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LIBERDADE E A LEI
BRUNO LEONI
Por Roberto Fendt
INTRODUÇÃO
1. QUE LIBERDADE?
Não é fácil definir “liberdade”. Abraham Lincoln certa vez observou que a guerra
entre o Norte e o Sul deveu-se em parte à diferença de interpretação de “liberdade”:
“O mundo”, disse, “nunca teve uma boa definição da palavra ‘liberdade‘ ... Quando
usamos a mesma palavra não queremos significar a mesma coisa”.
Lord Acton, por sua vez, propôs, no início de sua História da liberdade, como
definição: “A segurança de que cada pessoa estará protegida para fazer o que
acredita ser sua obrigação, contra a influência da autoridade e das maiorias, dos
costumes e das opiniões”.
Poucos concordariam em definir “liberdade” dessa maneira. Alguns prefeririam,
por exemplo, defini-la como a proteção ao seu direito ou ao seu prazer. Nem há
qualquer razão para se dizer que essa proteção precise ser assegurada apenas contra
maiorias ou autoridades, e não contra minorias e cidadãos isolados.
A dificuldade de definir “liberdade”, conceito imaterial, fica mais evidente quando
procuramos traduzir termos legais para outra língua, em que não existem os
conceitos denotados pelos termos da língua original, como, por exemplo, quando
procuramos traduzir trust, equity ou common law do inglês para o português.
Esse problema não está restrito à palavra “liberdade”. Tomemos, por exemplo, o
termo “inflação”. No uso atual, “inflação” significa o aumento geral e contínuo nos
preços. Contudo, até recentemente “inflação” significava um aumento na quantidade
de moeda em circulação em um país. Se, como observou Ludwig von Mises, o
aumento nos preços é conseqüência do aumento da quantidade de moeda, o uso da
mesma palavra, “inflação”, para significar coisas diferentes, pode levar a uma
confusão entre causa e efeito e a prescrições de política econômica inadequadas.
O mesmo se passa com “democracia”, que era um termo da linguagem política
grega do tempo de Péricles. Não podemos entender seu significado sem usarmos um
vocabulário técnico, que inclui polis, demos, ecclesia e isonomia. Esses termos são,
muitas vezes, citados no original grego em outras línguas, porque não há tradução
satisfatória para eles.
É claro que confusões entre usos conflitantes dos mesmos termos na economia e
na política não são apenas semânticos, mas são também semânticos, embora muitas
vezes sejam aplicados propositadamente em situações opostas ao seu significado
original. Exemplo disso é o uso do termo “liberdade” significando um dos princípios
básicos dos bons sistemas políticos.
Muitos povos do mundo imitaram e ainda imitam os sistemas políticos inglês e
americano; e muitos países europeus copiaram o Parlamento inglês ou a
Constituição americana e se vangloriam de ter uma “liberdade” política como a
daqueles povos. Infelizmente, mesmo em países como a Itália, que tem a civilização
mais antiga da Europa, “liberdade” não tem o mesmo significado que tem na
Inglaterra e nos Estados Unidos, por não se poder assegurar as garantias do habeas
corpus ou das dez primeiras emendas da Constituição americana. As normas legais
podem parecer as mesmas em países distintos, mas diferem muitas vezes na sua
aplicação.
O professor Mises diz com muita propriedade que os defensores do totalitarismo
contemporâneo procuram subverter o significado de “liberdade”, usando-o para
descrever a situação dos indivíduos que são apenas “livres” para obedecer ordens.
Toda essa discussão alerta-nos para a dificuldade de empregar a palavra
“liberdade”. Cada um fala de “liberdade” à sua maneira, e devemos estar alerta para
isso.
2. “LIBERDADE” E “LIMITAÇÃO”
5. LIBERDADE E AS LEIS
6. LIBERDADE E REPRESENTAÇÃO
Vamos considerar algumas das objeções que poderiam ser levantadas contra um
sistema no qual decisões coletivas e grupos decisórios teriam um papel muito menos
importante do que se supõe necessário hoje na vida política.
Não há dúvida de que os governos e os legislativos atuais, e uma grande parcela
do povo, acostumaram-se gradualmente, durante os últimos cem anos, a considerar
como muito mais útil a interferência das autoridades nas atividades privadas do que
a teriam considerado na primeira metade do século XIX. Contudo, esse não é um
obstáculo intransponível para os defensores de uma nova sociedade.
Em lugar de ficar com os pessimistas, prefiro, a esse respeito, acompanhar o
professor Mises, para quem
“o principal erro do pessimismo tão alastrado é a crença de que as idéias e as
políticas destrutivas de nossa era emergiram do proletariado e são uma ‘revolução
das massas‘. De fato, as massas, precisamente porque não são criativas e não têm
uma filosofia própria, seguem os líderes. As ideologias que produziram todos os
danos e catástrofes de nosso século não são uma façanha da turba. São proezas de
pseudo-intelectuais e pseudo-estudiosos. Foram propagadas a partir das cátedras das
universidades e dos púlpitos; foram disseminadas pela imprensa, por romances, por
peças de teatro, por filmes e pelo rádio. Os intelectuais são responsáveis por terem
convertido as massas ao socialismo e ao intervencionismo. Para reverter esse
processo é preciso mudar a mentalidade dos intelectuais. Então, as massas os
seguirão”.
Não iria tão longe a ponto de pensar que mudar a mentalidade dos assim chamados
intelectuais seja uma tarefa simples. Além disso, felizmente nem todas as pessoas,
intelectuais ou não, são incapazes de entender e raciocinar por si mesmas, particu-
larmente quando se trata de suas experiências quotidianas. Em muitos casos óbvios,
as suas experiências não confirmam as teorias apoiadas pelos inimigos da liberdade.
Por outro lado, boa parte da teoria econômica que procura mostrar que a liberdade
individual é apropriada para todas as pessoas, incluindo os socialistas, é um simples
desenvolvimento de hipóteses calcadas no bom senso, independentemente dos
ensinamentos dos demagogos e da propaganda socialista de todos os matizes.
Todos esses fatos nos encorajam a esperar que as pessoas em geral possam ser
persuadidas a adotar princípios liberais de uma forma mais consistente do que o
fazem hoje.
Uma questão completamente diferente é perguntar se os princípios liberais estão
sempre baseados em uma lógica irrefutável por parte da ciência econômica e da
ciência política.
Concordo com o professor Friedman com relação à importância de “que se teste
adequadamente as hipóteses” da ciência econômica e que as posições empíricas não
devem ser testadas com base em suas pretensas descrições da realidade, mas com
base em seu sucesso em tornar possíveis previsões suficiente precisas.
Contudo, não é necessário que as hipóteses da economia tenham a mesma força
que os argumentos da matemática ou da física, para servir de base para a escolha de
um sistema de liberdade individual.
Basta aceitar umas poucas hipóteses gerais para fundamentar e pôr em prática um
sistema liberal, pois é da natureza do liberalismo deixar as pessoas livres para
escolher o que mais lhes convém, contanto que não interfiram nas escolhas das
demais pessoas. O mesmo não se dá com relação aos sistemas socialistas. Poucos
defensores das soluções socialistas contemporâneas admitiriam que suas teorias não
se baseiam em uma lógica objetiva. Mas, na maioria dos casos, suas objeções à
ampliação da área de escolha individual estão baseadas em postulados éticos de
validade dúbia e em argumentos econômicos mais dúbios ainda.
Outras dificuldades estão associadas a uma questão completamente diferente.
Procuramos definir limitação como a ação direta por parte de alguns com o objetivo
de impedir que outros atinjam certos objetivos e a induzi-los a fazer certas escolhas
que não fariam em outras circunstâncias.
O problema é que “limitação” é mais um sentimento de intimidação que um
evento físico, e identificar uma limitação é mais difícil do que poderia parecer à
primeira vista. Sempre que alguma ação ou comportamento limita a ação ou com-
portamento dos outros sem que sejam facilmente percebidos como tal, criamos um
problema para os defensores de um sistema que privilegia a liberdade individual. A
liberdade tem um caráter negativo que não pode ser adequadamente explicitado sem
referência à limitação.
Portanto, dado que não podemos identificar a liberdade por métodos empíricos ou
apriorísticos, também não podemos identificar por esses métodos um sistema
político e econômico baseado na “liberdade”, entendida como ausência de
“limitação”.
É por isso que um sistema político baseado na liberdade sempre inclui uma certa
dose de coerção, não somente para restringir a limitação, mas também para
determinar via decisão coletiva – por exemplo, pela regra da maioria – o que a
sociedade aceita como livre e o que irá proibir como limitativo, sempre que não for
possível determinar o que é livre e o que é limitativo de uma forma objetiva.
Em outras palavras, um sistema de liberdade política ou econômica está
fundamentado, principalmente, na abordagem empírica da economia e da política,
embora não possamos confiar piamente nessa abordagem. Existe sempre alguma
vítima de coerção nesse sistema “livre”. Você pode tentar convencer as pessoas a se
portarem da forma que você julga “livre” e impedi-las de se comportarem da
maneira que você considera “limitativa”. Mas nem sempre pode demonstrar objeti-
vamente que o que você supõe ser livre é realmente livre, ou o que você supõe ser
limitativo na verdade o seja.
9. CONCLUSÃO
Talvez a melhor forma de escrever esta conclusão seja tentar responder a algumas
perguntas que meus leitores provavelmente me fariam, se pudessem.
1. O que quero dizer quando afirmo que a opinião pública “não é tudo”? A
opinião pública não só pode estar enganada, mas também pode ser convencida por
uma argumentação razoável. Foi preciso mais de um século para que as pessoas se
inteirassem das idéias socialistas e será necessário um tempo considerável para que
rejeitem essas idéias. Mas isso não é motivo para se desistir.
O que caracteriza a solução socialista para o chamado problema social não é o
objetivo de eliminar o máximo possível a pobreza, a ignorância e a sordidez, pois
esse fim é compatível com a liberdade individual e complementar a ela. O cerne da
solução socialista é a maneira peculiar através da qual se propõe atingir esse fim.
Se o socialismo consistisse, como muitos ainda acreditam, nos objetivos que
declara, provavelmente seria difícil convencer as pessoas a abrir mão dele em um
futuro próximo. No entanto, é possível convencê-las de que o que está errado com o
socialismo não são os seus objetivos, mas os meios supostamente necessários para
atingi-los.
2. Existe alguma possibilidade de se aplicar o “modelo Leoni” à sociedade atual?
Há várias razões para crer que sim.
Primeiro, existem países nos quais a função judiciária, desempenhada por juízes
nomeados pelo governo e baseada na lei promulgada, é tão lenta, complicada e cara
que as pessoas preferem recorrer a árbitros particulares para solucionar suas
disputas.
Segundo, observa-se também que a lei promulgada deixa de ser seguida sempre
que as “minorias” se sentem injustamente tratadas por maiorias contingentes no
legislativo. Isso ocorre notadamente com relação à carga tributária pesada e
progressiva.
Finalmente, também devemos examinar como a ignorância sobre o que
determinam as leis, ou mesmo sua própria existência, e como a negligência das
pessoas em obedecer à lei promulgada estabelecem os limites da legislação que está
oficialmente “em vigor”.
Quanto mais as pessoas perceberem esses limites da legislação, mais se
acostumarão à idéia de que a legislação atual, com sua pretensão de dar conta de
todos os padrões de comportamento humano, é na realidade muito menos capaz de
organizar a vida social do que seus defensores procuram nos fazer crer.
3. Supondo que essa possibilidade mencionada exista, como se poderia distinguir
entre o campo de atuação da legislação e o campo do direito consuetudinário? Não
podemos determinar na prática a fronteira entre a lei promulgada e o direito consue-
tudinário. A “regra de ouro” do “modelo Leoni” tem apenas um sentido negativo, já
que sua função não é organizar a sociedade, mas evitar o máximo possível a
supressão da liberdade individual em sociedades organizadas. Ela nos permite, no
entanto, esboçar algumas fronteiras, já que deveríamos rejeitar a lei promulgada
sempre que (a) ela for utilizada meramente como um meio de subjugar minorias
tratando-as como perdedores, e (b) os indivíduos puderem atingir seus próprios
objetivos sem depender do processo de decisão coletiva e sem obrigarem qualquer
pessoa a fazer o que jamais faria, se não fossem obrigadas.
4. Quem irá indicar os juízes ou outros honoratiores desse tipo? É possível que o
direito consuetudinário sofra alguns desvios que levem à reintrodução do processo
legislativo sob uma máscara judiciária. Isso tende a acontecer quando os tribunais
superiores estão incumbidos de dar a última palavra na resolução de conflitos
previamente examinados por tribunais inferiores, e quando as decisões dos tribunais
superiores são tomadas como jurisprudência para qualquer decisão análoga por parte
de todos os outros juízes no futuro. Sempre que isso ocorrer, a posição dos membros
dos tribunais superiores será semelhante à dos legisladores, embora de nenhuma
forma idêntica.
Hoje, tanto os legisladores quanto os juízes dos tribunais superiores desempenham
a função de manter o sistema legal em algum tipo de trilhos, e por isso tanto os
primeiros como os segundos podem impor sua vontade a um grande número de
dissidentes. Mas, se admitirmos que é preciso reduzir os poderes dos legisladores
para restaurar ao máximo a liberdade individual, entendida como ausência de
limitação, e se concordarmos também em que a “consistência da decisão judicial”
deve ser preservada para possibilitar aos indivíduos traçarem seus próprios planos
para o futuro, não podemos deixar de suspeitar de um sistema legal que depende dos
poderes de indivíduos específicos, como juízes das cortes supremas.
Felizmente, mesmo as cortes supremas não estão na posição prática dos
legisladores. Afinal, tanto os tribunais inferiores como os superiores só podem
decidir se forem provocados pelas partes envolvidas; e os tribunais superiores estão
ainda assim limitados a “interpretar” a lei, e não a promulgá-la. É verdade que a
interpretação pode resultar em legislação disfarçada, se os juízes torcerem o sentido
das leis escritas existentes para alcançar um significado completamente novo, ou
quando reverterem sua própria jurisprudência de forma abrupta.
A solução pode estar em mecanismos de controle sobre o exercício do Poder
Judiciário, por exemplo, exigindo-se unanimidade para as decisões que revertam
precedentes há muito estabelecidos ou que modifiquem substancialmente interpre-
tações prévias da Constituição.
5. Se admitirmos que a tendência geral da sociedade atual tem sido mais contra a
liberdade individual do que a seu favor, como poderiam os ditos honoratiores
escapar dessa tendência? Mesmo se admitirmos que os juízes não têm como escapar
à tendência contemporânea contrária à liberdade individual, devemos admitir
também que faz parte da própria natureza de sua posição, em relação às partes
envolvidas, pesar os argumentos apresentados. Qualquer recusa a priori em admitir
e pesar os argumentos seria inconcebível, segundo os procedimentos usuais de todas
as cortes. As partes são iguais para o juiz, e livres para produzir argumentos e
evidências. Não constituem um grupo no qual minorias dissidentes dão lugar a
maiorias triunfantes; nem se pode dizer que todas as partes envolvidas em casos
mais ou menos parecidos, decididos em momentos diferentes por juízes diferentes,
constituam um grupo no qual as maiorias prevalecem e as minorias têm que ceder.
É claro que os argumentos podem ser mais fortes ou mais fracos, da mesma forma
que podem ser mais fortes ou mais fracos, no mercado, os compradores ou os
vendedores; mas o fato de que todas as partes podem produzi-los é comparável ao
fato de que todos podem competir com todos, no mercado, para comprar ou vender.
Infelizmente, hoje o poder opressivo dos legisladores e dos governos tende a
ofuscar a distinção entre o Poder Executivo ou Legislativo, por um lado, e o Poder
Judiciário, por outro. Essa distinção, entretanto, é baseada na idéia, que as pessoas
atualmente parecem ter perdido de vista, de que a elaboração de leis é muito mais
um processo teórico do que um ato de determinação e, enquanto um processo
teórico, não pode ser resultado de decisões emitidas por grupos de poder, à custa
de minorias dissidentes.
Se a importância básica dessa idéia for, em nossa época, novamente
compreendida, a função judicial irá recobrar sua verdadeira importância, e os
legislativos perderão seu domínio sobre o homem comum.