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1972

Quem sustenta tanto desenvolvimento?


DEBATEDORES DISCUSSANTS

em todo o mundo. Diante de um quadro de incer-


tezas e de mudanças na economia mundial, a ten-
Who will sustain such development? dência do movimento social é, em geral, de retra-
ção de expectativas e de aceitação de propostas de
Christovam Barcellos 1
redução de salários e flexibilização das condições
de trabalho em nome do emprego. Os governos,
São Vicente, 1535. Depois de avaliadas, mudas que vinham seguindo a receita neoliberal de aban-
importadas de cana-de-açúcar foram espalhadas dono do seu papel de regulador das atividades eco-
por todo o Brasil, vistas como oportunidade para nômicas, sentiram-se forçados a intervir sobre os
a ocupação da costa brasileira e geração de renda mercados, ajudando a recuperar financeiramente
para Portugal. O projeto ficou a cargo de nobres empresas, estas mesmas que haviam provocado
portugueses espalhados por capitanias em Pernam- ou agravado a crise. Parte do dinheiro que socorre
buco, Bahia e Rio de Janeiro. Índios capturados as empresas é retirado de projetos sociais, de pro-
em guerras ou aculturados foram usados como teção do ambiente e da saúde.
os primeiros escravos. Alguns anos mais tarde, O artigo de Henrique Rattner lembra uma dos
optou-se pela importação de milhões de escravos bordões do capitalismo: “Embolso privado dos lu-
da África. Seguiram-se séculos de atrocidades, con- cros e socialização das perdas”. No momento de
centração de terra e riqueza e danos ao ambiente. crise, as empresas recorrem ao Estado como forma
São Bernardo, 1978. Uma greve de metalúrgi- de se proteger da falência, que sem dúvida pode
cos da Scania inicia uma série de manifestações de causar mais desemprego. Mas acabada a crise, o
operários nos anos de 1979 e 1980, que reivindi- emprego voltará a crescer? Depois de reequilibra-
cam aumento de salário. As indústrias, ainda em- das as contas, a verba do Estado voltará a ser aplica-
baladas pelos resultados financeiros favoráveis da em projetos sociais? O ambiente e a saúde pode-
decorrentes do “milagre brasileiro” e assustadas rão ser finalmente tomados como prioridades?
diante da mobilização, se dispuseram a negociar. A Parece que há outra máxima do capitalismo:
ditadura militar intervém nos sindicatos e prende alardear as crises e esconder os tempos de expan-
seus representantes. As conquistas dos trabalha- são da economia. Quem vai nos avisar quando
dores fizeram nascer um novo sindicalismo no país esta crise acabar? Se a crise é o momento de dividir
e aumentaram as oportunidades de emprego e ren- os prejuízos, quando será dada a oportunidade de
da no ABC. A produção de automóveis, associada compartilhar as benesses do desenvolvimento?
a uma classe média em expansão, é vista como Ninguém pensou em libertar os escravos da cana
uma das principais alternativas de desenvolvimen- ou remunerar seu trabalho quando esse produto
to do Brasil desde a década de cinquenta. Este mes- passou a ser exportado para toda a Europa, ge-
mo automóvel engarrafa as ruas de São Paulo, emite rando excedentes que enriqueceram alguns comer-
substâncias tóxicas e gases que provocam o aque- ciantes em Portugal e usineiros no Brasil. Nenhu-
cimento global. ma indústria conclamou seus operários para re-
Unaí, 2004. Três fiscais e um motorista do Mi- partir os lucros obtidos durante o “milagre brasi-
nistério do Trabalho foram executados em uma leiro” dos anos setenta. Poucos imaginavam que,
emboscada, após terem investigado denúncias so- atrás da produção recorde de feijão no interior de
bre trabalho escravo em uma das fazendas locali- Minas Gerais, se escondia o trabalho escravo ou
zadas no município. Um dos principais suspeitos, semi-escravo. Os melhores momentos de expan-
Noberto Mânica, é o dono da fazenda, um dos são econômica têm sido caracterizados no Brasil
maiores produtores de feijão do país e irmão de pela concentração de renda, desmatamento, assas-
um deputado federal. Os suspeitos da chacina ain- sinato de lideranças do movimento social e conta-
da não foram julgados. Outros focos de trabalho minação do ambiente. Afinal, segundo os mento-
escravo persistem no país. O agronegócio é consi- res desses projetos, nenhum desses itens deveria
derado fator de equilíbrio das contas nacionais e poder barrar o desenvolvimento. Do mesmo
um dos principais geradores de emprego. Tam- modo, nos momentos de crise, a concentração de
bém é responsável pela contaminação de águas e
solo com agrotóxicos, pelo desemprego sazonal e
pela perda de biodiversidade no campo.
É difícil a tarefa de discutir saúde e ambiente
em meio à crise econômica mundial. Como ressal-
1
tou Henrique Rattner, essa crise tem reduzido a Fundação Oswaldo Cruz, Instituto de Comunicação e
Informação Científica e Tecnológica em Saúde.
atividade econômica e provocado o desemprego xris@fiocruz.br
1973

Ciência & Saúde Coletiva, 14(6):1972-1982, 2009


poder e riqueza e a degradação ambiental são apre- infraestrutura adequada de saneamento e a alta
sentados como mal necessário1. mortalidade infantil na segunda metade do século
Desse modo, a lista de problemas ambientais XIX são exemplos da degradação ambiental vivida
que é levantada por Rattner pode ser tomada tan- pelos primeiros países que se industrializaram e
to como consequência do desenvolvimento eco- urbanizaram aceleradamente. A Europa atualmen-
nômico, quanto da sua ausência, decorrente da te conta com um desenvolvimento institucional,
pobreza. Os níveis de emissão de substâncias tóxi- social e tecnológico que permite a concentração de
cas ou geradoras do efeito estufa não têm prece- atividades produtivas que geram renda com me-
dentes no mundo. A expansão da indústria e o nor impacto sobre o ambiente e o bem-estar da
aumento do consumo de energia e bens duráveis população. Foram necessárias décadas de desen-
são apontados como indutores dessas emissões. volvimento e investimento para superar este qua-
Por outro lado, persistem os problemas de acesso dro e degradação do ambiente e das condições de
das populações mais pobres a bens e serviços con- vida. É importante destacar que grande parte dos
siderados básicos, como o saneamento, a alimen- bens consumidos por estes países é hoje importa-
tação, transporte, etc. da de países periféricos, em condições que não
A coexistência desses diversos tipos de proble- podem ser consideradas saudáveis ou sustentá-
mas ambientais deve ser examinada como resul- veis. Existe, desta forma, uma exportação de ris-
tado do desenvolvimento dentro de um quadro cos, rejeitos e modelos de produção indesejáveis
de pobreza. Sobre esta sinergia extremamente ne- para países de economia periférica, externalizando
gativa têm se dedicado inúmeros estudos. Alguns parte desse processo de transição ambiental3. Tam-
modelos teóricos se apóiam na hipótese da transi- bém é importante lembrar que esse processo não
ção ambiental2, segundo a qual as primeiras eta- se deu de forma espontânea, por mecanismos de
pas de desenvolvimento produziriam o consumo autorregulação dos mercados, mas sim por meio
intensivo de recursos e emissão de rejeitos para o de lutas políticas no campo dos direitos humanos,
ambiente em grandes proporções. Ainda segundo do trabalho e emprego, da proteção à saúde, e mais
essa hipótese, com o aumento de renda gerado recentemente do movimento ecológico. Também
pelo desenvolvimento, as forças do mercado mo- os governos nacionais tiveram papel relevante na
dificariam a composição da produção e consu- redução das desigualdades sociais, aumento da ex-
mo, levando a uma redução de emissões. Os de- pectativa de vida e diminuição da pobreza. Ao con-
fensores dessa hipótese demonstram que os paí- trário do que é apregoado pelo modelo neoliberal,
ses com menor nível de atividades industriais pos- esse processo foi realizado em paralelo ao aumen-
suem boa qualidade ambiental porque ainda não to da cobertura e de gastos com serviços públicos
sofreram pressões de produção e consumo. No de saúde, de participação de sindicatos, e de demo-
outro extremo de uma curva em forma de U, os cratização política4.
países mais industrializados conseguiriam inves- Os exemplos da Europa são ilustrativos de si-
tir no aperfeiçoamento tecnológico e institucional, tuações de crise ambiental e política vividas no pas-
fazendo aumentar a qualidade ambiental. No pior sado. Mas não obrigatoriamente temos que seguir
estágio de qualidade ambiental estariam os países a história dos países desenvolvidos. Não precisa-
industrializados de economia periférica, cuja pri- mos poluir primeiro para limpar depois. Deve-se,
oridade é o aumento da produção, que é realizada antes de tudo, procurar alternativas, voltadas para
com grande consumo de matéria-prima e geração vocações locais e modelos mais equânimes de de-
de rejeitos. Segundo os defensores dessa hipótese, senvolvimento. Nesse aspecto, o papel da tecnolo-
a solução para superar a crise ambiental estaria gia e da informação está, em geral, ausente das
não na redução ou controle da produção, mas no análises sobre desenvolvimento, saúde e ambiente.
seu aumento. Por outro lado, todos os países que O Brasil não precisa, nem deve, produzir energia
pretenderem alcançar os níveis de qualidade de como fazia a Inglaterra no começo da Revolução
vida dos países centrais teriam que passar por um Industrial, com base no carvão. Também não pre-
estágio de degradação das condições ambientais, cisa retomar a triste experiência de produção de
uma espécie de “purgatório” ambiental. derivados da cana-de-açúcar do período colonial.
Esta hipótese explica em parte o processo ocor- Outras tecnologias estão disponíveis e podem ser
rido em países desenvolvidos. A Europa viveu dé- empregadas para o desenvolvimento. Nesse senti-
cadas de degradação ambiental decorrente da Re- do, a posição intermediária do Brasil, entre países
volução Industrial. As péssimas condições de vida de baixa renda preocupados com a sobrevivência e
e trabalho dos operários na Inglaterra, as epide- os industrializados com o desenvolvimento volta-
mias de cólera em cidades que não possuíam a do para a sustentabilidade5, pode permitir dar “sal-
1974
Barcellos C et al.

tos tecnológicos” desde que tenha acesso a tecno- e seus interesses. Os conflitos de interesse perma-
logias limpas e que estas escolhas se estabeleçam necerão, mesmo depois de vencida a crise. Os jor-
dentro de um debate democrático e ético. nais mostram, a cada dia, impasses dos diversos
O que gostaria de ressaltar nesse texto é que projetos em curso no Brasil: a construção de es-
esta crise, como as demais crises que ocorreram no tradas e hidrelétricas na Amazônia, a expansão das
capitalismo desde a sua origem, passará. Esta pas- favelas nas metrópoles, a ampliação da cultura da
sagem pode ter consequências dramáticas, geran- cana-de-açúcar, o aumento da produção de auto-
do desemprego, desespero e desilusão. Possivelmen- móveis, entre vários outros. Cada um desses pro-
te, irá também remodelar a atual estrutura de pro- jetos produz ganhadores e perdedores e, por isso,
dução e consumo. Durante a crise, a vida do país e promove a cisão entre grupos e disputas6.
das famílias é alterada de modo significativo, pro- Esses conflitos são inevitáveis, e mesmo neces-
vocando insegurança e perdas materiais. Mas as sários, para que se estabeleçam bases sociais e
alternativas para a saída da crise estão já sendo pro- ambientais sustentáveis para o desenvolvimento.
jetadas, durante a crise. Nesse momento surgem Como essas disputas emergem em diversos fóruns
idéias, oportunidades e oportunistas, são identifi- técnicos e políticos, é imprescindível que o movi-
cados novos caminhos e barreiras. Essa passagem mento social e os órgãos de governo estejam aten-
pode gerar modelos de desenvolvimento ainda mais tos e preparados, o que demanda a capacitação e
perversos ou mais humanos, ecológicos e solidári- fortalecimento das agências de controle ambiental
os. Os exemplos de projetos de desenvolvimento e de vigilância em saúde; a organização e embasa-
citados no início deste texto foram gestados em mento técnico da sociedade civil; a democratização
contextos de crise econômica e política: a introdu- e difusão de informação sobre projetos de desen-
ção da cana-de-açúcar, a implantação da indústria volvimento e seu monitoramento. Qualquer ou-
automobilística e o agronegócio de grãos. tro caminho, que tente suprimir essas disputas,
É difícil recuperar com precisão o momento e pode se tornar uma perigosa aventura.
os participantes dessas decisões. Os exemplos da
cana, indústria e agronegócio mostram um delica-
do equilíbrio entre Estado, cidadão e empresa. Em Referências
alguns momentos, como durante a ditadura mili-
1. Acselrad H. As práticas espaciais e o campo dos con-
tar, o Estado prevaleceu, acima das relações entre flitos ambientais. In Acselrad H, organizador. Confli-
empresa e funcionários. No escravismo da cana, o tos ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Du-
Estado legitimou a empresa em detrimento dos se- mará; 2004. p. 13-35.
micidadãos, escravos. No caso da chacina de Unaí, 2. Kuznets S. Economic Growth and Income Inequality.
como em diversos outros que ocorrem no Brasil American Economic Review 1955; 49:1–28.
3. Ansuategi A, Perrings C. Transboundary externalities
contemporâneo, a empresa atentou contra o Esta- in the Environmental Transition Hypothesis. Envi-
do e seu dever de proteger o cidadão. Essas relações ronmental and Resource Economics 2000; 17:353–373.
entre Estado, cidadão e empresa, na verdade, são 4. Navarro V, Shi L. The political context of social ine-
bastante complexas, sendo uma das características qualities and health. Social Science & Medicine 2001;
da sociedade moderna a interação entre essas par- 52(3):481-491.
5. Udo VE, Jansson PM. Bridging the gaps for global
tes. A dinâmica econômica cria, ou degenera cida- sustainable development: A quantitative analysis. Jour-
dãos. Os cidadãos e empresas conformam o Esta- nal of Environmental Management 2009; 90(12):3700-
do. Além disso, Estado, cidadão e empresa não 3707.
constituem unidades. São fragmentados por inte- 6. Banerjee SB. Quem sustenta o desenvolvimento de
resses de classe, de setores da economia e de gover- quem? O desenvolvimento sustentável e a reinvenção
da natureza. In: Fernandes M, Guerra L, organizado-
no. Um exemplo desses diversos interesses é a coe- res. Contra-discurso do desenvolvimento sustentável. 2a
xistência dentro do aparelho de Estado dos defen- ed. Belém: UNAMAZ/UFPA-NAEA; 2006.
sores do agronegócio e sua expansão e, por outro
lado, os que advogam pela agricultura familiar e a
reforma agrária. Também as empresas não coinci-
dem em seus interesses, sendo notável a oposição
entre capital financeiro e capital industrial.
Diante desse quadro de conflitos, é preciso pen-
sar e agir. A democracia política, duramente con-
quistada no Brasil, se ainda não trouxe a plena
cidadania e distribuição de riquezas, permite ao
menos enxergar essa pluralidade de atores sociais

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