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Lemos & Alves
Douglas L. Lemos 1
Adjair Alves 2
Resumo:
1
Graduando em História pela Universidade de Pernambuco.
2
Filósofo e Antropólogo – Professor Adjunto na Universidade de
Pernambuco. Líder de Grupo de pesquisa credenciado pela UPE e com
registro no CNPq por nome: ARGILEA – Antropologia, Religiosidade,
Gênero, Interculturalidade, Linguagens e Educação Ambiental. Atualmente
vem realizando pesquisas nos temas: Mudança Social, Religiosidade no
meio urbano e Rural, Gênero, Etnicidade, Antropologia do Meio Ambiente
e Desenvolvimento Sustentável.
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Contemporaneidade – N.° 8 – Fev./Mar. - 2013
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fortalecimento da doutrina do sacerdócio universal, que se
constitui o cerne das análises, aqui apresentadas.
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reformados do século XVI, e acabaram sendo excomungados e
perseguidos.
Em toda Europa surgiam grupos reacionários guiados
por lideranças místicas que propunham uma nova experiência
pessoal com a divindade e questionavam a pouca
espiritualidade clerical. Catarina de Sena (1347-1380), com
suas visões, persuadiu Gregório XI a voltar de Avignon para
Roma em 1377; João de Ruysbroeck (1293–1381) influenciou
o movimento místico na Holanda e integrava o grupo
conhecido como Devotio Moderna, ou os Irmãos da Vida
Comum. Além destes, reformadores como João Wycliffe
(1328–1384) e João Huss (1373–1415), na Inglaterra, e
Savonarola (1452–1498), em Florença, se empenharam em
tentar levar a Igreja aos ideais do Novo Testamento, no que
fracassaram. A resposta da Igreja a partir do século XII aos
movimentos considerados heréticos foi a tortura através da
Inquisição.
O colapso da irmandade universal – católica era
iminente e daria origem a uma “nova” fé, a qual se atribuiria o
valor de reformada. À frente dessa Reforma estava um monge
agostiniano, Martinho Lutero, profundamente angustiado e
afligido pela consciência de seus pecados, para os quais não via
a possibilidade de perdão. A tensão espiritual interior de Lutero
era, na verdade, um sentimento evidente em muitas pessoas. A
prática comum, todavia, estabelecida pela Igreja para lidar com
a questão do pecado e do perdão era a venda das indulgências.
Quaisquer pessoas poderiam diminuir seu tempo de sofrimento
no purgatório e encher-se de méritos que contrabalanceassem
com suas faltas, a ponto de garantir-lhes, por fim, um bom
lugar nas moradas celestiais.
A partir da publicação de suas 95 teses (1517), Lutero
se indispõe publicamente contra a Igreja e demonstra a
necessidade de mudanças, condenando veementemente a venda
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de indulgências. O Protestantismo emerge dando ênfase a três
doutrinas principais: a justificação pela fé, o sacerdócio
universal, a infalibilidade apenas das Sagradas Escrituras; a
Bíblia. As repercussões dessas pregações seriam tão
contundentes, que dividiria a Europa entre Protestantes e
Católicos, motivo pelo qual, manifesta é a necessidade de uma
sempre nova, aprofundada e investigativa análise do seu
contexto e desdobramentos.
Discute-se aí, a participação do indivíduo na
construção de sua própria identidade e realidade espiritual, o
que inevitavelmente repercute nas questões políticas daquele
tempo. Colocada ao alcance de cada homem e mulher, o guia
da fé cristã – a Bíblia vai dar a cada um deles a oportunidade
de investigar e questionar o papel dos sacerdotes e reis no
contexto da vida cotidiana.
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documento é dizer que jamais houve erro na Igreja, e que, de
acordo com as escrituras, ela jamais errará.
A consolidação da supremacia papal – o papismo –
sobre todos os homens era uma pretensão difícil de alcançar.
Contra a Igreja levantaram-se muitos príncipes de Estados que
não aceitariam estar absolutamente subordinados à Roma. É
nesse contexto que surgem os primeiros pregadores
reformadores de repercussão.
Na Inglaterra, o Parlamento pôs fim ao pagamento
anual de mil marcos ao papado, por volta do ano 1353, pois
desagradava ao povo ter que enviar dinheiro para um papado
que à época estava em Avignon, sob influência do inimigo
inglês, o rei da França. Com isso, o jovem pregador João
Wycliffe (1328-1384) alcança grande prestígio em solo inglês,
ao se opor à propriedade de bens por parte de líderes
eclesiásticos. Segundo ele, Deus havia dado a posse e o uso dos
bens para benefício de Sua glória, não para aumento da riqueza
individual deles. Wycliffe encontrou apoio entre os nobres e
contou com a ajuda deles. A partir daí sua postura era não
somente contestatória, mas também revolucionária. Atacou a
Igreja e o papado. Afirmou que Cristo, e não o pontífice
romano era o cabeça da Igreja, e que a Bíblia, não a Igreja, era
a única autoridade tendo todos o dever de voltar aos ideais da
igreja do Novo Testamento.
Em 1382 Wycliffe entregou ao povo inglês uma
tradução do Novo Testamento em sua própria língua, uma
abominação para Roma, aumentada pela tradução do Velho
Testamento, feita em 1384, por Nicolau de Hereford.
Um ponto doutrinário contundente pregado por
Wycliffe era que durante a ceia não havia a transubstanciação
do pão e do vinho, tornando-se literalmente o corpo e o sangue
de Cristo, como ensinava a Igreja, mas que Cristo estava
representado apenas espiritualmente no ato da comunhão.
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Entretanto, em 1382 as idéias de Wycliffe foram condenadas
em Londres, mas ele, a “Estrela D´Alva da Reforma”, como
mais tarde seria chamado, já tinha conquistado grande prestígio
junto às camadas populares e já havia influenciado a Revolta
dos Camponeses em 1381.
Aluno na Universidade de Praga, onde viria a ser
reitor em 1404, propondo reformar a Igreja na Boêmia, João
Huss havia se levantado contra o papado e assimilado bem as
idéias de Wycliffe. Trouxe sobre si o ódio da Igreja ao não se
retratar e foi condenado à fogueira durante o Concílio de
Constança, embora tivesse salvo-conduto do imperador. Seu
livro De Eclesia, continuaria postumamente sua obra.
Unindo-se a Wycliffe e a Huss, Savonarola, monge
dominicano, propondo uma reforma na Igreja e no Estado na
cidade de Florença, foi enforcado. O período do Cativeiro
Babilônico havia despertado um sentimento nacionalista anti-
papal e estava difícil conter a sublevação das vozes contrárias à
Igreja, que parecia desdenhar disso.
2. O Nascimento
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As queixas contra a Igreja avolumavam-se. As
indulgências se tornaram o ponto de partida da contestação de
Lutero à Igreja. Após entrar para o claustro agostiniano de
Erfurt em 1505, onde havia se dedicado ao mais zeloso
monaquismo, logo foi enviado a recém inaugurada
Universidade de Wittenberg um território da Saxônia,
governada por Frederico – o Sábio. Este era um dos sete
eleitores do Imperador do Sacro Império Romano o qual
desejava transformar a cidade no centro cultural da Alemanha.
O Eleitor possuía uma coleção particular de relíquias sagradas,
cerca de 17 mil que lhe proporcionavam boa renda, quando da
distribuição de indulgências. Pessoas de todas as partes
viajavam para a Wittenberg a fim de obter a absolvição de
pecado.
O erguimento de outra basílica sob o túmulo de São
Pedro, no Vaticano, havia sido ordenada pelo Papa Júlio II. Seu
sucessor, Leão X, deu continuidade ás obras, publicando bula
sobre indulgências para arrecadação de mais dinheiro para a
conclusão. Pregadores ávidos passaram a proclamar a nova
bula por toda a Europa, sob protesto de muitos príncipes que
viam as escassas economias de seus territórios esvaírem-se
para Roma. João Tetzel, frade dominicano, era um famoso e
bem sucedido pregador de indulgências. Lutero contrariava a
idéia da venda de indulgências como alternativa às penitências.
Na verdade havia firmado convicção através de seus estudos
sobre o Novo Testamento de que somente pela fé, e não por
obras, chegar-se-ia à salvação que era gratuita e fruto da graça
e dos méritos do Cristo.
Assim, em 31 outubro de 1517, véspera do ‘Dia de
Todos os Santos’, dia especial em que a Igreja em Wittenberg
abriria para receber os fiéis em busca das indulgências de
Frederico, Martinho Lutero fixa nas suas portas as 95 Teses
contrárias à venda e questiona o papa perguntando porque o
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mesmo, ‘sendo rico como Creso’, não construía a basílica de S.
Pedro com dinheiro do seu bolso, ao invés de espremer o bolso
dos pobres.
Em 1518, Lutero defendeu-se das acusações
lançadas sobre ele perante sua ordem agostiniana, em
Heidelberg. Àquele tempo, chegava em Wittenberg o homem
que seria o considerado 'o teólogo da Reforma’ – Filipe
Melancton. As idéias de Lutero tiveram rápida aceitação entre
muitos professores de Wittenberg. Ainda em 1518, com o
aumento das agitações, foi convocado a comparecer em Roma,
o que causou protesto por parte de Frederico, que afirmou que
um súdito seu deveria ser julgado em território alemão, e não
por italianos, obtendo concessão papal. No outono daquele ano,
compareceu na Dieta de Augsburg, e defendeu-se diante do
Cardeal Cajetano, afirmando a autoridade final das Escrituras
ante assuntos de fé e moral, em detrimento à palavra do Papa.
Em 1519 Lutero sofreu duro ataque ao enfrentar
John Eck, poderoso na ortodoxia e grande orador, em Leipzg.
Eck conseguiu tirar do reformador afirmações de que os
concílios em geral são falhos; que ele, Lutero, não poderia
aceitar as decisões papais sem questioná-las; e ainda apoio a
muitas idéias de João Huss, ‘herege’ condenado pela Igreja
havia cerca de 100 anos.
Lutero passou da crítica das práticas da Igreja à
crítica aos dogmas. Combateu os sete dogmas estabelecidos
reconhecendo apenas dois: o batismo e a comunhão (Ceia), em
sua obra intitulada O Cativeiro Babilônico (1520), onde
também declarava que depois de 1.000 anos em prisão de
Roma, a religião cristã havia perdido sua pureza, corrompido a
fé e perdido a moral.
O Papa havia demorado a reconhecer a força que as
contestações ganhavam e em junho de 1520, quando publicou
bula intimando Lutero a retratar-se em até 60 dias e
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condenando todas as suas obras, estudantes em toda Saxônia
queimavam as obras anti-luteranas e a bula papal. Lutero
reagiu radicalmente à bula declarando que ela seria a palavra
de Satã, na boca de seu Anticristo. À Igreja Católica não restou
mais nada senão a excomunhão.
Carlos V, Imperador do Sacro Império Romano
convocou, então, a Dieta de Worms, em 1521, causando grande
movimento entre autoridades seculares, religiosos e intelectuais
da época. Frederico orgulhava-se do alcance publicitário que
sua Universidade havia alcançado. Era crescente o medo de
que os camponeses se levantassem em rebelião caso Lutero
fosse condenado. Quando os representantes papais chegaram à
Worms, espantaram-se juntamente com o Imperador da grande
popularidade do monge agostiniano. Edith Simon(1971,p.43)
cita que um representante do Papa lhe escreveu dizendo: “Nove
décimos do povo gritam “Lutero!” e o décimo restante grita:
“Abaixo Roma!””.
Em seu julgamento, quando lhe apresentaram vinte
de seus livros e lhe perguntaram se ele se retrataria das heresias
neles contidas, respondeu que ao menos que pudesse ser
persuadido pelas Escrituras ou pela sua razão, não poderia nem
desejaria retratar-se de coisa alguma, pois não seria correto agir
contra a consciência. Lutero deixou a Dieta como um herói
alemão e Frederico providenciou para que o mesmo fosse
‘raptado’ e ficasse escondido em uma fortaleza em Wartburg
por quase um ano.
A Alemanha cedeu, e por fim cada príncipe pode
estabelecer sua forma de culto, que agora estava subordinado
ao poder temporal e à opção de cada governante. A teologia
luterana transpassou e ultrapassou o Sacro Império Romano
desaguando nos 13 cantões ou Estados suíços que juntos
formavam uma confederação. Neles destacaram-se as
pregações de Ulrich Zuínglio. Roma tratou-lhe com mais
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cuidado em virtude da experiência mal sucedida na Alemanha.
Zuínglio acabou por envolver-se numa guerra civil na Suiça e
foi morto. Depois dele, Genebra se tornaria baluarte da reforma
sob o comando de Calvino.
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simples aquisição pudesse lhes garantir o livramento do
purgatório e por fim a salvação.
Em 1511, Lutero era professor de Bíblia quando
recebeu o título de Doutor em teologia. Aos poucos
desenvolveu o princípio da sola scriptura - apenas a Bíblia era
autoridade em se tratando de assuntos de religião, fé e moral.
Ao estudar as cartas do apóstolo Paulo, a frase que
lhe tomou a atenção foi: “O justo viverá pela fé”. A partir de
então a mente do monge agostiniano começava a mudar. O
entendimento que teve foi de que a salvação era possível aos
homens única e exclusivamente pela fé, e não pelas obras,
fossem quais fossem. Era a gênese da doutrina da “justificação
pela fé”, a qual passou a defender arduamente em suas obras.
Para a Igreja, a salvação era uma dádiva adquirida
através da confissão, do arrependimento e da expiação,
mediante penitência. Não era possível encontrar-se a graça de
Cristo fora da Igreja, pois esta, mediante estabelecimento do
Cristo, era a única representante legítima de Deus na terra. Seu
era o dever de mediar o encontro entre os homens e Deus. O
dever de todo homem era reconhecer na igreja universal o
único caminho para se obter eterna redenção.
Lutero combateu todos esses pressupostos. Todo
grande esforço, ainda que sincero, não era suficiente para que o
homem se preparasse para o julgamento. Nem a Igreja, nem
seu Papa, nem os santos poderiam intervir pela salvação
humana senão a fé que cada um individualmente tivesse nos
méritos de Jesus Cristo.
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O entusiasmo dos luteranos e de outros que a eles
se associaram no movimento protestante sem dúvida promoveu
grandes mudanças não somente na relação dos homens com as
instituições religiosas, como também dos homens entre si. Ao
se estabelecerem novas relações, inevitavelmente com elas
vieram novos símbolos, signos, semióforos. Quando a pregação
luterana difundiu um conceito de sacerdócio universal,
verificou-se a quebra histórica de uma mentalidade que
aceitava passivamente a idéia de que clérigos oficialmente
ordenados eram, com exclusividade, os que possuíam acesso à
Divindade. O que se constata nas obras relacionadas ao período
é uma transformação no comportamento dos homens com as
instituições sociais como um todo. Contudo, ao se estudar a
Reforma Protestante, é necessário abster-se do dualismo e
enfocar as mudanças em si.
A que se considerar para isso, também, que a
Reforma não foi em si um movimento orquestrado e
organizado, de forma a alcançarem todos os pregadores
reformadores um mesmo propósito.
3.2 A Fé
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Ao se analisar as repercussões da doutrina do
sacerdócio de todos os crentes, uma das maiores evidências de
sua magnitude está revelada no surgimento de idéias e
conceitos divergentes entre os reformados. Nunca houve
consenso entre os mesmos e isso é uma característica clara do
individualismo alcançado à época, resultado de muitos fatores
sociais e políticos, mas religiosamente representado pelo
sacerdócio universal. A disputa teológica evidenciou a
inquietude espiritual dos reformados e ainda no início do
movimento, Lutero sofreu dura competição.
Carlstadt e Zwilling, discípulos seus promoveram
um grande levante em toda a Alemanha. Carlstadt preferia as
experiências místicas pessoais e um relacionamento mais direto
com o divino que o aprofundamento da compreensão das
Letras, dando as Escrituras importância secundárias. Ele
insistia num movimento interior do espírito humano que
transforma e leva o eleito pelo caminho da deificação, para o
desespero de Lutero, para quem a salvação era alcançada por
uma revelação e redenção exteriores.
Lutero, em 1522 fez com que os agitadores fossem
expulsos de Wittenberg e com seus sermões conseguiu conter
as violências. Considerava que as pessoas não estavam
preparadas para mudanças radicais, pois não poderiam
compreender bem os propósitos. Contudo, outros luteranos
levaram a diante uma revolução não pretendida por Lutero.
Hutten e Sickingem, em 1522, iniciaram um
levante por toda a Alemanha para difundir por todos os cantos
aquilo que consideravam os valores da verdadeira fé. Tentaram
tomar as terras do Eleitor de Treves, mas o movimento
malogrou e ambos foram mortos. Ainda outros “profetas” se
levantariam provocando grande agitação popular.
Os profetas de Zwickau são um dos exemplos mais
notórios que podemos ter de como se processou na mente das
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lideranças que surgiram a idéia de uma autonomia religiosa e
de uma compreensão particular de Deus. Esses pregadores que
ensinavam um novo batismo, de adultos, ficaram conhecidos
como “anabatistas”. Eles instavam o povo a rebelar-se e
tomaram algumas cidades alemãs. A Alemanha foi tomada por
camponeses, artesãos, padres e monges renegados.Lutero
respondeu com um artigo nominado Exortação à Paz (abril de
1525).
Um anabatista chamado Melchior Hofman, pregou
nos países do Báltico. Para ele, o fim do mundo estava às
portas, marcou a data do grande acontecimento para o ano de
1533; contudo, Strasburgo seria a “Nova Jerusalém”. Dois
discípulos seus empenharam grande esforço para aniquilar o
mundo pecador. João Matthijs e João de Leiden tomaram o
poder em Münter (Vestfália) no ano de 1534. Leiden se tornou
“rei da nova Sião” e pretendia conquistar toda a terra. Foram
torturados e mortos pelas tropas do bispo que retomaram a
cidade em 24 de junho de 1535. A divisão protestante seguia e
a proliferação de pregadores independentes esfarelou o
movimento. Para Lutero, os líderes políticos deveriam conter
as revoltas e fazer cessar as “abominações” que se faziam em
nome de Deus. A liberdade cristã era substituída, assim, pela
Igreja de Estado. Para Lutero só havia importância na
“liberdade espiritual”.
Grandes líderes reformistas estavam, por vezes, em
lados opostos. Lutero esteve sempre contido pelo seu temor e
respeito para com as autoridades, reflexo, talvez, do grande
conflito interno pelo qual passou grande parte de sua vida. Fez
para si muitos amigos. Avolumaram-se, contudo, seus
inimigos.
A teologia dividiu a Alemanha e o mundo europeu.
O Imperador do Sacro Império havia alimentado a esperança de
conseguir uma conciliação, na Alemanha, entre Católicos e
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Protestantes. Esperou chegar a um acordo em 1530, em
Augsburgo. Lutero estava refugiado e Melanchton o
representou. Apresentou uma Confissão protestante onde 21
dos 28 artigos falavam sobre pontos comuns da fé Católica e
Protestante. Combatia, o papado, e os abusos e leis humanas.
Melanchton fez concessões que foram desaprovadas por
Lutero. Mesmo assim, Carlos V rejeitou as Confissões. A
cristandade européia seguiria dividida. Aos poucos, muitos
reinos e principados buscariam livrar-se de sua subserviência à
Roma. A Inglaterra, adiante de todas, transformou a Igreja num
braço do Estado, sendo o rei o líder dos cristãos em seu país.
Outros, contudo, permaneceram fiéis ao Papa e ao Catolicismo.
A propósito da nova teologia desenvolvida por
Lutero e seus associados, e ainda por muitos outros homens
que vieram a ser lideranças religiosas e políticas em seus
países, nunca mais a cristandade pode experimentar, ainda que
externamente, uma unidade semelhante àquela expressada nos
tempos feudais. A crença no sacerdócio universal foi, portanto,
o meio que a Reforma encontrou para expandir-se e conquistar
muitos corações e mentes ávidas por liberdade. A
multiplicidade de conceitos teológicos cristãos advindos da
liberação do pensamento resultou numa verdadeira renovação
do cristianismo como um todo. Num mundo mutante a religião
não poderia permanecer estagnada. A união, contudo,
permanece como desafio ante o enraizamento do
individualismo estabelecido em todas as sociedades modernas.
Num mundo de expansões territoriais, comerciais,
culturais, científicas, etc., a religião cristã teve seu viés na
doutrina do sacerdócio universal. Lutero foi expressão religiosa
das mudanças que toda a sociedade européia vivia. Sobre os
escombros do mundo feudal, ergueram-se novos pilares e uma
nova sociedade foi preparada pelo espírito inquieto do ser
humano. Lutero não era um herói. Era apenas um homem em
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expansão, de idéias em expansão, vivente num mundo exterior
que o afligia e o condenava. No seu interior, somos levados a
crer que pretendeu apenas sua salvação. Mas foi o arquiteto de
uma obra muito maior que ele mesmo.
Afirma Delumeau (1989, p.113) que no enterro de
Lutero (1546), Melanchton citou com um paradoxal a-
propósito uma sentença de Erasmo: “Deus deu ao mundo um
rude médico.”
REFERÊNCIAS
CAIRNS, Earle E.. O cristianismo através dos séculos: uma
história da igreja cristã. Tradução de Israel Belo de Azevedo.
2. ed. São Paulo: Vida Nova, 1995. 508p.
DELUMEAU, Jean. Nascimento e afirmação da reforma.
Tradução de João Pedro Mendes. São Paulo: Pioneira, 1989.
384p. (Série Nova Clio; 30).
RANDELL, Keith. Lutero e a reforma alemã. São Paulo:
Ática, 1995.112p. (Série Princípios; 248)
SIMON, Edith. Reforma. Tradução de Pinheiro de Lemos. Rio
de Janeiro: Livraria José Olímpio, 1971. (Biblioteca de História
Universal LIFE)
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