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Márcia Tavares.

Lohanna Adriana dos Santos 69

ARTIGO

Profanações do silêncio: indícios para transversar


sexualidades e gêneros no Serviço Social

Márcia Tavares*
Lohanna Adriana dos Santos**

Resumo: Neste artigo, reunimos a nossa experiência – uma professora e outra ex-aluna de um curso de graduação em
Serviço Social –, para registrar e analisar a discriminação e o preconceito presentes na comunidade acadêmica contra
alunas(os) que desafiam as normas de gênero, mas também para suscitar uma reflexão sobre gênero, corpo, sexualidade
e sua interface com o Serviço Social. Para tanto, resgatamos confrontos, negociações, deslocamentos e continuidades
na relação de uma aluna transexual com seus professores, colegas, com a coordenação do curso e a direção da univer-
sidade.

Palavras chave: gênero; corpo; sexualidade; Serviço Social.

Abstract: In this article, we bring together our experience – as a teacher and her former student in an undergraduate
degree Program in Social Work –, to record and analyze the discrimination and prejudice at work in the academic
community against students who challenge gender norms, as well as to launch a debate on gender, body, sexuality and
its interface with Social Work. For this purpose, we rescue confrontations, negotiations, shifts and continuities in the
relations of a transsexual student with her teachers, peers, course coordinators and university administration.

Keywords: gender; body; sexuality; social work.

“E eu não aguento a resignação.


Ah, como devoro com
fome e prazer a revolta” 

Clarice Lispector

Revista praiavermelha / Rio de Janeiro / v. 22 no 1 / p. 69-84 / Jul-Dez 2012


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Comentários iniciais Cada sociedade inventa a sexualidade que


pode inventar. (...) Como todo costume sexual
Este artigo está centrado em nossos relatos é historicamente determinado, não há como
de experiência, na condição de ex-professora e dizer, de uma vez por todas, o que é certo ou
ex-aluna de um curso de Serviço Social e traz errado. O que aprovamos como certo é o que
como moldura a trama de nossas memórias, beneficia a imagem de sujeito moral que quere-
relativas a percepções, ações e reações da co- mos manter, o que desaprovamos é o que vai de
munidade acadêmica na convivência com uma encontro à sua imagem.
aluna transexual, com o intuito de suscitar entre Jurandir Freire Costa
as(os) leitoras(es) uma reflexão acerca da im-
portância de incorporar nos conteúdos curricu- Durante muito tempo acreditou-se que a se-
lares e no processo de formação profissional xualidade de homens e mulheres podia ser pro-
das(os) assistentes sociais a discussão das se- gramada antes do nascimento. E mais que isto,
xualidades e dos gêneros. que a sexualidade seria um equipamento com
Os estudos sobre os diferentes arranjos de o qual nascemos e que a conduta desempenha-
gênero e a diversidade sexual, no âmbito do Ser- da por homens e mulheres teria relação direta
viço Social, têm conquistado maior visibilidade com o sexo do corpo. Neste imaginário, a cena
a partir do esforço da Associação Brasileira de corrente é de “dois sexos primitivos que travam
Escolas de Serviço Social (Abepss) para estru- feroz combate na arena do social” (Míccolis;
turação dos grupos de pesquisa, em particular o Daniel, 1983, p. 31), um nítido quadro natura-
Grupo Temático Classe Social, Gênero, Raça/ lista em que a dimensão biológica aparece de-
Etnia, Geração, Diversidade Sexual e Serviço terminando os papéis sexuais. As ressonâncias
Social, que vem se consolidando como um im- deste quadro perfilam em várias instâncias. No
portante espaço tanto de renovação do conheci- âmbito dos saberes instituídos, a sexologia, por
mento como catalisador de mudanças no exercí- exemplo, desenvolvida por volta de 1900, rece-
cio profissional (Tavares; Silva, 2010). be apoio da teoria da seleção sexual de Darwin,
No entanto, não é comum pensar e falar variante da seleção natural, em que o sexo é
sobre gênero e diversidade sexual, temas ain- compreendido como associado à reprodução da
da marginais, abordados, quando muito, de espécie. Utilizando mecanismos evolucionistas,
forma intermitente ao longo do curso, por al- Darwin tenta explicar o fenômeno do dimorfis-
gumas(uns) professoras(es), enquanto as(os) mo sexual – as diferenças de formas entre ma-
demais, ancoradas(os) confortavelmente em chos e fêmeas em uma mesma espécie – e as
valores consuetudinários, demonstram pouco vantagens que alguns sujeitos exercem sobre os
interesse em se apropriar desses conteúdos. outros do mesmo sexo e espécie (Lima Júnior,
Assim, advertimos desde já, ao comparti- 2007). A lógica da seleção sexual, traduzida por
lharmos nossas experiências e refletirmos so- Frankel (apud Lima Júnior, 2007) depende da
bre o tema nas próximas linhas, que queremos coragem dos machos envolvidos na luta sexual
mesmo é desestabilizar, desnaturalizar câno- para atender aos desejos da fêmea. A luta con-
nes e, quem sabe, estimular as(os) leitoras(es) siste entre sujeitos do mesmo sexo para afastar
a se engajarem na luta contra as diferenças e matar os rivais (as fêmeas ficavam passivas);
(ainda) reforçadas pelo Serviço Social e que entre indivíduos do mesmo sexo para excitar ou
contribuem para engendrar desigualdades e atrair as do sexo oposto (as fêmeas selecionam
impedir a existência de uma sociedade justa e os parceiros que lhes interessam). Neste caso, a
igualitária. seleção sexual “dependeria do sucesso de cer-
tos indivíduos sobre os outros do mesmo sexo”,
Danações do imaginário: da sexualidade e no sentido da “propagação da espécie” (Lima
suas agruras Júnior, 2007).

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Este quadro naturalista, pintado basicamen- se realize conforme o que “naturalmente” se es-
te com cores e tonalidades essencialistas, ganha pera, embora as questões do sexo se liguem à
outros matizes com o construtivismo cultural. ordem dos prazeres do corpo e dos sentidos e à
Mesmo porque, já em 1871, o conceito antro- ordem do desejo, mas o mundo da subjetivida-
pológico de cultura formulado por Tylor, não de inaugura fronteiras outras de arranjos exis-
só instala hábitos e costumes na dimensão do tenciais e estéticos, muitas vezes, inauditos nos
adquirido, como também focaliza o comporta- espaços costumeiros de realização social dos
mento humano em termos de sua diversidade sujeitos. Como isto se operacionaliza? Segundo
cultural. Portanto, já levanta questões sobre Foucault, na História da Sexualidade (1985),
o relativismo e universalismo das categorias isto aconteceu no Ocidente, especificamente,
culturais. Este viés conceitual, destituído de devido à instauração de uma ciência da sexua-
seus corolários evolucionistas, inspira análises lidade que institui em sua discursividade regras
de sistemas de categorias e imagens coletivas para manter o sexo sob controle, no cenário da
constitutivas da experiência sexual em grupos e época de repressão (século XVII) própria das
culturas diferentes. sociedades chamadas burguesas. Nesta obra de
Estudos clássicos na antropologia já se de- referência, Foucault traça um levantamento dos
bruçaram sobre a análise desses sistemas de discursos produzidos sobre e em torno do sexo,
categorias e imagens, como os desenvolvidos fornecendo desta forma um panorama das rela-
por Bronislaw Malinowski, Emile Durkheim, ções entre prazer-saber-poder, que traz uma ní-
Marcel Mauss, Lévi-Strauss, Margareth Mead, tida manifestação do poder contido nos discur-
Ruth Benedict e Mary Douglas (Franchetto et sos de “verdade”. Uma das consequências deste
al., 1981). A emergência da cultura como aqui- processo de produção e institucionalização dos
lo que torna o homem propriamente humano saberes é o surgimento de uma nova forma de
(Lévi-Strauss, 1976) ou como conjunto de re- inteligibilidade do sujeito (indivíduo), que vem
des de significação (Geertz, 1973), contribui a passar pelo dispositivo da sexualidade quando
para o desenvolvimento da percepção de que essa se torna, ao mesmo tempo, o que permite
toda realidade é socialmente construída, inclu- analisá-lo e o que torna possível constituí-lo.
sive o corpo, o sexo e a sexualidade. A espécie Foucault (1985) localiza estes imperativos
humana é essencialmente dependente da socia- na passagem de uma sexualidade frouxa, em
lização. A sexualidade, nesta perspectiva, está que havia uma tolerância e familiaridade com o
ligada ao comportamento em relação ao sexo, ilícito, para uma sexualidade contida e confis-
portanto, é um termo abstrato que se refere às cada pela família conjugal (século XVIII), na
capacidades associadas ao sexo. Neste sentido, qual teria acontecido uma “explosão discursi-
ela diz respeito a imperativos que estão dis- va” sobre o sexo. As instituições políticas, eco-
postos nos processos de construção social dos nômicas e jurídicas o incitam, de maneira que
corpos e dos sujeitos, se insere no âmbito dos a “confissão” e o “falar” tornam-se apanágio
costumes sexuais. A afetividade e a sexualidade da classificação e especificação dos sujeitos.
passam a ser vistas como dimensões da pessoa Os discursos produzidos no âmbito do poder
e atualizam-se em formas socialmente conven- – relações que perpassam a estrutura social –
cionadas por certa cultura (Heilborn, 1999). concretizam-se em instituições e em técnicas de
Mas por que, então, os enclaves discrimi- dominação nas quais o corpo, a realidade mais
natórios, preconceituosos, excludentes e hie- concreta dos indivíduos, é atingido. O sexo
rárquicos fadaram e ainda fadam milhares de torna-se, então, objeto de verdade, confiscado
sujeitos com condutas sexuais que fogem aos pelo discurso científico e pela “tecnologia do
padrões da heteronormatividade, a viver à mar- sexo”, que constroem um ordenamento daquilo
gem das fronteiras do instituído? É evidente que que se tem confessado e sabido, a título de ins-
há pressões sociais para que nossa sexualidade tituir o que é “normal” e “anormal” em torno

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da sexualidade. Desde então, esta passa a ser o culturas. Ela introduziu o termo papéis sexuais
caminho de acesso do indivíduo à sua inteligi- para mostrar que comportamentos masculinos
bilidade e identidade. São os efeitos do sistema e femininos eram construídos e podiam variar
classificatório como quadro de leitura para as de uma cultura para a outra. É célebre o seu en-
condutas, um poder que se institui sobre a vida, saio Sexo e temperamento em três sociedades
que se instaura no domínio de valor e utilidade primitivas. Nestas sociedades, a divisão sexual
que as pessoas possam ter. do trabalho e as estruturas de parentesco eram
Em Microfísica do Poder (1986), Foucault analisadas para “explicar os diferentes papéis
fornece outro elo para se compreender o porquê do gênero nas etnias arapesh, mundugumor e
da destinação das sexualidades dissidentes da he- tchambouli”. Este estudo proporcionou impor-
teronormatividade a lugares obscuros do precon- tante material empírico para questionar a rígi-
ceito e da discriminação, quando, por exemplo, da diferenciação entre personagens femininos
resgata as instâncias de dominação não mais nos e masculinos, documentando culturas em que
espaços jurídicos de legitimação da soberania, homens e mulheres dividiam entre si práticas
mas nas formas de controle pela disciplina, pelo consideradas exclusivamente masculinas no
adestramento em nome de uma crescente utilida- Ocidente (como a guerra) ou outras em que a
de dos indivíduos. Se o poder passa de uma sobe- distribuição das tarefas domésticas eram exata-
rania para uma “disciplina”, os indivíduos e suas mente opostas às ocidentais (Sena, 2004).
identidades passam a ser forjados por ela, que se Assim, o questionamento da divisão tradi-
torna propaladora de normas e facilita o desen- cional dos papéis sexuais entre homens e mu-
volvimento da medicina – medicalização geral do lheres inaugura, no interior das ciências sociais,
comportamento, dos discursos e dos desejos. Nes- um campo de reflexão. O seu ponto de partida
ta arena de forças, os sujeitos se tornam força de é a afirmação da identidade de gênero enquanto
trabalho isenta de força política, cujo corpo é uti- construção social do sexo como dado funda-
lizado não mais pela repressão, mas pelo controle mental. A identidade de gênero aqui é percebida
de suas potencialidades. Deste cenário se com- como uma forma de classificação social. Criada
preende que a sexualidade é uma invenção social no início dos anos 1980, a categoria gênero, no
e uma forma estratégica de exercício do poder. “A seu primeiro uso, está ligada ao feminismo. Era
sexualidade tem tanto a ver com as palavras, as usada para repudiar o determinismo biológico,
imagens, o ritual e a fantasia como com o corpo” mostrando que homem/mulher são categorias
(Weeks, apud Louro, 2010a, p. 26). socialmente construídas. Mesmo assim, cer-
Então, tomar o instituído socialmente como tos cenários continuaram a ser montados para
natural foi uma agrura do imaginário sobre o a tecedura de socializações distintivas entre os
sexo e a sexualidade fundados no determinismo sexos, quando o enxoval e o quarto de meninas
biológico e que cimentou o projeto da ordem ganhavam a cor rosa, representando sua docili-
social moderna. Nesta ordem social, também o dade e delicadeza, enquanto o azul reproduzia
binarismo sexual, dicotomizado nas categorias no enxoval e na decoração do quarto, o caráter
homem/mulher e masculino/feminino, é tido conquistador e indócil dos meninos. Aquela(e)
como determinante dos papéis sexuais assumi- que adotasse comportamentos e atitudes contrá-
dos por homens e mulheres no sentido da cren- rios às normas regulatórias era considerada(o)
ça na reprodução de uma ordem da natureza nos doente ou desajustada(o) e tratada(o) como in-
avatares do masculino e feminino. ferior. Essas normas sociais, tidas como “natu-
A desnaturalização deste suposto social de- rais”, reprimiam a manifestação de outras for-
terminado pelo biológico teve como contribui- mas de ser e de viver o desejo e de satisfazê-lo
ção as pesquisas da antropóloga norte-ameri- isento de culpa (Jesus et al., 2008).
cana Margareth Mead que, na década de 1930, Além disso, cabe lembrar que, no âmbito da
obteve repercussão pelo estudo comparativo de sexualidade, o preconceito social serviu para

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conferir invisibilidade a determinadas identi- Um dos desdobramentos do conceito de


dades sexuadas, assegurando a subalternização gênero aponta justamente neste sentido referi-
de alguns direitos sociais, ao mesmo tempo em do por Louro, nas moldagens das relações de
que legitimou práticas de inferiorização social, poder. As abordagens feministas pós-estrutu-
como a homofobia. Neste caso, o preconcei- ralistas se afastam das vertentes que tratam o
to social fez uso, muitas vezes, de atribuições corpo como uma entidade biológica universal
sociais negativas respaldadas na moral, na re- e, na esteira de Foucault e Derrida, alocam na
ligião e na própria ciência, para fabricar uma linguagem o lugar de produção das insígnias do
hierarquia sexual, a qual se sustenta em um corpo tido como um “construto sociocultural e
conjunto de valores e práticas sociais que ele- linguístico, produto e efeito de relações de po-
gem a heteronormatividade como um campo der” (Meyer, 2010, p. 16).
normativo e regulador das relações humanas De fato, as normas sexuais regulatórias ten-
(Prado; Machado, 2008). cionam que um corpo identificado como macho
A inferioridade social a que se referem Pra- ou como fêmea, determine um gênero (mascu-
do e Machado (2008) restringe-se a indivíduos lino/feminino) e conduza a uma única forma de
cujas sexualidades são dissidentes, aos quais é desejo – pelo sexo/gênero oposto. O processo
destinada uma subcidadania que limita o aces- de heteronormatividade – produção e reprodu-
so a direitos sociais e à própria possibilidade de ção da heterossexualidade compulsória – segue
conquista de novos direitos políticos. Esta subal- uma lógica binária que define as diretrizes e
ternidade pode abranger desde o estabelecimen- fronteiras para se pensar os sujeitos e suas prá-
to de práticas legalizadas ou ilegalizadas até a di- ticas. “Fora deste binarismo, situa-se o impen-
ficuldade de acesso a políticas públicas, induzida sável, o ininteligível” (Louro, 2008, p. 144).
pelos mecanismos gerados pelo preconceito. Louro (2008) destaca que o processo de he-
A sexualidade, tal qual o gênero, deve ser teronormatividade atua como parâmetro para a
pensada como uma construção correspondente implantação e legitimação de instituições e sis-
histórica e social, e por isso mesmo, marcada temas educacionais, jurídicos, de saúde, entre
por um caráter político, uma vez que esta não outros. Tais sistemas e instituições funcionam
é só o corpo, envolve o aprendizado de regras, para atender às demandas dos sujeitos heteros-
modelos de comportamento e valores próprios sexuais. Já os sujeitos que contrariam a norma
à sociedade na qual os indivíduos estão inse- vigente são desqualificados, podendo ser alvo
ridos. A sexualidade encontra-se, portanto, su- de tentativas de reeducação, menosprezados,
jeita a uma pedagogia cultural que exerce uma excluídos ou punidos.
função regulatória e, delimita espaços de segre- A sexualidade é uma importante dimen-
gação de gênero e sexualidade (Sabat, 2001). são no processo de constituição identitária dos
Conforme reflete Louro: sujeitos e, reúne a percepção que elaboramos
acerca de nosso corpo sexuado em comparação
A inscrição dos gêneros – feminino ou com o que os outros afirmam em relação ao que
masculino – nos corpos é feita, sempre, nós somos. A identidade de gênero é, portanto,
no contexto de uma determinada cultura. a forma como alguém se sente e se apresenta
As possibilidades de sexualidade – das para si mesmo e para os outros na condição de
formas de expressar os desejos e praze- homem ou de mulher e, em determinados casos,
res – também são sempre socialmente como uma junção de ambos, sem que isso im-
estabelecidas e codificadas. As identi- plique em uma conexão direta e inevitável com
dades de gênero e sexuais são, portanto, o sexo biológico.
compostas e definidas por relações so-
ciais, elas são moldadas pelas redes de Uma travesti, por exemplo, lida com seu
poder de uma sociedade (2007, p. 11). corpo sentindo-se ao mesmo tempo um

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ser feminino e masculino. Já uma pes- científicas. O “transexual” seria um dos fenô-
soa transexual desconsidera o fato de ter menos extremos a que estamos assistindo, uma
nascido com um pênis ou com uma va- vez que, como advoga Jean Baudrillard (1990):
gina para afirmar-se, respectivamente,
como mulher ou homem a partir da forte O corpo sexuado está entregue hoje a
convicção que tem de sua identidade de uma espécie de destino artificial. Esse
gênero. (...) As travestis e os/as transe- destino artificial é a transexualidade.
xuais estão na vanguarda da contestação Transexual não no sentido anatômico,
de uma visão rígida das relações de gê- mas no sentido mais geral de travesti-
nero, pois subvertem a ideia binária de do, de jogo de comutação dos signos do
gênero, motivo pelo qual causam tanto sexo, e, por oposição ao jogo anterior
incômodo nos espaços que frequentam. da diferença sexual, de jogo da indife-
(...) Durante muito tempo, os homosse- rença sexual, indiferenciação dos po-
xuais masculinos eram ‘identificados’ los sexuais e indiferença ao sexo como
(muitas vezes até entre eles mesmos) gozo. O sexual tem por objetivo o gozo,
por apresentarem trejeitos considerados o transexual tem por objetivo o artifício,
femininos. Em menor grau, a situação seja ele o de mudar de sexo ou o jogo
inversa também foi vivida pelas lésbi- dos signos vestimentares, morfológicos,
cas. E as travestis e os/as transexuais gestuais, característicos dos travestis.
permaneciam incompreendidas/os e (...) Somos todos transexuais. Assim
eram duramente tratadas/os com despre- como somos mutantes biológicos em
zo, abuso e violência por motivos seme- potência, somos transexuais em potên-
lhantes (Jesus et al., 2008, p. 35-38). cia. E não é questão de biologia. Somos
todos simbolicamente transexuais (Bau-
A sexualidade, tal qual o gênero, é uma drillard, 1990, p. 27-28).
construção histórica e cultural e, como ponde-
ra Giddens (1993), no cenário contemporâneo, Todavia, a presença inconteste da diversida-
também contempla outros arranjos, ou seja, de sexual no cenário social ainda parece con-
exercitada no cerne da individualidade, a se- dicionada à dimensão do exótico, do burlesco.
xualidade ganha autonomia com a emergência Nas instituições que produzem e reproduzem as
das tecnologias reprodutivas que neutralizam normas sociais regulatórias, como por exemplo,
o vínculo entre identidade feminina e papel a família, a igreja, a mídia, a escola formal e
reprodutivo. Em outras palavras, questiona-se a universidade, esses personagens parecem não
a justificativa biológica na qual está calcado o ter lugar.
desempenho sexual que tem como suposto a É o que nos informam os relatos de uma
heterossexualidade compulsória. Consequente- transexual, que afora as tramas conceituais aca-
mente, as diferentes expressões e vivências da dêmicas, aponta-nos itinerários talvez não es-
sexualidade adquirem legitimidade e afirmam- perados no ambiente em que sua trajetória foi
se como posições identitárias. Talvez nem mais tecida. Decerto, não ignoramos que a memória
identitárias, uma vez que o conceito de identi- tem seus caprichos e,
dade sexual é um produto histórico e cultural
específico do Ocidente. Foi no sistema classi- as lembranças pessoais são reconstituídas
ficatório da mentalidade ocidental que se cria- sob as bases de um presente que é social,
ram os termos específicos para designar práti- ou seja, são submetidas a uma seleção;
cas sexuais, com consequentes controles pela esquece-se de determinados aspectos,
disciplina, como bem pontua Foucault (1985), amplia-se outros a embelezar a narra-
através de sua genealogia das discursividades tiva, em consonância com o momento

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presente e com as circunstâncias, lugares prática a partilha de atividades, tanto as rele-


e pessoas com quem a memória será rea- vantes como as cotidianas; conhecer as políti-
vivada (Tavares, 2008, p. 35). cas públicas e os direitos dos cidadãos, como
também maneiras de se buscar a efetivação dos
Por essa razão, no tópico seguinte, tentare- direitos humanos, principalmente, em termos
mos desenredar as tramas da memória e recu- da defesa intransigente dos direitos de LGBTs,
perar episódios relativos à transfobia no espaço tendo como premissa o respeito aos direitos dos
acadêmico, a partir de diferentes prismas – os diferentes segmentos, discriminados ou não.
relatos de experiência de uma ex-aluna e de O primeiro dia de aula chegou e estava
uma professora do curso de Serviço Social –, de preparada para lidar com os olhares, além dos
forma a matizar convergências e divergências xingamentos, chacotas e outras formas de trata-
em suas narrativas. mento que tanto me acostumara a receber. Mas
ser a primeira transexual a frequentar a sala de
Convergências e divergências: entrelaçando aula de uma universidade superou minhas ex-
memórias pectativas, mesmo sabendo que poderia passar
por inúmeros constrangimentos. Eu me senti
Os passos da memória, tal qual no bolero: muito mal, como se fosse um ser desconhecido
“São dois pra lá, dois pra cá”1 e, embora suas que invadia um espaço que lhe era proibido. As
evoluções nem sempre se deem de forma sin- pessoas olhavam, apontavam, saíam de suas sa-
crônica, tornam-se um, ao remontarmos o que- las para ir à minha “ver o veado, ou a travesti”,
bra-cabeça de lembranças que compartilhare- nunca a mulher e aluna do primeiro período de
mos nas próximas linhas. No entanto, para uma Serviço Social.
melhor compreensão do(a) leitor(a), essas me- Caminhava por corredores da universidade
mórias que se entrelaçam em tempo real, serão me sentindo uma anomalia, um ser extraterres-
apresentadas em separado no texto escrito, de tre, ou até mesmo uma pessoa imunda que to-
modo a nuançar as aproximações e distâncias dos observavam e apontavam. A luta estava só
em nossas reconstituições dos fatos passados. começando e muito estava por vir. Ainda na pri-
Deste modo, enquanto a Memória 1 traz as nar- meira semana, passei pelo primeiro momento de
rativas de Lohanna – a ex-aluna, a Memória 2 discriminação, quando, em frente ao banheiro,
reúne as impressões de Márcia – a ex-profes- um rapaz me abordou, perguntando o que eu fa-
sora. zia ali, arrematando que lugar de pessoas como
Memória 1 – Meu nome é Lohanna, sou eu era na rodovia se prostituindo e vendendo
transexual e fui contemplada com uma bolsa de o corpo. Assustei-me! Ingenuamente, esperava
estudos integral para o curso de Serviço Social que em um lugar como a universidade, onde se
em uma universidade privada, situada em uma produz conhecimento, fosse encontrar pessoas
cidade do interior sergipano. Naquele momen- dotadas de menor ignorância e preconceitos.
to, embora acreditasse que me possibilitaria tra- Entendi que a realidade era outra e respondi
balhar questões muito presentes em minha vida que, como qualquer pessoa, estava ali para es-
– os movimentos sociais e a luta por direitos e tudar e, ao contrário de outras meninas travestis
cidadania –, me fiz a seguinte pergunta: o que e transexuais que ali não chegaram, fui forte e,
me esperava no curso de Serviço Social? mesmo sofrendo as dores de ser diferente, após
Inicialmente, supus que no curso de Servi- o ensino médio excludente e transfóbico, cheio
ço Social iria aprender muito e me apoderar de de pessoas como ele, chegara à universidade.
conhecimentos necessários à minha formação A dor que senti perante aquela indagação
como militante dos direitos humanos; imaginei e, principalmente, diante da definição, por um
um lugar aonde o aprendizado iria me preparar desconhecido, do meu “lugar” na sociedade, foi
para a vida comunitária, devendo tomar como muito forte! A partir daquele momento, percebi

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que nada por ali seria fácil. No entanto, também aproximou, naquele momento surgindo uma
me enchia de forças para ir adiante e não deixar grande amizade.
que o preconceito presente na sociedade e, ao Memória 2 – Meu nome é Márcia, fui pro-
que tudo indicava, reproduzia-se na universida- fessora da universidade onde Lohanna estudou
de, atrapalhasse meus planos. e, lembro de que o “chamego do destino” foi
Dia após dia, a segregação mostrava suas articulado pela coordenadora do curso de Ser-
várias faces. Matriculada em uma sala com viço Social. Eu não conhecia Lohanna, mas le-
mais de 60 alunos, era sozinha. A turma não me cionava a disciplina Seminários Temáticos no
entendia, os professores não sabiam como me campus da capital, cuja discussão estava volta-
tratar, tudo era novo para eles, sofri muito em da para as questões de gênero e étnico-raciais
sala de aula, os mesmos olhares de repulsa e em suas múltiplas intersecções na vida social,
reprovação que recebia fora, na sala pareciam além de coordenar o grupo de estudos sobre gê-
mais intensos, uma vez que se aliavam à exclu- nero. Foi-me solicitado pela coordenação que
são, pois nos momentos de trabalho em grupo, ministrasse um minicurso em um dos campi do
eu não era convidada pelos colegas e, quando interior e, fazendo uso de minha experiência de
as(os) professoras(es) não me incluíam em al- pesquisadora na área de gênero e sexualidade,
gum grupo, fazia sozinha as atividades. de forma sutil e delicada, encontrasse uma solu-
Nos intervalos permanecia na sala de aula; ção para o seguinte problema: no Serviço Social
nos espaços de convivência estudantil não me havia um aluno que se autodenominava transe-
encontrava, era uma pessoa perdida em meio xual – esclareceu que não sabia exatamente o
à multidão de discentes da universidade. Aos que isso significava –, mas o fato preocupante
poucos, fui conhecendo os seus caminhos, per- era que ele usava roupas femininas, solicitava
cebendo pessoas, observando atitudes, procura- que o chamassem pelo nome de Lohanna e rei-
va apoio e proteção, só carecia de alguém que vindicava o uso do banheiro feminino, o que vi-
me entendesse e com quem pudesse dividir mi- nha gerando desconforto e/ou intolerância entre
nhas angústias, sofrimentos e, mais que tudo, as(os) colegas e ameaçava a harmonia reinante
o medo que pairava no coração: ali eu pode- na comunidade acadêmica.
ria a qualquer momento ser alvo de algum tipo O minicurso transformou-se em pales-
de agressão. Em suma, a ordem moral a que se tra, que realizei no espaço de convivência da
apegavam as pessoas e a própria cultura aca- universidade2, e reuniu alunas(os) e professo-
dêmica, contribuíam para me isolar, excluir, ao ras(es) de diferentes cursos. Durante a minha
mesmo tempo em que eram confrontados com fala, foram poucas as pessoas que fizeram inter-
a necessidade de se adaptarem àquele novo ser venções, mas cabe registrar dois momentos: o
que ali estava. Contudo, não somos sozinhas e, primeiro foi quando, após apresentar o conceito
de forma dialética, a universidade, mesmo sem de gênero e discutir como mulheres e homens
eu saber, pensava maneiras de se adaptar à mi- são inventados à semelhança da sociedade e
nha presença ou, pelo menos, de me entender. cultura em que vivem, desde a mais tenra idade,
Nesse sentido, no primeiro evento do qual comportando diferentes arranjos, esclareci que
participei como discente, a 2ª Semana de Ex- a sexualidade também era uma construção his-
tensão, por coincidência ou “chamego” do tórico-social e, portanto, não poderia ser pensa-
destino, a universidade oferecia, pela primeira da no singular. Feito isso, passei a elencar as di-
vez, um minicurso sobre a temática “Gênero e ferentes expressões da sexualidade, ao mesmo
Sexualidade”, ministrado pela professora Már- tempo em que explicava, de forma sucinta, a
cia, do curso de Serviço Social que, na ocasião, distinção entre uma e outra. Lohanna, que esta-
coordenava um grupo de estudos de gênero. va sentada algumas cadeiras adiante, assim que
Logo fiz contato com a docente, que se dispôs mencionei a(o) transexual, olhando-me fixa-
a me orientar e disse me entender, o que nos mente, manifestou-se: – Esta sou eu! Indaguei

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Márcia Tavares. Lohanna Adriana dos Santos 77

seu nome e, diante de todos os olhares voltados de pesquisa para instituições de ensino de nível
para ela, sem vacilar, verbalizou o nome com o fundamental e médio.
qual se identificava e pelo qual gostaria de ser Memória 1 – Em meio às discussões em
chamada na comunidade acadêmica. sala de aula, conversas com professores, dire-
O segundo momento foi ao final da palestra, tores, colegas e demais membros da comunida-
quando me coloquei à disposição para quais- de universitária, fui ganhando confiança e me
quer esclarecimentos e, um dos homens presen- encontrando no curso. Percebia ser o Serviço
tes, que afirmou ser aluno de Serviço Social e Social um meio para dirimir as desigualdades
colega de Lohanna, expressou seu desconforto sociais e combater a discriminação contra as
com a discussão e, mais precisamente, com o pessoas iguais a mim. Um ano passou e, em
relativo convívio com a colega, esclarecendo meados do mês de abril de 2009, o diretor do
que não tinha nada contra homossexuais, “den- campus me convidou, ou melhor, me desafiou a
tro de quatro paredes, tudo bem”, isto é, outras montar um minicurso, no qual eu pudesse falar
expressões da sexualidade podem até existir e sobre diversidade sexual e homofobia e, assim
ser exercidas, desde que às ocultas, ou melhor, o fiz, sendo uma das primeiras alunas a minis-
desde que “não saiam do armário”. Seu depoi- trar um minicurso na 3ª semana de extensão da
mento revelava, naquele momento, que desafiar universidade.
a heterossexualidade compulsória e desestabi- Cabe lembrar que, ao entrar na sala onde se-
lizar a normatividade vigente exigiriam, tanto ria realizado o minicurso, deparei-me com uma
da professora como da aluna, muitas leituras e situação nunca enfrentada: falar sobre gênero e
estudos sobre o tema. diversidade sexual para um grupo misto de 50
Memória 1 – O tempo passava... Com esta universitários de diversas turmas. Tal momen-
mulher me senti acolhida e, com sede de infor- to foi emocionante e marcou a minha forma-
mação, fui solicitando leituras: livros, artigos, ção, pois, de um lado, iniciava precocemente
tudo o quanto pudesse me passar sobre estudos a práxis profissional, procurando responder à
de gênero (especificamente voltados para as sede dos colegas em conhecerem, discutirem
questões LGBTs, os chamados estudos queers, a diversidade sexual e, assim, poderem me en-
ressalva relevante, pois sob a rubrica estão os tender; do outro, eu, pessoa necessitada de es-
estudos feministas, voltados também para mu- paço para falar, para colocar que sou normal e
lheres heterossexuais, negras etc.). As leituras tão igual a todos. Foi muito linda aquela noite,
renderam um projeto de iniciação à pesquisa, perceber a felicidade nos olhos daqueles estu-
que não foi aprovado, mas consegui realizar dantes a cada descoberta ou novidade sobre o
e apresentar como Trabalho de Conclusão de tema, era um combustível que me revigorava e
Curso. fechava algumas feridas.
Memória 2 – Cabe lembrar que foram apre- A discussão fluiu, a cada instante os estu-
sentadas duas versões do projeto, ambas recu- dantes colocavam seus pontos de vista sobre
sadas sob a alegação de que havia problemas de cada questão discutida. No entanto, o momento
ordem metodológica e, embora tivesse alertado que mais me marcou foi ao final da atividade:
Lohanna sobre a possibilidade de isso aconte- ao concluir a apresentação do conteúdo, iniciei
cer, não pude evitar seu desapontamento. Na o debate, esclarecendo que todos poderiam fa-
verdade, sabia que a única incongruência esta- zer suas perguntas, bem como fazer uma avalia-
va no tema. Afinal, como aprovar uma pesquisa ção da noite. Neste momento, diversas dúvidas
sobre a homofobia na universidade, se a inten- foram sanadas, experiências compartilhadas e,
ção era exatamente mascarar o preconceito e para mim, um espaço de desabafo estava ali for-
evitar o confronto direto? Não é à toa, portanto, mado.
que seu projeto só obteve a anuência da coorde- Como toda a história tem que ter um “ápi-
nação do curso após o deslocamento do locus ce”, no final da aula, um rapaz que fazia o curso

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78 Profanações do silêncio: indícios para transversar sexualidades e gêneros no Serviço Social

de direito me parabenizou por estar superando em que essa curiosidade parecia se estender
barreiras na universidade e, comentou que sou- para a escolha da minha área de pesquisa. Seus
be de mim por outras pessoas, acrescentando olhares desconfiados indagavam: Por que estu-
que os estudantes estranhavam o fato de eu es- dar gênero e sexualidade? Será que ela também
tar ali como acadêmica, muitos saiam de suas não é “normal”, mas “diferente”, “excêntrica”?
salas com falsas desculpas para irem à minha Afinal, conforme destaca Louro:
sala me ver. Nesse sentido, se disse curioso em
conhecer uma pessoa estranha àquele meio, por Uma noção singular de gênero e sexuali-
isso se inscrevera no minicurso e, afirmou que dade vem sustentando currículos e práti-
eu era uma vencedora, pelo fato de ser a pri- cas de nossas escolas. Mesmo que se ad-
meira aluna a ministrar um minicurso na insti- mita que existe muitas formas de viver
tuição. Tal depoimento me emocionou, pois até os gêneros e a sexualidade, é consenso
aquele momento ninguém havia explicitado o que a instituição escolar tem obrigação
quanto os outros me viam como um corpo es- de nortear suas ações por um padrão:
tranho, não imaginava a intensidade com que haveria apenas um modo adequado, le-
me olhavam e nem que muitos me viam como gítimo, normal de masculinidade e de
ameaça. feminilidade e uma única forma sadia e
Memória 2 – Era expectadora tanto dos per- normal de sexualidade, a heterossexua-
calços enfrentados por Lohanna como de avan- lidade; afastar-se desse padrão significa
ços no convívio com os colegas ou professores, buscar o desvio, sair do centro, tornar-se
particularmente, em virtude de sua responsabi- excêntrico (2010b, p. 43-44).
lidade como aluna e das boas notas que obti-
nha nas atividades de avaliação das disciplinas. Memória 1 – O tempo passou e, a cada dia
Lohanna está certa, todos se mostravam ávidos me convencia da profissional em que estava me
para conhecê-la e ouvi-la. Contudo, diferente- tornando, pois a partir da minha primeira in-
mente dela, também acompanhava os bastido- tervenção na universidade, fui convidada pelo
res e ponderava – o interesse não seria moti- diretor do campus para ir a outros eventos e,
vado por sua excentricidade? Era perceptível assim, discutir diversidade. No entanto, isso
o desconforto dos(as) demais professores(as), não significa que o preconceito e discriminação
que agiam de forma ambígua, poucos(as) con- tinham acabado, ao contrário, os olhares e cha-
seguiam chamá-la pelo nome social, ao mesmo cotas continuavam como raios mortais presen-
tempo em que aparentemente aceitavam sua tes em minhas noites. Houve então o tempo em
performance de gênero3 e procuravam incluí-la que ir para a universidade era um martírio, um
em comissões ou convocá-la para ser represen- inferno, pois continuava sendo vista e tratada
tante de turma, junto com outros(as) alunos(as), como um elemento estranho.
mas sempre é bom lembrar, “um elemento in- Continuei a vida acadêmica, conquistei al-
trínseco ao preconceito sexual é a prática do si- guns amigos e, no terceiro período da formação,
lêncio e da dissimulação” (Prado & Machado, quando finalmente pensei estar em paz na co-
2008, p. 25). munidade acadêmica, um representante do setor
Por isso, vez por outra era também chama- jurídico da universidade visitou o campus, man-
da para orientá-las e/ou intermediar diante de dou me chamar na sala da direção e, diante do
determinadas situações, quando, por exemplo, diretor, proibiu-me de usar o banheiro feminino,
as reivindicações da aluna iam de encontro às em virtude das reclamações de algumas alunas,
normas institucionais e aos valores tidos como sob a alegação de haver um “homem” usando
corretos, como por exemplo, o uso do banheiro tal banheiro. Senti-me mal! Ao tentar argumen-
feminino ou vestimentas femininas4. Além dis- tar, o interlocutor me coagiu, dizendo que eu era
so, era questionada sobre sexualidade, ocasiões homem, na minha matrícula constava o sexo

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Márcia Tavares. Lohanna Adriana dos Santos 79

masculino e, por isso, deveria usar o banheiro Memória 2 – Vale registrar que, na época,
masculino como qualquer outro homem. uma das professoras do curso de Serviço So-
Naquele momento, senti-me tal qual um cial exercia o cargo de presidente do Conselho
pedaço de papel e, assim, me perguntei se era Regional de Serviço Social – Cress. Mesmo
uma pessoa ou só um número naquele estabe- assim, não tomou nenhuma providência nem
lecimento. Não bastasse, logo após foi feita deu qualquer orientação à aluna, ignorando os
uma reunião com líderes de sala e, aquele se- princípios norteadores da atuação profissional,
nhor me expôs, ao informar a todos os líderes contidos no Código de Ética Profissional da(o)
que comunicassem em suas salas que eu estava Assistente Social (1993). Tal postura pode ser
proibida de usar o banheiro feminino, sob pena atribuída ao receio de contrariar as normas ins-
de ser advertida, o que me causou constran- titucionais e sofrer represálias, mas indica tam-
gimento e dor. A ida à universidade se tornou bém que, embora as questões de gênero e até
ainda mais difícil para mim, passei noites im- mesmo relativas à sexualidade estejam na pauta
pedida de satisfazer as necessidades biológicas, de revistas, programas televisivos e, cada vez
de 18h30min até as 22h00min, sem poder usar mais sejam discutidas por pesquisadores(as),
o banheiro feminino. Foi uma barra! Era vista inclusive do Serviço Social, as escolas e muitos
como um homem que queria ser mulher, e como de seus professores(as) reiteram o padrão hete-
medida punitiva e correcional, estava proibida ronormativo, repudiam outras sexualidades ou
de usar o banheiro das mulheres. Sofri! Chorei! tentam “corrigi-las” (Silva; Soares, 2010).
Tranquei disciplinas para não ir todas as noites Instigada pelo debate feito em todo o Estado
à universidade... Mas não desisti. e a nível nacional, a universidade incluiu a dis-
A situação chegou aos ouvidos da mídia e cussão sobre a diversidade em um dos eventos
tornou-se pública. Organismos de defesa dos de seu calendário acadêmico. No mesmo ano
direitos humanos como o Centro de Defesa em e período, mais precisamente no final do mês
Direitos Humanos e Combate à Homofobia e o de setembro, a universidade organizou um ci-
Balcão de Direitos procuraram a universidade clo de debates que colocou em cena a discussão
em busca de uma possível solução. No entanto, sobre a sexualidade humana, desta vez, tendo
a universidade não mudou sua posição e o curso como foco o respeito e aceitação da diversida-
de Serviço Social, que deveria, em tese, solida- de, evento que, por três dias, lotou os auditórios
rizar-se e me dar apoio, não se manifestou, o onde foi realizado.
que me entristeceu. Na ocasião, fui convocada para uma reunião
Cheguei, dessa maneira, ao quarto período e, o grupo de estudos de gênero que eu coorde-
e, depois de descobrir que as alunas em questão nava decidiu aceitar a tarefa, com a condição
eram do curso de Serviço Social, decidi tomar de que não houvesse interferências, ficando sob
algumas atitudes. Na aula inaugural do primei- nossa responsabilidade desde a escolha do tema
ro período, organizei um abaixo assinado que à lista de convidados. Como estratégia políti-
pretendia passar com as meninas, com o objeti- ca, elaboramos a programação de forma que a
vo de que me autorizassem o uso do banheiro. homofobia fosse apenas um dos temas a serem
No entanto, ao solicitar a palavra, esta foi nega- discutidos, bem como escolhemos os palestran-
da pela coordenadora do curso, que também me tes entre pesquisadores, militantes, delegados,
proibiu de passar tal documento na sala de aula. assistentes sociais, advogados e representantes
Indignada, ainda assim tomei o espaço e falei de organizações não governamentais de defesa
da minha angústia aos presentes, argumentando dos direitos humanos.
que a coordenadora deveria rasgar seu Código No interior, muitos estudantes se recusaram a
de Ética, pois o curso de Serviço Social daquela participar da mesa sobre homofobia, assim como
universidade não defendia o respeito aos direi- na capital, embora em menor número. Já os par-
tos humanos. ticipantes do evento, ancorados na supremacia da

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80 Profanações do silêncio: indícios para transversar sexualidades e gêneros no Serviço Social

heteronormatividade – reproduzida pelas insti- Mais doloroso ainda foi ser discriminada
tuições e no imaginário social –, ensaiavam uma por profissionais que deviam me defender. Em
perspectiva de enquadramento para compor uma uma dessas visitas, a assistente social disse que
unicidade, ainda que fictícia: – A senhora não quer não era louca de me colocar para estagiar con-
casar, adotar um filho? Esta foi uma das perguntas sigo, pois os usuários não iriam me aceitar e,
feitas a uma travesti, que acabara de versar sobre além disso, para ela era inadmissível eu “querer
sua trajetória de vida e luta para vencer o precon- ser mulher à força”. Saí desconsolada e decidi-
ceito e discriminação. Diferentemente de Lohan- da a não estagiar, os conceitos aprendidos em
na, que participava ativamente da comissão de or- sala de aula e na literatura do Serviço Social se
ganização do evento em sua cidade, entendíamos contradiziam em minha cabeça e me pergunta-
que se havia presságios de mudança, muitos desa- va: por que na teoria a defesa dos direitos hu-
fios e resistências nos aguardavam mais à frente. manos estava instituída no Código de Ética da
Afinal, conforme alerta Louro: profissão e na prática só se via a indiferença e
o preconceito? Apesar de mais uma vez desa-
Aparentemente se promove uma inver- pontada, como sempre ergui a cabeça e busquei
são, trazendo o marginalizado para o uma solução, terminei fazendo meu estágio
foco das atenções, mas o caráter excep- curricular em projetos de extensão da univer-
cional desse momento pedagógico re- sidade, nos quais trabalhei o Serviço Social na
força, mais uma vez, seu significado de educação.
diferente e de estranho. Ao ocupar, ex- Como forma de alimentar a alma, ingressei
cepcionalmente, o lugar central, a iden- no movimento estudantil de Serviço Social, por
tidade ‘marcada’ continua representada considerá-lo um espaço onde eu poderia modi-
como diferente (2010b, p. 45-46). ficar pensamentos e estereótipos e, assim, fui
convidada a compor uma mesa no 32º Eress –
Memória 1 – Eu estava muito feliz e imagi- Encontro Regional de Estudantes de Serviço
nava que, a partir daquele momento, tudo iria Social –, que aconteceu na Universidade Fede-
mudar e, finalmente, seria respeitada. As coisas ral da Bahia (Ufba), com o tema “A diversidade
não foram como esperava, naquele momento e discriminação nas unidades de formação aca-
começava a batalha para obter a autorização ju- dêmicas – Ufas”, em que também ministrei um
rídica de uso do banheiro feminino, e hoje, nes- minicurso e fui eleita coordenadora da Execu-
sas memórias, noto o quanto o problema mudou tiva Nacional de Estudantes de Serviço Social,
minha vida. Desde a proibição de usá-lo, passei sendo a primeira transexual no cargo, represen-
a lutar para mudar o meu nome social e, após tando a região III, que corresponde aos estados
saber que a alteração de nome não resolvia o da Bahia, Sergipe e Alagoas. A partir daí, par-
problema, decidi agilizar os procedimentos ticipei de diversos eventos do movimento estu-
para a mudança de sexo. Com os respectivos dantil e contribui para a ampliação da discussão
processos em andamento, solicitei à universi- no movimento e criação de mais um eixo de de-
dade, por escrito, o documento relativo à proi- bates: opressões.
bição de utilização do banheiro. Memória 2 – Certamente, seja devido ao seu
Supus que o preconceito e a discriminação poder de argumentação, seja porque os(as) co-
estavam ceifados, mas no quinto período, quan- legas se sentiam constrangidos(as) em cercear a
do tem início o estágio, em que se exercita a sua participação de forma mais ativa, Lohanna
práxis a partir da teoria aprendida nos bancos conseguiu convencê-los(as) a me convidarem –
universitários, todas(os) fomos aos locais de es- na ocasião eu residia em Salvador e trabalhava
tágio, para procurar um(a) assistente social que em uma universidade local – para proferir uma
aceitasse supervisionar nossa prática; fui a três palestra, que intitulei de “Diversidade sexual e
profissionais, mas recebi respostas negativas. o preconceito contra a classe LGBT no espaço

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Márcia Tavares. Lohanna Adriana dos Santos 81

acadêmico”. Porém, uma surpresa me aguarda- chamada pelo nome de registro. Mais uma vez
va: seria uma mesa redonda, a qual eu compar- exposta, revidei, lembrando a ela e aos demais
tilharia com outra professora, e ela havia sido presentes sobre a recomendação do Conselho
excluída. Portanto, o preconceito permanecia, Federal de Serviço Social (Cfess), relativa ao
ainda que os(as) colegas apenas tenham expres- respeito à diversidade, contida no Código de
sado suas restrições para mim, o que terminou Ética da profissão do assistente social, extensi-
por favorecê-la, pois, mesmo a contragosto, nin- va a todos os direitos humanos. Após concluir o
guém teve coragem de se manifestar contrário curso, o Cfess baixou uma portaria autorizando
à sua participação na mesa, as oposições sendo a utilização do nome social de assistentes so-
silenciadas à medida que expunha sua história. ciais travestis e transexuais no exercício da pro-
Memória 1 – O ano passou, o momento de fissão, o que me deixou feliz, pois além de ser
estágio foi proveitoso, passei por dificuldades a primeira transexual assistente social do meu
quanto às práticas, e o grande embate estava na estado, teria o direito de utilizar meu nome no
escrita do relatório final de estágio. Apesar de exercício da profissão.
não ter meu nome social na lista de presença,
tinha conseguido que fosse respeitado em sala Para os próximos capítulos...
de aula, onde todos me chamavam de Lohanna.
Assim, ao redigir o relatório de estágio, utilizei O Código de Ética Profissional do Assis-
o nome com o qual me identifico, o que gerou tente Social (1993), ao assumir um compro-
um conflito e, após diversas discussões, a coor- misso ético-político com os direitos humanos,
denação autorizou o uso do meu nome social no contrapõe-se ao estado de barbárie que assola
relatório de estágio, desde que acompanhado do o cenário social e que tem contribuído para a
nome de registro, situação que consegui rever- banalização da violência, perda de direitos so-
ter no trabalho de conclusão de curso. ciais, crescente individualismo, impessoalidade
No trabalho de conclusão de curso (TCC), e tentativa de homogeneização das subjetivida-
escrevi sobre homofobia na escola. Foi inte- des, que destroem princípios, valores éticos e
ressante reconhecer, em outros alunos, tudo o morais que até bem pouco tempo balizavam as
que passei no ensino médio. Reviver momentos relações sociais.
iguais em espaços e épocas diferentes me fez O Código de Ética abraça os seguintes prin-
perceber que a discriminação e o preconceito cípios: reconhece a liberdade como principal
ainda se expressam da mesma forma na educa- valor ético; defende incondicionalmente os
ção básica, meu objeto de estudo, assim como direitos humanos; luta para a ampliação da ci-
na educação superior. Foi enriquecedor analisar dadania e aprofundamento da democracia e se
falas, posições, conceitos e, assim, poder me re- posiciona em favor da equidade e justiça social.
inventar a partir do estudo da vida de outros que No tocante à defesa da diversidade e luta contra
passaram e/ou passam pelo mesmo que eu. o preconceito, em seus variados aspectos, o Có-
Em meados deste período, a surpresa! Fui digo recomenda:
aprovada como educadora social em concurso – empenho na eliminação de todas as formas
público, enquanto seguia estudos para término de preconceito, incentivando o respeito à diver-
do TCC. Chamada ao Centro de Referência de sidade, à participação de grupos socialmente
Assistência Social (Cras) para uma reunião que discriminados e à discussão das diferenças;
discutiria a lotação dos educadores sociais, eu – opção por um projeto profissional vincu-
solicitei à assistente social responsável pela sua lado ao processo de construção de uma nova or-
condução que me chamasse pelo meu nome so- dem societária, sem dominação-exploração de
cial. Ela elevou o tom de voz, para que todos classe, etnia e gênero;
os presentes pudessem ouvir, dizendo que en- – exercício do Serviço Social sem ser dis-
quanto eu trabalhasse naquele município seria criminado, nem discriminar, por questões de

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82 Profanações do silêncio: indícios para transversar sexualidades e gêneros no Serviço Social

inserção de classe social, gênero, etnia, religião, às orientações sexuais e identidades de gênero
nacionalidade, opção sexual, idade e condição dos indivíduos com os quais convivemos no
física (Conselho Regional de Serviço Social de dia a dia. A promoção de eventos, atividades
Sergipe, 2004, p. 43). pontuais e esporádicas não são suficientes, pois
Todavia, trazer tais princípios para os com- “não chegam a perturbar o curso ‘normal’ dos
ponentes curriculares e para as atividades pe- programas, nem mesmo servem para desesta-
dagógicas desenvolvidas ao longo do processo bilizar o cânon oficial” (Louro, 2010b, p. 45).
de formação acadêmica não é tão simples ou Portanto, defendemos que nossas matri-
confortável, uma vez que requer abdicar de um zes curriculares devem ser revistas, de forma a
modelo educacional burocrático que, respalda- agregarem no processo de formação profissional
do na lógica cartesiana, oferece-nos uma falsa das(os) assistentes sociais o conhecimento acer-
segurança, na medida em que produz modos de ca das histórias de vida, reivindicações, práticas
pensar e ser lineares, teleológicos e hierárqui- e lutas sociais das minorias, caso estejamos real-
cos (Tavares; Silva, 2010). mente comprometidas(os) com uma perspectiva
Em outras palavras, mesmo que o Código de emancipatória e transformadora. Para finalizar,
Ética traga fundamentos ético-morais, que de- fazemos nossas as palavras de Louro (2010b, p.
vem balizar a intervenção profissional, enuncie 51): “precisamos, enfim, nos voltar para práti-
direitos e responsabilidades das(os) assistentes cas que desestabilizem e desconstruam a natura­
sociais, bem como defina penalidades em caso lidade, a universalidade e a unidade do centro e
de infrações, isso não significa que as regras de que reafirmem o caráter construído, movente e
conduta serão cumpridas nem, tampouco, que plural de todas as posições. É possível, então,
esse instrumento legal tenha a capacidade de que a história, o movimento e as mudanças nos
mudar as visões de mundo e referenciais valo- pareçam menos ameaçadoras”.
rativos na dimensão pessoal.
No entanto, sabemos que a realidade é dinâ- Referências bibliográficas
mica, portanto, mudanças são factíveis. Há qua-
se dois anos, o Cfess baixou a resolução n. 615, BAUDRILLARD, J. A transparência do mal:
de 8 de setembro de 2011, que dispõe acerca da ensaios sobre os fenômenos extremos. Campi-
inclusão e uso do nome social da assistente so- nas: Papirus, 1990.
cial travesti e da(o) assistente social transexual CONSELHO REGIONAL DE SERVIÇO SO-
em seus respectivos documentos de identidade CIAL. Resolução 615/2011. Disponível em:
profissional, o que evidencia, pelos menos en- <http://www.cfess.org.br/legislacao_resolucao.
tre as(os) representantes da categoria, o esforço php>. Acesso: 15 nov. 2011.
para romper com o silêncio e a complacência CONSELHO REGIONAL DE SERVIÇO SO-
que encobertam a violência institucional perpe- CIAL DE SERGIPE. Coletânea de leis. Araca-
trada contra gays, lésbicas, bissexuais, traves- ju: Gráfica J. Andrade, 2004.
tis, transexuais e transgêneros nas escolas, uni-
FOUCAULT, M. História da sexualidade I:
versidades e em seus locais de trabalho.
a vontade de saber. Rio de Janeiro: Edições
Por essa razão, este artigo busca suscitar o
Graal, 1985.
questionamento na academia – entre alunas(os),
professoras(es), supervisoras(es) de prática – e _______. Microfísica do poder. Rio de Janeiro:
demais leitoras(es), na tentativa de fomentar a Edições Graal, 6ª ed., 1986.
reflexão e a busca de formas de enfrentamen- FRANCHETTO, B. et al. Perspectivas an-
to das contradições e desigualdades que per- tropológicas da mulher, n. 1. Rio de Janeiro:
meiam a vida social e acadêmica. Para tanto, Zahar, 1981.
é necessário encararmos os (pre)conceitos que,
tantas vezes, tentamos dissimular, com relação

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bate contemporâneo na educação. Petrópolis:
Vozes, 2010b. Notas
MEYER, D. E. Gênero e educação: teoria e po- 1
Referimo-nos à canção Dois Pra Lá, Dois
lítica. In: LOURO, G. L. et al. Corpo, Gênero
Pra Cá (1973), de João Bosco/Aldir Blanc.
e Sexualidade: um debate contemporâneo na
Disponível em: <http://www.joaobosco.
educação. Petrópolis: Vozes, 2010.
com.br/novo/disco.asp?dsc=1>.
MÍCCOLIS, L.; DANIEL, H. Jacarés e Lobi- 2
O espaço de convivência consiste em uma
somens: dois ensaios sobre a homossexualida-
área onde circulam os alunos nos intervalos
de. Rio de Janeiro: Achiamé, 1983.
das aulas e ficam situadas a secretaria e di-
OLIVEIRA, N. M. de. Damas de Paus: o jogo retoria do campus, uma lanchonete com me-
aberto dos travestis no espelho da mulher. Cen- sas ao redor, uma copiadora e a biblioteca.
tro Editorial e Didático da Ufba, 1994. Para a palestra, foram deslocadas cadeiras

Revista praiavermelha / Rio de Janeiro / v. 22 no 1 / p. 69-84 / Jul-Dez 2012


84 Profanações do silêncio: indícios para transversar sexualidades e gêneros no Serviço Social

das salas de aula, de forma a acomodar as desta transformação. A indumentária é so-


pessoas presentes. bre o corpo um investimento simbólico”.
3
Em outro momento, tomando Butler (2003)
como parâmetro, afirmamos que a repetição Márcia Tavares
de atos, gestos e atuações modela na super- *
Assistente social, doutora em Ciências So-
fície do corpo um “suposto” feminino que, ciais pela Universidade Federal da Bahia,
ao ser esculpido, revela sua performativida- professora adjunta do curso de Serviço So-
de (Tavares; Pereira & Olim, 2009). cial da Universidade Federal da Bahia e do
4
Oliveira (1994, p. 72-73) argumenta que: “O Programa de Pós-Graduação em Estudos
assumir a identidade de outro sexo é acom- Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e
panhado de uma série de ritos que guardam Feminismo da Ufba.
semelhança com a construção de um perso-
nagem de teatro. Pressupõe o domínio de
Lohanna Adriana dos Santos
uma série de saberes que compõem o uni-
verso feminino. (...) A roupa, o traje, a ves- Graduada em Letras e Serviço Social.
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timenta, constituem elementos importantes

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