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6 de junho de 2018
A Lógica do Assalto
A criminalização da lógica
A Lógica do Assalto
Enquanto os formuladores das políticas de segurança pública não entenderem os nexos entre a
conduta criminosa, a pessoa do criminoso, as condicionantes externas e os efeitos não
desejados da criminalização (ou seja, a lógica do crime e da criminalização), as medidas
propostas para combater os crimes não passarão de “fórmulas mágicas” sem efetividade, ao
mesmo tempo em que os “mercadores” da segurança pública continuarão a enriquecer diante
da venda de suas mercadorias para aqueles que podem pagar (dentre os quais, muitos dos
mistificadores da questão criminal).
O exemplo do assalto (que o nosso Código Penal nomeia de “roubo”) é muito significativo. Trata-
se uma conduta criminalizada com o objetivo primeiro de proteger o patrimônio. Nos manuais
de direito penal se diz que o “bem jurídico tutelado” é o patrimônio, razão pela qual a conduta
vedada pelo ordenamento jurídico é a ação do assaltante voltada à subtração de um bem.
Pessoas praticam roubos por diversos motivos, de necessidades materiais a existência de
quadros clínicos que propiciam a ação de constranger uma pessoa para subtrair um bem. Ao
contrário do que prometem os mistificadores da segurança pública, roubos são uma constante
em todas as sociedades capitalistas. O alto índice de roubos no Brasil, por outro lado, é um
fenômeno que precisa ser estudado e compreendido para que possa ser reduzido.
Entender a lógica do assalto, portanto, passa por compreender que o crime de roubo é talvez o
mais perfeito exemplo de uma conduta típica do capitalismo e que, em um sentido mais
complexo, diz respeito ao seu próprio sentido. Não por acaso, nos momentos de crise
econômica, o número de roubos aumenta. Também não causa surpresa o fato do crime de roubo
violar a liberdade, a integridade física e, por vezes, até a vida (nos casos de latrocínio) de uma
pessoa, e o foco do legislador continuar sendo mantido na proteção do patrimônio.
É esse foco na proteção do patrimônio que nos obriga a refletir sobre o que se quer dizer com o
clichê “bandido bom é bandido morto”. Nessa frase é claro que a vida é um valor menor diante
do valor da morte aplicada a quem viola a propriedade privada. Mas a reflexão que devemos
operar também envolve entender uma economia política que produz desigualdade, acumulação
por exploração do trabalho alheio, bem como a apropriação indébita das riquezas imateriais,
materiais e naturais que deveriam ser do “comum” em uma sociedade.
No crime de roubo, a ode ao capitalismo e à correlata supremacia do “ter” sobre o “ser” – não é
difícil perceber – encontra-se tanto na ação do assaltante que pretende aumentar seu
patrimônio às custas da diminuição do patrimônio alheio, como na postura do legislador que
prioriza um bem material em detrimento da vida ou dos órgão encarregados da persecução
penal que, na defesa do patrimônio, produzem mortes, não só dos envolvidos na situação
conflituosa (autor e, por vezes, também a vítima) como de terceiros alcançados por “balas
perdidas”. Para se entender a lógica do assalto, não basta, portanto, ouvir o medo estimulado
para produzir efeitos políticos sobre a classe média que não dispõe de segurança privada, mas
também aquilo que Raúl Zaffaroni chamou de a “palavra dos mortos”.
A racionalidade capitalista gerou a primazia do ter sobre o ser. Ao mesmo tempo, fomentou o
desejo de enriquecimento. Enriquecer tornou-se sinônimo de sucesso pessoal. Parecer rico
passou a ser percebido como sintoma de felicidade. Todos, ricos ou pobres, desejam os mesmos
bens de consumo, cujo valor de venda encontra-se totalmente desassociado do valor de uso.
Mas, não é só. A racionalidade neoliberal, típica da atual conformação do capitalismo que se
desenvolve sem limites territoriais, legais ou éticos, transformou o egoísmo em virtude,
enquanto transformou a vida e a liberdade em objetos negociáveis. A ilimitação, que caracteriza
o neoliberalismo, aproxima o empresário que só se preocupa em lucrar, mesmo que para tanto
tenha que “relativizar” direitos dos trabalhadores e sonegar impostos, do simples ladrão, que
viola a liberdade da vítima para adquirir bens.