley Whibbe homenagens a personalidades que contribuíram para a transformação social e
Emerson Flávio Moura Weiber
Assistente Financeira construção da cultura brasileira.
Gerência de Tecnologia da Informação - Getec Andréa Medina
Fábio Marcelo Depiné Katia Clara Costa A iniciativa oferece suporte a professores, pesquisadores e estudantes, por
Gerência de Implementação de Programas e Digitalização e Tratamento de Imagens
meio de elementos desenvolvidos para contar a vida e obra da homenageada.
Projetos - Geimp Trio Studio São peças integrantes do Projeto Memória Lélia Gonzalez: a Exposição Itineran-
Fernando Luiz da Rocha Lima Vellozo
Revisão de Texto te; o presente Almanaque Histórico, material multidisciplinar destinado à utili-
Gerência de Assessoramento Técnico - Geate Artur Roman
Geovane Martins Ferreira Antonia Ceva
zação em sala de aula; o Livro Fotobiográfico e o Videodocumentário. No site do
Projeto Memória (www.projetomemoria.art.br) estão disponíveis todas as peças
Gerência de Autorização de Pagamentos - Gerap Projeto Gráfico e Identidade Visual
Jeovan Soares Ruth Freihof – Passaredo Design criadas que poderão ser visualizadas e baixadas por meio de download.
Gerência de Monitoramento e Avaliação - Gemav Assistente de Projeto Gráfico Esperamos que este Almanaque leve aos estudantes informações sobre a vida
João Bezerra Rodrigues Júnior Phil ValleR
de Lélia Gonzalez e seu legado intelectual, para universidades, movimentos
Gerência de Assessoramento Estratégico e Imagem da capa:
feministas, movimentos negros e sociedade em geral. O conteúdo também é
Tecnologias Sociais - Gerae Lélia Gonzalez | Acervo JG/ Foto
José Climério Silva de Souza Januário Garcia uma contribuição à temática História e Cultura Afro-Brasileira e Africana no
Gerência de Parcerias Estratégicas e Modelagem de currículo oficial de ensino, conforme Lei 10.639 de 09 de janeiro de 2003.
Programas e Projetos - Gepem
B238l Barbosa, Paulo Corrêa. Em um país que busca a equidade racial e a superação das desigualdades
Maria da Conceição Cortez Gurgel
Lélia Gonzalez: o feminismo negro no palco da história / sociais, homenagear a obra de Lélia Gonzalez é resgatar a ancestralidade de
Gerência de Finanças e Controladoria - Gefic Paulo Corrêa Barbosa. – Brasília: Abravídeo, 2015.
Rodrigo Octavio Lopes Neves mulheres negras brasileiras que, historicamente resistem contra o subjugo, a
92 p. : il.

ISBN 978-85-61467-15-9
opressão e a violência. Desejamos, por fim, que esta iniciativa contribua na
1. Bibliografia - mulheres negras. 2. Movimento negro.
superação do racismo, na promoção da igualdade racial, na equidade de gênero
3. Mulher negra - Brasil. 4. Almanaque. I. Título. e sirva de referência para gerações futuras.
CDD 920.93224

Catalogação na fonte: Carolina Perdigão CRB1-1898

Redeh | Brasilcap | Fundação Banco do Brasil


Lélia Gonzalez HISTÓRIA, GEOGRAFIA, FILOSOFIA E... PAIXÃO! O CORAÇÃO BATE MAIS FORTE NA UEG... ........42


As muitas alegrias e dores de uma paixão com P maiúsculo.................................................................................44

Perdas e ganhos..............................................................................................................................................................48

osumário
feminismo negro no palco da história
Uma década que valeu por cem anos..........................................................................................................................48

A ditadura fazendo escola.............................................................................................................................................49

Lélia se percebendo: uma pele negra em uma cabeça ainda “embranquecida”.................................................52

Resistências por todos os lados e de todas as formas..............................................................................................58

Enegrecendo Brasil afora..............................................................................................................................................61

Lélia Gonzalez
APRESENTAÇÃO....................................................................................................................................................................3 “Da boca pra fora”. Para “todo o mundo” ouvir! ......................................................................................................64

ALÔ, ALÔ, BRASIL! CHEGOU LÉLIA GONZALEZ!.....................................................................................................6 Um pé na África. Outro no Brasil! E os dois no mundo...........................................................................................65

Uma grande família…........................................................................................................................................................9 CEM ANOS DE LIBERDADE OU “SEM” ANOS DE LIBERDADE? .......................................................................68

Em uma década de transformações, nasce uma mulher que ajudaria a transformar o país........................... 10 Novas palavras para dizer coisas antigas... .............................................................................................................71

Na voz, no ar, na mão e também nas urnas............................................................................................................... 12 Mulher negra tomando partido... ...............................................................................................................................74

O começo de tudo............................................................................................................................................................ 16 PT Saudações... ..............................................................................................................................................................81

o feminismo negro no palco da história


A História do Brasil nessa história.............................................................................................................................. 16 A última década do século XX.....................................................................................................................................83

O ESTADO É NOVO. MAS A PRÁTICA AUTORITÁRIA, ANTIGA!...................................................................... 18 Como Cangiraué, Lélia foi para o Orum.....................................................................................................................84

E Lélia foi para o jardim de Infância...........................................................................................................................20 Políticas Públicas escritas em preto e branco... ......................................................................................................87

DE UM BELO HORIZONTE PARA UMA CIDADE MARAVILHOSA!....................................................................22 Saudades, continuidade e homenagens. Companheira Lélia: a luta continua... ...............................................88

Uma cidade maravilhosa em um mundo não tão maravilhoso assim. A Segunda Guerra!...............................24 Uma mulher que vale por trinta... ..............................................................................................................................88

E o chamado sexo frágil parte para a luta..................................................................................................................26 OBRAS DE LÉLIA (ESCRITOS E LINKS).....................................................................................................................89

Um difícil cotidiano........................................................................................................................................................27 Por Lélia...........................................................................................................................................................................89

Limites ainda estreitos para o universo feminino....................................................................................................29 Por Lélia (online)............................................................................................................................................................89

Por um Brasil em preto e branco.................................................................................................................................31 Sobre Lélia (online)........................................................................................................................................................89

Também no quadro-negro as muitas lições de “embranquecimento”..................................................................31 Sites...................................................................................................................................................................................90

Fazendo Escola................................................................................................................................................................33 Bibliografia livros, teses e dissertações.....................................................................................................................90

‘Clareando’ a questão da identidade da mulher negra em diferentes espaços... ...............................................36 Comunicações.................................................................................................................................................................91

E o Imperador do último país das Américas a decretar o fim da escravidão recebe a jovem negra...............38 Artigos em jornais e periódicos...................................................................................................................................91

Um golaço e uma bola fora............................................................................................................................................40 Vídeos...............................................................................................................................................................................92


Alô, Alô, Brasil! O choro ecoou pela casa pouco antes da porta do quarto ser aberta. A
parteira, com um grande sorriso nos lábios, deu a notícia a todos/as que
Chegou Lélia Gonzalez! esperavam ansiosos/as na sala: “É uma menina!”.
Pendurado na parede, o calendário marcava 1º de Fevereiro de 1935. Nes-
sa data, Lélia de Almeida, que anos mais tarde, após o casamento, acres-
centaria Gonzalez ao sobrenome, veio ao mundo.
Essa “visita da cegonha”, contudo, não seria a derradeira para a família.
Apenas mais uma! Lélia foi a penúltima, dentre os dezoito filhos e filhas
de Urcinda Seraphina de Almeida e de Acácio Joaquim de Almeida, homem
negro, que, por pouco, não teve o destino de nascer escravizado. Veio ao
mundo em 1872, apenas um ano após a implantação da Lei do Ventre Livre
por Dom Pedro II. A mãe, de origem indígena e analfabeta, era natural do
Espírito Santo, onde nasceu em 1898, uma década após a abolição da es-
cravatura no país. Casou-se aos treze anos e, segundo as histórias até hoje
presentes na família: “(...) contra a vontade do pai e por amor, pois estava
prometida a outro (...)”. Como muitas outras meninas de seu tempo, “ainda
brincava de boneca quando foi viver com o marido que tinha o dobro de
sua idade (...)”. Importante lembrar que, para as mulheres, naqtuela época,
agir segundo a própria vontade e ter a oportunidade de decidir sobre o
próprio destino eram coisas raras. Isso porque, no universo de então, ser
do sexo feminino implicava aceitar e cumprir o que decidiam os pais e, na
ausência desses, os irmãos e parentes homens.
Acácio era ferroviário e, por consequência de seu trabalho, constantemen-
te transferido de estado. Assim, as andanças do casal Almeida pela região
sudeste foram, aos poucos, aumentando a família e incorporando capixa-
bas, fluminenses, paulistas e mineiros.

Locomotiva à vapor, s.d. | Colin Garratt; Milepost/Corbis/Latinstock


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Retratos de família
Uma grande família
No Espírito Santo, nasceram Elisa (1913), futuramente cantora lírica e costureira da alta so-
ciedade, e Francisco (1915), funcionário chefe da Companhia Municipal de Limpeza Urbana.
Em seguida, seu Acácio foi transferido para São Fidélis, Rio de Janeiro, e a família aumentou:
Cacilda (1917), carinhosamente chamada pelos/as sobrinhos/as de Tia Caçula, do lar; Alfredo
(1919), mecânico, falecido na década de 1950; Jayme (1921), jogador de futebol do Flamengo;
Bráulio (1923) faleceu jovem também; e, por fim, Acácio (1925), que foi para a Segunda Gran-
de Guerra, retornando com sequelas.
Em São Paulo, nasceu Nair (1927), auxiliar de enfermagem e parteira na cidade de Petrópolis,
RJ. Em breve retorno da família ao Rio de Janeiro, nasceu Lígia (1929), do lar.
Logo depois, a família seguiu para Belo Horizonte onde nasceram: Maria das Dores, a Dora
(1931), do lar; Sebastião, Tio Tião (1933), jogador de futebol do Flamengo; Lélia (1935) e, por
fim, Geraldo (1937), motorista, que trabalhou para o governo do Paraná.
No total, Dona Urcinda engravidou dezoito vezes e perdeu cinco filhos/as. Todos vieram ao
mundo pelas mãos de uma parteira.

Vista área de Belo Horizonte, década de 1930 | Arquivo Público Mineiro


Lélia matando as saudades
da terra natal, Belo
Horizonte, Minas Gerais,
1956 | Acervo Lélia Gonzalez

Da esquerda para direita,


três irmãos de Lélia
Gonzalez: Geraldo, na
formatura em datilografia,
s.d; Tião, 1953 e Jayme,
Machu Pichu, Peru, 1968
| Acervo Lélia Gonzalez

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A escritora, educadora, Nísia Floresta
Em uma década de transformações,
nasce uma mulher que ajudaria a abolicionista e indianista Nísia
transformar o país Floresta traduziu em 1832 o livro
Direitos das Mulheres e Injustiça
Uma menina negra, de família humilde e que anos mais tar-
dos Homens, escrito pela inglesa
de provocaria significativas mudanças na militância feminis-
Mary Wollstonecraft.
ta negra brasileira, veio ao mundo exatamente na metade de
uma década na qual se configuravam, na sociedade brasileira, Para conhecer mais sobre a
acentuadas transformações, incluindo àquelas relacionadas ao história dessa mulher nascida
papel da mulher. Vejamos! em Papari (RN) e que se tornou
a primeira mulher homenageada
A eletricidade começava a iluminar as casas das famílias de
pelo Projeto Memória em 2006.
maior renda econômica. Ainda em 1935, Alô, Alô, Brasil, o pri-
meiro filme brasileiro a ter som diretamente na fita, consagrava www.fbb.org.br/acoes-programas/
Carmem Miranda. O rádio, novidade que se consolidava no país educacao/projeto-memoria
Nísia Floresta | Acervo Centro de
como veículo de comunicação de massa, além de divulgar gran-
Memória Mulheres do Brasil/REDEH
Úrsula de Maria Firmina dos Reis | Acervo des compositores e intérpretes masculinos, tornava conhecidas
Centro de Memória Mulheres do Brasil/REDEH
vozes como as de Aurora Miranda, Araci de Almeida e das ir-
mãs Dircinha e Linda Batista, além de muitas outras.
Na literatura igualmente, as mulheres “escreviam” seus espaços, como Clarice Lispector e Rachel
de Queiroz, entre várias outras. Uma história de conquista tam-
bém por mãos negras, como aquelas da catarinense Antonie-
ta de Barros, educadora e jornalista, que fundou na década de
1922 o periódico A Semana e Vida Ilhôa.
No período 1931 a 1936, Antonieta colaborou também com o
jornal A República, no qual, com o pseudônimo Maria da Ilha,
escrevia crônicas. Contudo, bem antes, em 1859, Maria Firmi-
na dos Reis, negra maranhense, já havia publicado o romance
abolicionista Úrsula. Aliás, ela é considerada, desde a década
de 1970, a primeira romancista brasileira!
E não podemos esquecer que, desde 1932, a nadadora brasilei-
ra Maria Lenk, com 17 anos, participou das olimpíadas de Los
Angeles, tornando-se não apenas a primeira brasileira, como
também, a primeira sul americana a participar do evento. Já a
primeira afrodescendente brasileira a se fazer representar em
esporte oficial precisou esperar bem mais. Isso ocorreu nos jo-
gos olímpicos de Londres realizados em 1948, com a presença
da velocista Melania Luz.
Grandes avanços sem dúvida! E que não pararam por aí! Josephina Álvares de Azevedo. Sufragista,
jornalista e teatróloga, século XIX | Acervo Melania Luz. Na foto quando foi a segunda colocada no Campeonato Brasileiro de
Centro de Memória Mulheres do Brasil/REDEH Atletismo, Rio de Janeiro, década de 1940 | Coleção Particular de Melania Luz

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Na voz, no ar, na mão e
também nas urnas...
Nessa trajetória que traçamos, é fundamen-
tal lembrar que Lélia Gonzalez encontrou, em
1935, uma sociedade, na qual a participação
política feminina já incluía o direito de votar e
ser votada para cargos públicos. Aliás, uma lon-
ga luta iniciada ainda antes da proclamação da
República.
Apesar da Constituição de 1891 vetar o direito
de voto exclusivamente aos analfabetos, men-
digos, soldados e religiosos sem mencionar as causa que defendiam. E conseguiram!
mulheres, elas ainda tiveram que lutar por mais Anos depois, em 1931, a FBPF promoveu no Rio
de 40 anos para exercitar esse direito. de Janeiro o II Congresso Internacional Feminis-
Após algumas tentativas isoladas e sem sucesso, ta para discutir os rumos do movimento. O dis-
surgem os primeiros grupos organizados de mu- curso de abertura coube a prestigiada escritora
Nas eleições gerais de 1934, a FBPF retornou ao cenário po-
lheres, como o Partido Republicano Feminino, Júlia Lopes de Almeida. As conclusões do Con-
lítico patrocinando uma acirrada campanha nacional para a
fundado em 1910 por Leolinda Daltro e outras gresso foram encaminhadas ao Presidente Getú-
eleição de mulheres. As propostas das feministas foram resu-
feministas cariocas. Contudo, foi a Federação lio Vargas que se comprometeu a empenhar-se
midas em documento que incluía desde questões referentes
Brasileira pelo Progresso Feminino- FBPF, cria- pela concessão do voto feminino.
à maternidade, melhores salários e licença-remunerada, até
da em 1922, e espalhada por diversos Estados Finalmente, depois de muita pressão, em fe- a discussão do acesso aos cargos públicos.
brasileiros, a grande responsável pela campa- vereiro de 1932, Vargas, assina o Decreto nº
nha nacional em favor do voto feminino. Pelo Brasil, nove mulheres foram eleitas deputadas estadu-
21.076, concedendo a elas o direito de votar e
ais: Quintina Ribeiro (Sergipe), Lili Lages (Alagoas), Maria do
Bertha Lutz, Almerinda Gama, Carmen Portinho, serem votadas. Finalmente vitória!
Céu Fernandes (Rio Grande do Norte), Maria Luisa
Maria Luisa Bittencourt, Josefina Álvares de Mas, ainda não dava para descansar! Era preciso Bittencourt (Bahia), Maria Teresa Nogueira e
Azevedo, Jerônima Mesquita, Chiquinha Gonza- promover a candidatura das feministas para a Maria Teresa Camargo (São Paulo), Zuleide
ga, Natércia da Silveira e tantas outras feminis- Assembleia Nacional Constituinte de 1933. En- Bogéa e Hildenê Castelo Branco (Mara-
tas sufragistas constataram na prática, com in- tre os 254 votantes, contabilizando os eleitos e nhão), e Antonieta de Barros (Santa
dignação, que o engajamento nas lutas políticas os representantes classistas, duas vozes eram Catarina), que era também escritora,
e suas conquistas no campo da educação eram femininas: Carlota Pereira de Queiroz, médica destacando-se, ainda, como a primei-
insuficientes para que seus direitos enquanto eleita por São Paulo e a primeira deputada fede- ra deputada negra do Brasil.
cidadãs fossem reconhecidos. ral do Brasil, e a advogada alagoana Almerinda
Lideradas por Bertha, iniciaram uma intensa Farias Gama, uma das primeiras mulheres ne-
campanha em várias frentes e cidades, usando gras na política brasileira, na época represen- Suffragistas por Raul, Fon-Fon, 16 de maio
de 1914 | Acervo da Fundação Biblioteca Nacional
a imprensa, as galerias da Câmara Federal, se- tando o Sindicato das Datilógrafas e Taquigrafas
minários, debates, manifestações artísticas e até do Distrito Federal, por intermédio de uma estra- Antonieta de Barros (1901-1952). Primeira
Deputada Negra do Brasil, Santa Catarina,
panfletagem aérea, para sensibilizar os congres- tégia bem sucedida da Federação Brasileira pelo
década de 1940 | Acervo Centro de Memória
sistas e ganhar a simpatia da população para a Progresso Feminino (FBPF). Mulheres do Brasil/REDEH

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Cartaz Votem para a Constituinte – Mulher e Constituinte,
década de 1910/1920 | Acervo Centro de Memória Mulheres do
Brasil/REDEH

Almerinda Farias Gama votando na Assembleia Constituinte de 1933 | Fundação Getúlio Vargas - CPDOC

A Mulher na Constituinte, reportagem de Rachel Prado. Revista da Semana, 20 de maio de 1933


| Acervo Centro de Memória Mulheres do Brasil/REDEH Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF). 1º Congresso Feminino, 1922 | Arquivo Nacional

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O fim desse período, conhecido como República velha, resultou na criação de um novo partido, a
Aliança Liberal, que lançou a candidatura de Getúlio Vargas, ex-ministro da Fazenda e presidente do
Rio Grande do Sul, que teria como vice o paraibano João Pessoa.
Júlio Prestes consagrou-se vencedor, mas não chegou a tomar posse. Os perdedores denunciaram
fraude eleitoral e o movimento para depor Washington Luis atingiu seu objetivo em 24 de outubro.
Em três de novembro de 1930, Getúlio Dorneles Vargas chegava ao poder e dava inicio à chamada
Era Vargas.
Esse governo provisório de Vargas (1930-1934) caracterizou-se pelo fechamento do Congresso Na-
cional, Assembleias Estaduais e Câmaras Municipais, além da nomeação de interventores para os
estados. Na verdade, Vargas passou a exercer o poder executivo e judiciário até a elaboração de uma
nova Constituição.
Internamente, o presidente encontrou a resistência do Estado de São Paulo (Revolução Constitu-
O começo de tudo... cionalista de 1932). Após três meses de enfrentamento, o governo federal derrotou os chamados
Em outubro de 1929, milhões de títulos da revoltosos e Vargas deu início ao processo de redemocratização do país, convocando eleições para
Bolsa de Valores de Nova Iorque despenca- uma Assembleia Constituinte que teria como missão principal elaborar uma nova constituição para
ram de valor ou não encontraram comprado- o Brasil, o que ocorreu em 1934.
res. A economia americana sofreu um duro No que se relaciona ao trabalho, é importante destacar que a nova constituição proibia qualquer tipo
baque e levou junto o resto do mundo! Essa de distinção salarial ocasionada por sexo, idade, nacionalidade ou estado civil. Assim, pelo menos na
grande crise financeira internacional marca- Lei, a igualdade se fazia presente, inclusive com relação à participação política. A instituição do voto
rá a década de 1930. secreto e direto para maiores de vinte e um anos incluiu, após a longa batalha sobre a qual conver-
O comércio mundial encolheu e o consumo samos anteriormente, as mulheres. Fora das urnas, contudo, permaneceram analfabetos, soldados,
do café, principal produto de exportação bra- religiosos e mendigos. Lamentavelmente, porém, todos, tanto homens quanto mulheres, teriam esse
sileira, despencou nos mercados americano direito cassado dentro de poucos anos.
e europeu. Houve sobra do produto oferecido As principais conquistas comemoradas pela classe trabalhadora incluíam a criação do salário míni-
também por outros países e o valor sofreu mo, a redução da carga horária de trabalho para oito horas diárias, a instituição do repouso semanal
expressiva queda. e férias remuneradas, a indenização do trabalhador demitido sem justa causa e a proibição de mão-
-de-obra abaixo de 14 anos.
Criança segura cartaz onde lê-se: Por que você não dá
um emprego a meu pai? Agosto, 1937 | Minnesota Historical A Era Vargas se constituiu pela crise do modelo agrário-comercial exportador dependente e pelo
Society/CORBIS
início de estruturação do modelo nacional-desenvolvimentista, com base na industrialização.
A economia não ficou de fora! A Constituição estimulava ações de desenvolvimento, modernização e
expansão da indústria nacional, além da diversificação dos produtos agrícolas exportados.
A História do Brasil nessa história...
Até 1930, como consequência de seu poderio econômico, São Paulo e Minas Gerais dominavam o
cenário político nacional e se revezavam na presidência do país. Era a chamada política do café-com-
-leite. Café de São Paulo e o leite produzido em Minas.
Essa dobradinha, contudo, foi desfeita pelo presidente Washington Luís, em 1930, ao indicar o con-
terrâneo Júlio Prestes para substituí-lo. A reação dos mineiros não demorou! Puseram fim ao acordo
informal com São Paulo e estabeleceram aliança com o Rio Grande do Sul e Paraíba.
16 17
O Estado é Novo. Mas a prática
autoritária, antiga!
Em 1937, justificando combater a ameaça de um golpe comunista no Brasil, o que para muitos/as
historiadores/as não passou de uma desculpa apropriada, Vargas impôs o Estado de Sítio, elaboran-
do uma nova Constituição.
Fechou o Congresso Nacional, cancelando as eleições do próximo ano e, com poderes absolutos,
passou a governar por meio de Decretos-leis. Os direitos políticos, não só aqueles conquistados pelas
mulheres após muitas lutas, mas de todos os brasileiros, foram suspensos e restabelecidos apenas
em 1946.
Com a criação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), forte controle (censura) foi impos-
to aos meios de comunicação, sobretudo, ao rádio. Inimigos políticos foram presos. Na economia,
a implantação da infraestrutura que permitiu a industrialização, em conjunto com a melhoria das
condições das classes trabalhadoras, resultou na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em 1943 e
reforçaram a fama de Pai dos Pobres, que acompanhou Vargas até seu suicídio em 1954.

Getúlio Vargas fala à nação por ocasião do golpe do Estado Novo. Rio de Janeiro, 10 de novembro de 1937 | Fundação Getúlio Vargas - CPDOC

Operários, 1933. Óleo sobre tela,150 x 205 cm. Tarsila do Amaral | Acervo Artístico-Cultural dos Palácios do Governo do Estado de São Paulo Cavalaria Gaúcha no Obelisco da Avenida Rio Branco, Rio de Janeiro, novembro de 1930 | Fundação Getúlio Vargas - CPDOC

18 19
E Lélia foi para o jardim de infância...
Alheia ao que se desenrolava fora das paredes seguras do lar, Lélia crescia em Belo Horizonte (MG),
envolvida pelo amor e carinho de seus pais e muitos irmãos e irmãs.
Nos períodos que os historiadores/as denominam Segunda Republica (1930/1937) e Terceira Repu-
blica (1937/1945), várias foram as medidas implantadas por Vargas, que, afastado após um golpe
militar em 1945, retornaria como presidente eleito pela população em 1950.
Logo no início da década de trinta, atendendo à necessidade de formação de uma mão de obra es-
pecializada e capaz de acompanhar o desenvolvimento da nação, o governo criou o Ministério da
Educação e da Saúde Pública (1930).
Aliadas a uma exigente disciplina, a educação sanitária e a formação moral e cívica eram entendi-
das como fundamentais no processo de formação do novo trabalhador exigido por um país que se
modernizava e crescia.
O Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova em 1932, assinado por vários educadores e encabeçado
por Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira se tornou, como indica seu nome, pioneiro na tentativa
de um projeto de renovação educacional do país.
O documento cobrava do Estado a responsabilidade pela organização de um plano geral de educação.
Várias de suas propostas ainda hoje se configuram atuais e fazem parte da bandeira dos educadores/
as na luta pela qualidade da escola pública do século XXI.
Também no que se relacionava à educação, a Constituição de 1934 foi pioneira ao enfatizar ser a
educação direito de todos, cuja responsabilidade cabia à família e Poderes Públicos. Praia de Copacabana, Rio de Janeiro, década de 1940 | Fundação Getúlio Vargas - CPDOC

Crianças em uma escola no Governo Vargas, década de 1930 | Fundação Getúlio Vargas - CPDOC
As conquistas, no âmbito da educação, que incluía o ensino profissionalizante acabaram por confi-
Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova. Lourenço Filho (7º), Anísio Teixeira (2º) e outras (os) na Associação Brasileira de
gurar, na prática, o trabalho intelectual para os filhos/as das classes mais favorecidas, e o trabalho Educação, década de 1930 | Fundação Getúlio Vargas - CPDOC
operacional para os mais pobres. Sala de Aula de uma Escola Pública, Rio de Janeiro, RJ, 1923 | Coleção Particular Apparecido Salatini

Foi no meio desse período que Lélia Gonzalez, então com quatro anos de idade teve contato, pela
primeira vez, com a escola. Essa chegada ao jardim de infância, na verdade, configurou-se como uma
grande novidade e oportunidade para um membro de uma família de mãe analfabeta e pai ferroviá- Por tudo isso, em relação à trajetória de Lélia, é importante ressaltar, ainda, que, se nos seios da
rio. Lélia, por diferentes circunstâncias, foi a primeira a vivenciar essa experiência. mãe encontrou carinho e conforto, isso não foi tudo. Foi também através deles que encontrou opor-
Vale lembrar que estamos falando de uma época em que, no país, poucas crianças das classes po- tunidades.
pulares, sobretudo aquelas afrodescendentes, como consequência de limitações econômicas, sequer Dona Urcinda amamentou uma criança que se tornara órfã e tinha aproximadamente a mesma idade
chegavam à escola primária. Não por acaso, já naquele tempo, também como resultado de um pro- da filha. Como gratidão e pelos laços afetivos estabelecidos com a ama de leite, na idade em que
cesso histórico, era negra a maioria dos homens e mulheres analfabetos/as. a menina foi encaminhada ao jardim de infância, seus familiares resolveram proporcionar a Lélia
E isso, sem desconsiderar o aspecto de que, em uma sociedade culturalmente machista como aquela idêntica oportunidade, assumindo as mensalidades. Anos mais tarde, Lélia lamentaria que o contato
do Brasil nas primeiras décadas do século XX, escolaridade e sexo feminino não se complementa- com essa família tivesse se perdido.
vam. Queremos dizer que, além das dificuldades econômicas das classes populares e da limitação de Tempo também de mudanças! Em 1942, aos sete anos de idade, nova fase tem início em sua vida, ao
vagas no ensino público, não se valorizava os estudos das meninas. mudar-se com a família para o Rio de Janeiro.
20 21
Na capital do país, várias foram às vezes que
Lélia e a família passaram de bonde diante do
Palácio localizado do bairro do Catete, de onde
Vargas, em pleno Estado Novo, comandava o
Brasil.
Mas qual mesmo era o retrato desse país?
Segundo o Censo de 1940, éramos 41,2 milhões
Palácio do Catete. Rio de Janeiro, 1942 | Acervo Iconographia de habitantes, dos quais apenas 31% viviam em
áreas urbanas. A expectativa de vida da população
era de 42,7 anos e o Brasil configurava-se como
um país jovem e predominantemente católico
Passadeiras do Hotel Glória, Rio de Janeiro, década de 1950 | Coleção Particular de Apparecido Salatini
(95%). Os/as brasileiros/as acima de 60 anos ou
mais representavam apenas 4,1% da população.
cinco crianças. A taxa de mortalidade era alta Aliás, esse “destino feminino”, estava de tal
O trabalho feminino fora do lar restringia-se, e, importante lembrar, na ocasião, o papel so- maneira enraizado na sociedade brasileira, que
na maioria dos casos, à atividade de domésti- cial da mulher, sobretudo aquelas das classes apesar das transformações, seguiria forte até a
ca, e o magistério absorvia aquelas mulheres populares, restringia-se ao de “boa reprodutora” década de 1970, e anos mais tarde seria uma
Jayme, jogador de futebol e irmão de Lélia Gonzalez, 1943
| Acervo Centro de Memória Mulheres do Brasil/REDEH com maior escolaridade, que era a minoria. No e dona de casa cuidadosa. Viver para o marido e das bandeiras de luta levantadas pela reflexão
comércio e na indústria brasileira, as mulheres os filhos era o destino da mulher de “boa sorte”! de Lélia Gonzalez.
apenas iniciavam presença. Na área rural, con-

De um Belo tudo, elas “apenas ajudavam” maridos e familia-


res e, por isso, nada recebiam.
Horizonte para A busca por melhores condições de vida aumen- SABIA
?
palav
ra Avenida Visconde de Albuquerque no
VOCÊ e a ioca,
uma cidade ia q u Leblon, Rio de Janeiro, década de 1950
tava o êxodo migratório dos habitantes da Re-
a histór a S u l car | Agência O Globo
n
Conta a Zo franc
ês-
gião Nordeste para o Sudeste e Sul do Brasil. A irro d
maravilhosa! chegada de estrangeiros/as ao país diminuía e, Leblon
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em 1940, eles/as representavam apenas 3,1% da teve o no séc metad
e do
Apesar da profissão do pai que, como vimos,
l o n d - que, p a v a
população. Le B e ocu ava
acarretava à família constantes deslocamentos
h á c a ra qu q u e realiz
da c presa
de cidades, dessa vez foi o futebol o responsável A taxa de fecundidade era de 6,2 filhos por mu- e d a em gião.
pela vinda de todos/as para a casa de vila no bairr
o
e i a s na re
lher e, pela Constituição, o Estado deveria res- l
de ba
bairro do Leblon, no Rio de Janeiro, então a capi- ponder pelo bem-estar das famílias numerosas e pesca
tal da República. de baixa renda. E olha que isso não era por aca-
Jaime, um dos filhos de Urcinda e Acácio, pro- so! Afinal, interessava ao governo, defensor da
tagonizou uma história ainda hoje bastante co- política desenvolvimentista, o aumento da mão
nhecida, na qual o talento dos pés “abre portas” de obra em um país que experimentava um pro-
e propicia a meninos pobres melhores condições cesso de industrialização e havia criado o salário
de vida para toda a família. Assim, ele que era mínimo para os trabalhadores/as.
jogador do Atlético Mineiro foi “descoberto” e Dessa forma, dona Urcinda, mãe de Lélia, não
contratado pelo Clube de Regatas Flamengo. fugiu à regra ao engravidar 18 vezes e perder
22 23
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Desfile da FEB na avenida Rio Branco, Rio de Janeiro, antes da partida para a Itália. 2ª Guerra Mundial. Maio de 1944
| Acervo Iconographia
Navio de emigrantes, Lasar Segall, 1939/41, pintura a óleo com areia sobre tela, 230 x 275cm | Acervo do Museu Lasar Segall-IBRAM/MinC

Uma cidade maravilhosa em um mundo não tão maravilhoso


assim. A Segunda Guerra!

Lélia e a família chegaram à cidade maravilhosa mava em nossos principais parceiros econô-
no momento em que o Brasil envolveu-se na Se- micos. Logo, para além de uma associação em
gunda Guerra Mundial, aliando-se, em 1942, aos defesa da liberdade humana e combate aos
Estados Unidos e Inglaterra. horrores da guerra, também interesses econô-
Vargas encerrava a neutralidade vivida pelo micos se consolidaram.
país, agradava aos brasileiros revoltados com Assim, o primeiro grupo de militares brasilei-
o afundamento pelos alemães de embarcações ros chegou à Itália em julho de 1944 e até o
brasileiras na costa do nordeste e conseguia final do conflito, em 1945, um total de 25 mil
acordos financeiros com os americanos que per- soldados da Força Expedicionária Brasileira
mitiram o desenvolvimento da indústria siderúr- (FEB), 42 pilotos e 400 homens de apoio da
gica brasileira. Força Aérea Brasileira (FAB), com suor, san-
Para os americanos, a aliança permitia a insta- gue e vidas contribuíram para a construção de
lação de uma base militar em Natal (RN), ponto um mundo livre.
estratégico para reabastecimento dos aviões de
combate que se dirigiam à África e os transfor- Aspectos da Base Naval de Natal, Rio Grande do Norte, e da Companhia Regional de Fuzileiros Navais -
entre 1934 e 1945 |Fundação Getúlio Vargas - CPDOC
24 25
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| Pulsar Imagens

Através do rádio, Vargas falava sobre a Guerra aos brasileiros


| Acervo Iconographia

Corrida de automóveis movidos a gasogênio,


Elza Cansanção Medeiros, 1945 (Tenente Expedicionária da FEB) | Agência O Globo década de 1940 | Acervo Iconographia

E o chamado sexo frágil parte para a luta...


Contudo, não vá pensando, que apenas os homens deram sua contribuição. As brasileiras também Um difícil cotidiano...
não “fugiram à luta”.
Desde o início da guerra em 1939, como os demais países, o Brasil passou a enfrentar racionamento
A carioca Elza Cansanção Medeiros tornou-se a primeira mulher convidada a integrar o destacamen- de petróleo. Na tentativa de minimizar o problema, veículos adaptados circulavam pelas cidades
to Precursor de Saúde, que se deslocou para a Itália em 1944. utilizando o gasogênio, resultado da queima de carvão.
Foi Elza quem denunciou ao comandante da FEB a forma humilhante como as enfermeiras brasi- A falta de abastecimento dava origem a longas filas em busca de alimentos e produtos industriais. E
leiras - que não tinham patente militar - eram tratadas pelas colegas americanas - todas oficiais. A nem mesmo as ameaças e a fiscalização do governo evitaram abusos e disparada de preços. Certa-
participação feminina brasileira na guerra inclui ainda, dentre outras, Antonieta Ferreira, Carmem mente, por isso, não foram poucas as vezes em que Dona Urcinda e os filhos/as tiveram que enfren-
Bebiano, Ignácia de Melo Braga e Virginia Portocarreiro. tar longas filas para comprar carne, pão e leite!
“Tínhamos um bom relacionamento, mas havia racismo. Entre as norte-americanas, só A entrada de estrangeiros sofria rigoroso controle governamental. Além disso, como reação e pre-
havia brancas, enquanto muitas de nossas enfermeiras eram mulatas e não eram acei- ocupação em relação à forte presença alemã e italiana no sul do país, o Ministério da Educação
tas(...)”. (Elza Cansanção Medeiros in http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/major-elza-can- proibiu que as escolas locais utilizassem e ensinassem às crianças qualquer outro idioma que não
sancao-exercito-salvacao-435085.shtml, acesso em 29/01/15) o português.
Pois é! Além das limitações sociais então próprias àquelas que eram do sexo feminino, as afrodes- Mas isso não foi tudo! Havia coisa ainda pior! Estamos nos referindo à situação enfrentada por várias
cendentes enfrentavam, ainda, o forte preconceito racial. As implicações dessas questões – mulher, famílias que enviaram seus soldados para a guerra. Muitos não retornaram. Outros o fizeram com
negra e, na maioria das vezes, pobre-, anos depois, na década de 1970, seriam introduzidas por Lélia sequelas à saúde, como ocorreu à família de Lélia. Seu irmão de mesmo nome do pai (Acácio) retor-
Gonzalez no centro das reflexões realizadas pelo Movimento Feminista brasileiro. nou adoentado ao final da guerra em 1945 e faleceu pouco depois.
26 27
Dalva de Oliveira Angela Maria

Limites ainda estreitos para o


Elizeth Cardoso universo feminino...
Lélia e a família estavam há poucos meses no Le-
blon quando seu Acácio faleceu. Responsabilidades
- muitas!- juntaram-se às dores da perda. Como de
costume, na ocasião, os filhos/as mais velhos/as não
fugiram à regra e assumiram os compromissos pelo
sustento da casa.
Jaime transferiu a família para uma casa comprada
no bairro de Ricardo de Albuquerque, também na
cidade do Rio de Janeiro e Elisa, a mais velha das
Cantoras do Rádio: Dalva de Oliveira,
Elizeth Cardoso, Emilinha Borba, Angela mulheres, passou a dividir com a mãe, dona Urcinda,
Maria e Araci de Almeida | Acervo Iconographia
os cuidados com os/as irmãos/ãs menores.
Em um mundo que impunha diferentes realidades
e possibilidades para meninos e meninas, Lélia e as
irmãs experimentaram o modelo tradicional de cria-
ção. Enquanto eles descobriam as ruas, correndo e
Emilinha Borba soltando pipas, elas exploravam os limites das pare-
des do lar e muros do quintal.
Araci de Almeida
Assim as meninas cresciam e se tornavam mulheres!
Também dessa maneira se preparavam e esperavam
por um marido que as tiraria do confinamento da casa
dos pais. E quando isso acontecia, não demoravam a
descobrir que haviam “substituído seis por meia dú-
zia”! Os limites apenas trocavam de endereço. Pois é!
Certamente, você percebeu que nos referimos aqui ao
cotidiano da maioria das famílias brasileiras. Logica-
mente que outras ideias também existiam! Importa-
das dos Estados Unidos e Europa, formas diferentes
de criar, sobretudo as meninas, eram aos poucos im-
plantadas em algumas casas de famílias de alta ren-
da. Contudo, à época, ainda se constituíam exceção.
Parte do universo feminino ligado às artes se pau-
tava em realidades diferentes. Cantoras de rádio e
artistas do teatro desfrutavam de grande liberdade e
rompiam costumes. Não estavam, contudo, livres de
preconceitos!
28 29
adiante no Brasil pela própria Lélia Gonzalez. ?
SABIA
VOCÊ Ricar
do de
E o mundo seguia seu curso. Em Ricardo de Al- d e em
ação rada
buquerque, no Rio, a menina Lélia, matriculada A est a u g u
e, in Por um Brasil em preto e branco...
uerqu a Jos
é
no curso primário, dava início a uma longa e Albuq nome igo
3 , d e ve s e u
e r q u e, ant As dificuldades eram muitas, mas ao longo de nossa histó-
1 u
bem sucedida trajetória acadêmica. Importante 19 Albuq oeta.
considerar que, na ocasião, o fato de uma meni- i c a r do de i a e p ria, foram muitas as iniciativas e tentativas de mudar essa
R fe r r o v
r da ação
na negra e de família pobre estar na escola - e direto ã o , d elimit situação social e educacional, sobretudo, após a “abolição“
ç
omina o foi
nela prosseguir-, era fato a comemorar. E muito! A den d o Bairr º
da escravatura. Ações e iniciativas promovidas por lideran-
ão reto N
ificaç ças negras surgiam pelos diferentes cantos do país.
Afinal, ainda segundo o Censo de 1940, dentre e cod e l o Dec
elecid
a p 1 com
estab l h o de 198 Já em setembro de 1931, negros paulistas fundaram a
uma população negra representada por 862.255 de ju 5280,
de 23 to Nº
pessoas, apenas 344 haviam concluído o nível 3158, o D e c r e Frente Negra Brasileira (FNB). Uma resposta ao fato de não
ções d itua-
superior e 1.717 tiveram a alegria de comemorar altera d e 1985. S se sentirem contemplados nas plataformas políticas dos
osto
de ag Estaç
ão
a conclusão do ensino médio. Mas, e para a qua- de 23 km d a partidos então existentes. A Frente, que despertou simpa-
24,45 tias e críticas, cresceu e se espalhou para outras regiões do
se caçula de Dona Urcinda e Seu Acácio? Fácil se a rasil
não foi! Na verdade, como Lélia teria a oportu- n t r a l do B país. Importante destacar que as mulheres eram maioria
Ce
nidade de comentar muito adiante, dois fatores entre os filiados. Entre as diferentes áreas de atuação da
foram fundamentais e garantiram seu acesso FNB, aquela relacionada à educação resultou na instala-
Capa do livro “O Segundo Sexo” de Simone de Beauvoir, ção de uma escola para alfabetização e curso primário de
década de 1940 | Foto Elizabete Braga aos estudos:
adultos. Contudo, como havia acontecido com os partidos
“E acontece que nessa família todos tra- UMA PALAVRINHA políticos, após o Golpe de 1937 (Estado Novo), a FNB so-
“Não se nasce mulher, torna-se mulher.” balhavam, ninguém passava da escola Sexo - (anatômico) - É o que freu intervenção. Transformada em União Negra Brasileira
Simone Beauvoir (feminista, escritora e filósofa francesa primária, mesmo porque o esquema ide- distingue o macho da fêmea. (UNB) atuou até 1938 quando foi extinta.
do século XX) ológico internalizado pela família era Caracteriza-se pelos órgãos Destacam-se também, no período, os Congressos Afro-Bra-
Lá fora, mulheres brigavam por um lugar ao sol. esse: estudava-se até a escola primária e, genitais. sileiros de 1934 (Recife) e de 1937 (Bahia), que seriam as
Na Europa, a filósofa, escritora e feminista Si- depois, todo mundo ia à batalha em ter-
Gênero – Conceito criado bases do I Congresso do Negro Brasileiro, que, precedido
mone de Beauvoir publica, em 1949, O Segundo mos de trabalho para ajudar a sustentar
para distinguir a dimensão pala Convenção Nacional do Negro (1946), ocorreria em
Sexo, manifesto pioneiro do feminismo, no qual o resto da família. Mas no meu caso o que
biológica da dimensão social. 1950 (RJ), reunindo intelectuais e lideranças negras.
apresentava novas bases para o relacionamento aconteceu foi que, como uma das ultimas,
A maneira de ser homem e de
entre mulheres e homens. Uma francesa dava a penúltima[ filha] da família, já tendo
voz a mulheres de todas as nacionalidades. De- como companheiros de infância os meus
ser mulher é determinada pela Também no quadro-negro as muitas
fendia que o sexo feminino precisava se libertar próprios sobrinhos (...) a visão de meus
cultura, ou seja, são produtos lições de “embranquecimento”...
da realidade social.
dos valores e ideias que, impostos por diferentes pais com relação a mim já foi uma visão Na capital do País, a filha de dona Urcinda ainda cursava o
sociedades, naturalizavam e legitimavam discri- de neta, praticamente. Então, eu tive a primário, quando lideranças negras fundaram em 1944 o
minações e limitações sociais. oportunidade de estudar(...)”1. Teatro Experimental do Negro (TEN). Aliás, Abdias do Nas-
Suas ideias espalharam-se rapidamente, mobi- cimento, um de seus principais fundadores, décadas de-
1 GONZALEZ, Lélia. Lélia fala de Lélia. Revista Estu- pois encontraria em Lélia Gonzalez uma grande e constan-
lizando mulheres por todo o mundo. Mais que
dos Feministas, n.2, 2º semestre de 1994, p. 383-
isso, suas ideias persistiram no tempo. Décadas te parceira na luta contra o preconceito e a discriminação.
386. Disponível em: http://www.ieg.ufsc.br/admin/
mais tarde, inclusive, estariam presentes nas downloads/artigos/30102009-034559lelia.pdf. O destino traçava e emaranhava caminhos para a menina
discussões sobre o feminismo negro, levadas negra. E saiba que até o fim da vida ela não fugiria à luta!
30 31
TEN Em 1944 surge o Teatro
Experimental do Negro (TEN).
Abdias do Nascimento foi um de seus
principais fundadores. Dentre seus objetivos
destacava-se a valorização social do negro
(a) através da educação, da cultura e da
um importante evento no período de
redemocratização do país ao final do
Estado Novo de Vargas: o I Congresso do
Negro Brasileiro, realizado na Associação
Brasileira de Imprensa (ABI) no Rio de
Janeiro em maio de 1950.
Capa do álbum de formatura
de Lélia, Colégio Rivadávia
Corrêa, Rio de Janeiro, 1951
arte. Vale lembrar que o programa de Sobre Abdias do Nascimento é importante | Acervo Lélia Gonzalez

alfabetização de empregadas domésticas dizer a você professor (a), que um dos


implantado pelo TEN envolveu cerca de 600 principais ativistas do movimento negro, Caderno de Lembranças de
Lélia Gonzalez, década de 1950
participantes. foi senador e deputado federal. Entre os | Acervo Lélia Gonzalez

No ano de 1945, a atriz Ruth de Souza em anos de 1991 e 1994, atuou na Secretaria
peça montada pelo TEN tornou-se uma das Extraordinária de Defesa e Promoção das Lembranças
primeiras atrizes negras a se apresentar no Populações Afro-Brasileiras (SEAFRO/RJ).
“Lélia, na nobreza dos seus sentimentos,
Theatro Municipal do Rio de Janeiro e em Em 1999, respondeu pela Secretaria de
Formatura do ginasial no colégio na firmeza das suas convicções e
1969, a primeira protagonista negra de uma Estado de Direitos Humanos e da Cidadania
Rivadávia Corrêa, 1951| Acervo nas qualidades privilegiadas da sua
novela brasileira, a Cabana do Pai Tomás. (RJ) e foi ainda, Coordenador do Conselho de Lélia Gonzalez
inteligência, você tem desde já um
Direitos Humanos (RJ).
Criado por integrantes do TEN em 1948, horizonte imenso para a conquista da
o jornal Quilombo tornou-se importante Por sua defesa pelos direitos humanos dos vitória e da felicidade. Essas lhe virão e
afrodescendentes recebeu em 2005, da Lembranças
canal de enfrentamento ao racismo. Através estou bem certa. Creia na amizade e na
de suas páginas, defendia uma educação Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), “Lélia, a certeza do dever cumprido admiração da Professora Lyvia. Escola
gratuita, pública, em todos os níveis o Prêmio Franz de Castro Holzwarth de dá-nos uma parcela de felicidade. Que Rivadavia (março, de 1952)”.
da educação brasileira, comprometida Direitos Humanos, além de várias outras a benção de Deus complete a ventura
com conteúdos africanos, inclusive nos homenagens nacionais e internacionais, assegurada pelos seus dons intelectuais
estabelecimentos militares. Denunciava como da UNESCO, do Governo Universidade e morais são os votos da professora
também os preconceitos enfrentados pelos Internacional da Flórida e do governo da e amiga, Mercedes Chaves (15 de
negros nos exames de seleção para ingresso África do Sul. Em 2010 foi indicado ao dezembro de 1951)”.
ao corpo diplomático do Instituto Rio Prêmio Nobel da Paz. Abdias faleceu em
Branco. Pela projeção alcançada articulava- 2011, no Rio de Janeiro. Fazendo Escola...
se com lideranças do movimento negro Para conhecer mais sobre o TEN e a história Curso primário concluído era chegada a hora de ir para o ginásio. Mais desafios!
no exterior tornando público aspectos da de Abdias do Nascimento você pode acessar,
A escola Rivadávia Corrêa, no centro da cidade do Rio de Janeiro, próxima à estação ferroviária Cen-
situação racial brasileira. dentro outros, o site http://www.ipeafro.org.
tral do Brasil, foi o local escolhido pela família para a continuidade dos estudos da décima sétima
Coube ainda ao TEN a realização de br/home/br/acoes/32/43/ten/
filha da família.
Dessa forma, diariamente, com chuva ou sol, entre 1946 e 1951, Lélia enfrentava no vagão do trem
os 24,45 km de distância de sua casa até a sala de aula do curso ginasial.
32 33
Tempo de saudades, alegrias, expectativas e de 14 anos. Dentre outras implicações, ter que
também de dificuldades: trabalhar para ajudar no próprio sustento ou da
família não apenas compromete o período da in-
“Me recordo perfeitamente que cada um
fância, mas, em muitos casos, acaba por causar
[da família] dava uma coisinha, uma
prejuízo imediato ou posterior à própria saúde
irmã dava um sapatinho, outra dava uma
da criança, além de colaborar fortemente para a
meinha e outra fazia o uniforme (...) estu-
evasão escolar.
dei com muita dificuldade. Os livros eram
emprestados pelas colegas (...) Eu ia estu- Também desse período em que enfrentou o cur-
dar nas casas das amigas(...)” so ginasial, não foram poucas as lembranças que
acompanharam Lélia até sua morte em 1994.
(Entrevista. Jornal O Pasquim, Rio de Janeiro, ano
XVII, 20/03 a 26/03 de 1986, n. 871, p.08-10). Algumas, inclusive, registradas nos depoimen-
tos e mensagens de professores/as da Escola
Por um determinado período, inclusive, foi pre-
Rivadávia Corrêa, permanecem carinhosamente
ciso trabalhar para ajudar em casa. E para onde
guardadas nas páginas de seu diário pessoal:
mesmo se encaminhava a grande maioria de
Lembranças.
meninas pobres e negras nessa situação? Para o
serviço em casa de família. Dessa forma, livros e E quanto às outras lembranças, nos referimos
cadernos conviveram durante algum tempo com àquelas que, bem depois, em sua trajetória aca-
os afazeres típicos de uma babá. dêmica e de militância no Movimento Negro, Lé-
lia denunciaria de maneira incisiva:
Embora estejamos aqui tratando de uma situa-
ção vivenciada por Lélia na década de 40 do sé- “(...) passei por aquele processo que eu
culo passado, ainda hoje, no campo ou na cidade, chamo de lavagem cerebral dado pelo
o trabalho infantil é uma triste realidade. discurso pedagógico brasileiro, porque
Ao longo das últimas décadas, a implantação de na medida em que eu aprofundava meus
programas governamentais de distribuição de conhecimentos, eu rejeitava cada vez
renda às classes populares para que mantenham mais a minha condição de negra. E, claro,
seus filhos/as na escola, como o Bolsa-Família, passei pelo primário, ginásio, científico,
os direitos assegurados pela Constituição (1988) esses baratos todos. Na Faculdade eu já
e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na- era uma pessoa de cuca já perfeitamente
cional – LDB (1996), o Estatuto da Criança e do embranquecida, dentro do sistema”2.
Adolescente – ECA (1990) e a participação do
2 GONZALEZ, Lélia. Lélia fala de Lélia. Revista Estu-
Brasil como membro da Organização Interna-
NOTA
cional do Trabalho (OIT), de fato promoveram
dos Feministas, n.2, 2º semestre de 1994, p. 383-
TOME
386. Disponível em: http://www.ieg.ufsc.br/admin/ mais
significativos avanços contra o trabalho infantil. r a s aber
downloads/artigos/30102009-034559lelia.pdf Pa que
e a PEC
Essas ações e medidas, porém, não o tornaram sob r ão
d a situaç Bonde no Rio de Janeiro, década de 1950 | Agência O Globo
coisa do passado!E isso sem esquecer que fa- trata as,
lamos de um país no qual, como anteriormen- s d o méstic et
da intern
s e n a
pesqui
te vimos, a Constituição de 1934 já destacava 10”
a proibição do trabalho para crianças menores E C 478/20
por: “ P

34
a falecer em 1994, Lélia construiu sua trajetória tinuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão
‘Clareando’ a questão da de vida conquistando admiradores e também (MEC/SECADI) instituiu a Comissão de Ava-
identidade da mulher negra em adversários. liação de Material Didático Instrucional para a
diferentes espaços... Educação das Relações Étnico-Raciais e para a
As respostas a essas indagações colocadas por
Mas o que mesmo queria dizer ela na década de Mais de uma vez, inclusive, Lélia utilizou sua Lélia não surgiram de imediato. Contudo, esses implantação da Lei 10639/03.
1980 com “embranquecimento” produzido pelo própria trajetória para ilustrar a dificuldade de questionamentos resgataram e ampliaram dis- E não parou por aí! Para a construção de uma
discurso pedagógico brasileiro? percepção desse processo de exclusão, o que cussões, e somaram e envolveram pessoas de sociedade multicultural e de cidadania inclusi-
Lélia falava de um modelo escolar eurocêntrico para ela ocorreu apenas ao chegar à faculdade: diferentes setores da sociedade. va, duas importantes conquistas ocorreram em
organizado desde o “achamento” do Brasil, a “(...) não quero dizer que eu não passei por isso, 2008 e 2010. Falamos da Lei 11.465/08, que
Daí que, quase trinta anos depois, em 2003, e
partir de valores, ideias e modelos próprios do porque eu usava peruca, esticava cabelo (...)”3. inclui a temática indígena nos currículos do en-
não sem polêmicas por meio da Lei 10639, a
colonizador branco. Na verdade, sua fala ampliava a reflexão sobre sociedade brasileira aprovou a inclusão da te- sino básico das redes de ensino públicas e pri-
Denunciava a forma como a escola, desde os je- o processo de “embranquecimento” também efi- mática afro-brasileira nos currículos do ensino vadas e da aprovação da Lei Nº 12.288, de 20 de
suítas, sempre fingiu não enxergar a presença e cientemente costurado pelos demais canais da básico das redes de ensino públicas e privadas. julho de 2010, o Estatuto da Igualdade Racial.
importância indígena e negra na composição do sociedade. Vitória, sem dúvida! Solução, ainda não! 3 GONZALEZ, Lélia. Lélia fala de Lélia. Revista Estudos Feministas, n.2,
2º semestre de 1994, p. 383-386. Disponível em: http://www.ieg.ufsc.
país. Denunciava também uma sociedade que se Trocando em miúdos, Lélia e outros militantes A resistência às mudanças ainda se fazem pre- br/admin/downloads/artigos/30102009-034559lelia.pdf.
organizou pedagogicamente em defesa de uma articulados em defesa da causa negra tornavam sentes e dentre outras medidas para assegurar a
concepção homogeneizada de povo brasileiro, públicas indagações até então propositalmente aplicação da Lei, a Secretaria de Educação Con-
indiferente à etnia, mestiçagem e peculiaridades esquecidas pela sociedade e empurradas para
m”
locais. Uma prática pedagógica preconceituosa, debaixo dos panos. Assim punham para fora o e xplica
ABIA? orias “ ças”.
anacrônica e ultrapassada, sim. Contudo, ainda que a sociedade sabia, mas não tinha interesse CÊ S m u itas te de “ra
VO m p o s a v é s
não sepultada! em responder: “Em um país com tão forte pre- dos te
go de atr anida te e
Ao lon a Hum diferen
en c i a m ed o d o entar,
Na visão de Lélia, portanto, ao silenciar o trato da sença negra, onde estão os homens e mulheres
e difer c i s mo, m e m repres
ceito,
r a se f a z is. A
questão racial e étnica nas salas de aula dos di- não brancos que fizeram a historia dessa na- Precon c u ltural i n t e lectua
en t o te s “não
ção?” Quem ouvira falar de um homem chama- e s c o n hecim s d e diferen u m e nto da
ferentes níveis de ensino, ao ignorar essa popu- é g
d
então,
atrav iro, ar té hoje
lação e seus descendentes, o sistema reforçava do Zumbi? Atores e atrizes negras não podem desde p o v o brasile o c i e d ade, a
enação
do ossa s um do
s
eficientemente a ideia da falsa democracia racial ser protagonistas em novelas? Mulheres negras miscig c i s m o em n i t o s como
er a u .
ncia” d a por m o país
brasileira, mascarando ao mesmo tempo o forte não podem chegar às universidades? As propa- existê r e sentad v i m ento d ol
lmente
a p
o dese
nv o l spanh
preconceito e as diferenças institucionalizadas gandas ignoram que também não brancos (as) é igua a s o d d o p i ntor e ),
tr ro
e c t o s para a 8 9 5 ) , quad c i o n a l (MNH
consomem seus produtos? E assim por diante... asp (1 a
há séculos. Uma falsa igualdade, portanto, for- de Cã órico N
R e d enção M u s e u Hist l das Ra
ças
temente marcada pelo desrespeito às diferenças! Às lideranças feministas, Lélia indagava sobre a A o d o v e r s a
, acerv so Uni o da
inserção e representatividade das outras mulhe- Gómez n o C ongres e s s a questã
Consequentemente, argumentava ela, o proces- lizado r
foi uti ilustra
res, aquelas negras em sua maioria pobres, nas 9 1 1 ) , para
so de “embranquecimento” desenvolvido por es/1 de
pautas de reivindicações. Aos representantes (Londr e n t r e nós.
r e a s teorias
l
anos a fio, acabava por dificultar a resistência a racia ais sob dessa
mistur n h ecer m tratam w.
de homens e mulheres afrodescendentes que, dos partidos políticos, cobrava coerência entre
e a p e n a c o
b o r d a m e
n í v e l em ww
Va l a o
promessas de palanques e ações de promoção e is que tá disp
assim, acabavam impedidos ou com grande difi-
n t e m e atua d o M NH es
defesa dos direitos das mulheres negras. o ervo .br.
culdade de se perceberem como tais: negros/as Lélia Gonzalez - 31-01-63 o. O ac al.com
questã icon a c i o n
e excluídos/as. E acrescentava a complexidade Pois então! A menina pobre, filha de uma dona Lélia Gonzalez - 21-05-66 histor
museu
ainda maior para aquelas que, além de negras, de casa, descendente de índios e de um pai Lélia Gonzalez - 03-06-68 | Acervo
Lélia Gonzalez
eram também do sexo feminino! negro, incomodava! Dessa forma, até que viesse
36 37
Antes, porém, de retomarmos a trajetória esco- Luiz Agassiz, que esteve no país e, a convite do
lar de Lélia Gonzalez, queremos destacar duas, imperador em 1866, proferiu uma série de cinco
dentre muitas histórias que acompanham essa palestras na sala do externato do colégio, mere-
instituição, onde Lélia ingressou em 1952. cem atenção:
Em suas dependências o imperador participou “(...) Era hora de aula quando fizemos a
de seu último ato oficial, presidindo a comissão nossa visita (...). Os alunos eram de to-
de um concurso para professores de inglês. Isso das as raças, viam-se entre eles negros
aconteceu em 14 de novembro de 1889, portan- e de todas nuanças intermediárias até o
to um dia antes de os militares assumirem o po- branco; e mesmo o professor de uma das
No tradicional Colégio Pedro II, no Centro do Rio de Liceu de Artes e Ofícios, der com a Proclamação da República. classes superiores de língua latina era
Janeiro, uma sólida formação no curso científico, Sociedade Propagadora de puro sangue africano. É uma prova de
concluída em 1954 | Museu da imagem e do Som-RJ de Belas Artes, na rua Também as anotações do paleontólogo suíço
13 de maio. Rio de que não existe o preconceito de cor. Esse
Janeiro, 1890 e Colégio professor havia feito as melhores provas
Pedro II, 1856
num recente concurso para a cadeira, e,
| Museu da imagem e do
Som-RJ por unanimidade, fora escolhido de pre-
ferência a vários brasileiros de ascendên-
cia européia, que se haviam escrito com
ele para ao cargo.”
E o Imperador do último país (AGASSIZ, Luiz & AGASSIZ, Elizabeth. Viagem ao
das Américas a decretar o fim Brasil 1938. p.170).
da escravidão recebe a jovem
negra... E assim, nesse tradicional colégio, Lélia prosse-
guiu sua formação escolar e, como mesmo desta-
No ano de sua fundação em 1837, o Colégio Pe- Em 1885, quando ao todo 20 meninas sentavam
caria mais tarde, deu continuidade ao processo
dro II, cujo nome é uma homenagem ao Impera- nas carteiras das salas de aula do Colégio Pe-
de “embranquecimento” alimentado pelas dife-
dor, reunia um total de 30 alunos, dos quais sete dro II, o ministro da Instrução, alegando dispor
Alunas do Colégio Pedro II, Rio de Janeiro, década de rentes salas de aula pelas quais passou.
tinham direito à gratuidade. Os pedidos encami- de verba apenas para a educação masculina, 1950 | Agência O Globo
nhados pelos familiares dependiam de análise e acabou com o ensino misto. Simples assim! As “(...) vocês podem imaginar como eu me
aprovação do Imperador. Só assim o índio Joa- alunas foram então transferidas em 1889, para sentia na aula de história quando a pro-
quim Peixoto conseguiu, em 1844, a admissão a Escola Normal, o Liceu de Artes e Ofícios ou fessora dizia que o negro era servil e o ín-
de seu filho no colégio. para o curso gratuito feminino do Externato do dio indolente! Logo eu, filha de pai negro
Instituição por décadas exemplo para o ensino Instituto Nacional de Instrução. Foi preciso e mãe índia!”4.
esperar por longos 38 anos, até que, em 1927, 4 Disponível em: http://www.leliagonzalez.org.br/his-
secundário brasileiro foi, exclusivamente, mas- toria.html. Acesso em: 12 de Janeiro de 2005.
culina até 1883, quando o professor de medicina Yvonne Monteiro da Silva, aos 17, obtivesse au-
Candido Barata Ribeiro obteve resposta positiva torização para ingressar no Pedro II.
à solicitação de inclusão de suas filhas Cândida Grande colaboração para essa “reconquista” das
e Leonor, no colégio. A partir da abertura des- meninas se deve também à atuação das partici- A Paleontologia é a ciência que
sa porta, também Maria Julia Picanço da Costa, pantes da Conferência pelo Progresso Feminino estuda os fósseis de animais e vegetais
Olympia e Zulmira de Moraes Kohn tornaram- em 1922, na capital do país (Rio de Janeiro) que que existiram no passado. Dia 15 de
-se alunas da instituição. Muito bom, sim! Mas cobraram publicamente das autoridades a corre-
Lélia: no meio dos livros, se dividindo entre os estudos, junho é o Dia do Paleontólogo.
o magistério e as publicações. Bairro da Tijuca, Rio de
definitivo, não! ção dessa injustiça histórica. Janeiro, 1968 | Acervo Lélia Gonzalez

38 39
Trocando uma ideia...
E por falar em Copa do Mundo, o que
você conhece sobre a seleção brasileira
feminina de futebol? Pois é! Saiba que
também com a bola elas são craques.
Vale a pena conhecer mais sobre a parti-
cipação delas nas competições nacionais
e internacionais.

Diploma de Bacharel em Ciências e Letras,


Colégio Pedro II, 1954| Acervo Lélia Gonzalez

Um golaço e uma bola fora...


“É uma prova de que não existe o preconceito de nambuco. Os resultados evidenciaram o precon-
cor!”. Essa afirmação entusiasmada de Agassiz ceito e a discriminação racial no Brasil, e ressal-
sobre a Terra Brasilis, proferida pouco antes da taram a existência de uma forte correlação entre
virada para o século XX, é mais uma evidência cor ou raça e status socioeconômico.
da ação de “embranquecimento” de nossa socie- Todo esse processo contribuiu, ainda, para dar
dade denunciada por Lélia bem mais adiante. força e visibilidade aos debates que já vinham
Como sabemos, o suíço não foi o primeiro e úni- sendo promovidos por lideranças e intelectuais
co a se enganar! Menos ainda o último! negros brasileiros/as, como os da Frente Negra
Brasileira (FNB) e do Teatro Experimental do
O discurso da sociedade brasileira quanto à exis-
Negro (TEN), referidos anteriormente.
tência da democracia racial, confortável e útil às
lideranças políticas e classes economicamente Estimulou também o interesse de muitos bra-
favorecidas, apesar de apontado como farsa des- sileiros/as envolvidos/as nas pesquisas, que
de os movimentos abolicionistas e com maior prosseguiram estudos críticos sobre as relações
força a partir da década de 1930 e 1940 através raciais brasileiras nas décadas seguintes (1970
da imprensa negra, como vimos, consolidou-se e 1980).
como a imagem interna e externa do país. Pois então! Na década em que ganhamos pela
Tão forte era essa impressão da integração entre primeira vez o troféu de país campeão da Copa
as raças, que, no início da década de 1950, a Or- do Mundo (1958), também marcamos um gol
ganização das Nações Unidas para a Educação, a contra! Ficamos longe de receber o troféu de
Ciência e a Cultura (UNESCO), como parte de um país campeão da democracia racial!
projeto que visava combater os horrores étnicos E nesse contexto, Lélia concluiu, em 1954, no
e o racismo praticados por ocasião da Segunda Colégio Pedro II, o ensino médio. Nada mal para
Guerra Mundial, resolveu estudar a democracia uma menina negra de origem humilde, que se
racial brasileira e “ensiná-la” ao mundo. Equi- Nota sobre o Iº Congresso do Negro Brasileiro, Jornal
tornou a primeira dos filhos de Urcinda e Acácio
Quilombo, Rio de Janeiro, 1950| Acervo Ipeafro
pes de pesquisadores/as foram a campo no Rio a ter um diploma que lhe permitiria voar mais
Jornais da Imprensa Negra, século XIX/XX |Acervo Centro de
de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Per- alto. E foi o que ela fez! Memória Mulheres do Brasil/REDEH

40
Histó
Geogr
Filos
História,Geografia,
Filosofia e...
Paixão!
O Coração bate mais
forte na UEG...
Chegamos agora com Lélia à Universidade do
Rio de Janeiro, posteriormente transformada em
Universidade do Estado da Guanabara (UEG) e Fachada da Universidade Estadual do Rio de Janeiro –
UERJ, 1986 | Foto Robson de Freitas / Agência O Globo
hoje Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ).
A razão de tantos nomes para uma única insti- TOME NOTA Na antiga Universidade do Estado da Guanabara, atual
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Lélia
tuição? As mudanças ocorridas na cidade, que, O Fundo de Financiamento em 1958, aos 23 anos, torna-se bacharel em História e
Geografia, e em 1962, bacharel em Filosofia | Acervo Lélia
com a transferência da capital para Brasília em Estudantil (FIES) é um programa Gonzalez
1960, tornou-se Estado da Guanabara e, mais do Ministério da Educação Em Teresópolis, na Região Serrana do Rio de Janeiro, em
adiante em 1975, a partir da fusão com o restan- 1961 | Acervo Lélia Gonzalez
(MEC) destinado à concessão
te do estado do Rio de Janeiro, transformou-se
de financiamento a estudantes
em município.
regularmente matriculados em
Assim Lélia, além de haver superado um modelo
Ou seja, trocando em miúdos, podemos dizer cursos superiores não gratuitos vigente há muito na própria família, de que seus
que Lélia começou seu curso superior na capi-
e com avaliação positiva nos membros não iam além do ensino elementar,
tal do país, então Rio de Janeiro - bacharelado
processos conduzidos pelo MEC. rompia simultaneamente a barreira social que
e a licenciatura em História e Geografia (1958
Para saber mais sobe esse fazia rara a presença negra em sala de aula, so-
e 1959) -, e o concluiu no estado da Guanabara
programa criado em 1999. bretudo a feminina.
– Filosofia (graduação 1962 e bacharelado ano
posterior), com Brasília já inaugurada. Feita a matrícula, uma questão, comum ainda
Indústria automobilística - Juscelino Kubitschek na
hoje, se fazia presente aos jovens de classe popu- inauguração das instalações da Ford, 21/11/1958 |
Acervo Iconographia
lar: como me sustentar e permanecer na faculda-
Comissão aprova cota racial e social para 50% das vagas em federais. de? No caso de Lélia, não foi diferente. A solução As coisas caminhavam. O suicídio de Getúlio
foi uma extensa jornada de trabalho, como pro- Vargas em 1954, e a chegada de Juscelino
Regra valerá para aluno que tenha feito todo ensino médio na rede pública. Agora, texto segue para
fessora, nos colégios Piedade, Andrews e Aplica- Kubitschek ao poder em 1956 levaram o
votação em plenário e para sanção presidencial. O projeto combina cota racial e social.(...)
ção da UEG. Neles Lélia tinha a responsabilidade país ao período desenvolvimentista. A classe
As vagas reservadas serão preenchidas de acordo com a proporção de negros, pardos e índios na
de apresentar a filosofia aos alunos/as. media brasileira se estruturava e o Brasil
população de cada unidade da federação onde está instalada a instituição de ensino. O restante da
Posteriormente, também docente no terceiro experimentava uma era de industrialização
cota será distribuído entre os demais alunos que cursaram o ensino médio em escola pública (...).
grau, respondia pelo ensino de história moderna financiada pelo capital estrangeiro e pelo
Confira a matéria na integra acessando:
Adaptado de http://g1.globo.com/vestibular-e-educacao/noticia/2012/06/comissao-aprova-cota-racial-e-social- na Faculdade Educacional e Universitária Cam- endividamento externo. Uma nova capital para o
-para-50-das-vagas-em-federais.html pograndense (FEUC). país estava em fase final de construção.
43
Luiz Carlos institu
ída em 16
de
de

1964
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2 8 / 2 0 11 e
a l d a Ver
lei 125 cion ância
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d a pela m i s s ão Na c i r cunst
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d e 2012 e c e r fat i t o s huma
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ma escla de di ção
N V ) busca v i o lações c i a l aten
(C ve s sp e olpe
s o s de gra 1 9 8 8 , com e d o pelo G
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a 1946 e instal nclui,
d a s e ntre d o r egime a ção i
oc o r r i e n t e s a t u
decorr camp
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f atos e u , violaç
a o s 1964 . S b é m l e o
élia , a d o de t i g a r tam i a sexua
65 e L s t e s c
os, 19 de E te, inv violên eiros,
zalez
amen tura, trang
C a rl n
Luiz rvo Lé
lia G o
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simul m cont
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1971
o s h uman c o m etidos icalis
tas.
direi t t a d o , e s i n d
e Es eres
ismo d , mulh
terror , indí g e n a s
oneses
camp
A felicidade vivida pelo casal não era, entretan-
to, compartilhada pela família dele. O envolvi-
mento com uma moça negra não era aquilo com
o que haviam sonhado os pais do rapaz de ori-
As muitas alegrias gem espanhola. O namoro, contudo, prosseguiu
e dores de uma paixão e a relação tornou-se mais séria. A decisão de se
com P maiúsculo... casarem em 1964, coincidiu com o golpe militar
Para além dos filósofos em sala de aula, nos que ocupou o governo e deu início a um período
corredores da faculdade, uma Lélia, então ainda de repressão política.
“embranquecida”, debatia com colegas questões A reação da família de Luiz foi a pior possível.
próprias de sua idade e de seu tempo. Por isso, Morando no Bairro da Tijuca, o casal passou a
o lançamento do satélite de comunicações Sput- conviver e enfrentar tanto a turbulência políti-
nik, pelos Russos, em 1957, o surgimento da pí- ca quanto a familiar. Nada fácil, não é mesmo?
lula anticoncepcional em 1960, a entrada do pri- Uma ideia da situação vivida por Lélia nesse
meiro homem no espaço, o russo Yuri Gagarin, período pode ser percebida em sua própria fala:
e a construção do muro de Berlin em 1961, bem “Quando chegou a hora de casar, eu fui me ca-
como as transformações econômicas e culturais sar com um cara branco. Pronto, daí aquilo que
da sociedade brasileira certamente estavam en- estava reprimido, todo um processo de interna-
tre esses assuntos. lizarão de um discurso democrático racial veio à
E foi no meio de tudo isso que os olhares de Lélia tona. E foi um contato direto com uma realida-
de Almeida e Luiz Carlos Gonzalez se cruzaram. de muito dura. A família do meu marido achava
Mais que isso, se fundiram! Amor à primeira vis- que o nosso regime matrimonial era, como eu
ta… como confidenciaria muitas vezes, aos ami- chamo, de concubinagem, porque mulher negra
Golpe de Estado: Em 1964 os militares tomaram o poder. Tem início 20 anos de ditadura no Brasil. Período de tortura,
gos mais íntimos, até o final da vida. A relação não se casa legalmente com homem branco; é silêncio e exílio para muitos dos que eram contrários ao regime | Agência O Globo
com Luiz mudaria seu presente e influenciaria uma mistura de concubinato com sacanagem em
para sempre seu futuro! última instância”5.
44 45
A situação se deteriorou ainda mais quando a família dele desco-
briu que eram legalmente casados: “(...) eu me transformei numa
prostituta, numa negra suja e coisas assim desse nível. Mas, de
qualquer forma, meu marido foi um cara muito legal, ele sacou
todo o processo de discriminação da família dele e ficamos juntos
até sua morte”6. O casamento durou até 1965 quando Luiz Carlos
se suicidou.
Em entrevista ao jornal Pasquim em 1986, Lélia, se referindo às
dores profundas que o episódio deixou em sua vida, declarou que
o marido não havia aguentado a pressão da família: “Ele encheu
o saco e rompeu relações com a família de novo. As relações com
a família dele eram muito complicadas, tão complicadas que ele
acabou se matando”7.
As muitas saudades e o sobrenome Gonzalez, que incorporou e
levou consigo até o final da vida, não foram as únicas coisas que
a marcaram nesse episódio. Para Lélia, o encontro, a situação
vivida ao lado do marido e seu suicídio a despertaram para sua
condição de mulher negra.
O sofrimento colaborou para romper o processo de “embranque-
cimento” do qual, até então, havia sido refém! Lélia sentira na
pele negra a hipocrisia da inclusão racial tão apregoada pela so-
ciedade brasileira.
Ao regressar da casa de uma amiga em Barbacena (MG), onde
se refugiou por um tempo em busca de forças para se recuperar
da tragédia, dá curso à vida! Retomando aos poucos o trabalho,
dedica-se integralmente à tradução de textos filosóficos, ativida-
de que havia iniciado em 1964, com o livro Curso Moderno de
Filosofia. Também para a Editora Freitas Bastos, logo a seguir,
traduz dois volumes de Compêndio Moderno de Filosofia.
Primeiras traduções do francês para o
português, 1964/1966 | Acervo Lélia Gonzalez
5 GONZALEZ, Lélia. Lélia fala de Lélia. Revista Estudos Feministas, n.2,
2º semestre de 1994, p. 383-386. Disponível em: http://www.ieg.ufsc.br/
admin/downloads/artigos/30102009-034559lelia.pdf. Lélia na casa de uma aluna no Bairro da Tijuca, Rio de Janeiro, 1965 | Acervo Lélia Gonzalez
Praça Saens Peña, Bairro da Tijuca, Rio de Janeiro, década de 1950 | Acervo Iconographia
6 GONZALEZ, Lélia. Lélia fala de Lélia. Revista Estudos Feministas, n.2,
2º semestre de 1994, p. 383-386. Disponível em: http://www.ieg.ufsc.br/
admin/downloads/artigos/30102009-034559lelia.pdf.

7 Entrevista. Jornal O Pasquim, Rio de Janeiro, ano XVII, 20/03 a 26/03 de


1986, n. 871, p.08-10. (Acervo da Associação Brasileira de Imprensa).

46 47
em 1961, lá na maternidade em São Cristóvão, Como consequência, centenas de pessoas “per-
em frente à Quinta da Boa vista, [ela] foi me visi- deram” seus direitos políticos e vários parla-
tar e minha mãe biológica imediatamente disse: mentares tiveram seus mandatos cassados. E
‘toma que o filho é seu!’”8. não ficou por aí! Funcionários públicos de dife-
A ligação com o menino que, ao começar a falar, rentes setores foram aposentados à revelia ou
chamava ambas de mãe, tornou-se mais forte demitidos.
após o falecimento de Dona Urcinda, em 1967, A gravidade da situação fez com que muitos bra-
aos 69 anos. Dora foi morar em Petrópolis, na sileiros/as tivessem que deixar o país e partir
Os irmãos Rubens, Roberto e Roselívia, sobrinhos região serrana do estado do Rio de Janeiro. Lé- para o exílio, como forma de continuar vivo. Ho-
de Lélia, Rio de Janeiro, 2012 | Foto Antonia Ceva /
Acervo Centro de Memória Mulheres do Brasil/REDEH
lia então assumiu totalmente Manéu até 1970, mens, mulheres, jovens e crianças, algumas, in-
quando ele então retornou à companhia da mãe, clusive, nascidas no exterior, e que, apenas em
Perdas e ganhos... passando os finais de semana com a tia. 1979, com a Lei da Anistia, puderam pisar no-
O apoio recebido por parte da família e amigos vamente, ou pela primeira vez, no solo da pátria
foi essencial para que, aos poucos, fosse se re- 8 Entrevista de Rubens Rufino concedida para o “Pro- amada gentil. Dentre os que ficaram, há aqueles
Fotobiografia Paulo Freire, 2005 (Projeto
jeto Memória – Lélia Gonzalez” no dia 20 de outubro que “desapareceram” para sempre e os que so- Memória) | Foto Elizabete Braga
cuperando. A dor da perda foi sendo minimiza- de 2011, em Brasília.
da também, ao longo do tempo, por dois impor- breviveram na clandestinidade.
tantes acontecimentos. O convívio com o filho
e, mais adiante, pelo encontro de outra grande Uma década que valeu
O educador nordestino Paulo Freire foi um dos muitos exilados políticos durante
paixão! Falamos do engenheiro Vicente Marota por cem anos...
o Golpe Militar. Dedicou sua vida à defesa de uma pedagogia que contribuisse
com quem esteve junto até 1976. Não apenas a vida pessoal de Lélia enfrentou si-
para a leitura de mundo e emancipação da sociedade. Em seu último livro,
Acontece que Dora, a Maria das Dores, uma de suas tuações difíceis e de transformações na década
Pedagogia da Indignação, publicado em 2000, criticou o assassinato do índio Galdino,
irmãs, estava separada do marido e com três filhos, de 1960, mas também o Brasil e o mundo.
queimado por um grupo de adolescentes em Brasília, no ano de 1997. Freire foi
quando engravidou e recebeu de Lélia a promessa de No dia 31 de março de 1964, os militares assu- homenageado no Projeto Memória em 2005. Acesse: www.fbb.org.br/acoes-programas/
que teria sua ajuda para criar o menino. miram o poder e a política passou a ser contro-
educacao/projeto-memoria.
Sobre isso, o próprio Rubens Rufino, chamado lada através dos Atos Institucionais, conhecidos
carinhosamente pela mãe de “Manéu”, destaca a como os AIs. Um dos mais duros foi o AI nº 05,
importância dela em sua vida: “Quando eu nasci, o qual concedia plenos poderes ao Presidente da A ditadura fazendo escola...
República e estabelecia a censura aos meios de Bases da Educação Nacional (LDB), em 1971,
Tanto quanto outros setores da sociedade brasi- evidenciou o papel tecnicista da educação, ob-
comunicação. Apenas em 1985, o país voltaria
leira, a educação brasileira, entendida pelo novo jetivando preparar as classes populares para o
Perseguições políticas não são a ter um presidente civil, Tancredo Neves, eleito
regime como essencial à manutenção da ordem mercado de trabalho.
novidade na história do país. Em 1910, o indiretamente pelo Colégio Eleitoral. O gostinho
imposta e fundamental ao desenvolvimento de
marinheiro negro João Cândido liderou a das urnas, porém, só seria experimentado pelo Na prática, entretanto, nas décadas que viriam,
um país moderno e desenvolvido, foi profunda-
Revolta da Chibata, contra o uso do chicote povo em 1990, através da eleição direta para nem a criação do vestibular garantiu o acesso
mente marcada pelo golpe.
em castigos aplicados aos marinheiros. presidente. das classes populares ao ensino superior públi-
Apesar de anistiado com os companheiros Alunos e professores não escaparam ilesos e co, considerando-se que, para “passar” nas pro-
Logo nos primeiros dias, após o golpe de 1964, a
ao final do movimento, foi expulso da foram perseguidos. Não poucos mestres foram vas, era preciso dominar um conteúdo que não
junta militar que assumiu o governo deu início a
marinha e perseguido. www.fbb.org.br/ demitidos e universidades invadidas. A União tinham ao final do então segundo grau. Menos
uma acentuada repressão aos setores contrários
acoes-programas/educacao/projeto-memoria Nacional dos Estudantes (UNE) foi fechada. ainda o Mobral, após milhões investidos, alfabe-
ao novo regime, identificados como esquerda e
politicamente mais organizados. A promulgação da Lei 5.692 de Diretrizes e tizou de fato os brasileiros.
48 49
Afinal, que interesse teria um regime ditatorial
na reflexão proposta por essas disciplinas?
Lélia investiu, ainda, na psicanálise, antropo-
logia, candomblé e meditação. Na verdade, sua
trajetória pode ser entendida como a de alguém
que busca compreender a própria existência.
Foi por ocasião dessas “andanças” que conheceu
Vicente Marota, que lhe apresentamos anterior-
mente.
O fato é que Lélia não apenas resistia, mas
acompanhava o que acontecia também mundo
afora. O que não era pouca coisa. E certamente
O fogo destrói o prédio da UNE na Praia do Flamengo, Rio de Janeiro, março de 1964 | Agência O Globo
nos momentos de descontração, ouvia na vitrola
discos de vinil com os últimos sucessos da Bossa
portantes fotógrafos do Movimento Negro brasi-
Nova, estilo musical brasileiro surgido no final
A Constituição leiro e ex-presidente do Instituto de Pesquisas
dos anos 1950.
de 1967 estabeleceu das Culturas Negras (IPCN), a resistência de
Através dos jornais, do rádio e da televisão, inau- Lélia Gonzalez e Eliane de Almeida, agosto 1969
pela primeira vez Lélia à opressão foi principalmente acadêmica: | Acervo Lélia Gonzalez
gurada no Brasil em 1950, Lélia acompanhava
a obrigatoriedade
“Aos sábados, ela reunia um grupo de notícias sobre Movimentos Feministas na Euro-
do ensino até os 14
estudantes e amigos em sua casa para pa e nos Estados Unidos, passeata de estudantes
anos. Para combater
discutir filosofia. Era uma fase de exis- na França e fortalecimento do Movimento Negro
o analfabetismo, foi
tencialismo, Simone de Beauvoir, Althus- nos Estados Unidos, que buscavam desconstruir
criado o Movimento
ser, foi a partir dessas discussões que ela preconceitos e modelos de submissão às regras
Brasileiro de
cartaz Mobral | Acervo
me convidou para participar e iniciamos sociais arbitrariamente estabelecidas. Além dis-
Alfabetização (Mobral).
Iconographia uma grande amizade e parceria para toda so, muitos livros também lhe faziam companhia.
a vida” 9 .
Essas rodas de conversa ocorreram após Lélia 9 Entrevista de Januário Garcia concedida para o
Duros tempos! Contudo, nem todo mundo foi haver retomado, em 1968, a atividade de tradu- “Projeto Memória – Lélia Gonzalez” no dia 28 de se-
tembro de 2011, Rio de Janeiro.
contra o que estava acontecendo! Parte da Igre- tora que conciliava com o magistério. Na oca-
ja Católica, da classe média, da imprensa, dos sião, estava envolvida com O Pensamento, de
educadores, dos latifundiários e dos empresá- Denis Huisman e André Vergez. Lélia dominava
rios comemorou e apoiou o golpe. A justificati- bem o idioma francês, aprendido durante sua
va apresentada pelos militares de impedir que passagem pela Escola Rivadávia Corrêa. Disco de João Gilberto, lançado em 1959

o Brasil se tornasse comunista como acontecera E esses encontros tratavam justamente de filoso-
com Cuba, encontrou respaldo também por par- fia, disciplina retirada das escolas em 1971 pelo
te de alguns políticos e do governo americano. governo militar e que, apenas em 2008, voltou a Um disco de vinil do cantor João Gilberto com as músicas Chega de
Nesse quadro, como outros brasileiros, Lélia ser oferecida aos alunos do ensino médio. A so- Saudade (Tom Jobim e Vinicius de Moraes) e Bim Bom (do próprio cantor)
buscou formas de enfrentar o que acontecia à ciologia também enfrentou trajetória acidentada marcou a chegada da Bossa Nova. Vários foram os/as cantores/as que
sua volta. Para Januário Garcia, um dos mais im- nesse período. E não é difícil entender o porquê! adotatram esse estilo musical brasileiro, que se tornou internacionalmente conhecido.
50
assim, lá foi ela em busca de respostas para as “Lélia lia tudo e sabia o suficiente sobre Um fato interessante ilustra o que estamos fa-
muitas e muitas questões que lhe ocupavam a Hegel, por exemplo, para chamá-lo de lando. Alguns amigos recordam que, certa vez,
cabeça. Mas por onde mesmo começar? ‘cretino’, porque esse dizia que África não voltando de um evento do qual havia participado
Buscar conhecer. Sua primeira opção! Em de- tinha história”10. no bairro de Botafogo (RJ), sofreu um leve aci-
terminado momento, se deu conta de que, da dente de carro. Para disfarçar a cicatriz, passou
À medida que avançava na reescrita da própria
mesma maneira como o racismo se manifesta de a usar uma larga faixa colorida na testa, com
vida, Lélia enegreceu como um todo! Suas rou-
diferentes formas, também seu “embranqueci- motivos africanos, que acabou tornando-se uma
pas, cabelo e adornos (colares, brincos, anéis)
mento” derivava e havia se concretizado através tendência entre mulheres negras.
adotaram a estética afro. Assim, ao mesmo
e a partir de fatores distintos. O “desembranque- tempo em que divulgava um modelo de beleza
10 FELIPPE, Ana Maria. Para (re) ver Lélia Gonzalez.
cimento” estava em processo! E era irreversível! pouco prestigiado pela sociedade brasileira de Revista Eparrei, 1º semestre/2003, Ano II – nº 04.
Afinal, concluiu ela, todas as teorias e “verda- então, enfatizava ser o espaço do corpo feminino Publicação da Casa de Cultura da Mulher Negra –
des” que conhecia e, mais que isso, passava negro também elemento de resistência política Santos/SP.

adiante em suas aulas, eram exclusivamente ao sistema. Assim era Lélia! E tudo isso fazia 11 GONZALEZ, Lélia. Lélia fala de Lélia. Revista Estu-
europeias. Sua cabeça era fruto de uma visão de parte da viagem para se assumir negra, ela que, dos Feministas, n.2, 2º semestre de 1994, p. 383-
386. Disponível em: http://www.ieg.ufsc.br/admin/
mundo eurocêntrica, processo sobre o qual ante- tempos antes, negava seu cabelo crespo
downloads/artigos/30102009-034559lelia.pdf.
Discípula de Lacan. Um “encontro” com Lacan e consigo riormente conversamos. Logo, era fundamental
mesma. Lélia tornou-se uma apaixonada pela psicanálise “(...) eu usava peruca e esticava cabelo
de Jacques Lacan | BOTTI/Gamma-Rapho via Getty Imagens
conhecer autores africanos para interpretar a
(...)”11.
Cartão Postal, 1979. Filha de Oxum. No candomblé, um cultura brasileira.
mergulho nas suas origens de mulher negra | Acervo Lélia
Gonzalez
E nesse momento de vida, lá foi ela buscar uma
reconciliação com as próprias origens. Iniciou
estudos sobre a psicanálise lacaniana e o can-
Lélia se percebendo: domblé – religião de matriz africana.
uma pele negra em uma cabeça
Foi a fundo! Ou seja, agiu com a mesma maneira
ainda “embranquecida”...
intensa que dedicava a tudo com o que se envol-
Como pudemos acompanhar na trajetória de
via. Logo, a literatura africana, em detrimento
Lélia Gonzalez, a consciência do processo de
dos filósofos ocidentais, passou a ocupar sua
“embranquecimento”, como ela mesma o cha-
mesa de trabalho e seu tempo.
mava, deu-se gradativamente. De certo, que a
Como aconteceu com Hegel (filósofo alemão),
situação vivida com a família de Gonzalez, seu
antigos conhecidos não escaparam de críticas,
primeiro marido, em muito colaborou para essa
relatou a amiga Ana Maria Felippe:
tomada de consciência, contudo, não foi essa a
única razão.
A sua atuação na academia a fazia conviver com Jacques-Marie-Émile-Lacan,
um universo majoritariamente branco nos co- médico e psiquiatra francês, Lélia Gonzalez. Ladeira dos Guararapes, Cosme Velho, Rio de
Janeiro, década de 1980 | Acervo JG/Foto Januário Garcia
légios e nas faculdades onde lecionava. E isso nasceu em 1910. Para conhecer
tanto se aplicava aos colegas quanto aos alu- mais sobre seus estudos acesse:
nos. Onde mesmo estariam as negras e os ne- www.psicanaliselacaniana.com/
gros pensava Lélia. Quis o destino que a filha de jacqueslacan/cronologialacan.html.
Acácio e Urcinda fosse “uma mulher de agir”. E,
52 53
Rosa Parks recebeu em 1996 a

ABDIAS
“Medalha Presidencial pela Liberdade”.
Em 1999 o Congresso americano

MANDELA
outorgou a ela a Medalha de Ouro, a
mais alta honraria oficial concedida a
um civil. Em 2000 foi inaugurado um
museu com seu nome em Montgomery.

PARKS
Somente homens livres podem negociar.
Prisioneiros não assinam contratos.
Nelson Mandela, quando solicitado a negociar a sua libertação.

TORNADO KING
Nelson Mandela | Paul Velasco/
Gallo Images/CORBIS

Toni Tornado e Trio Ternura


cantando no V Festival
Internacional da Canção,
1970 | Foto Adhemar Veneziano
Abdias do Nascimento, 2001
| Acervo Ipeafro/ Foto Bia Parreiras

Rosa Parks | Bob Adelman/Corbis


Marthin Luther King | Flip
Schulke/CORBIS

54 55
xou com ele seu acervo pessoal de fotos, escritos
e documentos.
A questão racial estava em pauta! Tanto aqui
como no exterior. Vimos anteriormente que já
desde a década de 1940, lideranças negras bra-
sileiras lutavam e exigiam publicamente o reco-
nhecimento de uma identidade negra. Na década
de 1970, O V Festival Internacional da Canção,
no Rio de Janeiro, apresentou ao público o ator e
cantor negro Tony Tornado, que, recém-chegado
de uma temporada na América do Norte, com
sua roupa e cabelos ao estilo Black, divulgou a
estética da resistência negra norte-americana.
E, já que falamos dos Estados Unidos, foi lá que,
em 1955, a costureira negra Rosa Parks se re-
cusou a ceder o seu lugar no ônibus para um
homem branco, no estado do Alabama, contra-
Rosa Parks (centro), acompanhada por seu advogado, Charles D. Langford
riando a legislação de apartheid racial que então (à direita) indo ao tribunal sob a acusação de violar as leis de segregação de O termo apartheid
vigorava. Ela, que na ocasião foi presa e recebeu Montgomery, onde pelo menos 40 negros foram presos por boicotar ilegalmente
linhas de ônibus em protesto contra assentos reservados para os brancos
se refere à política racial
uma multa pela atitude, é considerada um dos | Bettmann/CORBIS implantada na África do
símbolos da luta racial americana pelos direitos
Sul. Na ocasião, a minoria
civis.
Lélia a lápis. Homenagem rabiscada em 1979
escola. Como as autoridades locais se negaram a lhe dar proteção, branca era a única a
| Mario Floricio/Acervo Lélia Gonzalez
Em sua defesa, saiu também o pastor negro Mar- poder votar e controlava
policiais federais foram designados para acompanhá-la contra a
tin Luther King, que viria a se tornar um dos todo o poder econômico
multidão enfurecida. E não é que, naquele ano letivo, Ruby foi a
“(...) A partir daí fui transar o meu povo maiores porta-vozes da luta negra, organizando do país. O apartheid
única criança a frequentar a escola? Todas as demais foram reti-
mesmo, ou seja, fui transar o candomblé, um boicote ao sistema público de transporte que perdurou de 1948 a
radas por seus pais. Veja só a que ponto chegou a intolerância!!!
macumba, essas coisas que eu achava perdurou por longos 381 dias. Sobre tudo isso, 1993.
que eram primitivas” 12. E lá na África do Sul, outro acontecimento ilustrativo de resistên-
é importante saber que o movimento de direi-
cia ocorreu após a detenção de Nelson Mandela em 1962, o prin-
O encontro com o candomblé permitiu que Lélia, tos civis pela defesa da igualdade nos EUA teve
cipal representante do movimento contra o apartheid instalado no
internamente, se sentisse mulher negra, resta- inicio com esse boicote e resultou, em 1964, no
país, gerando uma série de manifestações da população negra sul Tome Nota
belecendo ligação com as origens de sua ances- Civil Rights Act, lei que proibiu a discriminação
americana e internacional ao longo das quase três décadas em que Para conhecer mais
tralidade africana. Contudo, seu compromisso racial em locais públicos.
esteve encarcerado. sobre características
com a religião, segundo Jair de Ogum, líder es- Famosa também é a história de Ruby Bridges,
piritual do Ilê Oxum Apará, terreiro de umbanda e diferenças entre
menina negra de Nova Orleans. Aos seis anos,
12 GONZALEZ, Lélia. Lélia fala de Lélia. Revista Estudos Feministas, n.2, 2º
instalado no bairro de Itaguaí (RJ), restringiu-se em 1960, valendo-se da decisão da Suprema UMBANDA e
semestre de 1994, p. 383-386. Disponível em: http://www.ieg.ufsc.br/admin/
aos estudos sobre a religião, pois “Lélia não dei- Corte americana, que ordenou às escolas públi- downloads/artigos/30102009-034559lelia.pdf. CANDOMBLÉ, pesquise
tou santo”. Para além de seu mentor espiritual, cas a matrícula de alunos negros, Ruby enfren- na internet: Religiões
“Pai Jair”, como ela o tratava, tornou-se grande tou hostilidades e ameaças de manifestantes Afro-brasileiras.
amigo. Não por acaso, antes de falecer, Lélia dei- desde o primeiro dia em que tentou chegar à
56 57
INPC
Resistências por todos os lados e de todas as formas... Os tempos não eram nada fáceis! Em Copacabana (RJ)
o Teatro Opinião, utilizado pelo pessoal do TEN para a
Lélia brincava atribuindo a Januário Garcia a responsabilidade por seu envolvimento com a mili-
apresentação de peças contra a ditadura militar, sofreu
tância da causa negra. De fato, foi por um convite desse grande amigo que passou a participar de
um atentado. Uma bomba, posta pelo Comando de Caça
reuniões do Centro de Estudos Afro-Asiáticos (CEAA) da Universidade Cândido Mendes (UCAM), no
aos Comunistas (CCC) em 1968, causou estragos, mas
período 1973-1974.
não terminou com a disposição do pessoal. Aliás, a dis-
Lá travou contato com muitas outras mulheres, também negras, que se debruçavam na análise de sidência de parte desse grupo deu origem, em 1975, ao
textos e promoviam debates sobre as relações étnico raciais no Brasil. Maria Beatriz Nascimento, Instituto de Pesquisa das Culturas Negras (IPCN), no
que anos depois seria considerada uma referência nos estudos sobre quilombos, foi uma delas. bairro da Lapa (RJ), onde Lélia atuou na Assessoria Po-
lítica.
E mais havia! Nos subúrbios cariocas e nas favelas, uma
mistura de funk, soul americano, samba e jazz invadia
o Rio de Janeiro e envolvia jovens e militantes negros/
as, caracterizando-se como significativo espaço de luta
e resistência negra. O Black- Rio, como ficou conhecido,
espalhou-se por outras regiões do país e mereceu des-
taque pelas mãos da jornalista Lena Frias, que, através
do Jornal do Brasil, onde escrevia, assinou a matéria O
Orgulho (importado) de ser negro no Brasil em 1976, Fachada do Instituto de Pesquisa das Culturas Negras
(IPCN), Bairro da Lapa, Rio de Janeiro | Foto Antonia
caracterizando-o como próprio de uma juventude negra Ceva / Acervo Centro de Memória Mulheres do Brasil/REDEH
organizada, com códigos, modos de vestir semelhantes
ao da resistência negra norte-americana.

Reunião da Diretoria do Instituto de Pesquisa das Culturas Negras – IPCN, Rio de Janeiro, 1986/1987 | Acervo JG/Foto Januário Garcia Dentre os muitos atores e atrizes
que começaram suas carreiras no Teatro
Experimental do Negro, destaca-se Ruth de
Souza. Uma das fundadoras do TEN, essa
carioca, filha de uma lavadeira e de um
lavrador, foi uma das primeiras atrizes negras
a representar no palco do Teatro Municipal do
Rio de Janeiro, na década de 1940.

Ruth de Souza, 2006


| MOSKOW/Abril Comunicações S/A

58
MNU Ainda em 1976, na Escola de Artes Visuais do Parque Lage,
no bairro da Gávea (RJ), Lélia deu inicio de maneira pioneira
ao primeiro Curso de Cultura Negra. Naquele espaço que se
configuraria nas décadas seguintes como de expressão artís-
tica e de intelectualidade negra, propunha uma análise da
contribuição africana na formação cultural brasileira.
Embora Lélia não desconsiderasse a contribuição de bran-
cos/as e índios/as na composição da nacionalidade brasileira,
suas aulas enfatizavam o papel do negro na composição da
Uma Carta Aberta,
lida à população nas
escadarias do Teatro
Municipal de São Paulo,
marcou e consolidou a
criação do MNU. Confira o
conteúdo em: GONZALEZ,
Lélia & HASENBALG,
Carlos. . Rio de Janeiro:
história do país. Defendia que o conceito de cultura deveria Página ao lado e acima: Ação do Movimento Negro Unificado (MNU) – Zumbi está vivo –
Marco Zero, 1982.
ser analisado e pensado em sua pluralidade e servir como Ato público na Cinelândia, Rio de Janeiro, 1983 | Acervo JG/Foto Januário Garcia

elemento de conscientização política.


Preocupada em romper com uma formação unicamente aca- Na madrugada de
dêmica, o curso incluía aulas práticas de dança afro-brasileira 25 de janeiro de Enegrecendo Brasil afora...
e capoeira e também a participação dos alunos em um ritual 1835, ocorreu em
de candomblé – religião de matriz africana. Apesar dos resultados positivos e da boa avaliação dos alunos, Lélia não
Salvador (BA) a Revolta
se sentia satisfeita com o fato de o curso ser frequentado pela classe
“Eu não sabia nada sobre Candomblé, tinha medo dos Malês organizada
média carioca e não por segmentos das classes populares. Ela queria
até de passar na entrada de um terreiro. Quando saí por escravizados de
mais! Na verdade, ela queria trazer para o foco da discussão mais e mais
pelo mundo para divulgar Xica da Silva, as pessoas origem muçulmana,
mulheres negras do povo. Entretanto, tinha também consciência de que
me perguntavam sobre cultura negra e eu não sabia de língua iorubá,
o falso discurso da democracia racial, na prática, acabava por tornar-se
nada. Então fiz um curso com a antropóloga Lélia chamados de nagôs. Para
um dos obstáculos que enfrentava. Afinal, pensavam muitos, para que
Gonzalez e dele fazia parte assistir a um ritual de conhecer mais sobre
discutir a temática racial em um país no qual “não havia preconceito” e a
Candomblé”13. esse importante episódio
integração estava consolidada?
Maria Beatriz Nascimento. Sergipana, da história brasileira
historiadora e pesquisadora, 1978 pesquise por: Revolta dos O fato é que à frente desse curso permaneceu de 1976 a 1978, ocasião
13 Entrevista de Zezé Mota à Revista Raça Brasil, s.d. Disponível em:
| Foto Elisa Larkin Nascimento / Acervo Lélia em que passou a lecionar na Pontifícia Católica do Rio de Janeiro (PUC).
http://www.cultura negra.com.br, Acesso em: 06 de julho de 2012. Malês.
Gonzalez

Luísa Mahin, negra e Foi, contudo, à militância que dedicou a maior parte do tempo. Nesse
ex-escrava, participou período, foi cofundadora do Movimento Negro Unificado Contra a Discri-
ativamente da minação e o Racismo (MNUCDR), em 1978, em São Paulo, e rebatizado
Em julho de 1978, o MNU
organização da Revolta. no ano seguinte como Movimento Negro Unificado (MNU), do qual parti-
convocou as entidades negras do
Com o fracasso do cipou até 1982, também como membro da Executiva Nacional.
país para se juntarem em um ato
público contra o racismo. Milhares movimento, fugiu para o “(...) A criação do MNU foi um marco histórico muito importante
de pessoas se reuniram no Viaduto Rio de Janeiro, onde foi para nós, na medida em que se constituiu em ponto de convergên-
do Chá em São Paulo. Confira o presa. Foi mãe de Luís cia para a manifestação, em praça pública, de todo um clima de
convite em: GONZALEZ, Lélia Gama, um dos maiores contestação às práticas racistas, assim como da determinação
& HASENBALG, Carlos. . Rio de poetas abolicionistas. de levar adiante a Organização política dos negros”14.
Ação do Movimento Negro Unificado Para saber mais sobre ela
Janeiro: Marco Zero, 1982. (MNU) – Zumbi está vivo – Ato público
na Cinelândia, Rio de Janeiro, 1983 | acesse: www.mulher500. 14 Trecho da Avaliação sobre o ato publico organizado pelo MNU em São Paulo em
Acervo JG/Foto Januário Garcia org.br, em Biografias. 1978. GONZALEZ, Lélia & HASENBALG, Carlos. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1982.

60 61
Para entender a dimensão alcançada pela inicia- Inclusive, de maneira velada ou destemida, em
Quis o destino, contudo, que o compositor viesse a
tiva, no Rio de Janeiro, Abdias do Nascimento, diferentes épocas de nossa história, muitas mu-
falecer e assim coube a Lélia e outros intelectuais
recém-chegado do exílio político, se mobilizou lheres enfrentavam preconceitos e faziam valer
levar adiante a tarefa. Prestando homenagem a Can-
e participou de todo o processo de fundação do suas opiniões contrárias ao preconceito de raça
deia, a Escola desfilou ao som da dupla vencedora
MNU. E não esteve sozinho. Várias outras en- e de gênero. A educadora, feminista e escritora
Nei Lopes e Wilson Moreira.
tidades do movimento negro carioca, como a Nísia Floresta no século XIX, utilizou apenas B.
Tanto a música clássica quanto o samba desper-
Escola de Samba Quilombo, Renascença Clube, A. para assinar alguns de seus textos. Antonieta
tavam a paixão de Lélia. Justamente por isso, ela,
Núcleo Negro Socialista, Centro de Estudos Bra- de Barros, também feminista, educadora e jor-
que até 1981 foi integrante do Conselho Consultivo
sil-África (CEBA) e o IPCN também se envolve- nalista negra catarinenese, no período de 1931
da Diretoria do Departamento Feminino do Granes
ram. Na Bahia, representantes, dos blocos afros a 1936, escreveu cronicas para o jornal A Re-
Quilombo, escreveu, ainda, o enredo “A revolta dos
e afoxés de Salvador, já engajados na luta contra pública com o peseudônimo de Maria da Ilha.
Malês” para a escola de samba do bairro do Cosme
racismo, igualmente apoiaram a criação de um Aliás, vale destacar que Antonieta em 1934, se
Velho onde morava.
movimento de caráter nacional. tornaria a primeira mulher negra eleita deputa-
As muitas ações desenvolvidas pelo MNU inclu- da esatadual no Brasil.
íam a publicação de um jornal nacional, o que A trajetória de Lélia no MNU adquiriu projeção.
ampliava ainda mais o alcance das iniciativas e Suas ideias e falas se espalharam e ganharam NOVENTA ANOS DE ABOLIÇÃO
ideias defendidas pelo movimento. Aliás, como eco entre a militância de todo o país e, como é Nei Lopes e Wilson Moreira
vimos anteriormente, em várias fases da histó- possível imaginar, também encontraram pesso- “Hoje a festa é nossa
ria do país, a imprensa funcionou como canal de as que delas discordavam. Não temos muito para oferecer
defesa contra o racismo instituído (escravidão). Mas os atabaques vão dobrando
Por ocasião dos 90 anos da assinatura da Lei Áu-
Com toda a alegria de viver.
Em, 1833, reforçando o movimento abolicionis- rea, as ideias de Lélia contribuíram para inspirar
Festa no Quilombo Noventa anos de abolição
ta, o jornal O Homem de Cor já circulava pelo Rio Candeia, então compositor do Grêmio Recreativo
Todo mundo unido pelo amor
de Janeiro. No estado de São Paulo, destacam-se de Arte Negra e Escola de Samba Quilombo (Gra-
Não importa a cor
O Bandeirante (1910), O Menelick e a Princesa nes Quilombo), na criação do samba do carnaval
Vale o coração.
do Oeste (1914) e A União e O Alfinete (1918), de 1979.
Nossa festa hoje é homenagem
dentre outros.
À luta contra as injustiças raciais
Que vem de séculos passados
Ação do Movimento Negro Unificado (MNU) – Zumbi está vivo – Ato público na Cinelândia, Rio de Janeiro, 1983 E chega até os dias atuais.
| Acervo JG/Foto Januário Garcia
Reverenciamos a memória
Desses bravos que fizeram nossa história:
Zumbi, Licutan e Alumá
Zundu, Luís Sanin e Dandará.
E os quilombolas de hoje em dia
‘São Candeia’ que nos alumia
E hoje nesta festa Compositor e intérprete Candeia, 2000 |
Agência O Globo
Noventa anos de Abolição
O compositor e escritor Nei Lopes com a
Quilombo vem mostrar que a igualdade Enciclopédia brasileira de diáspora africana,
O negro vai moldar com a própria mão de sua autoria, 2004 | Agência O Globo

E em luta pelo seu lugar ao sol Compositor e intérprete Wilson Moreira, 2004
| Foto Fabio Rossi / Agência O Globo
Não é só bom de samba e futebol ”.
62 63
& Bey
ond. Um pé na África. Outro no Brasil! E os
ri o 1985 idos,
Semin
á
o re , E stado
s U n
1984
| dois no mundo...
Baltim ela Davies,
A n g
com onzale
G
z Nas lembranças sobre os contatos e amigos/as que fez ao redor
o Lélia
Acerv
do mundo, um carinho especial estava destinado ao encontro com
o cubano Carlos Moore em 1979. Era a primeira vez que pisava
em Dakar (Senegal), solo da mãe África finalmente! Lágrimas lhe
vieram aos olhos, ainda na escada do avião. Era uma viagem às
“Da boca pra fora”. Para “todo o mundo” ouvir! próprias origens: ao exterior e para dentro de si mesma!

Atuante na academia, Lélia dedicou-se, nas décadas de 1970 e 1980, à releitura da E houve reciprocidade! Não apenas a brasileira se emocionava ao
história do processo de escravidão brasileiro. E foi aqui que aprofundou seus estudos relembrar aquela viagem! Também Moore, exilado no Senegal des-
sobre o papel feminino negro na sociedade brasileira, estabelecendo relações entre o de 1963, recordava-se da empatia ocorrida entre ambos, quando se
ontem e o hoje na solidificação da discriminação racial e exclusão econômica. encontraram. Para o cubano, o interesse em Lacan e o marxismo
os uniria, desde então. Contudo, fazia questão de ressaltar que,
Denunciar e pensar o “lugar” dessa mulher descendente da África, o que na verdade
sendo ela mulher e negra, bem mais profunda era sua ligação e
era ela própria, a levaram a publicar, em 1979, no jornal Lampião da Esquina, o
interesse com as questões de gênero e raciais. Pura verdade dita Lélia e Calos Moore. Dakar, 1979
artigo Mulher negra: um retrato, bem como, a ganhar espaço também no exterior.
em espanhol! Preconceito e discriminação eram velhos conhecidos | Acervo Lélia Gonzalez
Ou seja, quando a revista americana Encore a entrevistou juntamente com a africana
de Lélia Gonzalez, como sabemos.
Musindo Mwinyipembe para a matéria “Third world activists: two women committed
to change the world” , as portas foram de- Também a Europa conheceu e ouviu Lélia através da apresentação
finitivamente abertas para articulação com Racismo e seus efeitos na sociedade brasileira, realizada em Ve-
lideranças de todas as partes do mundo, neza (Itália) e Genebra (Suíça), por ocasião da Womens Conference
destacando-se, dentre elas, as afroamerica- Conference on Human Rights and Mission16. A Europa ouviu, co-
nas Angela Davies e Dorothy Heigts, e o nheceu e leu Lélia, pois a palestra foi publicada logo a seguir.
martinicano Aimé Césaire. O enfrentamento ao apartheid foi uma das lutas de Lélia no perío-
A mineira, filha de um pai negro e de uma do de 1980. Ela dedicou especial atenção à situação das mulheres
mãe com ascendência indígena, soltava a sul-africanas. Foi, ainda, vice-presidente, do seminário “Woman
voz contra a opressão racial e de gênero under Apartheid”17, promovido pela Organização das Nações Uni-
para “todo o mundo” ouvir! O pioneirismo das (ONU) e Liga das Mulheres do Québec (Canadá).
de Lélia na denúncia da falsa integração ra-
cial brasileira e opressão da mulher negra
está no fato de ter sido a primeira repre-
sentante do sexo feminino a fazê-lo. Isso
porque, anteriormente, por meio de Abdias
do Nascimento e de outras lideranças mas-
culinas, o racismo brasileiro já havia sido
Dia Nacional da Consciência Negra,
posto em discussão lá fora. Serra da Barriga, Alagoas, 1981
| Acervo JG/Foto Januário Garcia

Lélia em uma comunidade


rural de Nairobi, Quência, 1985
Jornal Lampião da Esquina, abril de 1979
| Acervo Lélia Gonzalez
| Acervo Lélia Gonzalez

64 65
A preocupação com a preservação Na França (Paris), como convidada especial, Zumbi dos Palmares nasceu em 1655. Símbolo da resistência negra à escravidão
da biodiversidade e um participou da Conferência Internacional liderou o Quilombo dos Palmares, comunidade livre formada por escravos fugitivos das
desenvolvimento socialmente justo e “Sanctions against South Africa”18, fazendas no Brasil Colonial, localizado na região da Serra da Barriga em Alagoas (AL).
sustentável é realidade em todo o planeta. promovida pelo Comitê Anti-Apartheid Símbolo da luta contra a escravidão lutou também pela liberdade de culto religioso e pela
Representantes de várias partes do mundo (ONU). Lélia defendia publicamente o prática da cultura africana no País. O dia de sua morte, 20 de novembro, é lembrado e
reuniram-se em 2012, no Rio de Janeiro rompimento das relações diplomáticas entre comemorado em todo o território nacional como o Dia da Consciência Negra. Para conhecer
(Rio+20), para rever compromissos o Brasil e países que mantinham políticas mais sobre Zumbi e outros(as) importantes homens e mulheres quilombolas que escreveram a
anteriormente assumidos, rever metas e raciais discriminatórias. história do país acesse: www.palmares.gov.br.
decidir ações conjuntas em defesa do meio Além de sua atuação no cenário internacio-
ambiente. No caso especifico das comunidades nal, Lélia, até o final da vida, jamais perdeu
remanescentes de quilombos, a terra, rios o foco na responsabilidade que ela e outras
e animais fazem parte de suas origens e lideranças precisavam ter para com o Brasil.
tradições. Através deles, dão continuidade “(...) E lá, no alto da Serra (...) ficamos pensando naquelas
Em companhia de outras lideranças negras,
aos rituais religiosos, desenvolvem a palmarinas, que preferiram matar os próprios filhos e se sui-
dentre elas Helena Theodoro, Joel Rufino e
solidariedade e prosseguem costumes trazidos cidarem em seguida, para não se deixarem escravizar”19.
Abdias do Nascimento, no dia 20 de novem-
da África por seus ancestrais. Enfrentam bro de 1981, se fez presente em Alagoas, Os constantes deslocamentos para fora do país não a impediam de
ainda, esses homens, mulheres, jovens e na Serra da Barriga, local histórico no qual manter forte ligação com a família, sobretudo, com o filho Rubens, o
crianças, o racismo ambiental, ou seja, uma Zumbi esteve à frente do grande quilombo Manéu. Também não eram impedimento para que escrevesse sobre o
forma de injustiça socioambiental que recai de Palmares, que se constituiu não no úni- que vivia e aprendia, como o artigo Mulher Negra escrito para o jornal
desproporcionalmente sobre comunidades co, mas no mais significativo espaço de re- Mulherio, do qual era integrante do Conselho Editorial. No dia de seu aniversário, 1º de
pobres, como também sobre as marisqueiras sistência negra à opressão da escravização fevereiro, Lélia recebe o Diploma
E o reconhecimento ao seu envolvimento com a defesa da cidadania, “Uma das Dez Mulheres do Ano”,
e comunidades de pescadores, dentre instituída no País. sobretudo das mulheres negras, chegou como um justo presente de 1981 | Acervo Lélia Gonzale
outras, que se opõem a projetos que visam
A emoção que sentiu na ocasião deixou re- aniversário. Estávamos em 1º de fevereiro de 1981 e Lélia recebeu,
exclusivamente o desenvolvimento econômico.
gistrada para sempre em artigo que escre- do Conselho Nacional de Mulheres do Brasil, o diploma Dez Mulheres
Para conhecer os resultados da RIO+20 acesse: veu para o jornal Folha de São Paulo dois do Ano de 1981, como reconhecimento por sua atuação em prol da
www.rio20.gov.br. dias depois. integração feminina no processo de desenvolvimento socioeconômico
e cultural do país. Parabéns duplo para a filha de Dona Urcinda e Seu
Acácio.
Lélia estava presente quando Abdias do Nascimento beija a terra de Palmares,
em homenagem aos/as muitos/as guerreiros/as quilombolas que viveram e foram Lélia, como sempre intensa, não parava! É também dessa época a
covardemente massacrados em 1695 | Acervo JG/Foto Januário Garcia
publicação de Lugar de Negro. A obra em coautoria com o sociólogo
Carlos Hasenbalg era uma tentativa de ampliar e divulgar novas pos-
sibilidades para compreensão da história e presença do/a negro/a na
sociedade brasileira. E fez sucesso!!

16 “Conferência de Mulheres para os Direitos Humanos e...”


Capa do jornal O Mulherio, ano
17 “Mulher contra o Apartheid”.
02, nº 07, 1982 | Acervo Centro de
Memória Mulheres do Brasil/REDEH
18 “Sanções contra a Africa do Sul”

19 GONZALEZ, Lélia. Mulher negra, essa quilombola. Folha de São Paulo, Ca-
derno Folhetim, 22 de novembro de 1981, p. 04. (Acervo Folha de São Paulo).

66 67
Cem anos de liberdade ou “Sem” anos Dois anos para a entrada na última década do sécu- do século XX, foi determinante para a conquista de
lo XX e só então o país “comemoraria” o centenário políticas públicas, inclusive aquela que enfatiza, na
de liberdade? da abolição. Essa triste demora também decorre Constituição de 1988, o racismo como crime ina-
do fato de que fomos o último país do continente fiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclu-
americano a dar por extinta a escravização. E isso, são.
CEM ANOS DE LIBERDADE, REALIDADE E ILUSÃO contrariando grande parte das elites. Destaca-se ainda o Dia da Consciência Negra, insti-
Helio Turco, Jurandir e Alvinho
Na ocasião, apesar dos preparativos para as progra- tuído em 2003. O dia 20 de novembro marca o dia
mações oficiais, Lélia e vários/as companheiros/as de morte de Zumbi dos Palmares.
Será que já raiou a liberdade entendiam que não havia o que comemorar. Des-
Ou se foi tudo ilusão “(...) Herói nacional foi liquidado pela trai-
tacavam que os índices oficiais caracterizavam a
ção das forças colonialistas, o grande líder
Será, que a lei Áurea tão sonhada profunda diferença social, econômica e educacional
do primeiro Estado livre de todas as Amé-
Há tanto tempo assinada que pendia negativamente para aqueles de pele não
ricas, coisa que não se ensina às nossas
Não foi o fim da escravidão branca e das classes populares.
crianças nas escolas (...)”20.
Hoje dentro da realidade, onde está a liberdade Aliás, Lélia e outras companheiras avançavam ain-
O Conselho Nacional dos Direitos da Mulher,
Onde está que ninguém viu da mais na denúncia, aprofundando as críticas ao
que tinha em Lélia uma de suas conselheiras,
que afetava diretamente as mulheres negras. Como
se fez atuante no centenário da abolição. Sob a
Moço não se esqueça que o negro mulheres e negras experimentavam, ainda mais
coordenação de Sueli Carneiro, o CNDM criou
Também construiu, as riquezas do nosso Brasil que os homens, na pele e no dia a dia, o caráter
o Programa da Mulher Negra, que – em parceria
de exclusão camuflado pelo discurso da democracia
com a Comissão de Mulheres Negras do CECF/SP
racial brasileira.
Pergunte ao Criador, pergunte ao criador quem pintou e a Comissão da Mulher Advogada da OAB/SP –
esta aquarela Assim, na ocasião, lado a lado às comemorações realizou o Tribunal Winnie Mandela, uma espécie de
Livre do açoite da senzala oficiais, várias foram as manifestações de protesto, júri simulado formado por expoentes da sociedade
realizadas em todo o país, pela sociedade civil or- civil para julgar e condenar a discriminação contra
Preso na miséria da favela,
ganizada. as mulheres negras.
Sonhei....que Zumbi dos Palmares voltou Na estação ferroviária Central do Brasil, no centro Nessa ocasião, também o feminismo negro se con-
da cidade do Rio de Janeiro, lideranças do movimen- solidava e a realização do I Encontro Nacional de
A tristeza do negro acabou
to negro, dentre elas Lélia Gonzalez, promoveram a Mulheres Negras em Valença (RJ), em 1988, evi-
Foi uma nova redenção
Marcha Contra a Farsa da Abolição, no Centro do denciou sua importância para a sociedade. Ao lado
Rio de Janeiro. de Luiza Bairros, Benedita da Silva, Rosália Lemos,
SENHOR...(ah senhor!)
O governo militar não mais existia, mas sua política dentre outras, Lélia caracterizou-se como uma das
Veja a luta do bem contra o Mal
de repressão deixara frutos. E muitos! Na prática, principais porta-vozes do evento.
que tanto sangue derramou
a á manifestação amanheceu cercada por soldados
contra o preconceito racial (2x) Cartaz do CNDM “As Mulheres na Luta que tentaram, sem sucesso, intimidar manifestan- 20 Trecho do discurso de Lélia Gonzalez realizado por
contra a Escravidão”, 1988 | Acervo
tes, que reagiram caminhando organizadamente, ocasião da marcha negra, protesto realizado no Rio
Geledés – Instituto da Mulher Negra
O Negro samba carregando cartazes e gritando palavras de ordem. de Janeiro em 1988, por ocasião dos cem anos da
Cartaz de divulgação do Tribunal abolição. Disponível em: Marcha Negra 1988. Acer-
o negro joga capoeira Situação idêntica ocorreu em vários estados do país.
Winnie Mandela, São Paulo, 1988 | vo Digital de Cultura Negra – Cultne: http://www.cult-
ele é o Rei da Verde e Rosa da Mangueira Acervo Geledés – Instituto da Mulher Negra
Importante ressaltar que a atuação dos movimentos ne.com.br/video.php?id_video=1, acessado em: 14
out. 2011.
negros, ao longo da história do Brasil, em especial
69
Novas palavras para dizer coisas antigas...
A contribuição de Lélia ao movimento negro organizado incluiu, ainda, sua produção acadêmica.
Assim, os diversos artigos por ela produzidos e publicados na ocasião da década dos cem anos da
abolição, nas entrelinhas, deixavam enxergar a mulher que experimentava uma reflexão madura e
própria de tudo aquilo, que vivenciara no Brasil e mundo afora.

Movimento Negro na Marcha “Contra a Farsa da Abolição”, Central do Brasil, Rio de Janeiro, 1988 | Acervo JG/Foto Januário Garcia Como exemplos dessa maturidade, podemos apontar a criação de dois conceitos sociológicos por
Forças Militares fiscalizando a Marcha “Contra a Farsa da Abolição” | Acervo JG/Foto Januário Garcia Lélia: “amefricanidade”, categoria que utilizava para definir “todos os descendentes de africanos que
não só foram trazidos pelo tráfico negreiro, como daqueles que chegaram à América antes de seu
descobrimento por Colombo”; e “pretuguês”, utilizado para evidenciar a real influência da África no
pensamento e na fala dessa cultura que chamamos de brasileira.
Em suas viagens ao exterior, Lélia tinha a preocupação de ir até as mulheres populares, para ouvir
sobre suas vidas e ouvir sobre as relações raciais e de gênero que caracterizavam suas culturas. Ao
O que você pensa sobre isso? agir dessa forma, podemos entender que Lélia procurava estabelecer uma coerência entre discurso
e prática.
Uma das coisas que chamou a atenção de Lélia, por ocasião de suas andanças por terras
americanas, foi a complexidade da questão racial. Nos Estados Unidos, em especial, quem Sua atuação lá fora prosseguiu durante toda a década de 1980. Uma bolsa de estudos, concedida pela
nasce com uma gota de sangue negro, independentemente da cor da pele é considerada/o Fundação Ford em 1984, permitiu desenvolver nos Estados Unidos, em parceria com Tereza Cristina
negro. E no Brasil? Araújo Costa, o projeto “Mulher Negra: proposta de articulação entre raça, classe e sexo”.

Três datas instituídas pela ONU Contudo, as brasileiras precisaram esperar


estão marcadas no calendário até agosto de 2006, para acrescentar ao
feminino... calendário a aprovação pelo governo da Lei
• 08/03/1975 Maria da Penha, símbolo da luta feminina de
combate à violência contra a mulher.
Dia Internacional da Mulher.
Marca o início também da Campanha 16
• 25/07/1992
Dias de Ativismo pelo Fim da Violência
Dia da Mulher Negra Latino- Contra as Mulheres. No Brasil, a Campanha
Americana. tem início em 20 de novembro, Dia da
• 25/11/1999 Consciência Negra, visando destacar a dupla
discriminação sofrida pelas mulheres. Para
Dia Internacional da Não Violência
conhecer mais sobre essa Lei de número
Contra a Mulher. A ONU oficializou
1v1.340 acesse: www.cfemea.org.br, www.
mundialmente a data instituída desde 1981,
spm.gov.br/noticias/nota-da-spm-pr-16-dias-
pelas participantes do I Encontro Feminista
de-ativismo-pelo-fim-da-violencia-contra-as-
Latinoamericano e do Caribe.
mulheres e nacoesunidas.org.

71
Simpósio em Apoio à Luta do Povo da Namíbia por sua Autodeterminação Navegando rumo à África e suas origens de mulher negra
e Independência. San José, Costa Rica, 1983 | Acervo Lélia Gonzalez | Acervo Lélia Gonzalez

Nas terras do Tio Sam, conheceu importantes lideranças femininas negras norte-americanas, como às africanos/as escravizados/as na ilha sene-
Angela Davis, Dorothy Height, Queen Mother Moore e Miss Helena B. Moore. Estas duas últimas, galesa que serviu como entreposto colonial do
segundo ela, “são verdadeiros arquivos vivos da história do movimento negro americano. Recebi comércio escravista.
delas o maior estímulo em face do nosso trabalho no Brasil”21. Para Lélia, não existiam fronteiras. Convida-
Em 1985, no retorno à África mãe participou em Nairobi (Quênia) da III Conferência Mundial sobre a da especial do “Symposium in Support of the
Mulher, organizada pela ONU e que instituiu a Década da Mulher (1975-1985). Além de apresentar Struggle of the Namibian People for Self-Deter-
alguns painéis, aproveitou sua estadia para visitar comunidades rurais locais e dialogar com diver- mination and Independence” , promovido pela
sas lideranças negras internacionais e nacionais, como Benedita da Silva. Na capital da Itália, foi ONU, em San José (Costa Rica), participou das
convidada a integrar o Conselho Diretor da Society for International Development/SID, no qual atuou discussões sobre a independência do território
durante um ano. da Namíbia, colonizado até 1990 pela África do
No Festival Pan-Africano de Artes e Cultura/FESPAC, em Dakar (África) em 1987, reencontrou Ab- Sul, o mesmo país que manteve por quase três
dias do Nascimento que integrou o Comitê Dirigente Internacional do Festival. A ideologia pan- décadas Nelson Mandela atrás das grades!
-africanista estava em evidência, desde o início do século XX, na voz do americano W. Du Bois e
21 GONZALEZ, Lélia. Relatório entregue à Fundação
tinha como propósito a criação de uma ‘unidade africana’. Malas mais uma vez arrumadas partiu, no
FORD, 10 de dezembro de 1984 (Acervo Lélia Gon-
mesmo ano, para a Conferência da Negritude, em Miami/EUA, onde conheceu o martinicano Aimé zalez).
Césaire, um dos grandes expoentes do movimento da negritude.
A década de 1980 se encerrava quando Lélia passa a integrar o Conselho Internacional do Memorial Lélia e Benedita da Silva. Dakar, Senegal, 1986
de Gorée, em Dakar (África), organização dedicada ao projeto de construção de um memorial aos/ | Acervo Lélia Gonzalez

72 73
Ilustração do cartunista Henfil para o texto E a trabalhadora negra, cume que fica?, de
Lélia Gonzalez publicado no jornal Mulherio ANO 2 – 1987 | Acervo Ipeafro

Mulher negra tomando partido...

Apesar da roda viva em que vivia, Lélia não hesitava em aceitar novos desafios. E ainda na década
de 1980 estendeu sua luta para o campo da organização político partidária.
Na ocasião, o abrandamento da repressão realizada pelo governo militar permitiu a reorganização da
resistência por parte da sociedade civil. Tanto assim que o Colégio Eleitoral, formado pela Câmara
dos Deputados e pelo Senado Federal, levaria à Presidência da República em 1985, ainda que de
maneira indireta, o civil Tancredo Neves.
Compreendendo o espaço político como importante canal para concretização das lutas que envol-
viam os movimentos negros e feministas, Lélia filiou-se ao Partido dos Trabalhadores (PT) em 1981.
Lançamento do Plano de Trabalho da Associação das Empregadas Domésticas, vinculada ao Teatro Experimental do Negro.
Em 1982, com uma campanha voltada para os movimentos sociais organizados por mulheres, negros
Agosto de 1950 | Acervo Ipeafro
e homossexuais, candidatou-se ao cargo de deputada federal e alcançou a primeira suplência. No en-
tanto, a questão da mulher negra na sociedade brasileira era a maior ênfase de sua bandeira de luta.
74
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82.
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Na década de 1940, um grupo de mulheres negras, integrantes do Teatro


Experimental do Negro, criou a Associação das Empregadas Domésticas.
Encabeçadas pela jornalista Maria Nascimento, presidenta do Conselho Nacional de Mulheres
Negras, exigiam a regulamentação e a dignidade do trabalho doméstico. Em 1972, conquistaram
por lei o direito a 20 dias de férias por ano, carteira assinada e o direito à Previdência Social. A
Constituição de 1988 garantiu à classe o direito ao salário mínimo, ao 13º salário, aviso prévio
e descanso semanal aos domingos. Contudo, deixou de fora o Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço (FGTS) e a multa de 40% sobre seu saldo, em caso de demissão sem justa causa, salário
família, horas extras, adicional noturno, seguro-desemprego e várias outras conquistas dos
trabalhadores.
Em 2006, uma lei deu direito à estabilidade no emprego em caso de gestantes, folgas nos feriados,
passou de 20 para 30 dias o período de férias e impediu o empregador de descontar despesas
com alimentação e moradia do salário das trabalhadoras. Uma nova lei, que entrou em vigor em
abril de 2013, ampliou os direitos trabalhistas dos empregados/as domésticos/as, igualando-os/
as aos demais trabalhadores: jornada máxima de 44 horas semanais, pagamento de hora extra,
adicional noturno, seguro-desemprego e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).Ter esses
direitos respeitados é hoje uma das principais lutas da categoria. O Dia Nacional das Trabalhadoras
Domésticas é comemorado no dia 27 de abril.

pág 77: jornal Quilombo, reportagem Concurso da Rainha das Mulatas


e Boneca de Pixe, Teatro Experimental do Negro | Acervo Ipeafro

76
“(...) Da maneira mais incisiva e decidida, afirmou a existência As mulheres representam Contudo, botar a boca no trombone não era uma novidade.
concreta da discriminação no Brasil (...). E declarou que nas mais da metade dos Essa denúncia de exclusão há tempos se fazia presente, in-
emissoras de televisão onde trabalhou (...) programas de auditório eleitores brasileiros. clusive na voz de Abdias do Nascimento, principal lideran-
como o seu sofriam uma série de restrições: proibia-se que as câmeras Contudo, apesar de haver ça do Teatro Experimental do Negro (TEN), que chegou a
focalizassem diretamente o auditório, para que os negros não fossem crescido nos últimos tempos, organizar na década de 1940, os concursos de Rainha das
mostrados (...). Os negros ou negras só poderiam ser focalizados de a participação feminina ainda Mulatas e Boneca de Pixe. Também o concurso de Miss Gua-
passagem ou de costas. E Chacrinha continuou denunciando o absurdo é muito pequena no quadro de nabara, organizado pelo Clube Renascença em 1951, então
de tais restrições, uma vez que o Brasil é um país de negros; e, com candidatos aos diferentes níveis dirigido e frequentado por uma classe média negra carioca
suas metáforas incríveis, ele afirmava: “Eu sou negro, nós todos somos de eleição. Para saber mais sobre caracterizou-se como outra importante manifestação de re-
negros e até mesmos essas louras ou morenas que vemos por aí, também a cota partidária e a participação sistência.
são negras (...)”*. feminina na política acesse:
Ainda na década de 1980, Lélia, em companhia de Pedrina
www.cfemea.org.br.
de Deus, Jurema Batista, Elizabeth Viana, Ana Garcia, Ro-
* Trecho da carta escrita por Lélia Gonzalez ao Chacrinha (Abelardo Barbosa) apresentador de programa popular
de enorme audiência na televisão na década de 1980, após seu depoimento ao dia instituído pela ONU Contra
sália Lemos, dentre várias outras, fundou o Grupo Nzinga
a Discriminação Racial (21 de março). A data é também conhecida como Dia Internacional para a Eliminação da – Coletivo de Mulheres Negras.
Discriminação Racial. Disponível em: www.4shared.com/office/MOaIZkOO/Carta_a_Chacrinha.html, Acesso em:
09 de julho de 2012.

Seus artigos no jornal Mulherio, do qual era uma das editoras, foi canal constante de denúncia do
processo de marginalização da trabalhadora negra.
Nem tudo, porém, foram flores na militância de Lélia! Muitas dificuldades e desafetos se tornaram
fato em sua vida. Denunciar publicamente o preconceito racial existente, mas camuflado, da socie-
dade brasileira, assustava e aborrecia a muitos, que preferiam ignorá-lo. Também a introdução da
questão racial nas discussões promovidas pelo movimento feminista irritou parte das militantes.
“Por que as mulheres negras, que também são mulheres, não estão presentes nas reuniões de mu-
lheres que discutem a questão das mulheres?”, perguntava Lélia. E ela mesma respondia: “porque
estão no serviço, tomando conta das crianças da patroa...”. Era preciso incluí-las, e Lélia estava
disposta a fazê-lo!
A problemática da estética racial também não lhe passou despercebida. Ao contrário, sempre teve
em sua trajetória destacada importância. Justamente por isso, participou como julgadora da I Noite
da Beleza Negra do Grupo Afro Agbara Dudu, evento realizado no Rio de Janeiro realizado em 1982.
Lélia destacou o caráter socioeducativo do evento, explicando: “o que estava em evidência não era
o corpo da mulher negra, mas a dignidade, a elegância, a articulação harmoniosa do trançado do
cabelo com o traje, o dengo, a leveza, o jeito de olhar (...)” .
Apenas em 1986, uma mulher negra, a gaúcha Deise Nunes, foi escolhida como representante má-
ximo da beleza feminina brasileira. E isso em uma sociedade que, desde o inicio de sua colonização,
enfatiza a sensualidade da mulher negra e da mulata! Logo, para Lélia, também através da valori-
zação oficial de um ideal branco de beleza, o preconceito disfarçado se fazia presente. E isso sem Lélia Gonzalez e companheiras (os), em reunião do PT, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro,1981
esquecer o modelo europeu de beleza valorizado e disseminado nas propagandas e telenovelas. | Acervo Lélia Gonzalez

78 79
Reunião de lideranças do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e do Movimento Negro Unificado, Brasília, 1987
Lélia
| Acervo Lélia Gonzalez
acompanhada
de eleitoras Abaixo: Lélia, Benedita da Silva e lideranças feministas na posse da primeira presidenta do Conselho Nacional dos Direitos
(es) e seu filho da Mulher, Ruth Escobar, Brasília, 1985 | Empresa Brasileira de Notícias/Guilherme Romão
Rubens em
campanha
pelas ruas do
Centro do Rio
PT Saudações...
de Janeiro,
O tempo passava e Lélia percebeu que seu envolvimento político-partidário não lhe permitia levar
1982 | Acervo
JG/Foto Januário adiante as ideias que defendia e nas quais acreditava-, fruto dos diferentes fóruns de mulheres dos
Garcia
quais participava. Na prática, a concretização dessas agendas enfrentava, no partido, resistências
ideológicas e financeiras.
Sua insatisfação resultou na carta pública que encaminhou ao presidente do PT, Luiz Inácio da Silva,
o Lula, em 1985, por meio da qual oficializava sua saída da legenda. Em 1986, e influenciada por Ab-
dias do Nascimento, segundo amigos que com ela conviveram na ocasião, candidatou-se pelo Partido
Democrático Trabalhista (PDT) e, mais uma vez, tornou-se suplente de deputada estadual em 1986.
Sua plataforma eleitoral reafirmava o compromisso político com a mulher negra e com a descolo-
nização da cultura brasileira. Tanto que, para o prospecto de sua campanha, Lélia elaborou o texto
Odara Dudu = Beleza Negra, no qual enaltecia o Bloco Afro-Ilê Aiyê/Salvador e o Agbara Dudu/
Rio de Janeiro, como territórios de resistência sociocultural negra. Dizia ela “(...) da maneira mais
didática e prazerosa, fazem com que a nossa etnia tome consciência do seu papel de sujeito de sua
própria história e de sua importância na construção não só deste país, como na de muitos outros das
Américas”24. Nessa legenda, permaneceu até 1990.

80 81
Consequência de todo seu empenho, o reconhecimento não tardou a chegar. Em 1985, convidada por
José Sarney, Presidente da República, tornou-se uma das 17 conselheiras do Conselho Nacional dos
Direitos da Mulher (CNDM) – órgão vinculado ao Ministério da Justiça.
Atuou, então, ao lado de Ruth Escobar (presidente) e demais conselheira, dentre elas, Ruth Cardo-
so, Maria da Conceição Tavares, Rose Marie Muraro, Marina Colassanti, Tisuka Yamasaki, Carmen
Barroso, Jaqueline Pitanguy e Benedita da Silva. Poucos meses antes de encerrar o mandato, Lélia e
outras integrantes desligaram-se, como forma de protesto ao pouco interesse dado ao Conselho pelo
governo.
E mais uma vez, valendo-se da escrita, publicou, em 1987, Festas Populares no Brasil, reunindo
manifestações Brasil afora, como o maracatu, o carnaval e o samba. A obra, com pequenos textos de
sua autoria e imagens de diferentes fotógrafos, traduzia a influência africana na pluralidade cultural
brasileira. Aliás, premiado internacionalmente, o livro recebeu na Feira de Leipzig, à época Alema- Lélia e suas (seus) alunas (os) da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio, década de 1980
| Acervo Lélia Gonzalez
nha Oriental, um prêmio na categoria o mais belo do mundo. Merecido!

24 Odara Dudu=Beleza Negra. Folder de Campanha de Lélia Gonzalez para Deputada Estadual pelo PDT/RJ, em A última década do século XX
1986 (Acervo Lélia Gonzalez).
Ao assumir a diretoria do Planetário da Gávea em 1987, dedicou-se a pesquisas na área das relações
raciais, o que lhe rendeu um convite para integrar o corpo docente do Departamento de Sociologia e
Política da Pontifícia Universitária Católica (PUC), instituição na qual, desde 1978, lecionava como
professora da disciplina Folclore Brasileiro (Departamento de Letras).

Panfleto e Programa
da Campanha Eleitoral
de Lélia para Deputada
Estadual, 1986
| Acervo Lélia Gonzalez

82 83
Como Cangiraué, Lélia foi para o Orum 25 o reatamento de seu casamento, Rubens voltou a viver
com a mulher. A sobrinha Eliane assumiu a responsa-
O calendário marcava 1990 e Lélia Gonzalez vivia um momento de
bilidade dos cuidados e com as filhas mudou-se para a
grande articulação. Entre nós, a democracia consolidava seu espa-
casa da tia.
ço, com o surgimento de novos partidos políticos e eleição direta
para Presidente da República. Lélia não mais saía de casa. Rádio, televisão, livros e
conversas com Eliane e alguns poucos amigos a quem
A sociedade civil organizada, através de instituições não governa-
recebia preenchiam o tempo em que não estava deita-
mentais (Ongs), pressionava pela execução de políticas públicas
da. Em algumas ocasiões, sentava-se na sala e perma-
em várias áreas. No universo daquelas relacionadas às mulheres
necia um bom tempo olhando, pela janela, a paisagem
negras, o empenho ocorria no sentido de políticas públicas tam-
do bairro do Cosme Velho, onde morava. Ia até onde as
bém nas áreas da educação, saúde e trabalho.
vistas alcançavam.
Lélia vivia a mil por hora. Dedicava-se de corpo e alma à militância,
O olhar silencioso e que ia longe era às vezes inter-
abrindo mão, inclusive, de projetos pessoais. Não foram poucas
rompido pela sobrinha que lhe trazia alimentação e re-
vezes em que a família reclamava atenção. Um dia parecia curto
médios. E o mais importante, Eliane lhe proporcionava
para tantos compromissos!
aquilo que mais precisava na ocasião: atenção, compa-
E foi nesse exato momento de vida que o sinal amarelo se acendeu nhia e carinho.
para Lélia. Ao retornar daquela que se tornaria sua última viagem
Nessas ocasiões, certamente, repassava nas memórias
à África (Dakar), sentiu-se indisposta e incomodada por uma ferida
a agitada trajetória da menina negra e pobre. Lembran-
nas costas que insistia em não cicatrizar.
ças dos amores, sonhos, projetos de vida, conquistas
Mesmo assim, foi apenas por muita insistência de familiares e amigos que ela “achou” um tempo na e decepções acompanhavam as recordações de sua
agenda lotada e procurou um médico. O diagnóstico não tardou. Dias depois se descobriu portadora atuação em defesa da causa da mulher negra. Lélia,
de diabetes tipo B e deu início ao tratamento. A dieta alimentar imposta pelo médico foi recebida com a mineira de alma carioca e coração flamenguista, era
desânimo. E, de sua maneira, foi se adaptando a um novo estilo de vida. assim, intensa em tudo que vivera!
Mas a saúde não era a única coisa que a incomodava. Havia também certa decepção, que a acom-
panhava há tempos, com parte do movimento negro, por divergências na forma como determinadas Capa do Jornal do Movimento Negro Unificado – MNU, maio/junho/
questões eram encaminhadas. Em 1991, em entrevista ao Jornal do Movimento Negro Unificado, julho, 1991

Lélia de maneira corajosa e franca, uma de suas marcas registradas, desabafou sobre isso. Parte da entrevista concedida ao Jornal do Movimento Negro
Unificado – MNU, maio/junho/julho, 1991 | Acervo Lélia Gonzalez
Na forma coloquial e simplificada com a qual falava Lélia falava as coisas, podemos dizer que ela
“deu um tempo” e entrou em um período de reclusão, afastando-se da militância.
Foi uma fase em que se apoiou na família e nos amigos Januário Garcia e Ana Maria Felippe. O filho
Rubens, que havia se separado da mulher, aproximou-se mais e foi viver com a tia que, em alguns
momentos, sentia-se extremamente debilitada.
Sem ânimo, sequer, para dirigir o próprio carro, não poucas vezes, até que entrasse em licença de
saúde, precisou que a levassem até a PUC. Lélia havia tomado posse como diretora do Departamento
de Sociologia e Política da PUC-Rio. Lá permaneceu por trinta dias até falecer.
Além dos médicos com os quais se consultava, deu inicio a um tratamento espiritual com seu amigo
e mentor espiritual Pai Jair, de Ogum.. A doença de Lélia se agravava. Agora também uma insufici-
ência cardíaca lhe incomodava. Mais que antes, passou a necessitar de companhia constante. Com
84
Era também da janela que apreciava as ruas e casas enfeita-
Tome Nota das e participava, naqueles dias, da grande torcida para que
o Brasil se tornasse, pela terceira vez, o grande campeão da
Você pode conhecer melhor
Copa do Mundo, que ocorria nos Estados Unidos. E não é que
as ideias e encontrar textos deu resultado? No dia 17 de julho de 1994, os/as brasileiros/
escritos por Lélia Gonzalez as finalmente puderam soltar o grito de campeão mundial.
acessando o site www. Um grito entalado na garganta por longos 24 anos.
leliagonzalez.org.br. organizado
Lélia, contudo, não pode compartilhar dessa alegria. Quando
pela grande amiga e também o calendário ainda marcava 10 de julho, Eliane arrumou a Políticas Públicas escritas em
militante Ana Maria Felipe. mesa do almoço para uma daquelas ocasiões especiais. A preto e branco...
tia havia pedido, na noite anterior: “amanhã você faz minha A herança que Lélia deixou não se traduziu em valo-
comida preferida, carne assada com macarrão?”. E foi feito! res financeiros. Longe disso! Seu legado construído a
No capricho e com bastante molho como ela gostava. partir de pioneirismo e intensa atuação influenciaram
Tome Nota
Travessas colocadas na mesa, foi até o quarto e, parada ao significativamente para abrir caminhos. E apesar das
Para conhecer mais sobre Cartaz Todas Iguais| Acervo Centro de Memória
lado da cama, chamou por alguns instantes, sem sucesso, muitas dificuldades, eles foram abertos! Na década
Mulheres do Brasil/REDEH
a diabetes e outras doenças pela tia. Percebeu que Lélia Gonzalez havia descansado. de 1990, testemunhamos o surgimento das primeiras
crônicas que afetam a Lélia Gonzalez havia partido. Mas as ideias e legados que ações afirmativas visando garantir o ingresso da po-
população brasileira acesse deixou para a causa da mulher negra, não! Permanecem pulação negra no nível superior. Não sem polêmicas,
portal.saude.gov.br como herança e responsabilidade, para todas as brasileiras a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) foi
e brasileiros que, ainda hoje, lutam pela construção de uma pioneira no país, através da Lei Estadual 4151/2003.
Você pode recorrer também ao
“Disque saúde”, serviço gratuito sociedade sem racismo, justa e igualitária. Em âmbito nacional, a criação da Secretaria Especial
de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEP-
oferecido à população pelo
25 Cangiraué significa “passarinho” na linguagem de remanescen- PIR) em 21 de março de 2003, através da Medida Pro-
Ministério da Saúde, através
tes de quilombos do Município de Milho Verde (MG) in BARBOSA, visória nº111, foi outro importante e decisivo passo
do telefone 0800611997 Paulo Corrêa; SCHUMAHER, Schuma. Minas de Quilombos. Bra-
de conquista dos afrodescendentes brasileiros, não
sília: Ministério da Educação (MEC), 2008. Orum no candomblé,
religião de matriz africana, significa “mundo dos espíritos”. por acaso, na data em que a ONU instituiu o Dia Inter-
nacional pela Eliminação da Discriminação Racial (21
26 GONZALEZ, Lélia. Entrevista. Jornal do MNU, nº 19, maio-julho de
1991. p. 08-09. (Acervo Lélia Gonzalez). de março), em memória ao massacre de Shaperville,
no qual centenas de sul-africanos que protestavam
Rubens Rufino recebe da Ministra Chefe da
contra a limitação de circulação no próprio país, im- SEPPIR, Luiza Bairros, uma homenagem
Santa Teresa, Rio de Janeiro, s.d e Lélia com sua sobrinha neta Gabriela, filha de Eliane de Almeida, 1985 | Acervo Lélia Gonzalez
posta pelo governo racista, foram assassinados. póstuma à Lélia Gonzalez. 7º Congresso
Brasileiro de Pesquisadores Negros,
Igualmente importantes foram a criação da Secreta- Florianópolis, Santa Catarina, 2012 | Coleção
Particular
ria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversi-
dade e Inclusão (SECADI/MEC), a instituição da Lei
10639/03 e a aprovação do Estatuto da Igualdade. VOCE SABIA?
Sem esquecer que, em 2008, a aprovação da Lei No bairro de Ramos (RJ) está
11.465, ampliou conquistas e tornou obrigatória a localizada a Escola Estadual Lélia
inclusão da história e da cultura indígena nos currí- Gonzalez.
culos do ensino fundamental e médio.
87
Saudades, continuidade e homenagens.
Companheira Lélia: a luta continua...
Obras de Lélia (escritos e links)
O reconhecimento aos dezoito anos de envolvimento e atuação na aca-
demia e militância negra e feminista tem rendido a Lélia uma série de
Por Lélia
homenagens. O Centro de Documentação Lélia Gonzalez criado em 2003 - GONZALEZ, Lélia e HASENBALG, Carlos. Lugar de Negro . Rio de
pela ONG Geledés – Instituto da Mulher Negra é uma delas. Janeiro: Marco Zero Limitada, 1982.
- GONZALEZ, Lélia, Festas populares no Brasil. Rio de Janeiro:
Por ocasião de uma década de seu falecimento, Lélia recebeu da Assem-
Index, 1987.
bleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) o Diploma Mulher
Cidadã Leolinda Daltro, em sua primeira edição, concedido pela Comis- Por Lélia (online)
são de Defesa dos Direitos da Mulher.
- GONZALEZ, Lélia. Mulher negra. In. Jornal Mulherio, Ano
Suas ideias continuam vivas, através de monografias, teses e disserta- 01, nº 03, setembro/outubro, 1981. Disponível em: JORNAL
ções produzidas por estudantes de todo o país. Também a historiadora MULHERIO ANO 1 N. 3. pdf.
Raquel Barreto – autora de um estudo comparado entre Lélia e Angela - GONZALEZ, Lélia. E a trabalhadora negra cumé que fica? Ano 02,
Davies – lhe prestou homenagens. Uma delas ocorreu na UERJ e contou nº 07, maio/junho, 1982. Disponível em: JORNAL MULHERIO
com a presença de algumas importantes lideranças negras, como Abdias ANO 2 N. 7. pdf.
do Nascimento, Magali Almeida, Elizabeth Viana, dentre várias outras. - GONZALEZ, Lélia. Beleza negra ou: ora-yê-yê-ô! Ano 02, nº 06,
março/abril, 1982. Disponível em: JORNAL MULHERIO ANO 2
Uma mulher que vale por trinta... N. 6 pdf.
Através da série Heróis de Todo Mundo, do Programa A Cor da Cultura - GONZALEZ, Lélia. Lélia fala de Lélia. Disponível em: http://www.
em 2010, Lélia foi incluída na galeria das 30 personagens afrodescen- ieg.ufsc.br/admin/downloads/artigos/30102009-034559lelia.pdf.
dentes destacadas. E nessa mesma ocasião, sua bibliografia foi publicada - GONZALEZ, Lélia. Carta a Chacrinha. Disponível em: http://
na Coleção Retratos do Brasil Negro, de autoria dos pesquisadores Alex www.4shared.com/office/MOaIZkOO/Carta_a_Chacrinha.
Ratts e Flávia Rios. html
O fato é que Lélia não se foi! Por sua história de lutas, continua presente - GONZALEZ, Lélia. Racismo e Sexismo. Disponível em: http://
entre nós! www.4shared.com/office/IjyTR8Qg/Racismo_e_Sexismo_
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