DINAMARCO, Cândido Rangel; Relativizar a coisa julgada material in Revista
da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, n. 55/56.
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO,
Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 22 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2006.
De acordo com o que preceitua o art. 467 do CPC, denomina-se coisa
julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.
A doutrina distingue a coisa julgada formal da material. A primeira
configura-se quando a sentença de determinado processo não pode mais ser reexaminada. Resulta da preclusão das impugnações e dos recursos. O art 268 diz que salvo o disposto no art. 267, V, CPC (perempção, litispendência ou coisa julgada) a extinção do processo não impede a propositura de nova demanda, pois a decisão torna-se imutável somente no processo em que foi proferida. Parte da doutrina não distingue a coisa julgada formal da preclusão.
Já a coisa julgada material torna imutáveis os efeitos produzidos pela
sentença dentro e fora do processo em que foi proferida. Esta se restringe às sentenças de mérito (CPC, arts. 467, 468) e goza de proteção especial por parte da Constituição, que a põe a salvo até mesmo da eficácia retroativa de lei superveniente (art. 5º, XXXVI).
Enquanto a coisa julgada formal limita a sua eficácia ao processo em que
foi proferida, a coisa julgada material projeta sua eficácia para fora do processo, tornando-a imutável não só naquele mas também em qualquer outro processo que venha a ser proposto ou de lei que venha regular diferentemente aquela relação jurídica. Essa imunização do exercício da jurisdição contra novos questionamentos constitui-se como garantia constitucional em beneficio da segurança das relações jurídicas. No entanto, em alguns casos excepcionalíssimos essa garantia pode ser relativizada.
Os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição
Federal não são ilimitados. Eles têm limite nos demais direitos também consagrados pela Constituição. Desta forma, quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, devem eles ser interpretados de forma harmoniosa, reduzindo-se proporcionalmente o alcance de um princípio em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional.
A relativização da coisa julgada é uma tese que gera muita polêmica,
não sendo bem aceita por parte da doutrina que vê nela uma consagração ao desrespeito ao Estado de Direito. No entanto, para a parte da doutrina que defende a relativização, da qual Cândido Dinamarco faz parte, “os princípios existem para servir à justiça e ao homem, não para serem servidos como fetiches da ordem processual”.
Para essa corrente, sentenças que sejam contrárias a valores, princípios,
garantias ou normas superiores não podem jamais ficar cobertas pela garantia constitucional da coisa julgada pois não há como imunizar sentenças contrárias à ordem jurídico-constitucional. Sendo assim, a relatividade da coisa tem a função de harmonizar situações excepcionais de conflito com outros valores de igual ou maior grandeza. Se uma sentença fere a Constituição, lei maior, a coisa julgada não tem a força de apagar sua ilegalidade. Nenhuma garantia, nem mesmo a da coisa julgada, é absoluta. Principalmente se o respeito a ela resulte na negação de outras garantias. A relativização da coisa julgada não tem como consequência necessária a instabilidade e a insegurança jurídica. Somente em situações extraordinárias em que há patente desrespeito a ordem jurídico-constitucional é que se faz necessário flexibilizar essa garantia a fim de que se corrijam absurdos, injustiças graves e transgressões constitucionais. Cabe ao judiciário equilibrar o princípio da segurança jurídica com a necessidade de justiça e legitimidade das decisões.