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RESENHA

BORBOLETAS BATEM ASAS NO MONT SAINT MICHEL

Clarice da Silva Alves1

O bater de asas de uma borboleta no Pacífico pode ser responsável pelo


aparecimento de um tufão do outro lado do planeta. A máxima ilustrativa da teoria do caos
pode ser também uma bela imagem para evocar os 111 minutos do filme Ponto de
Mutação. Produzida no fim do século XX, nos Estados Unidos, a partir do livro homônimo
do físico austríaco Fritjof Capra, a obra dirigida por seu irmão Bernt Capra e
protagonizada pelos atores Liv Ullmann, Saw Waterston e John Heard narra o encontro
casual entre três figuras arquetípicas em um castelo medieval na França, o Mont Saint
Michel. Personagens e espectadores não passam incólumes pelo debate entre a política,
a ciência e a poesia na tela: uma densa e tortuosa reflexão coletiva sobre a crise de
paradigmas que assola a humanidade.

A primeira imagem do filme é a Casa Branca. De sua sacada a contempla o insone


senador Jack Edwards. Derrotado na disputa presidencial, ele liga para o amigo Thomas
Harriman, poeta que por muito tempo redigiu seus discursos, mas que fugiu para a
França, acossado pela possibilidade de acomodar-se ao padrão burguês. “Não tenho
nada a dizer, sinto-me esgotado”, confessa-lhe Jack. É Thomas quem o leva à Saint
Michel, onde encontram a física Sonia Hoffman, recolhida àquele lugar após descobrir
que suas pesquisas eram usadas para fins militares.

O encontro entre essas três criaturas em crise dá-se no momento em que apreciam
a gigantesca engrenagem de um antigo relógio, para o poeta, o símbolo da ruptura do
homem com o estado de natureza. Contudo, a cientista vai além. Ela afirma que o homem
vem confundindo o relógio e suas engrenagens pesadas e lentas como modelo para
entendimento do Cosmos, da organização da vida como máquina. Esse momento do
filme marca o princípio de uma revisão crítica do pensamento científico ocidental
encarnado em René Descartes, Isaac Newton e Francis Bacon e a discussão sobre a
necessidade de sua superação num mundo em “crise de perspectiva”, nas palavras do
personagem Thomas.

1Aluna do Curso de Dança/UFRGS. Trabalho produzido como pré-requisito para avaliação da


disciplina Metodologia da Pesquisa Bibliográfica, ministrada pela Professora Ana Dalla Zen.
Porto Alegre, setembro de 2013. E-mail: claricedsa@gmail.com.
Surpreendendo a pequena plateia masculina, Sônia sustenta que, se o
pensamento cartesiano norteou fundamentais conquistas para a humanidade, hoje seu
modelo fragmentado e mecanicista de mundo embaça práticas políticas tanto à esquerda
quanto à direita. Ela acusa Francis Bacon de pregar a ideia patriarcal de exploração da
natureza que leva à destruição do planeta, além de considerar Isaac Newton e seu
modelo de ciência baseado no visível, algo superado após o advento da física quântica.
Desses pensamentos ainda hegemônicos na contemporaneidade, segundo a cientista,
advém a visão de mundo fragmentada, a obsessão pelo crescimento econômico, a
poluição e o individualismo.

Ilustrando a hegemonia desses pensamentos como senso comum global, Jack, o


caipira esclarecido, pergunta: “mecanicista, não é o método científico?” O democrata
demonstra sua fé no progresso científico como solução para os problemas do planeta e
expõe seu modo de ação baseado numa pragmática de negociação como a saída
possível de ação dentro das estruturas políticas dadas. É dele também a irônica frase “a
Idade Média ficou esquecida lá e o tempo seguiu em frente”, que profere ingenuamente
ao contemplar Saint Michel. Por outro lado, há uma identificação explícita entre a ciência
e a poesia, uma vez que em muitos momentos as citações do poeta explicam as teorias
científicas expostas com a riqueza e a transcendência que equações não alcançam.

As nuvens se dissipam e o Sol aparece para emoldurar a defesa de Sônia sobre


suas crenças na física quântica e sua visão sistêmica como um modelo de paradigma
compatível com as necessidades do planeta hoje. “Comecei a pensar no que a física
subatômica se relaciona com a minha percepção de mundo”, relata ao falar da Teoria dos
Sistemas Vivos, uma teoria que abrange os sistemas sociais e os ecossistemas. Nesse
modelo, a vida é um monte de padrões de probabilidades de conexões. A natureza das
coisas não está nos objetos, mas na troca contínua de matéria e energia, de fótons e
elétrons, na sua Interdependência. “Vida é auto-organização”, sentencia a cientista que
não consegue se relacionar concretamente nem com a própria filha.

Alguns pontos afora a discussão proposta - mas que a corroboram - chamam


atenção: a estrutura da ação calcada em diálogos, inspirada seja na filosofia platônica,
seja em Jesus e seus apóstolos; a passagem do tempo delimitada ao ciclo de um dia,
sendo o encontro interrompido pela ação da natureza através da subida da maré; o
diálogo entre as circularidades rítmicas da música de Phillip Glass, Johann Sebastian
Bach(Jesus, Alegria dos Homens dedilhada pelo poeta) e o onipresente canto dos
pássaros; a caracterização dos personagens: o poeta de preto e gola rulê (figurino
existencialista/beatnik), o político de colarinho azul claro e blazer carregado às costas(um
clichê dos programas eleitorais televisivos) e a cientista envolta em tricôs de fios rústicos
e tons terra(misto de monja e bruxa), traduzindo no figurino seu discurso; e finalmente o
castelo representando a permanência de estruturas e valores do passado no mundo
contemporâneo.

Incomoda um pouco o tom didático do filme. Além disso, não escapa da ser um
produto da cultura ocidental anglo-saxã, inclusive na postura pudica dos personagens
Jack e Sônia, a segunda tapando a boca e segurando suas vestes junto ao corpo o tempo
todo como a se proteger dos dois machos que a rondam. É empobrecedor ao debate
proposto a ausência de outras visões de mundo. Nós (latinos, ciganos, orientais, índios,
africanos) somos “eles” nessa trama (os que jogam refrigerante no chão e destroem a
Amazônia), e os norte-americanos continuam com o legítimo direito a salvar o mundo.

Mesmo com suas limitações, Ponto de Mutação é como uma daquelas doses
únicas tomadas no início de um tratamento homeopático. Um bater de asas com
consequências ainda imensuráveis, mas que começam a emergir tanto na ciência, como
nos acontecimentos políticos recentes no Brasil e na Turquia, onde as populações já
reagem coletivamente à falência do modelo de contrato social vigente entre os homens.
Resta saber se estas são pistas de que nosso ecossistema social global chegou
realmente ao estágio de mutação genética dos paradigmas inscritos em seu DNA.

REFERÊNCIA

PONTO DE MUTAÇÃO. Direção: Bernt Capra. Elenco: Ione Skye, John Heard, Liv
Ullmann, Sam Waterston. Produção : Adrianna A. J. Cohen. Roteiro: Floyd Byars; Fritjof
Capra. EUA, 1990. 1 DVD (111 min).

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