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Se já não é tão simples traduzirmos textos de uma língua para outra, mais
árdua tem sido a tarefa, quando entre as culturas em pesquisa há o abismo da
distância do tempo e das diferenças culturais. Desafio maior ainda, é quando
tratamos com os escritos do Antigo Testamento, aonde, em quase sua maioria,
fica difícil a identificação de seu contexto. Além disso, assim como o o “cordel”
“repente” estão no “sangue do nordestino”, que o executa com maestria,
podemos dizer que o povo judeu sempre foi muito poético.
Talvez, este ardor poético tenha sido intensificado a partir das
necessidades peculiares de uma cultura para qual a oralidade foi de vital
importância em seus primórdios. Fato é, podemos encontrar poesia e figuras de
linguagens, bastante típicas neste meio, em quase qualquer ambiente dentre o
povo judeu. É um povo assaz festeiro, cúltico, alegre e poético. Com mais um
detalhe, bem peculiar ao seu modo de ver a vida, não havia separação entre
sagrado e profano, como costumeiramente, temos a tendência de dizer, hoje em
dia.
Não há como negar, que a poesia é bem presente na cultura judaica. Por
conta disso, aumenta ainda mais a nossa necessidade em conhecer como os
judeus agiam, antes de sair interpretando sobre o que eles pensavam. Por isto,
não tem sido nada fácil interpretarmos textos poéticos, pois algumas vezes,
podem ser atemporais, dificultando e muito a identificação de quando ele teria
sido escrito e, principalmente, qual a melhor interpretação e aplicação para sua
mensagem.
Por exemplo, no Salmos 121, o salmista declara que ao olhar os montes,
vem à sua mente a inquietação sobre quem o poderá livrar, mas logo chega à
declaração de que só Javéh poderá livrá-lo de fato. Dependendo de quando o
Salmo fora escrito, olhar para os montes poderia significar uma situação bem
física e terrena: “olhar para o alto da campina, na expectativa de ver os reforços
chegando para a batalha”; ou então, poderia ter uma conotação mais espiritual:
“olhar para os deuses, que moravam sobre cada montanha, na expectativa de
ver qual deles poderia ajudar naquele momento”. Há ainda uma terceira
possibilidade. Segundo Champlin olhar para o monte seria uma referência ao
monte de Jerusalém, onde estaria o templo e, em vez de uma indagação, seria
uma afirmação, com o sentido de olhar para Jerusalém, o local de onde vem o
seu socorro.1 Enfim, não é uma questão muito simples de se esclarecer, mas
serve para exemplificar nossa temática que as poesias embora, muitas vezes,
sejam proferidas por séculos e mais séculos, sua construção esteve baseada em
um momento histórico, que, quando percebido, lança uma luz maior sobre seu
significado.
Além dos aspectos culturais, também precisamos tomar cuidado com o
que alguns teóricos chamam de “desenvolvimento teológico”. Ou seja, há certos
cânticos, que para a época eram mui encorajadores e animadores, mas hoje não
poderiam mais ser cantados. Curiosamente, quando algum grupo insiste em
cantar determinado salmo, para evitar algum constrangimento com a teologia
explícita no mesmo, procura-se dar uma explicação mais espiritualizada para
eles, procurando uma explicação um tanto quanto implícita, afim de desvirtuar a
possível imagem negativa que poderia estar sobre os mesmos.
Por exemplo: observe o coro do cântico “O Caminho de Deus é perfeito”:
“Persegui os inimigos e os alcancei, destruí, e atravessei. Sob os pés do senhor
caíram, não mais se levantaram...”. Já ouvi, por várias vezes, a explicação de
que o inimigo aqui é o diabo, ao qual vencemos no dia a dia, pela força do nosso
Deus. Mas, basta uma leitura simples, para perceber esta teoria não se mantém
e claramente trata-se de um Salmo de guerra (Sl 18). Totalmente aceitável e
aplicado em seus dias. Sim, Davi perseguia os inimigos até os alcançar (dá até
para imaginar ele segurando os cabelos dos seus desafetos). Não somente isto,
mas ele os destruía (dava uma boa tacada no infeliz) e os atravessava (não resta
dúvida, que era com a lâmina de sua espada ou lança). Por pior que seja a cena
a ser imaginada, era isto que ocorria e sobre isto é que se cantava. Para a época
era algo não apenas comum, mas, inclusive, considerado como algo digno de
louvor a Deus, por Ele ter dado força para cada embate.
Todavia, embora o salmista pudesse cantar isto em seu culto, não
podemos trazer sua aplicação para os dias de hoje, precisaremos ter os devidos
1
CHAMPLIN, R. N. O Antigo Testamento Interpretado: Versículo por versículo. v. 1. São Paulo: Candeia,
2000 p. 2461.
cuidados, porque hoje somos chamados a amar os inimigos. Certa vez ouvi um
professor dizer em sala de aula: “antigamente, a forma de acabar com os
inimigos, era matando-os à espada. Hoje, a maneira que temos para nos ver
livres de nossos inimigos é evangelizando-os, tornando-os filhos da Luz”2.
Além desta barreira a ser vencida, o desafio da teologia do autor na época
da escrita de sua poesia, também há o cuidado com o uso “indiscriminado” nas
páginas do Antigo Testamento. Ou seja, a poesia bíblica e seu uso não está
restrita apenas aos chamados livros poéticos.
2
Frase proferida pelo Prof. Hilmar Fürstnau, em uma das aulas sobre Teologia do Antigo Testamento, no
curso de Teologia, no Seminário Teológico Batista do Paraná (hoje FABAPAR), no ano de 2002.
3
GUSSO, A. R. Os livros Poéticos e os de Sabedoria. Introdução fundamental e auxílios para a
interpretação. Curitiba: AD Santos: 2012, p. 07.
4
Para maiores detalhes sobre a estrutura do pentateuco, a partir de um viés poético, denominado
quiasmo, ver ZENGER, Erich. A Tora/ O Pentateuco como um todo. In: ______. et al. Introdução ao Antigo
Testamento. Tradução de Werner Fuchs. São Paulo: Loyola, 2003, p. 48ss.
ter ouvido que Amós, é um dos profetas mais hábeis na poesia hebraica, dentre
todos os escritores do AT, estando em mesmo pé de igualdade que o próprio
Isaias.
Enfim, há poesia em muitas páginas do AT. Mas, embora ela esteja tão
presente na vida do povo de Deus, tradicionalmente, há certa distinção entre
alguns livros sagrados. Em geral, os livros da Lei (a Toráh) tem certa
preeminência por ser a Palavra do próprio Deus, revelada diretamente ao maior
de todos os seus profetas: Moisés. Os livros proféticos (tanto anteriores, quanto
posteriores, conforme a divisão do cânone hebraico) também teriam certa
relevância. Todavia, os livros que chamamos de poéticos, bem como alguns
históricos, que os hebreus denominam como Escritos (Quetuvim), teriam certa
separação. Segundo alguns autores, tais escritos teriam um grau de importância
menor, por serem entendidos como palavras dos homens acerca de Deus.
Porém, é importante ressaltar, que, mesmo havendo tal diferença, temos
que distingui-la da poesia, em si. Mesmo porque, segundo a própria tradição
judaica, Moisés ou alguns profetas, em determinados momentos, teriam usado
sua veia poética para deixar registrado a revelação divina. Além disso, embora
os escritos poéticos, em sua maioria das vezes, serem considerados como uma
revelação a partir da interpretação do poeta, cremos que Espírito do Senhor
esteve inspirando as pessoas para que, sob sua perspectiva própria, pudessem
nos trazer lições para a vida.
A poesia está muito presente em quase todos os livros do AT e como
recurso estilístico é deveras respeitado. Mesmo que os livros considerados como
escritos e, de certo modo, tenham um grau menor de revelação, para a cultura
judaica, o recurso poético, em si, não sofria tal “desqualificação”. O contrário dos
dias de hoje, que para alguns, não são as coletâneas doas livros que teriam
hierarquia, mas sim, o gênero literário escolhido pelo autor. Isto é, é comum
ouvirmos hoje em dia, que determinado texto não tem tanto valo porque é mera
poesia. Ou, ainda, não poderia ter acontecido, porque fora descrito com
caracteres e linguajar poético. Uma coisa não exclui a outra. Apenas um exemplo
bem nosso: quantos aqui não lembram do livro “Os Lusíadas” de Luís Camões?5
Um escrito ricamente poético sobre o descobrimento do Brasil.
5
CAMÕES, Luís Vaz de. Os Lusíadas. Disponível em
<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000162.pdf> Acesso em agosto de 2016.
A poesia dentro de um contexto