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~estu·ossobre o

,'Modernismo
- THEATRO MUNICIPAL-
'S(lmana de .ARTE MODERNi\

HOJE, 13. de Fevereiro

1.° GRANDE FESTIVAL


A's 20,30 horus

I No saguão UU 'l'heatro, Exposi~áo


c Esculptura,

Preços para as 3 récitas: Oamarotcs c frisas,


186~CuO; cudeiras (.\ balcões, ~O$300.
de Plntura

Bí lhe te s á. y.::nua nu T11c;ltro :\Iunicipal e 11:\ Se-


ç[ctaria. do Automovcl Cl u b,

MARTA MORAIS DA COSTA


JOÃO ROBERTO G. DE FARIA
ROSSE MARYE BERNARDI
DENISE A. D. GUIMARÃES
o MARILENE WEINHARDT
fi"; :''1:
09) U-ldI- .>:,.-
\.

estudos sobre o
MODERNISMO
'.1

Esta edição comemora os 60 anos da Semana de Arte Moderna.


Ao publicã-la, CRIAR EDIÇÕES visa um duplo objetivo: recuperar o que
fõie o que representa, hoje, o Modernismo no debate cultural brasileiro,
colocando à disposição do público estudos de novos pesquisadores de nossa
literatura.

Objetivos plenamente alcançados, acreditamos. O leitor encontrará neste


volume dois estudos sobre Mário de Andrade - sua compreensão do
Modernismo e da questão da língua brasileira; uma análise onde se
confrontam textos de Gregório de Matos e Oswald de Andrade; um
levantamento de processos que o Modernismo incorporou à poesia brasileira
e, finalmente, a Semana tal como foi vista no seu 40? aniversário pelo
Suplemento Literário d'O Estado de São Paulo.

Imaginamos, assim, ter contribuído para os debates que percorrerão o país


rios 60 anos aeste evento tão marcante par~ a cultura brasileira.
~ ..
crilfr \
:IlIAR dlções Ltda.
I u nador Saraiva, 98/1 - Fone: (041) 234·8719
80.000 - CURITIBA (PR)

Copyrlght 1982 Dos Autores


Direitos desta edição: Criar Edições l tda.
Capa/Diagramação: Roberto Gomes

c~) ...:.".\

ESTUDOS SOBRE O MODERNISMO


Edição comemorativa dos 60 anos
da Semana de Arte Moderna de 22

Catalogação
Biblioteca Central da FURB
(Blumen2u - SC)

E82e Estudos sobre o modernismo. Curitiba, Criar, 1982.


164p. 14cm x 21cm. (Ed. comemorativa aos 60 anos da
Semana de Arte Moderna de 1922)
1 - Literatura brasllelra - estudos. 2 - Modernismo. 3
Costa. Marta Morais da - colab. I. Título.

índice para catálogo sistemático


CDD 1 - Literatura brasileira - estudos 807
2 - Modernismo 869.909
CDU 3 - Literatura brasileira 869.0(81)

1982
SUMÁRIO
9
APRESENTAÇÃO

11
O MODERNISMO SEGUNDO MÁRIO DE ANDRADE
Marta Morais da Costa

45
MÁRIO DE ANDRADE E A QUESTÃO DA LfNGUA BRASILEIRA
João Roberto Gomes de Faria

69
A TRANSLEITURA DA MODERNIDADE
Rosse Marye Bernardi

97
A POnlCA DO MODERNISMO E SUAS PROJEÇÕES
Denise Azevedo Duarte Guimarães

129
A SEMANA DE ARTE MODERNA E O SUPLEMENTO
L1TERARIO D'O ESTADO DE SÃO PAULO
Marilene Weinhardt
I .

o MODERNISMO SEGUNDO
MÁRIO DE ANDRADE
Marta Morais da Costa
limitação de área numa pesquisa implica, necessaria-
I no descarte de uma série de elementos igualmente in-
ntes. Partindo desta colocação, a restrição imposta pelo
colhido para a abordagem da obra crítica de Mário de
de realiza um corte numa obra coesa e em contínua evo-
,obrigando ao abandono de uma visão unitária mais am-
Ao selecionar a visão literária do Movimento Modernista
bra crítica publicada em livro e na vasta correspondência
MA (1), procurei estabelecer como objetivos:
1. aproximar informações esparsas no tempo e na obra;
2. deduzi r parâmetros de aval iação constantes quando da
IIse do Modernismo por MA;
3. verificar as constâncias de preocupações críticas, liga-
a escritores, obras e momento histórico.
As leituras 'realizadas comprovaram que o material esco-
lhIdo pertence a dois níveis distintos: a crítica que procura ser
mais impessoal possível - aquela publicada em livros, em
Jornais e revistas - e os comentários críticos em documen-
os íntimos - as cartas. Como fundir essas análises críticas,
em desfigurá-Ias? Oual o ponto em comum entre elas que
permite ao leitor aproximá-Ias? Na tentativa de solucionar esse
Impasse, procurei atender à constância e ao momento em que
foram formuladas. Observei, também, que a própria crítica pu-
blicada em livro leva a marca inconfundível da pessoa do
crítico, que se manifesta em forma de confissões (em "O mo-
vimento modernista" (2) J. ou de participação direta (em "Polê-

(1) A partir deste momento, usarei a sigla MA para identificar o escritor


Mário .de Andrade.
(2) ANDRADE. Mário de. Aspectos da literatura brasileira. 4.' ed. S. Paulo,
Martins, Brasília, INL, 1972. p. 231-55.

13
mlcas " (3) e "Amadeu Amaral" (4), p.e.l, ou emissão de juízos force em evitar que transpareçam os detalhes dessas relações.
a partir de um critério pessoal (em" A língua viva" (5), p.e.l, I I influência, considerada negativa pelo próprio crítico, está
São freqüentes as expressões como" não creio", "eu temo", r ferida em carta a Newton Freitas (5), em que confessa não
..a mim me parece", "lastimo", "sinto estou convencido", "em- poder realizar um trabalho a contento sobre Portinari porque
bora eu tenha uma bem nítida impressão", "imagino" (6) e ou- eu "amor" estava estremecido na ocasião, ferido pelas atitu-
tras. Essas referências não pretendem insinuar que MA fosse des do pintor. Em outro momento (16), em 1939, confessa-se in-
um crítico impressionista, de vez que já à primeira leitura, apaz de desenvolver novo trabalho sobre Machado de Assis
chama a atenção a precisão de detalhes com que busca ana- por causa da incompatibilidade de modo de ser entre ambos,
lisar as obras selecionadas. Veja-se, como exemplo, a crítica dmirando a obra, porém "detesto o homem 'que ele foi" e
à poesia de Henriqueta Lisboa, em "Coração magoado" (7) em "nem lhe quero contar o martírio que foram pra mim esses três
que a análise desce ao nível fonético, estabelecendo a diferen- rtiqos ", que escrevera anteriormente. Portanto, MA confes-
ça no emprego das vogais i e u. Ou o estudo da metrificação a-se incapaz de manter a objetividade e a impassibilidade 'exi-
significante em Drurnmond (8). Apenas para citar dois peque- idas de um crítico literário.
nos, e talvez não os melhores exemplos. Entretanto, o aspecto mais importante que caracteriza
_ A leitura da obra crítica de MA denuncia a sua preocupa- ua crítica está expresso em carta a Murilo Miranda, em
çao constante em interrogar-se sobre a gênese, a função e a 28/01/1940: (17)
caracterização da arte. E a posição crítica assumida pelo escri- "Aqui lhe mando mais uma crônica pro Diário de Notícias.
tor define-se na Advertência, em Aspectos da Literatura Brasi- ste é o tipo de crítica que eu gosto, discutindo um fato esté-
leira (9) , quando claramente coloca o crítico na função de "amar tico sobre a base de um livro, indiferente (não: infensa) ao elo-
e compreender" os textos estudados, o que significa que cada io e ao ataque, explicando, aprovando ou condenando (senão
texto exigirá um enfoque próprio. Ao mesmo tempo em que eria crítica sem valor normativo), calma e respeitosa. Mas
elimina a possibilidade de uma crítica" gosto ou não gosto" (10) , I to é tão difícil de fazer nas circunstâncias atuais!"
tipicamente impressionista. Buscar a pessoal idade da técnica A base estética, a procura de objetividade e o caráter nor-
til . -[! a D? 'tic.o :âo ressaltaa?s, ~sclarecendÔ seu po.siêiona ...
t
do artista na obra, de vez que a Poesia - entenda-se, por ex-
tensão, a Arte - não é apenas lirismo + artesanato, mas é me f ce a fun ao e caracterrzacao a Cri Ica literarra.. .
também a contribuição pessoal e inovadora do artista (11). Po- ~ Esses rincí ios, a licados à 'sua o ra, corro oram e rea-
rém, às vezes, o detalhe biográfico do autor passa a influir no firmam "'Osições assumidas es e o...:;..ewIã.ciCLlote.f.€Ssaotís.si-
juízo crítico, p.e., na crítica a Manuel Bandeira (12), a Augusto mo' e JS.. escrava uenao e saura' até os escritos de 1943.
Frederico Schmidt (13), a Álvares de Azevedo (14). O crítico não P r outro lado, MA por varias vezes 'queixa-se aos missivistas,
alheia a sua pessoa e as relações pessoais que mantém com o Manuel Bandeira principalmente, da forma equivocada com que
criticado, no momento de compor sua crítica, embora se es- o tomadas suas críticas e suas afirmações, até por seus
próprios companhei ros de "qeração ". o que o desgosta profun-
(3) ANDRADE. Mário de. O empalhador de passarinho. 3.' ed. São Paulo, I mente. E seu desejo de uma crítica ," calma e respeitosa" fi-
Martins; Brasília, INL, 1972. p. 173-7. I insatisfeito. A provocação de polêmicas sempre foi uma ca-
[4) Ibid. p. 179-83. I' terística de seus estudos literários: por vezes, ela foi in-
(5) Ibid. p. 211-5.
I ncional, como na conferência "O movimento modernista",
(6) Todas as citações foram retiradas de diferentes artigos de O ernpa-
Ihador de passarinho. cuja intenção confessara a Newton Freitas, M. Bandeira, Paulo
[7) Andrade, O empalhador, p. 257-61. I LI rte e Álvaro Lins: "pretexto pra dizer umas coisas brabi-
[8) Id. A poesia em 1930. In: Andrade, Aspectos, p. 32.
r91 Id. Aspectos, p. 3. FREITAS, Newton. Correspondência de Mário de Andrade. Re~is.ta do
('10) CARTAS de Mário de Andrade a Manuel Bandeira. Pref. e notas de Instituto de Estudos Brasileiros, S. Paulo, (171: 91-120, 1975.
Manuel Bandeira. Rio de Janeiro, Simões, 1958. p. 271. LEITE, Roberto de PauIa. Cartas inéditas de Mário de Andrade. Bole-
(11) ANDRADE, Mário de. O artista e o artesão. In: --o O baile das tim Bibliográfico, Biblioteca Municipal Mário de Andrade, :76-7\ fev,
quatro artes. S. Paulo. Martins, 1963. 1970. Número especial.
(12) k'. Manuel, Bandeira, Revista do Brasil, 9 (107):214-24, novo 1924. r I'f) ANDRADE, Mário de. Carta a Murilo Miranda. In: 71 CARTAS de Mário
(13) Id. A volta do condor. In: --, Aspectos, p. 141-71. de Andrade. Col. e anotadas por Lygia Fernandes. Rio de Janeiro, S.
(14) Id. Amor e medo. In: --, Aspectos, p. 218-299. José, /s.d.j p. 149.

14 15
nhas que desejo dizer"(l8). Ousadia essa que não estava isen- por outro lado, face ao porte intelectual de MA, a sua hon s-
ta do temor das reações. Na carta de 21/03/1942, a Newton tidade e coerência, pode-se ter uma avaliação mais pr clsa
Freitas acrescenta: ..... tou com certo receio do que vai su- daquele momento histórico. E este trabalho caracterlz r-s _
ceder. 'Principalmente si tiver pessoas 'oficiais' na conferên- muito mais pela aproximação de textos e noções dlsp rs
. "(19) . por uma certa sistematização, do que por revelações novas
cla. , bé respeito do Modernismo ou .da obra de MA.
MA ao lado de um acurado senso crítico, pOSSUI a tam em
a consciência de missão, de sacrifício, de si e de sua obra, pa- Meu estudo organiza-se a partir da conferência "O movi-
ra num sentido sempre pragmático, mostrar caminhos a leito- mento modernista", que é, pela data em que foi pronunciada e
re~ e ouvintes fosse através de sua obra de criação ou de sua . por seu conteúdo, uma síntese avaliatória do período 1922-1930,
obra crítica: ..'Eu sei que a minha mais legítima obra-prima é com conseqüências que se estendem até 1942. Para MA, o Mo-
mesmo essa jamais publicada, vida de companheiro mais ve- dernismo, enquanto um movimento estético, cultural, ideoló-
lho e mais experiente, que ajuda e dá confiança nos outros" (2~) , gico e literário, abrange duas etapas: "o período heróico" e
em 09/10/44. Ou mesmo quando confessou a Souza da S.II- "o período realmente destruidor" (22) e "é geralmente aceito,
veira, em 15/02/35, que sua função não era a do grande a~tls- e com razão, que o Modernismo, como estado de espírito do-
ta mas a dos artistas úteis, ..propulsores ( ... ) fontes malévo- minante e criador, durou pouco menos de dez anos, terminando
Ias de inquietação" (21). em 1930 com as revoluções políticas e a pacificação Iiterá-
A posição assumida pelo crítico MA nos interessa na m~- ria" (23), Elimina-se, portanto, como Modernismo, na críticacde
dida em que se tem como propósito rastrear em sua obra CrI- MA, o romance do Nordeste, embora oj Conqresso Regiooalls.ta
tica uma visão do Modernismo brasileiro; disto decorre~ ~s do Recife tenha acontecido em 1926. MA refere-se a um Mo-
abordagens mais ou menos profu~das, mais ou me~?s parciais. dernisrno do eixo Rio, São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul.
piode um esc.rJ.tQunode.mi.st~ com clareza o ser moder- __ Não que ele tenha desconhecido o Regionalisto do Nordeste,
nista "? Pode um crítico-apaixonado ever desapaixonad.~~e~te pelo contrário. No Empalhador de passarinho existem críticas
um espaço literário de que.partlctpouê-Ouals as ,c?nsequencla~ sobre as obras de Raquel de Queirós e José Lins do Rego, re-
da interferência de dados pessoais em suas crltlcas? Sua VI- ferências a Jorge Amado e Gilberto Freyre. Em Aspectos da
são do modernismo seria apenas uma confissão de ..mea cul- literatura brasileira, um "Segundo momento pernambucano";
pa "? Ou, ao contrário, uma análise sintético-descritiva de uma em Os filhos da Candinha, o "Momento pernarnbucano ". Nas
época determinada? . . ._ cartas, fala de G. Freyre, J. Lins do Rego, J. Amado, Ascenso
Em primeiro lugar, não se pode dlsso?l~r. a llqação MA- Ferreira e outros. Com isso, quero precisar que, para MA, o
homem de MA-crítico, sob pena de superficializar o enfoque. Modernismo tem uma localização geográfica, cronológica e
Principalmente ao se cotejar sua ~ríti?~ Iiterári~ e suas car-
.esténca precisas.
tas, que iluminam, esclarecem e Justificam mu~ta~ veze~ as Na tentativa de caracterizar o Modernismo brasileiro, o pri-
primeiras. MA não consegue, em su.~ correspondência, fugir ao meiro aspecto que surge com grande destaque é, sem dúvida,
tom de voz do crítico, tomando frequentemente vastos e~paços o nacionalismo, que serve de esteio ao projeto modernista e
epistolares com referências a pOSi?Õ~S e~tét!c.as, analisando também à obra de MA. Como se apresenta esse nacionalismo?
e interpretando textos, fazendo croruca IIte~~na .. Ob~~rva-se
então a grande coerência existente entre a crttíca literárla pro-
1) Nacionalismo
priamente dita e suas cartas críticas.
Se por um lado a visão do Modernismo fica ~estrita por
apoiar-se apenas no depoimento de um de seus Integrantes, A preocupação nacionalista, auscultada quando da leitura
dos artigos críticos de Alceu Amoroso Lima, que panoramizam
(18) ANDRADE. Mário de. Carta a Paulo Duarte. In: DUARTE, Paulo. Mário o cenário bibliográfico da década de 20, predominava sobre as
de Andrade por ele mesmo. S. Paulo, Edart, 1971. p. 227. especulações estéticas e/ou poéticas do início do século. Prin-
(19) Freitas, p. 98.
(20) Id. p. 117. C I e (22) ANDRADPé, Mário de. O movimento modernista. In: Andrade, Aspectos,
(21) MÁRIO DE Andrade escreve cartas a A(ce~, Mev,er e outros. o. p. 237.
anotadas por Lygia Fernandes. Rio de Janeiro, Edlt. do Autor, /1968/ (23) Id. Modernismo. In: Andrade, O empalhador, p. 187.
p. 149.
17
16
cipalmente com a aproximação do Centen~rio ?a Independên- e artística que sacudiu o Brasil no período entre-guerras. Por se
cia em que se realizaria um balanço da naCionalidade:.. cresce a estar procurando configurar o pensamento de MA sobre o mo-
publicação de obras sobre História do Brasil, e~ucaçao, sanea- vimento modernista de 1922, com feições marcadamente nacio-
mento, sociologia e língua nacional. Há no ambl~nte ,a. fermen- nalistas, torna-se imprescíndivel procurar saber, em linhas ge-
tação de idéias nacionalistas e uma busca mais serra, com- rais, o que o crítico concebia como nacionalismo para que se
pleta e científica da realidade brasileira. Por outro lad~, a preo- compreenda sua crítica a respeito deste tema. E o primeiro mo-
cupação das vanguardas européias,influenciadoras diretas do mento em que ele se manifesta a esse respeito data de 21 de
Modernismo em seu início, a preocupação com o presente ~ novembro de 1917, quando pronunciou "curto discurso" no Con-
a realidade, contribuirão na área artística, para acentuar a mi- servatório Dramático e Musical de São Paulo, saudando o con-
rada nacionalista dos artistas envolvidos na Semana de Arte ferencista Elói Chaves. É um texto preocupado com a concei-
Moderna. A crítica em periódicos também está impregnada tu ação e exaltação da pátria em que "trai a origem bilaqueana
dum critério nacionalista.. como o demonstra a atividade de do pensamento" (24), onde se observa um acentuado tom ufa-
Menotti dei Picchia (Helíos), no Correio Paulistano, Oswald de nista e bovarista, numa linguagem recheada de figuras e adje-
Andrade no Jornal do Commercio e a linha de Papel e tinta: No tivos grandiloqüentes, uma visão de "pátria-latejo-em-ti " que
Rio de Janeiro, Tristão de Athayde, principalmente no período condenará em crítica de 1924. (25)
de 1919-1925, apresentará um tônus nacionalista, apoiado es- - A noção de nacionalismo em Mário de Andrade realiza uma
sencialmente no sertanismo-regionalismo, evoluindo de. u~a clara evolução no sentido de maior abertura, escapando a re-
posição periférica-pitoresca para a exiqência de ~m regionalis- gionalismos e bovarlsmos, ao exotismo ou a um estreito pa-
mo intrínseco e funcional que marcara inconfundivelmente sua triotismo, desvinculada mesmo de uma linha política. Sua pro-
atividade crítica. Mário de Andrade participa também desta ati- cura, em meados da década de 20, visa descobrir o que seja a
vidade jornalística. Em A Gazeta, de 3 de set~mbro de : 918, "entidade nacional" (26), ou mesmo a "consciência nacio-
MA publica" A divina preguiça", em que, se nao trata direta- nal" (27), que ele acredita ser" íntima, popular e unânime". Co-
mente do caráter nacional, indiretamente o defende ao exaltar mo artista, procurará na música, no folclore, na literatura po-
a modorra, apontada então como característica intríns.eca ?O pular, na pintura e na língua manifestações dessa nacionalida- •
caráter do brasileiro. Em 29 de novembro de 1918, publica ain- de, e pessoalmente confessa-se um "homem-do-mundo", encar-
da em A Gazeta, "O Brasil e a guerra", em que, apesar ~o tom nação da dialética implantada pelo Modernismo de 22:-nacio-
ufanista, percebe-se já a presença do Brasil _como .motlvo de nalismo X universalismo:
reflexão e valorização e também a preocupaçao s~clal de M~. "Mas sou obrigado a lhe confessar, por mais que isto lhe
Há, portanto, na área de intelectual idade paulista e cano- penalize, que eu não tenho nenhuma noção do que seja pátria
ca um ambiente propício às idéias nacionalistas, fulcro do política, uma porção de terra fechada pertencente a um povo
id~ário do Modernismo brasileiro. Sabe-se que, com o d~sen- ou raca. Tenho horror das fronteiras de qualquer espécie.. e
volvimento do movimento, esse ideal nacionalista passara por não encontro em mim nenhum pudor patriótico que me faça
etapas diversas e tomará diferentes .. e por vezes opo~tos, ca- amar mais, ou preferir, um Brasileiro a um Hotentote ou Fran-
minhos: do Pau-Brasil à Antropofagia, o Verde-amarellsmo le- cês. Minha doutrina é simplória. Si trabalho pelo Brasil, é por-
vando ao Integralismo, o absenteísmo de Fes~a opon.do-s~ ao que sei que o homem tem de ser útil e a pena tem de servir.
caminho comunista, e, ainda, a partir de 1926, o reglonah~mo E eu seria simplesmente inútil e sem serviço, si com minhas for-
do Nordeste, numa visão mais real da terra brasileira. Tal ~Iver- ças poucas, sem nenhuma projeção internacional, ou -trabalhas-
sificação não foi apenas ocasionada pela natural evoluça? do
Modernismo no Brasil, mas principalmente pelos aba~o~ .Ideo- (24) SILVA BRITO, Mário da. O encontro dos Andrades. In: -. História'
lógicos causados pelo advento do Comunismo e do Imc,1O ~o do Modernismo brasileiro; I - Antecedentes da Semana de Arte Mo-
derna. 2.' ed. rev. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1964. capo 5,
Naztfascismo na Europa. No Brasil, o nacionalismo sc:frera dOIS p. 74.
grandes abalos com a Revolução de 30 e a Hevolução separa- (25) ANDRADE, Mário de. Osvaldo de Andrade. In: ROSSETTI, M. B. & LO-
tista de 32, em que a idéia de "Brasil" ~erá repen.s\~da. PEZ. T. A. & LIMA, Y. S. Brasil: 1.· tempo modernista. 1919/29. Do-
..• Esta é evidentemente uma justificativa superficial e m_es':l0 cumentação. S. Paulo, I.E.B. 1972. p. 224.
(26) Id. Carta a Sousa da Silveira. In: MÁRIO DE Andrade escreve, p. 164.
incompleta de toda uma convulsão política, social, econormca
(27) Id. Osvaldo de Andrade. In: Rossetti, Brasil, p. 224.

18 19

!_--
se pela Conchinchina, ou agora, pela Etiópta. Essa é a razão d~ 2) "Consciência criadora nacional"
meu nacionalismo(?). Na verdade sou um homem-do-mundo, so
que resolvido a aproveitar suas p~óprias po~sibilidades-:' (28) . O que MA quer significar com isso? Uma parcela d r s-
O recurso gráfico do ponto de ínterroqaçao bem expnme a posta pode ser encontrada no artigo sobre Oswald de Andr d
consciência do escritor de que sua posição diferia radicalmen- em que, entre outras coisas, afirma: .. É muito sabido já que
te da nocão do nacionalismo em vigor. Ao mesmo tempo, fica um grupo de moços brasileiros pretendeu tirar o Brasil da pas-
claro quê a noção de pátria é um mero acidente de nascimento. maceira artística em que vivia, colocando a consciência nacio-
O que MA acentua é o pragmatismo da função do !nt:lectual, nal no presente do universo." Logo adiante: ..Mas onde estava
buscando sobretudo valorizar o Homem e suas cnaçoes. Em . essa consciência nacional? Havia a fonte dos escritores ...
cartas a Manuel Bandeira, a Alceu de Amoroso Lima e nos pre- . Mas essa tradição (!) não dizia nada. As poucas tentativas de
fácios de Macunaíma, retoma essa mesma posição. um Basílio da Gama, dum Gonçalves Dias, dum Alencar eram
Politicamente não acreditando na noção de pátria, não con- falhas porque intelectuais em vez de sentidas, por que dogmá-
fiando em que os representantes governamentais exprimam 'a ticas em vez de experimentais, idealistas em vez de críticas e
vontade do povo, desilude-se rapidamente comas prome~sa~ práticas.. divorciadas do seio popular, descaminhadas da tra-
de renovacão política e social, como aconteceu em relaçao a dição, ignorantes dos fatos e da obra dum Gregório de Matos,
revolução' getulista. MA assume, assim, um ..nacionalismo" dum Casimiro de Abreu, dum Álvares de Azevedo. Outros pou-
próprio, que acredita num futuro ..Estados Unidos deste Mun- quíssimos. O resto eram pátrias-latejo-em-ti, gritalhões, idea-
do" (29). listas, inócuos." A seguir, esboça momentos históricos em que
Apesar disto, em nenhum momento de sua obra, pode-~e uma consciência regionalista, sempre parcial em termos de na-
pensar que o autor esteja se eximindo de uma realidade n~clo- cionalismo, existira: durante as bandeiras, na Bahia do século
nal. Se, em Há uma gota de sangue em cada poema, confirma XVII, não existindo a consciência nacional nem mesmo durante
uma posição mais unanimista, pacifista, utópica e internacio- a guerra do Paraguai ou durante a Independência. Para concluir:
nalista (30), a partir de Paulicéia desvairada sua obra crítica e ••É caso de me perguntarem se essa consciência nacional exis-
criativa volta-se, total e inquietamente, para o nacional Gomo te agora. Não existe ( ... ) Era preciso pois auscultar, descobrir,
• tema e expressão; torna-se ..uma obra de combate artístico, antes: ajudar o aparecimento da consciência nacional. As pes-
lingüístico e explosivamente nacionalista como a minha ... "(31), quisas se multiplicam nesse sentido entre os modernistas bra-
confessa ao final de sua vida. sileiros." (33)
Essa consciência de ..brasllidade ", norteará a sistematiza- A citação se fez longa pela importância de não se perde-
cão avaliatória - e ao mesmo tempo, o exame de consciência rem as implicações que, em 1924, já demonstravam a ambição
é a profissão de fé - que é a conferência "O movi mento mo- do projeto modernista: procurar, por um caminho diferente da-
dernista", proferida em 1942. E os três princípios enunciados quele dos Românticos, a mesma" consciência nacional". E essa
naquela ocasião, hoje clássicos da história e crítica do Mo- consciência manifestava-se em fatos literários e políticos, rea-
dernismo, são guiados pela valoração nacionalista: " ... direito lizando MA, na sua argumentação, tal como o fizera Alceu Amo-
permanente à pesquisa estética ... " que, como veremos adian- roso Lima, a fusão ..política e letras". Portanto, para MA, a
te, leva os artistas a buscar a realidade estética nacional. " , , . a consciência nacional estaria:
atualização da inteligência artística brasileira e a estabilização a) no povo, enquanto coletividade;
de uma 'consciência criadora nacional" (32) (grifos meus). b) no experimentalismo, apoiado nos fatos e na reall-
dade;
c) no conhecimento (ou descobrimento?) de uma tradição
(28) ANDRADE. Carta a Sousa da Silveira. In: MÁRIO DE Andrade escreve, não intelectualizada;
p. 164-5. . / d) na reavaliação dos escritores nacionais.
(29) ld. Meu secreta. In: --o Os filhos de Cadinha. S. Paulo, Martins
É preciso salientar desde já que acentuando a postura dia-
1963/ p. 236.
(30) LOPEZ,Telê P. A. Mário de Andrade: ramais e caminho. S. Paulo, Duas lética instaurada pelo Modernismo, cabia aos intelectuais de
Cidades, 1972. p. 22. então afirmar-se no cenário internacional, principalmente oci-
(31) Freitas, p. 114.
(32) Andrade, Aspectos, p. 242. (33) ld. Osvaldo de Andrade. In: Rossetti, Brasil, p. 223-4.

20 21
dental (U universo" é sem dúvida um exagero), não por serem s~le_ir~ pr~cisa abandonar de todo o respeito do papão da tra-
brasileiros iguais aos europeus (daí a imitação), mas exatamen- diçâo e ... pegar na palavra tradição, virar, revirar, extrair
te por serem diferentes. Se, num primeiro momento: o. Mode~- 0. suco e repudiar o baqaço." (39) E nesse período revolucioná-
nismo aceitou a linha moderna" do pansamento arttstíco e lI-
U
~IO'. ~ ~,o~ento lite á '0' imediatamente a teriO'r, Q da .llteratura
terário europeu, passou a repudiá-Io no período pós-Semana de IClal, que recebe @ repúdlc mais violento: o Parnasianis-
Arte Moderna. O ponto extremo desse repúdio está no ..Mani- o se converte em um vocábulo-estigma. E ne Parnasianismo
festo Antropófago", de Oswald de Andrade em 19~8. M~, po- ? q.u~ censuram, acima de tudo, é a ausência de liberdade e de
rém considerou o manifesto um equívoco, uma brincadeira, e .!!lJj.lvldu.alis~.\,...cri.tic.ando-lhe o aca emlS.. O' e o desligamento
pro~urou n~ma linha popular autêntica, contrapor a : Consc~ên- --""",,-,~!.!..'-H~,,"-e::firasJlelr.a,MA, des e o início, mantém sobre a
cia nacional" de um primitivismo alógico, popular, nao caraíba, questão uma posição ponderada, de equilíbrio e respeito. Uma
ao primitivismo exótico e decadentista europeu. de suas primeiras manifestações a respeito ocorre no Jornal
Da mesma forma, MA recusa-se a aceitar um nacionalismo do Commercio, em agosto de 1921, às vésperas da Semana de
manifesto em regionalismos, de visão exótica, caboclística e tu- Arte Moderna. Trata-se da série U Mestres do passado", em que
rística da realidade brasileira, como o demonstra na recusa MA veste-se de par.nasiano para melhor compreender os poetas
à pintura de Almeida Júnior (34), e quando ~nalisa a. ~oesi~ .de enf.ocados. ConclUi. pelo desaparecimento dos parnasianos,
Ascenso Ferreira (35). Acima de tudo eXigira uma visao Critica m_al~ por uma fatalidade histórica de uma ..época de transi-
alicercada em conhecimentos científicos de historiadores, fol- çao (O) a que pertenceriam os •.futuros modernistas".
clorlstas e sociólogos, o que o faz discordar da orientação" pau- _ . ~em-se, ~ medida exata da revolução literária que foi o
brasll" de Oswald de Andrade (36). . ~dearJo es~etlco do Modernismo em MA, ao lembrar que seus
Quanto a este projeto, MA reconhecerá, ao final da década ídolos na Juventude eram os parnasianos Bilac, Alberto de Oli-
de 30 e na de 40, ter sido mais um projeto individual seu, do veira, Raimundo Correia e outros, "lidos diário, rezados "(41) e
que uma realização coletiva, de vez que" o que foi o nosso bra- que ele já compusera inúmeros poemas parnasianos antes de
sileirismo gesticulante, sinão um oraçmatrsrnc forçad~? ( .... ) Há uma gota de sangue em cada poema, em 1917. Á forte in-
não buscávamos a realidade brasileira, mas diversas idealida- fluência de suas primeiras leituras o levaram ao paradoxo de
des dessa realidade, pra forçar a nota ... " (37) Ou ainda, à trans- o~erecer à modernidade de Anita ~alfatti um poema passa-
formacão de um ..porque-me-ufanismo larvar" (38), devido à d.lsta! E essa luta con.tra o Parnasianlsmo estender-se-á por vá-
acomodação, ou mesmo, ao cabotinismo dessa atitude, que ser- ~;IOSanos. Em 1929 ainda, em carta a Sérgio Olindense, acon-
viu muito mais como máscara de modernidade do que como selha ao poeta evitar o uso de palavras bombásticas apenas
uma atitude nacionalista séria, reflexiva e refletiva. Em MA, ~para engordar o estilo" e que "Não é possível mais Parnasia- '
porém, existiu uma profunda e alicerçada. consciência ~acio- nismo a não ser na boca de quem confunde poesia com dis-
nal que se infiltra por toda sua obra e que difere, em qualidade, curso comemorativo". (41) ~
daybra de muitos modernistas. Por outro lado, em artigo de 1940-1, •.A volta do condor"
E neste período de menos de dez anos", de 1922 a 1930,
U avaliando o projeto estético e poético do Modernismo, MA
como foi vista a tradição de uma consciência criadora nacio-
U compara o poema-piada, com seu "verso-de-ouro" final a um
nal"? A este respeito, Carlos Drummond de Andrade, durante resquício parnasiano. O passado, apesar da virulência dos ata-
o "Mês modernista", promovido por A noite, do Rio de Janei- cues modernistas, infiltrava-se sub-repticiamente, demonstran-
ro, no artigo "Ta'i", em 29 de dezembro de 1925, resume a po- do que não bastava ser contra, era necessário "fazer contra",
sição ..gesticulante" dos modernistas daquele momento ante Algumas figuras de nossa história literária, porém, come:-
o problema da tradição: ..Me parece Que o modernismo bra- çam a despertar interesse dos modernistas, entre eles: Gre-
gório de Matos, Basílio da Gama, Alencar, Gonçalves Dias, Cas-
(34) ANDRAOE. Carta fi ~éraio Tv1illiet. In: Dmlrte, p. 327.
(35) ld. Prefácio. In: FERREIRA.Ascenso. Poemas 11922-1953) Pref. de Sér- (39) DRUMMOND ~~ ANDRADE, Carlos. Ta'i. In: Rosseti, Brasil, p. 258-60'.
gio Milliet. Recife, Impr. Nery da Fonseca. /s.d:i (40) ANDRADE, Mano de. Os mestres do passado. In: Silva Brito, História,
(36) Id. Oswald de Andrade: Pau-Brasil, Sans Parell, 1925. In: Hossettl. o. 252-309.
Brasil, p. 230-2. (41) Id. Ca!ta a Sérgio Olindense. In: CASTELO BRANCO, C. H. Macllhaíma
(37) Id. Momento pernambucano. In: -, Os filhos. p. 252. e a viagem grandota. Cartas inéditas de Mário de Andrade. S. Paulo
(38) Id. Aspectos, p. 244. Quatro Artes, 1971. p. 92.

22 23
.4

tro Alves. MA apreciará ainda, na sua pro~issão de crítico, a "Ainda a observação da realidade nos permitiu fln I n·
obra de Machado de Assis, Raul Pompéia, Alvares de Az.evedo ceber o que temos de ser, brasileiros e americanos, pr ntrl-
e Manuel Antônio de Almeida. Afora esses, sabe-se da Impor- buirmos de alguma forma ao enriquecimento da hum nld d
tância da obra dos cronistas dos séculos XVI e XVII para a Daí o universalismo pragmático, a pesquisa (de prim Ir f r •
poesia ..Pau-Brasil ". por exempl? Nesses n,o~es, MA busca- da ... ) do nacional, ao mesmo tempo que nos libertamo d
rá sobretudo a presença do Brasil e o exercicro de um artesa- tendência estreitamente regional; a relativa descentrallz ç o
nato poético consciente. .. .A • da arte no país; e, melhor que tudo isso, a procura das tradi-
Mas é principalmente na descoberta ,d~ uma consclen~la ções, que obumbra Marajó e favorece o Aleijadinho, ignora o
criadora nacional" de base popular e folclórica qu~ o M.o.dernl~- Indianismo e revitaliza o ameríndio, desdenha o 'porque m
mo dará uma grande contribuição para nossa brasll.ldade_. ufano' e busca fixar a ressonância histórica da nossa tristeza."
Nesse particular, a obra de MA é exemplar. A sua pesquisa nao Ao cotejar essa polaridade da nossa tradição cultural, ele
1 se restringe apenas à Iiteratura ma~ ~I~rg_a-se, a. todas as I!'a-
ntfestações do folclore, desde a culinárla a musl?a e ao mito.
reafirma, ao mesmo tempo, uma continuidade. Se durante o
Modernismo procurou-se o ameríndio, não foi descartada a va-
Suas duas viagens ao Norte e Nordeste do Br~sll, em 19,17 e lidade do Indianismo, apenas reafirmada a pesquisa sob um
1928/9, enriquecem e aprofundam seus ~onheclmentos ate_ en: outro ângulo de visão. a Romantismo será um período do pen-
tão teóricos, em sua maioria. E o material que colhe entao e samento e da arte nacionais revisto com carinho pelo Moder-
algo de supreendente. Em carta a Augusto Meyer __~m 05/04/1929 . nismo porque, como afirma MA, na conferência de 1942, havia
confessa ter recolhido nada menos que 666 musrcas populares afinidades· muito grandes entre os dois períodos, até mesmo
do Nordeste! Afora o material que lhe é enviado de tod~s as num certo academismo inicial de ambos, E mais tarde MA
partes do Brasil, de Manaus ao R;io Grande do ?ul, atraves de abstraír-se-á de marcos cronológicos e comparará o Modernis-
seus missivistas. E, núcleo catalizador e organlz~d?r, MA. p~- mo e o Romantismo em termos de ..espírito revolucionário",
blica em vida obras do porte de Ensaio sobre a rnusica brasllei- reconhecendo por isso uma afinidade mais profunda entre arn-
ra, Aspectos da música brasileira, D~n9as. dramática~ do. Bra- bos. a Romantismo fornecerá parâmetros de comparação e
sil, Modinhas imperiais, Música de feltlçarla n<! Brasil, delxa_n- mesmo de aproveitamento temático: veja-se a retomada de
do outras apenas no planejamento e no desejo, como ~ .tao Peri em Macunaíma, retomada crítica, é claro, e o tema do exí-
anunciado Na pancada do ganzá. E apesar de toda sua ativida- lio poético, a partir da ..Canção do exílio ",
de ligada ao folclore e sua formação autodidata, como o escla- Se o início do Modernismo caracterizou-se por uma ícono-
rece Telê Ancona Lopez (42), MA não se considerava um foi- clastia generalizada, ela não foi tão desordenada quanto parece
clorista. à primeira vista. A partir de uma orientação nacionalista de
. Ainda a este respeito, é preciso lembrar que uma outra ..mau mas nosso" derrubaram-se valores acadêmicos (o ..baga-
viagem, a de 1924, ao interior de Minas Gerais, dá origem à ço") mas preservou-se o "suco". Enquanto se crivava Coelho
poesia" Pau-Brasil" de Oswald, e posteriormente à Antropofa- Neto e Olavo Bilac com as facas afiadas do repúdio, respeita-
gia, e ao primitivismo de Tarsila, aprofundando em MA o de- va-se o escritor Machado de Assis, embora houvesse ataques
sejo de conhecer melhor a realidade brasileira, ~a~do-Ihe ta~- violentos à sua maior obra social, a Academia Brasileira de Le-
bém recursos e material para estu~r a obra plástica do Alei' tras. Recusava-se o homem mas aceitava-se o escritor. Embora
jadinho. se repudiasse o "índio de tocheiro " de Alencar, respeitava-se
Em 1932, MA publica um estudo sobre" Luís Aranha ou a no autor o intelectual voltado para a pesquisa da língua e das
poesia preparatoriana", na Revista nova, que inicia por ..Faz tradicões. Criticava-se o condoreirismo de Castro Alves en-
dez anos que se realizou em São Paulo a Sem~na de Arte Mo- quanto realização técnica, mas respeitava-se o seu nacionalis-
derna" (43) onde realiza um balanço do Modernismo. Num dado mo foqoso. Gregório de Matos domina o cenário intelectual do
momento ~ontrapõe duas formas de encarar a realidade bra- século XVII, principalmente por suas sátiras, apesar (ou por
sileira: causa?) de sua ..nacionalistiquice" _ Respeitam-se os escrito-
res regionalistas do início do século embora se recuse seu
"caboclismo ".
(42) LOPEZ.T. A. o verde folclore. In: -. Mário, p. 73-191.
(43) ANDRADE. Mário de. Luís Aranha ou A poesia nreparotoriana. In: -- A posição radical expressa por Carlos Drummond de An-
Aspectos, p, 47. drade, índice do pensamento dos modernistas em 1925, como

24 25
~.t'
12.DE.l~?137 9 4-1
era de se esperar não perdurou. E MA, ao estudar diferentes Entretanto basta uma leitura superficial de sua obra para
autores brasileiros, de períodos anteriores, comprova isso. E se descobrir o homem por trás do esteta. E em sua t tlc ,
muito mais: a crítica de 30 e 40 parece, em vários momentos, obra é de coerência e contínuo interrogar-se e enriqu c r-
procurar estabelecer paralelos entre diferentes períodos, de- Soma-se a isto o fato de, durante sua vida, ter sido con Id r -
tectando até um retorno de "espírito de época" e conseqüente do o mestre dos modernistas 'e ter sido continuamente ollct-
estilo, como em "A volta do condor". tado a atender, com conselhos, aos moços. Daí que a est tlc
Amenizado o ímpeto revolucionário inicial, até 1928 apro- de MA ocupa posição de destaque dentro do Modernismo. A
ximadamente, com o "Manifesto Antropófago", o Modernismo correspondência com Manuel Bandeira é, por exemplo, um ma-
reposiciona sua consciência de tradição, partindo para uma nual de estética fragmentado. Ali, num jogo de espelhos, os
verticalização diacrônica na literatura do Brasil. Renegou-se lo- dois missivistas estabelecem, carta a carta, conceitos e atua-
go no início a aproximação com as vanguardas européias - lizações do dizer e do fazer literários. Daí sua importância.
vei1r-S'e cbmo exelllplO', a celeoma que causou o apél ido "futu- Há necessidade de mencionar aqui que os modernistas, e
rista" - em ora nao se a negar cer a I· a· oste- . também MA. renegavam, levados sobretudo pelo individualis-
r r com as noções de pnml IVlsmo e' surrea ismo. rar a-se mo, a denominação de "escola". Não foi realmente uma "es-
de um muvlm"êlítõ en urar - a e cã - e I ICI estabiliza- cola" no sentido canônico do termo. Porém, como diz Sérgio
ção, que o próprio Modernismo não solucionou. Porém, com a Milliet, apresentavam a "unidade do contra". A idéia de liber-
evolução natural que tem todo movimento,. logo se descobri- dade, na sua conotação individualista, era comum a todos. E
ram raízes brasileiras no passado. Mas o mais importante, também certos aspectos como o verso-livre, o poema-piada e
conforme salienta MA, foi a tomada de consciência coletiva e "brasileirismos" de linguagem, embora sem caráter obrigató-
crítica do conceito de nacionalidade, embora o que se deno- rio e normativo. Seus agrupamentos formaram pequenas "esco-
mine "estabilização" na Conferência de 1942 tenha se "deses- las": "Festa", o "Verde-amarelo", a "Antropofagia". Parece na-
tabilizado " no período seguinte com um certo neo-Parnasianis-
tural que escritores de uma mesma geração, sujeitos a um am-
mo na "geração de 45". biente político-social-econômico cultural semelhante, apresen-
tem igualdades. Afinal, não é isso que MA sugere ao falar de
;. linhas-comuns em Manuel Bandeira, Drummond, Tasso da Sil-
3) "Permanente pesquisa estética" veira e Augusto Meyer? (46)
Ouais são alguns dos pontos em que se apóia a "consciên-
J. L. Lafetá enfatiza o fato de que a obra de MA "se dese- cia da linguagem", sob o enfoque estético, em MA?
nha sobre o fundo nítido de consciência da linguagem", e que a) o verso-livre e o ritmo pessoal;
esta é "pesquisada sob três aspectos diferentes e complemen- b) as formas fixas;
tares de sua natureza: enquanto se organiza em obra-de-arte c) o assunto, o tema e o artesanato;
(enfoque estético), enquanto expressa a vida psíquica indivi- d) a língua nacional.
dual (enfoque psicológico) e enquanto participante da vida so- Na estética de MA ocupam lugar especial as varias oca-
cial (enfoque sociólógico)". Adverte ainda que Mário man-
U siões em que tenta definir Poesia, ou mesmo diferenciá-Ia de
tém, entretanto, como fulcro de suas críticas, a visada estéti- Prosa. Ouanto a esta diferenciação um dos trechos mais impor-
ca, o exame intrínseco da linguagem". (44) tantes está em "A poesia em 1930" em que descreve essa di-
O que a citação reafirma é o profundo esteticismo que nor- ferença a 'partir dum critério psicológico do consciente (Prosa)
teia a obra mário-andradina, origem de ataques, por vezes par- e inconsciente (Poesia) eliminando o critério gráfico. A partir
ciais e injustos, como o de Ledo Ivo. (45) A permanecer' exclu- disso, defende uma poesia não didática, de assuntos que par-
sivamente no primeiro aspecto, o estético, MA representaria tam de um "eu lírico", em associações vagas, livres de leis
sobretudo uma revivescência do pensamento parnasiano da técnicas e intelectuais. Uma poesia de lirismo absoluto, sem
"arte pela arte". interesses sociais, como a do Surrealismo que conseguiu "es-

(44) LAFETA, João L. M. 1930: a crítica e o modernismo. S. Paulo, Duas


Cidades, 1974. p. 116-7.
(46) ANDRADE, Mário de. O movimento modernista. ln: -, Aspectos.
(45) IVO, Ledo. Modernism9 e modernidade. Rio de Janeiro, S. José, 1972.
p. 243.

26 U"'ve~eld.de de 8rasl1l8 27
. .~' BIBLIOTECA
pecificar a essência da Poesia" (47) • Coerente com tudo que afir-
mara anteriormente, renega toda poesia de assunto pragmático .E.par~ MA são três os poetas que dominam esse tipo de
e descritivo, especificando-os: "a Terra", "a Mãe-Preta", "o versificação: Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrad
Carnaval", "o amor batido ou vitorioso". Para ele, o que é real- e Augusto Meyer, E adverte sobre a multidão de diluldor s d
mente essencial na poesia é a livre associacão de idéias so- "poetas menores" que usaram erradamente o verso-I ivre. '
mada a um artesanato perfeito. Reconhece que apenas 10% de Ainda no que respeita à versificação, assume em Paullcéla
toda I?oesia humana atinge essa quase-utópica realização poé- d~svaira~a uma clara posição revolucionária que exercerá at
tica. E sobre a poesia que o esteta se debruça de preferência. Lira pauhstana, de publicação póstuma em 1947, e quando não
Daí que os aspectos que irei abordar referem-se, em sua maio- adotando o verso-livre, utilizando o verso metrificado com fina-
ria, à realização formal do poema. lidades expressivas, conscientemente estabelecidas. Ao refe-
rir-se ao_poema-coral Café, MA levanta um outro problema, o
/ a) O verso-livre e o ritmo pessoal. da relaçao entre a poesia, a metrificação e a música. Afirma a
Tratando das conquistas irreversíveis do Modernismo, MA necessidade de usar uma metrificação rígida por se tratarem de
ressalta a importância da utilização do verso-livre. Na crítica a "massas corais", mostrando-se preocupado com o problema
Manuel Bandeira (48), em 1924, MA afirmara ,que o pioneirismo em cartas que dirigiu a Francisco Mignone, que iria musicar
no uso desse tipo de verso pertencia a Bandeira na literatura Café, e em cartas a Manuel Bandeira.
brasileira. Confirmara assim a crítica de Nestor Vítor ao afir- "Está claro que não podemos dado o assunto, evitar um
mar que Mário Pederneiras, até então considerado o introdu- movimento muito rápido e um ritmo silábico pro texto. Mas
tor do verso-livre no Brasil, em Histórias do meu casal (1906), devo sugerir ritmos? Oualquer um me serve para adaptar o
na realidade servira-se da heterometria (49). Os simbolistas já texto ao assunto, ao passo que nem todo ritmo verbal pode se
se despreocupavam da rígida métrica parnasiana, atentos so- adaptar à expressividade musical do assunto." (51)
bretudo à melodia do verso. Mas é no período modernista que, Verifica-se nesta observação a importância do ritmo num
associado às postulações revolucionárias da estrofacão rima e poema, a precedência do mesmo sobre o signo verbal depois
assunto, o verso-livre ganha funcionalidade e vigor êxtr'aordiná- de escolhido o assunto. Para MA, a música era a Arte Pura,
rios. Por outro lado, a aparente "facilidade" que o abandono da estágio não alcançado pela Poesia. Como professor do Conser-
métrica fazia supor, trouxe como corolário a necessidade de vatório Dramático e Musical, como pesquisador de música po-
um ritmo pessoal que muitos poetas não souberam encontrar. pular, MA tinha uma sensibilidade extremada para a música
Em diversas oportunidades, MA adverte do perigo de se tomar e para o ritmo verbal, daí interessantes e agudas observações
essa liberdade como libertinagem, como uma forma de diluicão a esse respeito, quando comenta poemas de Manuel Bandeira,
dos propósitos modernistas. Em "A poesia em 1930" afirma: Alphonsus de Guimaraens Filho e Cecília Meireles.
"A poesia brasileira muito tem sofrido dessas inconveniências, Em carta de 30 de janeiro de 1928, dirigida a Manuel Ban-
principalmente a contemporânea, em que a licença de não me- deira, confessa-se insatisfeito com os poemas em verso-livre
trificar botou muita gente imaginando que ninguém carece de e com as exterioridades dos poetas modernistas e, em 15 de
ter ritmo mais e basta ajuntar frases fantasiosament:e enfilei- julho de 1930, ao anunciar a publicação de Remate de males,
radas pra fazer verso-livre. Os moços se aproveitaram dessa afirma que "tem-de tudo e é a maior mixórdia de técnicas, ten-
dências e concepções díspares " (52), onde aparecem alexandri-
facilidade aparente, que de fato era uma dificuldade a mais,
pois, desprovido o poema dos encantos exteriores de metro e nos parnasianos lado a lado com decassílabos românticos! Em
rima, ficava apenas, o talento. ( ) Verso livre é justamente carta de 14 de dezembro de 1932, encerra este assunto com
um julgamento genérico e conclusivo: .•o indivíduo sendo poeta
aquisicão de ritmos pessoais. ( ) O verso-livre é uma vitória
do individualismo ... "(50) de verdade, escreve por qualquer estética e a poesia sempre
interessa." (53)
Esse conjunto de citações nos fazem compreender que MA
f471 ANDRADE. Aspectos, p. 41. encarava as conquistas de versificação do Modernismo como
(48) Id. Revista do Brasil, p. 220.
(49) MURICI, Andrade. Presença do Simbolismo. In: COUTINHO, Afrânio,
dir. A literatura do Brasil. 2.' ed. Rio de Janeiro, Sul Americana, 1969. (51) Id., Carta a Francisco Mignone. In: 71 CARTAS de Mário, p. 108.
V. 4, capo 36, p. 111. (52) ANDRADE, Mário de, CARTAS a Manuel, p. 245.
(50) ANDRADE, Mário de, Aspectos, p. 27·8. (53) Ibid., p. 309.

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importantes, porém não exclusivas no seu uso. O verdadeiro Alphonsus de Guimaraens Filho, recomendando-I h qu continue
poeta pode utilizar tod.os os met,~os, ?esd~ que" o, faça .com a escrevê-Ios, buscando porém uma forma pessoal (~7).
funcionalidade expressiva. Essa funcionalidade e avaliada Já em 7 de maio de 1925, observando a literatura popular,
pela psicologia estabeleci?~ pel,? próprlo texto, o ~ue ,:ica cla- recomendara a Manuel Bandeira a adoção do rondo, como uma
ramente enunciada nas Criticas A poesia em 1930 e A volta forma popular universal.. A recusa, portanto, fundamentava-se
do condor ", incluídas em Aspectos da literatura brasileira. não no fato de ser uma forma fixa, mas sim de ser uma forma
A métrica popular também oferecia um repertório de su- acadêmica, de vez que as formas populares deveriam ser ado-
gestões para os poetas, como a redondilha, O Modernismo, no tadas por sua natural persistência e funcionalidade.
que respeita à metrificação, não se limitou ao uso do verso- A respeito dos gêneros literários na obra de MA, o ensaio-
livre, mas, a partir do princípio da liberdade individual do poe- prefácio de Telê Ancona Lopez (58) demonstra a contento que,
ta, deixou-o livre para escolher o metro que lhe fosse neces- para o crítico paulista, a questão dos gêneros era "tema de
sário, desde que expressivo e usado com grande dose de ta- retoriquice besta", demonstrando assim a modernidade da es-
lento e inventividade. crita mário-andradina que não estabelecia limites entre um gê-
nero e outro, dando primazia à forma própria e indivídua exl-
b) As formas fixas. gida pelo assunto. (59) Apesar de novamente enfatizar o aspec-
Tal como sucedera com a versificação, "no calor da hora" to formal e artesanal, verifica-se que, em determinados mo-
heróica, o Modernismo evita a adoção de formas fixas, lembran- mentos, MA, com autoridade, discutiu e recomendou mesmo,
cas acadêmicas do Parnasianismo e mesmo do Simbolismo. Em adotando também, determinadas formas fixas literárias. E, por
Á. escrava que não é lsaura, recorrendo à pressa e à velocídade outro lado, deu às formas novas uma caracterização e defini-
da época, MA justifica a adoção de poemas sintéticos, dentro ção mais completas, como aconteceu com a crônica, na série
da tradição oriental. "tankas, os hal-kais japoneses, o ghazal, "Táxi" e na sua colaboração para o Diário Nacional (60).
o rubar persas " (54), seguindo uma tradição romântica. Por- A grande carga crítica negativa, por parte de MA, recebeu
tanto a recusa de formas fixas parnasiano-simbolistas deve-se 9 poema, denominado por Sérgio Milliet, poema-piada, pela sua
também a motivos de ordem social e cultural: a tecnologia e exterlcridade, pelo seu verso-de-ouro final, e sobretudo, pela
o desenvolvimento das comunicações. pouca atenção dada pelo poeta à fatura artesanal. E o artesana-
O Modernismo instaura qualificações e classificações no- to poético foi a grande obsessão da crítica de MA.
vas para algumas das obras que cria. Não se pode esquecer de
que Macunaíma é uma rapsódia; que Café, ora defj~e-se C?~O c) O assunto, o tema e o artesanato.
romance ora como poema coral; que Amar, verbo íntranstnvo t Está semeada pela vasta obra de MA uma poética que,
é um idílio; que conto é "aquilo que seu autor batizou com o por algumas vezes, chegou a concretizar-se num estado descri-
nome de conto" (55); que Memórias sentimentais de João Mi- tivo, no "Prefácio interessantíssimo" e em "A escrava que não
ramar, e orinclpalmente Serafim Ponte Grande, são rom~nces é Isaura ". Em carta a Manuel Bandeira, também confessara o
oue propõem a destruição do conceito acadêmico do genero. projeto de redação de uma Estética musical, contendo noções
Estas observações referem-se à prosa, mas o mesmo oc.orreu pessoais sobre Estética, Belo, Arte, Música e Manifestação Ar-
com a poesia. O poema-minuto, o poema-piada, o experirnen- tística, em 26 de junho de 1925, obra que não chegou a ser con-
talismo em Oswald de Andrade, e mesmo no Losango Cáqui, cluída, nem publicada. O existir do projeto já demonstra sua
de MA. preocupação e sua segurança quanto àquilo que teorizavá em
Porém tal como acontecera com a versificação, com o
evoluir do' movimento, mesmo essa posição radical será re- (57) GUIMARAENS FILHO, A. Itinerários: cartas a Alphonsus Guimaraens Fi-
vista. Em crítica sobre Vinícius de Morais, em 1939, MA reconhe- lho (de) Mário de Andrade a Manuel Bandeira. S. Paulo, Duas Cida-
ce que, na realidade, "nossos poetas realmente vivos não tinham des, 1974. p. 22-3.
abandonado" (56) o soneto. Em 1941, comenta os sonetos de (58) LOPEZ, T. A. O cronista Mário de Andrade. In: ANDRADE, Mário de.
Táxi e crônicas no Diário Nacional. Estabelecimento de texto, íntrod. e
ANDRADE. Mário de. A escrava que não é Isaura. In: -. Obra ima- notas de Telê Porto Ancona Lopez. S. Paulo, Duas Cidades, Secretaria
(54)
tura. 2.' ed. S. Paulo, Martins, Brasília, INL, 1972. p. 249. _ da Cult., Ciência e Tecnologia, 1976. p. 37-57.
ANDRADE, Mário de. Contos e contistas. In: -, O empalhador, p. o. (59) Ibid., p. 44.
(55)
Id. Belo, forte, jovem. In: -, idem, p. 19. (60) Ibid., p. 37-57.
(56)

30 31
~
artigos e crorucas, e que concretizava em sua obra criativa. É
principalm!3nte para a ~úsica e pa.ra a po~sia que se volta o dor" que MA relutará em aceitar, principiando a c d r p n
seu interesse. A correçao que realiza da formula de Paul Der- a partir de 1940, até a adesão parcial na confissão tln l em "
mée .. Lirismo + Arte = Poesia" para" Lirismo Puro + Crítica + movimento modernista".
Palavra = Poesia" (61) denuncia sua posição. No momento em Nesta linha de pensamento parece incluir-se a tr j t ri
que adjetiva Lirismo, enuncia uma diferença clara en~re .um tema (antes de 22) - assunto (de 22 a 30) ~ tema (a p rtlr
mero "estado de poesia", que vulgarmente se chama inspira- de 30), havendo também o predomínio da prosa, depor d
ção, e o "estado de arte" = "Crítica + Palavra". E foi essa 1930, com o romance' do Nordeste; portanto, uma literatur
preocupacão com o "estado de arte" que obrigou MA a rever mais lógica e didática.
completamente por 4 vezes, Amar, verbo intransitivo! Se o pri- ..Como poética o Modernismo já conseguira algumas óti-
meiro estado é individual, vivencial e psicológico e a esse mas conquistas que estavam nos fazendo voltar a um mais
respeito suas cartas estão repletas de informações sobre a verdadeiro sentido de poesia. A principal delas foi a liberta-
gênese de sua obra, o segundo estado é coletivo e funcional. E ção do pensamento lógico, as pesquisas feitas pra realizar o
"o artesanato, os segredos, os caprichos, por muitas partes dog- subconsciente, a destruição do tema poético dirigido e desen-
mático a que fugir será sempre prejudicial para obra de ar- volvido (... substituindo a nitidez curta do tema pela disci-
te" (62)'. Essa" consciência da linguagem" que se manifestaria plina mais livre e mais profunda do assunto)" [65). O assunto,
num artesanato cuidadoso parecia um pouco em desacordo durante o Modernismo, voltar·se·á para flashes do c~
com a "gratuidade" e a "orgia intelectual" dos outros moder- ai sua inovaçao e riqueza. ntram para a Iteratura o prosai-
nistas dos períodos heróico e destrutivo. Pelos depoimentos co e o popu ar, o cotlaiano o urguês e as CI a es, o Instan-
epistolares de MA, podemos supor que a seriedade de seu tra- t neo a CI a e o In enor e os sen Imen os slmp es; e Iml-
balho tenha entrado em choque com a alegria de muitos com- nam-se os temas ..eternos": a Morte, a I a, eus .
ponentes do grupo paulista, presos a exterioridades, e _que os Mas, para MA, há um outro aspecto: o próprio assunto é se-
levou a um esfriamento e, por vezes, ruptura de relaçoes. Em cundário, o primordial é a forma, o artesanato. Em sua obra
1925, o poeta confessa a Manuel Bandeira que .sua superiori- há uma grande coerência a este respeito: o que se diz em "O
dade irritava os demais, e que se tinham estado Juntos no tem- movimento modernista" sobre o predomínio da forma sobre o
po "em que a blague e o espírito valem mais que o saber"(~3), assunto já aparecera tratado em ..A escrava que não é lsaura ",
agora ele estava sozinho. Em. ag?st.o d~ 1934, refere-~e tan:'ben;! de 1924, em carta a Manuel Bandeira (29/12/24), em carta a
ao "crochê intelectual mesqulnhísstmo em que seu qrupinho Sérgio Olindense (1929), em "A volta do condor " (1940-41), em
vivia (64). "A poesia em pânico" (1939) e em "A raposa e o tostão" (1939),
Daí suas críticas freqüentes à superficialidade em que a onde se diz: " ... o próprio propósito da arte, ou desaparece
poesia modernista acabou resvalando. Enquan~o período ~e com- ou fica em meio, si o artista não dispõe de elementos formais
bate, a associação de idéias, quebrando a lóqica do dlsc~rso necessários que a realizem com perfeição. Mas acontece que
poético, foi realmente uma propost~ pi~n~ira e válida, a~OIada muitas vezes, justamente porque ignoram tais problemas, ou
principalmente nas descobertas pslcolóqlcas e na teorl~ das não querem o trabalho, a luta de se cultivar, se insurgem contra
..palavras em liberdade" de Marinetti. Mas, aos poucos, a m~- a cultura, consideram ninharias os problemas da forma, e só
dida em que o nacionalismo modernista ia em busca da reali- exigem o núcleo, a mensagem" (66).
dade nacional, e principalmente quando idéias políticas : S?- Essa posição poderia parecer alienada e alienante, pe-
ciológicas começaram a ser discutidas com ma.io~ ve.emen,cl.a la intenção "torre de marfim" como é colocada. E foi nesse
e profundidade, o grupo modernista assume oosiçoes ldeolóql- sentido que Ledo Ivo a entendeu, daí acusar MA como um cri-
cas mais claras e o discurso poético exigirá novamente a 10- tíco afastado da realidade e da sociedade, o que não teria acon-
gicidade e a clareza, mais pragmáticas. Dai, "A volta do con- tecido com o regionalismo do Nordeste. Trata-se de uma inter-
pretação falsa de vez que ignora todo o pragmatismo cultural
.do homem MA, e. mesmo uma obra que, além da preocupação
(61) ANDRADE, Mário de, A escrava, p. 205.
(62) Id., O artista e o artesão, p. 11.
.formal, denota, muitas vezes .. uma profunda consciência de sua
(63) Id. CARTAS a Manuel, p. 122.
(64) ANDRADE, Mário de, CARTAS a Manuel, p. 329. (65) Id., A volta do condor, p. 166.
(66) ANDRADE, Mário de, O empalhador, p, 106.

32 33
r alidade, que culminará com a corajosa atitude da conferência
"O movimento modernista". sem ser por isso .caipira, mas sistematizando erros diários de
No que respeita ao enfoque dado ao assunto, MA continua c?n~ers~9ão, idiotilsmos bra~ile!,ros e sobretudo psicologia bra-
uma linha da crítica que vem de Alencar, nas "Cartas sobre sileira, ja cumpri m~~ de~tmo (67). Percebe-se seu propósito
A confederação dos Tamoios", passando por Machado de Assis, em pesqulsa,r a õotldlan~ldad.e. do povo brasileiro para com-
para quem o assunto não torna, em absoluto, uma obra brasi- preender a Imgua que o Identlflca{ Ainda um projeto um tanto
leira, e sim a forma em que está construída. Trata-se de uma vag? .que irá p~uC:~ .a pouco ~specificando-se à medida que o
linha moderna da crítica, em que o "como dizer" é mais impor- espírtto revofuctoriér!o modernista se for amainando, suavizado
tante do que" o que dizer". É interessante notar que MA evolui pelo equilíbrio e logicidade do pesquisador. Em 1927 anun-
da extrema valorização do Lirismo Puro, "estado de poesia", o ciava sua intenção de escrever uma Gramatiquinha da fala bra-
'
buscar-se a si mesmo, para uma acentuação do valor do "esta- sileira para demor1strar aos que o criticavam que sua luta era
do de arte", que se converterá para ele numa Verdade Absolu- sér!;a e con~cie~te. Cheqa a imaginar a "desilusão que vai
ta. Por ela sacrificará mesmo sua função de intelectual enquan- dar. (68). Desllusãci. por .que? Pela excessiva modernidade, pelo
to um "ser pclitleo ", conforme confessa na conferência de 1942. apoio em textos [iterárlos, pela então pouca fundamentacão?
Mas como veremos adiante, tal confissão. não- surge no Esta dúvida não ~e esclareceu porque, em 1931, em carta a
vazio, tendo sido pronunciada em períodos anteriores. E em Auqusto Meyer, 6. em 1_935. a Sousa~ da Silveira, afirma que
nenhuma de suas colocações estéticas deixa-se de encontrar nunca tIver,? real. mte,~çao de escreve-Ia. Este é um dos pou-
uma pequena referência à função do poeta na sociedade. A po- cos dados cabotí nos da obra de MA. Teria sido um recurso
sição_de o s u to é moderna pelo deslocaiiien- de defesa ante a qualidade e a quantidade dos ataques sofri-
to' ue realiza da ráxis artística, ue e es oca a ao ano dos, daí anuncíá-la?
conteudístico ara o da revolu ão através da linguagem. Em sua /Essa vontade de "abraslletrar " surgiu da convivência com
obra criativa, isso pode ser melhor etectado pelo aprofunda- Manuel Bandeira, Oswald de Andrade, Ronald de Carvalho e
mento que dá à dialética cultural e social opressor-oprimido, Guilherme de Alrfleida. Apenas que MA assumiu com maior
Brasil-estrangeiro. sem soluções simplistas \ou utópicas: Ma- intensidade essa atitude polêmica, a ponto de reescrever abra-
cunaíma, Amar, Verbo intransitivo, O carro da miséria. sileirando, Clã do Jaboti e Amar, Verbo Intransitivo Foi' a lei-
tura de Memórias sentimentais de João Miramar que despertou
d) A língua nacional.
)Muito se tem escrito sobre esse ân ulo "escandaloso" e
em MA ° desejo de escrever brasileiro. Enquanto Oswald dilui-
rá seu projeto lingÜística no projeto ideológico de Marco Zero,
revolupionário do ModerniSffiO e, principalmente, de Nh-:-o- P!Ó- MA aprofundará ef'se mesmo projeto dentro de um mais amplo
prio escritor não deixava passar ocasião .ge esc arecer ª-acen- projeto ideológico nacionalista, como ele o entendia.
tua r sua posição a respeito/ Na denúncia aos varias enfoques Em quantas c~rtas MA procura convencer Manuel Bandeira
e várias atitudes assumidas pelos modernistas em relação à' da seriedade de suas intenções! Evidentemente o poeta carioca
língua, quando da conferência de 1942, pode-se perceber a má- -não o compreendia totalmente, daí a insistência. Assim como
goa de um homem que, depois de anos de exaustivos e cons- não o compreenderam os demais modernistas. Tanto não o com-
cientes estudos, vê elementos diluidores destruir grande parte preenderam que desvirtuaram suas postulações, conforme ele
de seu esforço. Uma luta que se constituiu de momentos de mesmo observa a respeito de Raça, de Guilherme de Almeida,
••ensaio e erro" constantes, em que o escritor, melancolica- onde a linguagem ganha foros de regionalismo e exotismo,
mente declara-se vencido por não ser chegada a hora de se quando MA procurava exatamente o oposto. A desculpa do
criar uma língua brasileira. emprego da "língua brasileira", servira, tal como o verso-livre.
10nde o escritor fora buscar elementos para a sistematiza- para o exercício ela incompetência, da facilidade e do mime-
ção dessa u língua brasileira"? Em várias fontes: a. na litera- tismo (69) . -
tura culta, com Camões, p.e.; b. na literatura popular, princi- Num outro ângulo, MA reconheceu, em 1931, em carta a
palmente dos folhetos de cordel; c. nas letras das músicas fol- Manuel Bandeira, que, em seus artigos, acentuava as-caracte
clóricas e dos cantadores; d. sobretudo, na psicologia da fala.!
Em 10/10/1924, em carta a Manuel Bandeira, MA demons- (67) ANDRADE, Mário de, CARTAS a Manuel, p. 54.
tra sua intenção de u se conseguir que se escreva brasileiro (68) lbid. p. 164.
(69) MARIO DE Andr;lde escreve, p. 163.
34
3'5
!
rísticas brasileiras da linguagem a fim de irritar, levantar polê- "ponteiros do relógio" cultural nacional, esta sincronização se
micos, de vez que, por se tratar de obra efêmera, isso era pos- fez muito mais em gro ósitos estéticos a saber: ruptura coro
sível. Já nos estudos mais sérios, tais inovações eram usadas 2-academismo artístico dominante (figurativismo na pintura,
com parcirnônia. Havia portanto uma deliberada e consciente omantismo na música, "frontões gregos, colunas e coluni nhas"
tentativa de chocar e, ao mesmo tempo, a compreensão de di- na arquitetura, arnaSlamSlmo e 1m ollsrno na 11te-raturaJ,-a
ferentes empregos das inovações lingüísticas. .descoberta do presente e a rea i a e naciona , a varorlzação
Quanto ao problema da "língua brasileira", que mais tarde a eu tura popu ar, e a Insauraçao, na I era ura, ãa língua bra-
inexplicavelmente qualificará com a neutralidade do adjetivo sileira. Foi, como reconhece MA, o exercicro êle um ' êãpírtto
"nacional", é de salientar a modernidade de MA ao procurar revolucionário" que não chegou a ocasionar mudanças políti-
caracterizá-Ia a partir do estudo e compreensão dos fatos psi- co-sociais, mas que,' de certa forma, auxiliou a prepará-Ias. Mui-
cológicos que a geraram. É a psicologia viva do povo, que é to mais do que um movimento coletivo, os modernistas acen-
quem "fala certo o português do Brasil".Ainda mais, MA esca-
pou da atração puramente léxica, preocupando-se sobretudo
com a sintaxe: uso de preposições, colocação de pronomes,
regências verbais, etc. Em estudo sobre MA e a "língua brasi-
l tuaral!L~aracterística de nã<?-~scola e a afirmação de seu
i!1dividualismo_ criador. A iconoclastia inicial permaneceu na
fase destrutiva, mas esgotou-se. Faltou-lhe fôlego e maior em-
basamento na realidade e no povo .. A revolução de 1930 sur-
leira", Manuel Bandeira (70), especifica essas inovações nos preendeu-os e os deixou perplexos (vide cartas de MA na épo-
"domínios do vocábulo, da morfologia, e da sintaxe", demons- cal. Além disso, surgira um novo grupo coeso que levara a
trando que, por vezes, MA generaliza erradamente como no conseqüências novas alguns propósitos de 1922: era o grupo
caso da posição do pronome oblíquo. do Nordeste. Ele traz .para a literatura um Brasil diferente e
Para MA, a divulgação de seu projeto lingüística pelos ou- mais real. sem exotismos, sem ilusões, e apresentava ••uma
tros modernistas, apesar do "élan" inicial do período heróico verdadeira consciência da terra" (72). Toda a agitação naciona-
e do destrutivo, o tornam amargurado, de vez que a língua lista iniciada com o bovarismo e o herói-cavaleiro medieval
"não passa de um detalhe dum problema muito mais comple- do Romantismo, culminava em 1930 com o Neo-realismo e o
xo ... "(71). Negá-Ia ou desvirtuá-Ia equivalia a destruir um pro- herói fracassado. Não mais um nacionalismo patrioteiro e su-
jeto de brasilidade. Pode-se, porém, perguntar: donde surge a perficial, mas, agora sim, um nacionalismo crítico, ernbasado
linguagem de um Guimarães Rosa, quanto a sua linha de pes- na dialética terra-homem, e prlnclpalrnente numa visão de den-
quisa no real? Assim como os modernistas buscaram a gênese tro para fora de nossa realidade, como afirma Antônio Cân-
de uma "língua brasileira" em Alencar, eles, e mais precisa- dido (73), "na fase de pré-consciência do subdesenvolvimento".
mente MA, não poderiam ser localizados na fonte da lingua- Era a substituição do projeto estético "pelo ••ideológico",
II

gem rosiana? colocando novamente em cheque a cultura brasileira. A partir


de 1930 é possível identificar melhor a geração heterodoxa que
realizou a semana de Arte Moderna. Os caminhos políticos tri-
4) "Atualização da inteligência artística brasileira" partem-se: Integralismo, Comunismo e adesão à Ditadura. As
linhas ganham contornos mais nítidos, as posições se afirmam.
Qual é a função do artista e da obra de arte na sociedade? Os que aderiram ao Modernismo um tanto quanto empolgados
Os moços da geração modernista, até aproximadamente o pelo escândalo do momento, retraem-se, como MA; desapare-
ano de 1930, viveram uma certa disponibilidade ideológica. Pra- cem, como Graça Aranha; retomam o fio da tradição, como
ticamente dominados pelo "projeto estético", deixaram em se- Ronald de Carvalho; Oswald dilui seu projeto ideológico num
gundo plano o "projeto ideológico" que se configurará melhor comunismo "de varal". como ele mesmo confessou. Manuel
e assumirá maior destaque a partir da geração getulista. Bandeira e Carlos Drummond assumem caminhos individuais.'
Se, em 1922, os modernistas resolveram sincronizar os O tempo re-posiciona - talvez tenha dado o posicionamen-

(70) BANDEIRA, Manuel. Mário de Andrade e a questão da língua. 111: -.


Itinerário de Pasárgada; De poetas e de poesia. Rio de Janeiro, S. José; r72J Id. o movimento modernista. In: -. Aspectos. p. 244.
/1957/ p. 135-42. I .' (73) CÂNDIDO, Antônio. Literatura e subdesenvolvimento. Argumento. Rio
(71) ANDRADE, Mário de, CARTAS a Manuel, p. 295. de Janeiro, (1):22, out. 1973.

36 3',
to real - da brigada multifária modernista.
E MA, o chefe, o mestre, o orientador? Tal como os de- n:ent? que a nacionalidade atravessa". E conclui cita d M
mais percorre uma trajetória evolutiva. Seria subestimar sua tin Fierro: "Eu h b' ' n o ar-
agora" (79)' Em ~~rt~ d~edtam ebm tdemos que cantar opinando
obra pensar que a firme posição adotada ao final da conferên- .. . ezem ro e 1929, endereçada a Ma-
cia na Casa do Estudante do Brasil tivesse surgido apenas .nue! Bandetra, a respeito de seu livro Belazarte afirma' "É
quando da avaliação do movimento, ao preparar a conferência. ~stUPldo a gente estar imaginando em literatura 'numa época
Ela tem origens muito mais remotas, é fruto de um amadure- estas em qu~ nem s~ sabe o Brasil em que irá dar. '" Achei
cimento lento e contínuo. que era besteira publicar e no dia seguinte retirei os o " .
Em carta a Manuel Bandeira, em 13/07/29, MA refere-se a da tipografia." (80) Muito importantes estes dois últim~;mals
sua" doutrina de fazer arte-de-ação" (74), que ele entende como
uma arte exemplar; principalmente para levar ao aperfeiçoa-
mentos como indicadores da mudança de atitude do
Mudança talvez ainda sutil. Na década de 30 amiud escrt oro
.r;o-
mento estético dos poetas que o lessem. Em 19/11/28, em. car- mom t d fi - , am-se os
. en os ~ .re ~xao sobre a relação arte,sociedade, em ter-
ta a Augusto Meyer, inquirindo-o sobre os modernistas gaú- mos de parttcipação do artista no seu momento histórico E
chos, solicita-lhe que esclareça quais os poetas que tinham ~930'1es_crevendo_a Augusto Meyer, diz: "Revolucão? Best~ir;::
"valor social", i.e., que estavam "influindo no ambiente, orien- evo uçao que nao educa ninguém e sacrifica gÊmte do povo'.
tando, aconselhando: amedrontando" (75). Verifica-se, portanto, acovarda~os seres do povo, descaracterizados seres do povo'
que nesta época, o poeta era sobretudo um ser lírico e artesão, desmoralizados porque a República só tem cuidado em desmo~
cuja função "social" consistia tão somente na orientação ar- ralizar o .ser d~ povo e só nisso foi eficaz, é horrível. Não sou
tística. Era uma visão de Poesia :::: Arte Pura. A "organização monarquista. nao, n.ãoASOUnada! No fundo o que eu sou mas é
social" é "estética" (76). Em 1O de agosto de 1934, ao falar de me~mo .um livre e mgenuo poeta no sentido mais virginal mais
seu livro Remate de males, MA confessa: "Eu desejei mesmo antí-soclal da palavra" (81) • ' .

um certo olimpismo, uma certa sobre elevação acima dos tu- . . Manifesta-se aí uma das angústias morais de MA ao assu-
multos terrenos, desprezando o terra-a-terra" (77). Somando-se mir seu papel enq~anto povo, ou omitir-se, "sequestrando-se"
essas declarações, confirma-se uma alienação social da função para uma onentação purame.~te estética. Esta tensão alcanca
do artista como ser político, exprimindo uma visão aristocrá- seu ponto mais agudo em: Mudar? Acrescentar? Mas como
tica e elitista. esquecer que ~~to~ na rampa dos cinqüenta anos ... " (82). A
Houve, porém, momentos na obra de MA em que ele se dolorosa. ?onsclencla do escritor, numa auto-análise rigorosa
aproximou um pouco mais de uma visão sócio-participante. Co- auto-punitiva. '
mentando a publicação da poesia Pau-Brasil, de Oswald de An- Esta evo~ução de seu pensamento transparece ainda ao
drade, e aproveitando um julgamento de Manuel Bandeira, con- tratar da Bevista nova, interessada na cultura nacional em le-
cita Oswald, Guilherme de Almeida, Ronald de Carvalho e de- vantar _aspecto_spolêmicos mas fundamentais para a s~a' com-
-mais modernistas a modificar a ótica de apresentação do Bra- preensao. Expoe, longamente, o plano da revista a Augusto
sil em suas obras: ..Me parece que estamos ainda observando Meyer, a?entuando que a literatura ocupará um pequeno espa-
o Brasil, ainda não estamos vivendo o Brasil" (78). Em 1925. No ço ~a revista. Iam longe os tempos de Klaxon.! Esta modificacão
entanto, essa participação na realidade parece ter sido enten- indica os novos rumos do interesse da direcão da revista com-
dida por MA ainda em termos culturais, para fins estéticos. posta ~or modernistas de 22. Separa-se assim de uma' linha
Algo mais contundente ele escreveria em 1929, na crônica" Mes- antro~ofaga: q~e MA condenara desde 1928, preferindo uma
quinhez" onde, de uma forma mais violenta, ataca a neutra- atuaçao rnars direta e real, ao lado da cultura e não uma ati-
lidade, a omissão, que denomina "boa falta de caráter", dos tude de deglutição "festiva". '
intelectuais por não tomarem consciência verdadeira do mo- " Em 1931, em "A poesia em 1930", e em 1934 na crônica
Momento pernambucano" já detecta uma mudanca. na funcão
. .
(74) ANDRADE, Mário de, Cartas a Manuel, p. 230.
(75) MARIO DE Andrade escreve, p. 69. mll Id., Os filhos, p. 207.9. .
(76) ANDRADE, Mário de, CARTAS a Manuel, p. 292. (80) Id., CARTAS a Manuel, p, 232.
(77) Ibid., p. 331. (81) MARIO DE Andrade escreve, p, 80.
(78) ANDRADE, Mário de. Oswald de Andrade: Pau-Brasil, p. 231. (82) ANDRADE, Mário de. O movimento modernista. In:
p. 254. Aspectos,
38
39
social do intelectual. Em 1932, em carta a Augusto Meyer assi- em "Uma suave rudeza" (1939), em "Tasso da Silveira" (1940).
nala o fato de que a poesia daquele momento era uma mani- em "Modernismo" (1940), em "A elegia de abril" (1941).
festação exclusivamente elitista (83). Nos artigos da década de 40, realça sobretudo a função
Constata-se (84) que MA, aceitando colaborar no jornal da social do intelectual, entendendo funcão "social" como uma
Oposição, o jornal do Partido Democrático, não era de todo um participação no momento histórico, mas ainda a par de uma
escritor apolítico. Em "Revolução pascácia " (85), de forma irô- consciência artística. Em "A elegia de abril" chega a uma con-
nica, demonstra a dinâmica e a riqueza de ocupar-se um lugar clusão melancólica: "No sentido da sua dignidade moral, a in-
.na Oposição. É a partir de 1930, e principalmente da Revolu- teligência brasileira se transformou muito, passando da incons-
ção de outubro, que MA, quantitativa e qualitativamente, dedl- ciência social para a consciência de sua condição. Mas não
car-se-á à "crônica crítica" e ao artigo de fundo social, dis- creio tenha havido melhoras. Se do meu tempo o mais que se
cutindo e analisando aspectos resultantes da "repatriação do possa dizer é que foi embora, hoje grassa na inteligência no-
Brasil", ocasionada pela revolução getulista (86). Usando da iro- va uma freqüente imoralidade" (89) •
nia e da anedota, como se pode ver em "Folclore da Consti- É de se perguntar: para que serviu então "a consciência
tuição" (87), MA procura manter um distanciamento que -Ihe de sua condição"?
.perrntta avaliar a Verdade a respeito da Revolução Separatista Não se pode esquecer que contribui para a acentuação
de 1932, evitando imiscuir-se nela. Não o conseguirá, como o dessa posição engajada, a Segunda Guerra Mundial, então em
confessa em carta a Carlos Drummond de Andrade, acabando desenvolvimento na Europa. Ela causará entre os intelectuais
'por participar dela. Não foi portanto um escritor alienado. Tra- uma nova mentalidade, como ocorrera após o término da Pri-'
tou da política, da(s) revolução(ões), do "sentimento íntimo" meira Grande Guerra. São novos tempos que se preparam nes-
da nacionalidade, e da paulistanidade, da migração para o Sul, se período. Novamente em ebulição o "espírito revolucioná-
.mas principalmente falou da cultura e da cultura popular: o fol- rio". Em "A elegia de abril", MA dedica-se à análise das injun-
clore, os mitos, a língua. Se não contribuiu para o "amilhora- ções sociais influindo na literatura. Nesse estudo, coteja a si-
mento político-social" do homem, pelo menos olhou para 0 ho- tuação do intelectual em 1922 e em 1941, sob um ponto de vis-
mem brasileiro com "olhos livres", com olhos de ver e per- ta social, econômico, moral e também literário. Percebe clara-
guntar. - mente a existência de um novo tipo de herói: o fracassado,
Em duas crônicas, "Intelectual - I e 11" (88), em abril de que leva a marca indelével da época de angústias e niilismo
1932 MA discute o papel do intelectual e do intelectual moder- de então. Novamente retoma ao "tema da partida", que crista-
nista', mais precisamente. Compara-o aos intelectuais do pas- lizara-se com o "Vou-me embora pra Pasárqada", de Manuel
sado, egoistas e desumanos, como Machado, Nabuco, e mesmo Bandeira, e que até aquela época era a melhor definição, em
Euclides da Cunha. São intelectuais que fugiram ou mascararam poesia, do desejo de fuqa do intelectual. Uma forma de con-
a realidade. Exige que o intelectual, um "ser livre em busca da formismo que combaterá tão violentamente um ano mais tar-
verdade", ponha-se "a serviço duma dessas ideologias, duma de em "O movimento modernista". Infere-se daí que, mesmo
dessas verdades temporárias", embora ele continue a ser. por ao final da vida, mesmo parecendo derrotado por sua omis-
característica própria, um marginal, "um fora da lei". Exclui dos são diante do "amilhoramento político-social" do homem, MA
alienados "tocadores de viola", o grupo da ordem, liderado por não se furta à sua missão de mestre, de escritor e de crítico
Tristão de Athayde, com exceções. Não se duvida mais que a polêmico. Apesar da receoção fria e mesmo contrária às suas
consciência social de MA aprofunda-se e amplia-se numa oosi- palavras na Casa do Estudante do Brasil, conforme declara em
cão não-sectária por volta de 1930. Retornará mais tarde a carta a Paulo Duarte, incompreendido por seus amigos de "ge-
essa chamada social: em "Noção de responsabilidade" (1939). ração" e pelos intelectuais "moços", ele não se furtou, mais
uma vez, à sua missão.
A conclusão oatética a que checou espelha bem o que foi
(83) MÁRIO DE Andrade escreve, p. 102.
(84) ANDRADE, Mário de. Táxi. uma obra crítica diriqida por uma dolorosa consciência do mun-
(85) Ibid., p. 271-3. . - do, dos homens e de si mesmo (90) •
(86) ANDRADE. Mário de. Peneirando. In: -, Táxi, p. 268.
(87) Id., Táxi, p. 551-603. (89) Id .. Aspectos, p. 188.
(88) ANDRADE, Mário de. Táxi, p. 515-20. (90) Duarte, p. 228.

40 41
"E no final botei uma confissão bastante cruel do que jul- GUIMARAENS .FILHO, Alphonsus de. Itinerários: rt
AlphOtl" d
go que faltou a minha obra e a minha atitude vital. Por dentro, GUlmaraens Filho (de) Mário de Andradr.
M 11111 I O ul(l( Ir I.
S. Paulo, Duas Cidades, 1974.
ah, quanto eu me sinto justificado de mim pelas muitas fatali-
HADDAD, J. Alm~~sur. A poética de Mário de Andrade. R vi t do A I
dades que me perseguiram a vida e enfraqueceram, mas o cer- MUniCipal, S. Paulo, : 115-32. rqu vo
to é que a vida não tem nada com isso. E é diante desta vida IVO, Ledo. Lição ~e Mário de Andrade. Cadernos de cultura, nl ti J IIU 1_
que errei. Creio que há coisas comoventes no que eu digo." ro, MIO: Educ. e Saúde, :2-22, 1852.
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lAFETA, Joao l.uiz M. 1930: a crítica e o Modernismo. S Paulo DI;ol 'lld'
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MÁRIO DE Andrade escreve cartas a Alceu, Meyer e outros Coll ld
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Sérgsio.pO IPoeta Mário de Andrade. Revista do Arquivo Municipal
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