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Roberto S. C. Moreira
Roberto S. C. Moreira *
* Professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília. Este texto faz parte de uma
pesquisa que conta com a colaboração da aluna Meire Regina Rolim Almeida, bolsista de iniciação
científica (CNPq).
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Era a jovem nação tateando seus rumos, preocupando-se desde cedo com a
questão da identidade e tendo diante de si problemas muito concretos: a questão
do trabalho escravo, a experiência republicana, a mão-de-obra imigrante, a
consolidação da soberania. Não havia ainda propriamente ciências sociais e o
cientificismo naturalista do século XIX colocava nas mãos dos intelectuais
brasileiros os instrumentos para pensar as novas realidades e os novos desafios.
Sílvio Romero e Euclides da Cunha são os nomes de destaque. A construção da
nacionalidade era o grande tema e as consequências da miscigenação racial
serviam de eixo ao pensamento. O tom em geral era de pessimismo diante do
modelo de uma Europa branca, sem mistura racial e de clima temperado.
II
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Porém, o que se destaca é que muitos dos trabalhos, inclusive alguns que
buscam o tema a partir da análise do passado, como é o caso do livro de Alfredo
Bosi acima mencionado, em sua parte final, dirigem a abordagem diretamente ao
contexto do momento contemporâneo. Alguns exemplos são Renato OrtizErro!
Indicador não definido., com as reflexões que vem fazendo a partir de A
Moderna Tradição Brasileira (1988) Erro! Indicador não definido. e em textos
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Mas, um aspecto que chama a atenção por sua recorrência e que talvez
possa caracterizar uma singularidade nestas análises contemporâneas da
modernidade na periferia é que vários dos textos veiculam, quase que com as
mesmas palavras, a idéia de que os antigos desafios enfrentados pela sociedade
brasileira, e que serviram aos cientistas sociais para problematizar a questão da
identidade nacional, em parte não foram resolvidos e a eles vieram se somar as
novas questões colocadas pelo estágio atual da economia, da política e da cultura
mundiais.
III
construir esta teoria. Lembra ainda que a sociologia, como se sabe, nasce da
necessidade de compreender uma sociedade em crise e que, apesar da
relatividade da noção de crise, é possível traçar um paralelo entre a crise das
origens e a do presente. A sociologia continua a enfrentar o mesmo desafio de
seu início, ao situar-se na ambiguidade entre o velho e o novo.
Alain Caillé observa que não é a primeira vez que a vida é assim
percebida, a novidade está no fato de que o saber em geral e as ciências sociais
em particular parecem ter desistido ou se tornado incapazes de buscar este
sentido. A sociologia firmou-se como campo de um saber que prometia
compreender, explicar e transformar a sociedade moderna. Se for verdade que a
vocação das ciências sociais é inseparável do destino da modernidade e se esta
estiver mesmo em vias de ser superada, aquelas correm o risco de se decompor.
Para ele, o problema é o que fazer com as ciências sociais numa época de
deserção da coisa pública, desprovida de exigência social para o tipo de verdade
que elas acreditavam deter. Termina propondo que as ciências sociais busquem
um novo paradigma que, mesmo sendo menos pretensioso, assegure sua
adequação aos novos tempos. Mas, escrevendo no final da década de 80, ele
ressalva que as ciências sociais permanecem vivas nos países socialistas e do
Terceiro Mundo, "pois a edificação do Estado-Nação e a erradicação das antigas
culturas encontram-se, alí, muito longe de acabar" (idem. p. 56).
não parece descabido pensar que a categoria deve ter uma centralidade na
discussão dos impasses e desafios da teoria sociológica.
outras. Tudo isto nos mostra uma época fortemente interessada em marcar
identidades e diferenças e este talvez seja o paradoxo da identidade hoje. Isto é,
uma categoria que pode induzir e justificar formas de segregação sendo usada
como instrumento de defesa por grupos que se sentem segregados, em nome do
fim dos tratamentos desiguais.
O que nos remete de volta à questão do papel político das idéias e dos
intelectuais. Na junção dos males do passado com os novos desafios do presente
também parece haver uma retomada da tradição da missão auto-atribuída pelos
cientistas sociais de produzirem diagnósticos e prognósticos sobre o País.
Conforme observa Renato Ortiz (1985) as interpretações feitas pelos intelectuais
correspondem aos interesses de diferentes grupos sociais na sua relação com o
Estado, ou seja, a luta pelo que seria uma identidade autêntica é uma forma de
delimitar as fronteiras de uma política que procura se impor como legítima. Assim,
a questão não é saber se a identidade e a memória traduzem os verdadeiros
valores brasileiros, mas saber quem são os seus construtores e os grupos sociais
e interesses a que elas servem. Dessa maneira, os intelectuais, para Ortiz, podem
ser considerados como mediadores simbólicos, porque produzem uma ligação
entre o particular e o universal.
Em seguida, Geertz faz uma distinção entre "ethos", noção que se refere
aos elementos valorativos (aspectos morais e estéticos) de uma cultura e o
conceito de "visão de mundo", que diz respeito aos aspectos cognitivos,
existenciais; para dizer que "o ethos torna-se intelectualmente razoável porque é
levado a representar um tipo de vida implícito no estado de coisas real que a visão
de mundo descreve, e a visão de mundo torna-se emocionalmente aceitável por
se apresentar como imagem de um verdadeiro estado de coisas do qual este tipo
de vida é expressão autêntica." (idem, p.143).
Essa relação entre valores e existência é utilizada por Geertz para análise
da esfera religiosa como sistema ideológico, o que permite a analogia com a
questão da identidade, na medida em que esta é uma representação coletiva que
igualmente se situa na esfera da ideologia, servindo para que os indivíduos "se
localizem" na realidade. Tal idéia fica muito clara nas palavras de outro autor, Erik
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